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A decisão de Endrick. Pensá-la de forma linear ou de forma complexa.

“Não é fácil, e sobretudo temos de ter perfeita noção que não há receitas, apela fundamentalmente ao Sentido da Divina Proporção, daí que não faça sentido estabelecer momentos para a utilização tanto do feedback ou do feedfoward. E esse é o lado engraçado e desafiador do processo, não há receitas, tem de haver arte na gestão de tudo isto. Eu penso inclusive que muita da robotização manifesta por muitos jogares resulta da renúncia da parte dos treinadores ao lado intuitivo da gestão dos processos de treino. Parece que parte da pergunta feita, “em que momentos utiliza-os” espelha uma tendência generalizada nos treinadores, e que quanto a mim radica na não capacidade de lidarem com a complexidade e com o que esta implica, nomeadamente a necessidade de estarmos perante uma realidade que não é à partida totalmente conhecida.”

(Jorge Maciel, 2011)

Durante muito tempo acreditámos que existiam melhores decisões para resolver um determinado problema que o jogo coloque. Referimo-nos principalmente a situações que vão emergindo como padrão. Por exemplo, como decidir do ponto de vista atacante um contra-ataque em 3×2+GR, tendo inclusive em conta os diferentes comportamentos que os defensores e o Guarda-Redes poderão adoptar. Ainda acreditamos que existem melhores decisões do que outras. A principal passa por o Futebol ser um jogo com determinadas regras e especificidade, no qual não vale tudo, nem tudo tem a mesma validade qualitativa para o jogar ou se ser bem sucedido. Ou no limite, diferentes comportamentos, mesmo que no mais ínfimo detalhe, diferentes consequências na eficiência e eficácia no jogo. Resumindo, melhores decisões farão então crescer a eficiência e a eficácia no jogo.

Porém, a experiência e conhecimento levam-nos a reflectir, se hoje os treinadores em geral, não estão a condicionar as decisões de forma excessiva. É um debate recorrente, tendo em conta o argumento já clássico que recorre à forma como jogávamos na rua, e como, sem a presença do treinador, o jogo nos ensinava pela tentativa, erro e feedback sócio-emocional a regular a e modelar o nosso jogar do ponto de vista do trinómio Estética-Eficácia-Eficiência. E influenciando directamente tudo isso, obviamente que todos tínhamos velocidades e interesses diferentes sobre este desenvolvimento, o que se tornava decisivo no processo. Como maior exemplo, se quase todos sonhávamos em vir a ser jogadores de futebol profissionais, apenas alguns acreditavam mesmo nisso com a suficiente ambição, determinação e resiliência para efectivamente lá chegar.

Emerge então essa questão fundamental. Se os treinadores e a sua eventual excessiva intervenção, mecanização, e castração da criatividade, autonomia e individualidade, não estão então a condicionar e formatar os jogadores para perfis idênticos e de limitado poder autónomo, cognitivo, criativo e de pensamento divergente. A resposta parece-nos clara no Futebol de Formação. Mas quando a discussão se alarga ao Futebol de Rendimento, tendo em conta as necessidades do contexto em maximizar a eficácia e o pouquíssimo tempo que existe para treinar, a questão torna-se mais complexa.

O golo marcado por Endrick no Real Madrid x Estugarda para a Liga dos Campeões levantou uma importante discussão num grupo de treinadores de Futebol. A situação foi a referido atrás: o clássico contra-ataque 3×2+GR com mais 2 atacantes a chegar. Na nossa mente, são vários os sub-princípios ofensivos que podem ajudar a tornar mais eficiente a resolução da situação e portanto, mais fácil a finalização. Por outro lado, a finalização pelo jogador em condução pelo corredor central é uma dessas soluções e que acontece muito frequentemente no Futsal quando os dois defensores permitem aproximação à sua baliza e abrem espaço entre si, para que o remate seja efectuado com sucesso. E tão próximo da baliza, a capacidade de reação do Guarda-Redes torna-se mais curta. Mas não foi o caso. O jovem brasileiro finalizou de uma posição ainda distante da baliza.

Neste enquadramento, apesar da eficácia da decisão que tomou, tendo em conta a eventual dificuldade da mesma, terá decidido mal. Clarificando, decido mal numa perspectiva a prazo. Ou seja, repetindo a decisão mais 10 vezes, poderia não ter sucesso em mais nenhuma. Isto porque num pensamento lógico e linear, tomando uma decisão mais difícil muitas vezes, logo, de probabilidade de sucesso menor, irá perder essa oportunidade várias vezes. Diminuindo a eficiência, teremos então consequências na eficácia.

Mas perante uma potencial evolução de pensamento, este raciocínio, sublinhamos, torna-se simplificado e linear. Isto porque só estamos a pensar em tempo, espaço, número e na ”média“ da dificuldade das acções individuais para os jogadores em geral. Não estamos a pensar de forma complexa. Não estamos a pensar em que a acção humana não é linear, que existem jogadores que resolvem determinados problemas e acções muito melhor que outros. E neste caso concreto, a questão será… se Endrick voltar a tomar a mesma decisão… se voltará a marcar golo. É provável que não. Mas não sabemos sequer se volta a tomar a mesma decisão, até porque as circunstâncias são irrepetíveis. Cada ser humano é único. Como cada uma das suas decisões.

Fruto da nossa educação e cultura, somos levados a pensar de forma. Como tal tendemos a ignorar dimensões influentes no processo. Não ”vemos” intuição, qualidade da criatividade e do pensamento divergente. Temos dificuldade em sentir o que, naquele momento, a confiança de cada um pode aportar à situação. E isto são só alguns dos fenómenos que não vemos ou sentimos. Haverá muito mais certamente. Desejamos fechar o espectro de análise para conseguir catalogar, colocar em caixas, moldar e guiar, mesmo que na nossa mente isto não seja num sentido fechado. Mas no final torna-se sempre. O problema é se as “regras” traçadas pelo treinador ao jogo que quer que os jogadores joguem, limitam qualidades que o jogador tem ou está a ter, e o treinador não as vê ou sente.

Não existem jogadores iguais, com qualidades iguais, em momentos qualitativos iguais. Tal como as circunstâncias, por muito que se aproximem de forma semelhante. E é de facto o papel do treinador no treino, aproximá-las do jogo, tendo no entanto a consciência que nunca se irão verdadeiramente repetir. Assim, deve então propiciar contextos que se posicionem num limiar onde existirá transfere do treino para o jogo, conseguindo dessa forma potenciar e não castrar ou prejudicar.

Este caminho passa pela criação de princípios a diferentes escalas do jogo. Que são isso mesmo… princípios. Porque o seu desenvolvimento e final irá caber sempre aos jogadores e ao ”aqui e agora” do jogo. Dando o mesmo exemplo, dificilmente criamos a real condição da acção de Endrick, em ter acontecido nos derradeiros segundos dos descontos… e como o resultado se encontrava naquele momento. E consequentemente, o contexto emocional vivenciado. E “só” isto tem potencial para mudar a decisão de um jogador.

Por outro lado estamos sempre, no registo do certo ou errado. Da boa e má decisão. Estamos formatados para isso. Para a dualidade, para o binário. O que a ciência começa-nos a provar, é que a realidade não é assim. O “gato está vivo e morto até abrirmos a caixa”… 

Não estamos a defender o oposto da mecanização. Estamos a argumentar que devemos ter sensibilidade para o contexto de cada acção. E como Vítor Frade defende, devemos dar espaço à “divina proporção”. E como também diz… em ajudar a construir “mecanismos não mecânicos”. E isto passa pela intuição e decisão do treinador em criticar, valorizar, ou às vezes não intervir e deixar fluir. Como pensamos que deve ser este caso. Se no futuro começar a originar um padrão negativo… aí sim… condicionar ou mesmo reprimir a decisão. Até porque, na decisão tomada pelo jogador brasileiro, e sublinhado a ideia passada anteriormente, nas tais características lineares (tempo, espaço, número), não estamos a considerar a intuição, o pensamento divergente e a confiança. Que não só são fundamentais para muitas vezes desbloquear situações de jogo, como a nível macro, para o jogo evoluir. O Guarda-Redes do Estugarda, muito provavelmente, tal como nós, não previu aquela decisão do Endrick e por isso não a defendeu melhor…

Todos os que jogámos, e principalmente na rua, sentimos em determinados momentos uma intuição e uma confiança inabalável numa decisão ou execução mais difícil. Mesmo perante outras alternativas de decisão e execução bem mais fáceis. Mas decidimos fazê-lo porque sentimos que íamos ter sucesso. E tivemos. E como, do ponto de vista externo, medir ou avaliar isto? Não sentindo, torna-se de facto muito difícil. Por outro lado, avaliar uma acção pelo seu sucesso, torna-se o caminho mais simples, apesar dos riscos em si inerentes. E no fundo, é informação superficial. Tonar-se claro o grande desfio evolutivo que temos pela frente.

Concluindo, e lançando um tema futuro, é curto avaliar uma acção de jogo apenas através de tempo-espaço-número. Se há algum tempo para trás referíamos a importância de acrescentar a qualidade, hoje sentimos que a mesma também não pode ser considerada de fechada, mas sim muito influenciada por diferentes estados emocionais e diferentes contextos. Portanto, continuamos a acreditar que existem melhores decisões para resolver um determinado problema. No entanto, compreender as mesmas carece de uma visão mais complexa, do homem, do jogador, e está também mais dependente do contexto e do aqui e agora do jogo.

“nós normalmente quando acentuamos muito o que é táctico, temos tendência a robotizar, temos tendência a querer um futebol quase sem erros, um futebol mecânico. Eu já tive essa tendência, por exemplo, direccionar muito o feedback do exercício, sistematicamente parar para corrigir e não deixando que o jogo flua, é importante deixar fluir o jogo. Ás vezes estou no treino a ver uma solução, que para mim é a melhor solução, porque vem no sentido daquilo que é a minha ideia de jogo, por exemplo, quando a bola entra no corredor quero que haja a tentativa de forçar esse corredor em situações de dois contra um, através do envolvimento do lateral ou através do envolvimento do médio centro. Mas eu tenho um extremo direito que é muito melhor jogador daquilo que eu fui, mas muito melhor jogador, e muitas vezes aquilo que eu fui como jogador limita-me em termos de leitura daquilo que está acontecer, isso acontece montes de vezes, estou à espera de um movimento qualquer e o movimento sai correcto, o movimento sai correcto e a bola não entra, tenho a tentação de dizer é neste momento, tau, mas esse meu extremo direito inventa futebol, mas inventa futebol com uma qualidade acima da minha, do meu entendimento. Ele consegue descobrir soluções que eu no meu entendimento não consigo perceber, no momento não consigo perceber o que ele quer mas ele descobre, ele descobre porque ele tem muito mais qualidade do que eu algum dia tive e apesar de eu estar de fora ele é capaz de descobrir soluções… Aqui há uns anos se ele não jogava no movimento que eu pretendia, ficava chateado, porque achava que ele não estava a corresponder à dinâmica do colectivo. Agora deixo fluir, porque percebo que ele me consegue dar, a maior parte das vezes, soluções muito mais ricas do que aquelas que eu estava à espera. Eu não limito a criatividade, eu deixo criar mas tem que ser… agora, se ele me cria uma vez e perde a bola, se me cria duas vezes e perde a bola, sistematicamente colocando em causa o que é o colectivo, ai isso para mim não é criatividade. Para mim ele está a recrear, não está a criar para a equipa. O problema é nós deixarmos que eles do ponto de vista individual consigam emprestar o mais possível ao colectivo.”

(Vítor Pereira, 2009)

Desmontar diferentes hábitos de treino

Publicamos um novo tema na dimensão Metodologia. Sub-tema de Plano Anual e Planeamento, apresentamos o tema Desmontar diferentes hábitos de treino.

Deixamos um excerto.

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“Imagina, é como se tivesses começado a guiar um carro novo que anda numa velocidade que lhes exige outra condução [risos]. Eles estavam habituados a muitas paragens, coisas muito lentas, com muito espaço, estás a perceber? Muita corrida, muito físico…”

(Vítor Pereira, 2017)

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Perante contextos similares consolidados, (Jorge Maciel, 2011) surge alinhado com esta ideia. O treinador português acredita que o modo como o treinador responde “pode ser determinante para o meu sucesso nessa realidade. Trata-se de uma questão muito sensível que requer da parte do treinador muita sensibilidade e muita convicção na sua forma de treinar, porque se vacila e não tem consistência no que faz a tendência é para seguir o instituído, ou não seguindo, fazer uma mistura e acaba nem por seguir coerentemente uma forma de treinar nem outra. Perante um possível cenário como o evidenciado na questão o treinador tem de perceber que os jogadores são pessoas, e como tal têm uma história que pela continuidade com que foi sendo marcada, foi incorporada e como tal exerce um peso enorme sobre aquilo que as pessoas são, pensam e fazem”.

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Também (Carlos Carvalhal, 2017) expõe que “há jogadores que, por questão cultural, gostam de fazer um trabalho extra e não sou inibidor disso. É um trabalho que é como o ‘melhoral’, nem faz bem nem faz mal. É o que digo aos meus adjuntos [risos]. Há um ou outro que o querem fazer para se sentirem bem e o que eu quero acima de tudo, como treinador, é que os meus jogadores se sintam bem. Quando aquele trabalho não prejudica, não ponho qualquer tipo de restrição. Agora, se o trabalho colide com um dia em que estamos a procurar determinado tipo de contrações musculares, eles já o sabem, porque explicamos que tipo de trabalho têm de fazer, é trabalho orientado. É um espaço de liberdade e um treino que é mais para a cabeça do que propriamente para o físico mas a gente também quer que a cabeça esteja bem”.

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Modelo de treino de Zbigniew Naglak

Publicamos um novo tema na dimensão Metodologia, sub-temas Metodologia geral do treino > História do treino. Abordamos então o tema Modelo de treino de Zbigniew Naglak.

Deixamos um excerto.

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“Mas Zbigniew Naglak não se focou apenas na problemática do planeamento e programação. O autor polaco, citado por (José Luis Martínez, 2019) concentrou-se também na dimensão técnica da acção desportiva. Para Naglak, por técnica desportiva “compreendemos um procedimento surgido e comprovado ao longo da prática, direcionado para encontrar a melhor forma possível de alcançar um objetivo desportivo. Este procedimento conduz de forma direta e económica à obtenção de um resultado elevado (Meinel, “Teoria do movimento”). Fidelus define a técnica desportiva como o modo de alcançar um objetivo motor determinado pela tática, que leva em consideração o nível de desenvolvimento das características motoras e psíquicas.“”

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Etapa de Integração na Equipa Principal

Publicamos um novo tema na área Metodologia, sub-tema Metodologia geral do Treino / Níveis do jogo de Futebol / Futebol de Formação / Programa de Formação. Abordamos o tema Etapa de Integração na Equipa Principal.

Deixamos um excerto.

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Algo que tem vindo a desaparecer com as mudanças culturais, ou por outro lado é realizado noutras circunstância, de forma mais implícita e menos directa, é o acompanhamento de jovens jogadores avaliados com potencial pelo clube por jogadores mais experientes na equipa A. Novamente (Alex Ferguson, 2015), relata que no “seu” Manchester United, “uma das formas de fundir juventude e experiência era operada longe das câmaras de televisão. De vez em quando, jogadores sénior como Bryan Robson e Darren Fletcher jogavam com a equipa de reserva. Tratava-se de um grande incentivo para os jogadores com quem estávamos a contar no futuro. Mesmo que os jogadores experientes aparecessem e se limitassem a ficar a ver os mais jovens, estes recebiam uma grande dose de confiança. Bryan Robson, Steve Bruce, Brian McClair fizeram-no, e Gary Neville também ajudava os jovens a decidirem os contratos. Cada um tinha a sua maneira de ajudar os jovens. Gary estava sempre a repreendê-los, mas queria que fossem bem sucedidos. Curiosamente, quando Gary chegou à equipa, ele próprio sofrera uma pressão semelhante por parte de Peter Schmeichel. Quando Ryan Giggs chegou à equipa principal, foi muito ajudado por Paul Ince, que o acolhei debaixo da sua asa. Acontecera-me o mesmo no St Johnstone, quando três jogadores mais velhos – Jim Walker, Jimmy Little e Ron McKinven – me ajudaram. No United, Eric Cantona teve um dos gestos mais simpáticos para com os jovens jogadores quando, depois de toda a equipa ter feito apostas quanto à final da Taça de Inglaterra, cada indivíduo teve como alternativa ficar com a sua parte ou deixá-la para um sorteio. Todos os jogadores mais jovens, como David Beckham e Gary Neville, ficaram com a sua parte, mas Paul Scholes e Nicky Butt permaneceram. Quando Eric venceu o sorteio, ofereceu o prémio a Paul Scholes e Nicky Butt, acabados de chegar à equipa principal e para quem, na altura, £7500 equivaliam a dois meses de salário. O motivo adiantado era tipicamente à Eric: «Porque eles têm tomates». Para um jovem, é um grande incentivo ter um mentor em quem confiar e que lhe defenda os interesses. Existe um laço mais natural entre jogadores do que entre a equipa técnica e os jogadores. Parte disso deve-se ao fosso normal que existe entre funcionários e gestores. A outra parte deve-se à diferença de idades. Por exemplo, perto do final do meu tempo no United, James Wilson tinha muito mais facilidade em identificar-se com Patrice Evra do que comigo, pois eu tinha idade para ser avô dele. É muito importante saber escolher ou ter a sorte de ir parar às mãos do mentor certo. Os melhores mudam-nos a vida”.

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“O futebol é um jogo de erros. E dos erros aprende-se.”

“No final, é o que fazes para poder ganhar e isso é o mais importante.”

“Então, juntaste muita informação, mas, mesmo assim, não conseguiste ensinar um quarterback a receber um snap”

“Então, como há muito negócio e o futebol gera um volume económico espetacular, começa a entrar gente que não tem nada a ver com futebol e que se apodera do futebol. Intermediários e representantes ganham mais dinheiro do que muitos treinadores e jogadores, sem jogarem. Especialistas de todo o tipo. Aparece a ciência e trata de dizer aos donos, aos que têm dinheiro, que há uma forma de controlar o jogo, de medir o jogo, quando é absolutamente falso. Eu acredito na ciência, claro que acredito na ciência, mas naquela ciência que tem em conta a incerteza.”

(Óscar Cano, 2022)

“Havia algo irresistível em estar perto desses grupos que me fazia desejar mais conexão.”

No livro “The Culture Code” de (Daniel Coyle, 2018) encontramos um texto interessante sobre a coesão de equipa, a qual, nalguns casos de sucesso atinge o estatuto de “família”. De facto, também no Futebol vai emergindo internamente nas melhores equipas a denominação “família” perante um alto nível de ligação, alinhamento, solidariedade e cumplicidade. No fundo, o tal tão desejado entrosamento. Tal, nem sempre significará resultado desportivo pois para o mesmo também concorrerá a qualidade individual dos jogadores e a qualidade da oposição. Contudo, a qualidade colectiva estará então conquistada.

“Quando se pede às pessoas dentro de grupos altamente bem-sucedidos para descreverem a sua relação umas com as outras, todas tendem a escolher a mesma palavra. Essa palavra não é amigos ou equipa ou tribo, ou qualquer outro termo igualmente plausível. A palavra que usam é família. Além disso, tendem a descrever o sentimento dessas relações da mesma maneira:

“Não consigo explicar, mas as coisas simplesmente parecem certas. Na verdade, tentei sair algumas vezes, mas continuo a voltar. Não há sensação igual. Estes caras são meus irmãos.” (Christopher Baldwin, SEAL Team Six da Marinha dos EUA)

“Não é racional. Ninguém que seja puramente racional faz as coisas que acontecem aqui. Existe um trabalho em equipa que vai muito além de equipa e se sobrepõe ao resto da vida das pessoas.” (Joe Negron, escolas charter KIPP)

“É uma adrenalina, saber que podes correr um grande risco e essas pessoas estarão lá para te apoiar, aconteça o que acontecer. Somos viciados nessa sensação.” (Nate Dern, Upright Citizens Brigade, grupo de comédia)

“Somos todos sobre ser um grupo familiar, porque isso permite correr mais riscos, dar permissão uns aos outros e ter momentos de vulnerabilidade que nunca se poderia ter num ambiente mais normal.” (Duane Bray, IDEO design)

Quando visitei esses grupos, notei um padrão distinto de interação. O padrão não estava nas grandes coisas, mas nos pequenos momentos de conexão social. Essas interações eram consistentes, fosse o grupo uma unidade militar, um estúdio de cinema ou uma escola no centro da cidade. Fiz uma lista:

  • Proximidade física estreita, frequentemente em círculos
  • Grandes quantidades de contacto visual
  • Toque físico (apertos de mão, toques de punho, abraços)
  • Muitas trocas curtas e energéticas (sem longos discursos)
  • Altos níveis de mistura; todos falam com todos
  • Poucas interrupções
  • Muitas perguntas
  • Escuta intensiva e activa
  • Humor, risos
  • Pequenas cortesias atentas (agradecimentos, abrir portas, etc.)

Mais uma coisa: descobri que passar tempo dentro desses grupos era quase fisicamente viciante. Estendia as minhas viagens de reportagem, inventando desculpas para ficar mais um ou dois dias. Encontrava-me a sonhar acordado com mudar de profissão para poder candidatar-me a um emprego com eles. Havia algo irresistível em estar perto desses grupos que me fazia desejar mais conexão.

O termo que usamos para descrever este tipo de interação é química. Quando se encontra um grupo com boa química, percebe-se instantaneamente. É uma sensação paradoxal e poderosa, uma combinação de excitação e profundo conforto que surge misteriosamente com certos grupos especiais e não com outros.”

(Daniel Coyle, 2018)

Modelo de treino de Kazimierz Fidelus

Publicamos um novo tema na área Metodologia, sub-tema Metodologia geral do Treino, sub-sub-tema História do treino do futebol. Abordamos o capítulo Modelo de treino de Kazimierz Fidelus.

Referimos que apesar de não encontrarmos muitas referências bibliográficas a propósito do trabalho de Kazimierz Fidelus, vários autores e trabalhos sobre a história do treino apontam o trabalho do autor como importante na era pós Matveyev.

“o critério mais importante para perspectivar e avaliar os requisitos técnicos decorre da sua efectividade no jogo, portanto, da sua conformidade às tarefas tácticas que os reclamam”

(Fidelus, 1983) citado por (Júlio Garganta, 1997)

Pequenas decisões, grandes consequências.

“a imagem do líder é o seu exemplo. Em todas as suas atitudes.”

(Tomaz Morais, 2014) 

A última substituição de Roger Schmidt no Benfica x Arouca terá simbolizado a despedida de Rafa do Benfica após oito anos no clube. Mas não só. Por outro lado, foram os primeiros minutos de João Rêgo na equipa principal do Benfica após seis anos no clube e o lançamento de mais um produto do futebol de formação português.

Se ao contrário das últimas décadas, o lançamento de um jovem jogador formado num clube português já não é um acontecimento surpreendente e grande notícia, este caso concreto torna-se especial porque naquele momento o treinador alemão podia ter optado pela estreia do jovem argentino Gianluca Prestianni contratado esta época ao Vélez Sarsfield por 9 milhões de euros.

O nosso foco não se coloca na comparação e na avaliação do potencial e qualidade de cada um dos jogadores em causa. Coloca-se sim na decisão de Roger Schmidt, que pode parecer pequena, mas apresenta potencial para produzir grandes consequências. O momento futebolístico de João Rêgo é fruto do investimento e das qualidades do próprio, eventualmente dos seus familiares, e do trabalho de muitas pessoas durante o seu processo formativo. E ainda, de um grande investimento do clube em conjunto com um pequeno contributo da FPF dada a sua presença nas selecções nacionais jovens.

Deste modo, é dado um sinal. É reforçado e indicado um rumo. Interna e externamente. Um sinal que demonstra confiança e aposta nesse projecto de longo prazo do clube e no trabalho dessas inúmeras pessoas envolvidas no Futebol de Formação. Contribuindo assim, decisivamente, não só para a motivação das mesmas com também para a motivação dos jogadores mais jovens que virão a seguir. Em última instância trata-se da valorização do jogador português de uma forma geral. Sendo ainda que o valor que o argentino custou ao clube fortalece ainda mais a transmissão desta ideia. É portanto, uma dose de “fermento” em todo o processo. O próprio diretor-geral do Benfica Campus, (Pedro Mil-Homens, 2022), aponta isso mesmo, ao sustentar que “um clube como o Benfica só pode ter um projeto de formação na dimensão que tem — investimento, recursos humanos, instalações, expectativas — se o principal objetivo for retirar deste projeto jogadores para o seu futebol profissional”.

Treinadores de futebol de formação do AC, Milan, em entrevista ao canal do clube (AC Milan, 2013) descreveram que a maior recompensa para um treinador de formação pode ter é “ver crianças crescerem e tornarem-se homens e que alguns destes jogadores atinjam o futebol profissional. Isso quer dizer que no percurso, nós ensinámo-lhes alguma coisa valiosa”.

“Gere-se havendo diálogo, escolhendo pessoas para a direção técnica da equipa principal que se alinhem com o projecto do clube. O clube tem um projeto e as pessoas encaixam, com certos graus de liberdade, mas num rumo que é preciso manter. De outro modo o clube perde a sua identidade e o seu ADN.”

(Pedro Mil-Homens, 2022)

A era da Periodização Física

Publicamos um novo tema na área Metodologia, sub-tema Metodologia geral do Treino, sub-sub-tema História do treino do futebol. Abordamos o capítulo A era da Periodização Física.

“Nos meus primeiros anos como treinador fazia coisas piores do que me faziam a mim e as quais repudiava. Porque não sabia fazer mais nada.”

(Luís Castro, 2017)

Erros metodológicos comuns: Excessiva variabilidade dos exercícios

Publicamos um novo sub-tema na área Metodologia.Abordamos um erro metodológico comum: Excessiva variabilidade dos exercícios.

“um tipo de treino que seja a variar constantemente, não permite que o jogador distinga a informação relevante da que não é relevante. Que consiga actuar sobre essa informação. Variabilidade e estabilidade devem estar sempre presentes no treino.

(Duarte Araújo, 2022)