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Fórum da ANTF 2019

“Nós, portugueses, temos a capacidade de ligar as pessoas. Pelo jogo, pelo nosso trabalho.”

(Carlos Carvalhal, 2019)

Sendo este projecto, prioritariamente direccionado para treinadores de Futebol, e sendo ele também Português, faz-nos todo o sentido abordar o Fórum da Associação Nacional de Treinadores de Futebol. Para mais, numa edição em que marcaram presença vários dos, reconhecidamente, melhores treinadores Portugueses.

Estes eventos, como é referido muitas vezes pelos seus participantes, mais do que um reforço ao conhecimento, surgem com uma excelente oportunidade para trocar experiências e promover ligações. A frase de Carlos Carvalhal, é assim, nos mais diversos contextos, extremamente feliz.

Na edição de 2019, foram abordados vários temas extremamente pertinentes, sem contudo sentirmos estar a viver um período de ruptura ou grande evolução no conhecimento do treinador. Mas, como no treino, nem sempre o percurso é feito de aquisição. Têm, obrigatoriamente de existir momentos de consolidação.

Sentimos, ao nível metodológico, estar perante um deles. Se há cerca de 10 anos atrás ainda se discutia sobre o que devia ser o núcleo das preocupações do treinador na construção do seu treino, hoje sentimos haver uma crença generalizada, de que o “jogar” da equipa deverá assumir esse papel. Deste modo, a Periodização Táctica, nos seus alicerces fundamentais, passou para muitos, de adversária a companheira de viagem. Na sua especificidade, nomeadamente ao nível dos seus princípios metodológicos, ainda subsiste um longo caminho a percorrer, muito devido à enorme complexidade que protagoniza. Porém, como vimos a referir há anos, a ruptura epistemológica mais importante ao nível metodológico, parece-nos ter vindo para ficar. Hoje, o treinador, e não nos referimos a alguns técnicos que gravitam à sua volta, acredita que treina-se para jogar, fundamentalmente… jogando.

O conhecimento do jogo, e o contexto cultural que o treinador encontra foi um dos temas mais abordados. Dadas as diferentes experiências culturais dos intervenientes no Fórum, a importância que o treinador deve dar ao contexto onde se insere, é hoje tida como decisiva. É fundamental o treinador ter ideias para o jogo da sua equipa, ter a sua metodologia, ter consciência e ideias para a sua liderança. Mas é também fundamental, que considere e tenha em conta o contexto cultural onde trabalha nas suas decisões. Só neste domínio, o seu papel exige que pense de forma bidimensional, interagindo entre as suas ideias e convicções, e as dos que lidera e suas características. Um treinador que é autista em relação a qualquer uma delas, coloca-se perante uma grande probabilidade de fracasso.

“Um treinador que chega ao Futebol Chinês ou Árabe, tem de estar preparado para ensinar o jogo e o treino, tem de estar preparado para ensinar coisas básicas.”

(Vítor Pereira, 2019)

Como também o será se igualmente ignorar a relação do Modelo de Jogo com a Dimensão Estratégica. É outra discussão que se encontra em cima da mesa: o peso da dimensão estratégica nas decisões do treinador. José Mourinho referiu que acredita que uma tendência evolutiva nas equipas será “as equipas terem vários sistemas tácticos dentro do mesmo Modelo, nomeadamente na Organização Ofensiva. As equipas já defendem tão bem e estão tão bem organizadas que para fazer face a isso, quem ataca tem de conseguir dar resposta com várias soluções”. Também o seleccionador português de Futsal, Jorge Braz, apresentou-se na mesma linha de pensamento, ao explicar que no seu trabalho pensa “a estratégia, procurando perceber quem tenho do outro lado, e procurando ter várias soluções e um pensamento aberto”. Se este tem sido um dos nossos pensamentos, de há muito para cá, parece-nos que a ideia de que uma Ideia de Jogo é muito mais do que um sistema, se está a generalizar entre os treinadores. A ideia, é tanto mais rica quando mais soluções conseguir garantir a problemas que os diferentes adversários e contextos poderão trazer ao jogo. Deste modo, sem cair numa amálgama de ideias com pouca coerência entre si, a necessidade que a realidade competitiva traz às equipas, potencia o crescimento de Modelos ricos e adaptáveis ao envolvimento. Para nós, objectivamente, as fronteiras dessa coerência, por motivos tácticos e consequentemente… humanos, estarão entre “jogares” que sustentem ideias colectivas e ideias individuais. Deste modo, não nos parece coerente conjugar métodos Defensivos e Ofensivos Colectivos, com métodos Individuais. São formas muito distintas de ver a realidade, de estar… e consequentemente… de jogar.

Mas esta evolução… tem obrigatoriamente… como constantemente defende o professor Manuel Sérgio, de surgir de uma relação entre a prática e a teoria. Se durante muito tempo se criticaram os dogmas dos que fundamentavam o conhecimento, exclusivamente pela prática, hoje parece assistir-se à inversão dessa lógica. Foi outra questão, pertinente, colocada no Fórum.

“Na nossa geração, tínhamos que vencer e depois fazíamos doutrina, hoje faz-se doutrina antes de se vencer.”

(José Mourinho, 2019)

Mas vejamos… estes debates que hoje estão em cima da mesa, relacionam-se com o jogo. Com a forma de jogar das equipas e sua relação com o envolvimento. Isto é para nós uma enorme prova da evolução do nosso conhecimento. Até porque em muitas culturas ainda se acredita que o físico-energético deve ser a grande preocupação do treinador no treino…

Paralelamente, actualmente, parece-nos que é ao nível da Liderança que o treinador está também perante grandes desafios. Os vários intervenientes no Forúm, relatando variadíssimas experiências, sublinham que são inúmeros os potenciais problemas com que o treinador se confronta diariamente nos mais diferentes contextos de jogo e realidades culturais. Na gestão da equipa e também do seu envolvimento. Hoje torna-se também fundamental ao treinador conhecer o homem que lidera. Na sua generalidade e na sua especificidade. Actualmente, apenas dirigir, deixou de funcionar. É fundamental interagir. As redes sociais, como abordado, são um bom exemplo das tremendas mudanças que a sociedade enfrenta, e consequentemente, o papel do Treinador. Como referimos atrás noutro contexto, ser autista também em relação a este domínio… é condenar-se ao fracasso. Por arrasto, por exemplo, como Vítor Pereira referiu, no Futebol Profissional acabaram-se os contratos de uma página. São agora às dezenas, contemplando os mais ínfimos pormenores. O que traz ao treinador, a necessidade de reforçar a sua equipa técnica com especialistas de mais áreas. Contudo… partindo e reduzindo… “sem empobrecer”… e sem perder o sentido e o controlo do “todo”.

Mas há um ponto em que, nós portugueses, somos unânimes. A qualidade das ideias do treinador português, a sua criatividade como não se cansa de referir Jorge Jesus, mas também o sublinhou Rui Quinta, e fundamentalmente, o impacto do seu trabalho. Mesmo, como abordámos há pouco tempo noutro artigo, em condições de trabalho na maioria dos casos, paupérrimas. Rui Quinta, ilustrou precisamente isso no seu trabalho no Sporting Clube de Espinho, no terceiro escalão do Futebol Português. Partilhou que operacionaliza várias sessões de treino por semana num campo secundário, que mais parece um terreno baldio, com piores condições que muitos espaços onde as crianças jogam na Rua. Mas em vez de encarar o cenário como um problema, encara-o como um desafio e uma oportunidade para estimular outras coisas, muitas que eram vividas pelo próprio Futebol de Rua.

Isto levantará sempre uma questão: será que é por essas dificuldades que o treinador português é uma referência a nível mundial? Naturalmente, que inventar soluções para os mais diversos problemas, a precariedade na sua profissão, juntando a uma enorme concorrência e competitividade para o desempenho da mesma, ajudam. Mas, dados os sentimentos que a maioria expressa, o mais importante acreditamos ser a sua paixão pelo jogo, pelo treino e pela missão. Por outro lado, os enormes benefícios que poucos alcançam serão “apenas” um bónus e não será por isso que é movida, a maioria. Se a premissa fosse simplesmente a falta de condições de trabalho, os melhores treinadores do mundo surgiriam de muitos países Africanos, Asiáticos e até da América do Sul. A realidade não é essa.

Para os que são principais responsáveis pela precariedade da função e das condições de trabalho, não adianta apontar que… perante algumas realidades… será bom não ter as melhores condições. É definitivamente um pensamento errado. Para o treinador e para a sua equipa, é sempre melhor ter o máximo de condições. Onde se inclui o campo pelado cheios de buracos. Para que algumas vezes, o treinador possa optar (e não ter que obrigatoriamente recorrer a ele), em detrimento do campo do relvado perfeito. Porque… estímulos diferentes, adaptações diferentes. Porque… é pelo conhecimento, pelo sentir, planear, operacionalizar e liderar, que a gestão do treinador desses recursos se deve realizar. E então aí, eventualmente surgirá também a sua genialidade.

E vamos ainda mais longe… imaginamos o cenário onde a maioria dos treinadores não tem a mente ocupada por preocupações mais básicas, como contas para pagar no final do mês ou o seu futuro. Um cenário, onde simplesmente tem a possibilidade de ser… profissional… numa área em que lidera a nível mundial e eleva Portugal a um reconhecimento e a mais valias económicas… incríveis.

Infelizmente, perdeu-se mais uma oportunidade para abordar este problema basilar. Com quem realmente interessa, porque muitos dos presentes, apesar de terem atingido o topo ao nível profissional, também passaram pelas dificuldades da maioria. Mas como é habitual, a representação política no Fórum, foi extremamente elogiosa ao treinador português, porém parece apenas preocupar-se com a minoria dos treinadores. Sendo assim, voltamos a lembrar: são estes “responsáveis” que estão no topo da hierarquia. Portanto, mais do que são com estes com quem os treinadores trabalham… são contra estes que o treinador trabalha.

“Se não fores feliz, não podes ser treinador.”

(Fernando Santos, 2019)

Saber sobre o saber treinar II

Reforçamos que este espaço não procura avaliar competências, sejam elas individuais ou colectivas, mas consolidar e construir conhecimento. Inevitavelmente que para isso procuramos compreender como os melhores jogam ou trabalham. Ser melhor será para muitos, relativo, pois dependerá do conhecimento e perspectiva com que se analisa. No entanto, quando se trabalha melhor, está-se sempre mais próximo do rendimento. Sendo o Futebol um jogo, o rendimento, portanto, vencer, será sempre o destino. Aqui, uma vez mais, procuramos o(s) caminho(s) para atingir esse destino.

Jorge Jesus é um bom exemplo para nós, principalmente pelas suas ideias e consequente desempenho das suas equipas, mas também porque já passou por diferentes clubes. No passado, trabalhando noutro clube, trouxemos uma sua palestra na Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa sobre as suas ideias e trabalho. Pareceu-nos pertinente, pelas ideias, mas também pela contínua qualidade do seu trabalho, agora noutro clube, trazer algumas declarações em entrevistas recentes.

Jornalista: Tem noção também que tudo isto é um pouco contingente até aquele minuto 92. Se calhar o desfecho da história era diferente. Ou seja todo um trabalho bem feito poderia ter ido por água abaixo?

Vítor Pereira: Mas o trabalho estava lá. O que é que isso mudaria? Mudaria o titulo, mas o trabalho estava lá.”

(Vítor Pereira, 2014)

“Mais vale dizer coisas certas com as palavras erradas do que que dizer coisas erradas com as palavras certas”.

(Manuel Sérgio, 2013)

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“Não há um bom treinador sem bons jogadores e não há uma boa equipa sem um bom treinador.”

(Jesus, 2015)

“Os treinadores portugueses, são actualmente os melhores treinadores do mundo, são os que têm mais conhecimento em todas as áreas que definem o crescimento de uma equipa de Futebol, e portanto se tiveres a possibilidade de trabalhar numa equipa que tem condições financeiras para teres isto tudo, eles têm muito mais facilidade de ganhar esses títulos que qualquer outro treinador do mundo. Tirando o Pep Guardiola porque também penso que é um pouco parecido com os treinadores portugueses”.

(Jesus, 2015)

“Óbvio que ganhar títulos é importante, mas não é tudo. O que me interessa é que, a certa altura, os meus jogadores me digam: “Treinador, você ajudou-nos e tornou-nos melhores jogadores. Aprendemos muito consigo””

(Guardiola, 2013)

Formação e Metodologia

“Muitas vezes há jovens treinadores que saem das universidades para o terreno e têm muitas dificuldades em expressar qualquer tipo de conhecimento e por em prática uma metodologia. E é engraçado que ele diz ter uma metodologia sua no Futebol, e isso é muito importante. A maior parte dos treinadores não têm metodologia e essa é que é a grande verdade e aí tenho que enaltecer e realçar a entrevista do Jorge Jesus, porque hoje em dia o que se faz e eu vejo muito isso, por estar cem por cento ligado ao desporto, são cópias puras e duras e depois as pessoas acabam por esbarrar na falta de aplicabilidade que essas cópias que querem fazer têm no dia-a-dia, e Jorge Jesus toca com o dedo na ferida. É uma reflexão que todos aqueles que formam treinadores têm que fazer, porque o treino, como Jesus também diz, é uma área cientifica e não é qualquer pessoa que pode ser treinador ao contrário do que está vulgarizado na nossa sociedade”.

O ex-seleccionador de Rugby e professor universitário Tomaz Morais, no programa MaisFutebol de 30 de Maio de 2014, sobre a entrevista de Jorge Jesus à BenficaTV de 29 de Maio de 2014

Saber sobre o saber treinar

“As pessoas riram-se muito quando Jesus disse que tinha inventado uma ciência, fartaram-se de rir disso, e é uma estupidez porque uma ciência é um corpo organizado de conhecimentos, e portanto o que o Jorge Jesus fez foi isso de facto. Ele tem, provavelmente até tomou apontamentos e armazenou, um conjunto sistematizado de conhecimentos sobre uma determinada matéria e que põe em prática com óptimos resultados, coisa que boa parte dos cientistas não se pode gabar.”

Ricardo Araújo Pereira

Livro

Observar para ganhar, Nuno Ventura, 2013

Observar para ganhar, Nuno Ventura, 2013