Introdução

 

 

O contexto evolutivo

“Para aprender necessitamos em primeiro lugar de compreender o que queremos aprender”.

J. A. Marina citado por (Moreno, 2009)

Desde cedo, manifestando o egocentrismo natural de uma criança, a humanidade autoproclamou-se figura central no Cosmos. No entanto, no domínio do que é conhecimento humano, analisando a evolução do Universo, facilmente constatamos que a evolução do Homem do ponto de vista espaço-temporal, é minúscula. Apesar dos aproximadamente 200000 anos de existência da espécie humana, considerando que a origem do Universo se deu há 15 biliões de anos, devemos através da genial escala evolutiva criada pelo astrónomo Carl Sagan em 1977 denominada “Calendário Cósmico” no seu livro os Dragões do Éden, compreender a nossa real dimensão existencial. De acordo com (Wikipédia, 2016) o método construído por Sagan permite “visualizar o tempo de vida do Universo, comparando tudo que aconteceu a um calendário anual, ou seja, o Big Bang ocorreu no dia 1 de Janeiro cósmico, exatamente à meia-noite e o tempo presente é às 23 h 59 min 59 s do dia 31 de Dezembro. Neste calendário, o sistema solar não é exibido até 09 de setembro, a vida na Terra vem a 30 desse mês, os dinossauros apareceram pela primeira vez em 25 de dezembro e as primeiras primatas em 30. Os mais primitivos Homo Sapiens não chegaram até dez minutos antes da meia-noite do último dia do ano, e toda a história humana ocupa apenas os últimos 21 segundos. Nesta escala do tempo, a idade média humana são 0,15 segundos. Permite ter uma noção relativa de diversos fenómenos nos 13,8 biliões de anos desde o Big Bang. O calendário cósmico tem o objetivo de abreviar ou resumir metaforicamente num ano toda a história do universo, desde o início do Big Bang aos dias atuais”.

Calendário Cósmico, (Sagan, 1977).

Como podemos constatar através do modelo de Sagan, a nossa existência enquanto seres humanos é, do ponto de vista espaço-temporal, extremamente pequena e jovem. Os primeiros humanos, apareceram apenas nos últimos 8 minutos do ano de Carl Sagan!

Por outro lado, através destes dados podemos comprovar que a vida é extremamente adaptável e evolui de forma fabulosa, já que existindo, no planeta Terra, há apenas ¼ do tempo total do universo, já sofreu, no entanto, fantásticas metamorfoses numa constante evolução e adaptação ao ambiente envolvente. Porém se formos mais longe, verificamos ainda mais espectacularmente que toda a civilização humana, se a pensarmos pela emergência da agricultura e do sedentarismo, remonta apenas aos últimos 25 segundos do tempo total da escala de Sagan, portanto, “acabámo-nos” de tornar seres «civilizados». Contudo, se analisarmos o nível de complexidade que já adquirimos, relativamente ao ser unicelular que, supostamente nos deu origem, também concluímos que rápida e complexamente a vida evolui.

A obtenção da inteligência é provavelmente o momento mais marcante da nossa “curta” evolução e o maior exemplo da nossa fantástica capacidade evolutiva. Analisando ainda que se a nossa grande evolução cultural desenvolveu-se em “apenas” 3000 anos, facilmente percebemos o porquê de nos dias de hoje termos ainda vários exemplos de comportamentos que nos assemelham aos nossos primórdios e aos nossos instintos individualistas mais primários de sobrevivência. Contudo, devemos tomar consciência que a evolução não é linear e contínua, o que nos leva a concluir que estamos ainda com grandes dificuldades para lidar com as mudanças evolutivas que atingimos, nomeadamente com a inteligência. Talvez nos assemelhemos à criança que começa a dar os primeiros passos, em constantes desequilíbrios e quedas. Esta leitura reforça-se se compreendermos que o grande salto na evolução científica e tecnológica surgiu apenas nos últimos 50 anos, o que nos levou, a grandes e abruptas mudanças no campo político, religioso, social e moral. O treinador de Rugby Tomaz Morais citado por (Carlos Filipe Mendonça, 2006) consolida a ideiaafirmando que o Homem é, de facto, um ser multidimensional que necessita de se expressar em todas as suas dimensões – operacional, social e política.

Neste contexto levantam-se questões de fundo que irão traçar a nossa evolução. Uma delas coloca-se sobre a nossa tendência evolutiva: caminhar para a homeostasia, para a consciência social, para o colectivo, que nos conduzirá à sobrevivência e a outros patamares evolutivos? Ou em determinado momento atingiremos um pico evolutivo e depois vencerá a nossa natureza mais primitiva, o nosso instinto de sobrevivência, exacerbando a nossa existência individual, e como consequência a espécie cresça exponencialmente, consumindo todos os recursos, destruindo o planeta, tal como se de um vírus nos tratássemos? Paradoxalmente, pois pensando pela minha consciência e não pela de toda a espécie, atrevo-me, a acreditar que tendemos para a consciência social e ecológica, secundarizando a nossa dimensão individual, grupal ou geracional, ficando estas cativas de um projecto colectivo Humano existencial. Imagino que o que nos conduzirá a esse destino será a evolução da nossa inteligência para um grau de consciência complexa tal, que nos fará perceber que sozinhos, não teremos futuro enquanto espécie, estando mesmo a colocar em risco a nossa própria existência individual, tal como ficou expresso várias vezes na história, nos conflitos travados e crises geradas. O todo, a força do grupo, da equipa, dá-nos qualidades extra para conseguirmos a superação e feitos fantásticos, levando-nos a outros patamares evolutivos e que em última instância, nos poderão garantir a sobrevivência.

Esta reflexão histórica contextualiza a especificidade cultural humana que este trabalho tem por objecto: o fenómeno desportivo, concretamente o seu ensino e treino. Por um lado, o conceito de treino e evolução sempre acompanhou a existência da vida, por exemplo quando o ser predador aperfeiçoava as suas estratégias e técnicas de caça, enquanto outros, evoluíam para lhes escapar numa derradeira tentativa de garantir a sobrevivência. O autor (Junior, 2013) subscreve esta ideia, referindo que o conceito de treino “remonta do período pré-histórico, onde o homem objectivava apenas e tão somente a sua sobrevivência quotidiana em relação aos animais predadores, bem como aos de sua própria espécie, através de um excepcional condicionamento físico adquirido no quotidiano”. Por outro lado, o ensino surgiu no momento em que se deu a explosão da inteligência humana, através da transmissão de conhecimentos e experiências. Neste cenário, os alicerces do ensino e do treino desportivo foram lançados, tendo nesse momento, por objectivo a optimização e adequações das qualidades e potencialidades humanas às exigências e especificidades de cada actividade.

“(…) a realidade é do tamanho que a conseguirmos apreender.”

(Frade, 2014)

“No Futebol está tudo por inventar! Especialmente no Futebol de Formação.”

(Wein, 2010)

O Desporto enquanto fenómeno cultural

“O futebol, o jogo e o treino expressam de forma muito clara o modo como o sentimos e consequentemente, como nos enquadramos no que acontece.”

(Frade, 2014)

Após situarmos o ensino e o treino na história universal, importa perceber a sua razão. Assim, o ensino perspectiva a transmissão de experiências, conhecimentos e técnicas, o «saber-fazer». Por outro lado, o treino melhora e aperfeiçoa esses conhecimentos e técnicas aprendidas através do ensino e da experiência. Neste sentido, o treino desenvolve o potencial genético de cada indivíduo e o seu aperfeiçoamento num determinado sentido e profundidade. O ensino e o treino desportivo, reforçam então a dimensão evolutiva da espécie humana. Deste modo, o desporto constitui-se como uma expressão e manifestação da nossa evolução cultural, reflectindo os nossos conhecimentos, experiências e traços de inteligência e personalidade. O autor (Manuel Sérgio, 2003), citado por (Neto, 2012), reforça esta ideia, referindo que “o Desporto (…), sem por de lado a sua biologia, há-de ter presente toda uma dimensão humana, onde deverão caber, sem dúvida a política, a intuição poética e a utopia do futuro”.

Deste modo, com a evolução do homem e o início da civilização, (Junior, 2013) descreve que “principalmente na Grécia e Roma antiga, estas práticas apesar de muito diferirem das linhas gerais seguidas no treino desportivo actual, passaram a obedecer a um senso lógico, buscando além de estética corpórea, também a preparação para as guerras, bem como para outras competições desportivas menos importantes que os Jogos Olímpicos, como os Jogos Augustos e os Jogos Capitolinos (Almeida, Almeida & Gomes, s/d)”. O autor destaca que o Desporto e o seu treino evoluiu portanto de práticas individuais e só mais tarde para práticas colectivas.

Os primeiros Jogos Olímpicos da era Moderna, realizados na Grécia em 1896 marcaram o início de uma nova era no Desporto.

Os primeiros Jogos Olímpicos da era Moderna, realizados na Grécia em 1896 marcaram o início de uma nova era no Desporto.

Devemos compreender que caso a teorização deturpe a realidade, o conhecimento torna-se falacioso, prejudicando naturalmente o desenvolvimento em vez de o potenciar. Como em todas áreas humanas, este foi o caminho sinuoso percorrido durante décadas de evolução do desporto. No entanto, não quer isto dizer que tenha sido tempo desperdiçado: os erros foram e serão sempre oportunidades de aprendizagem… Assim, sem erros e retrocessos não haveria lugar para a evolução. Deram-se passos à frente, outros atrás, mas no panorama geral foi e será um caminho no sentido de uma evolução. Os erros, a discussão e o seu reconhecimento, fazem parte de qualquer processo em crescimento, porque como já destacámos, todos os processos evolutivos contrariam a linearidade. O autor (Manuel, 2013) em comentário a (Bouças, 2013), sublinha esta ideia, referindo que “o crescimento, seja de uma pessoa, de um animal ou planta, de uma organização ou de uma equipa de futebol não é feito numa subida constante. Faz-se em patamares”. Também neste sentido, podemos analisar a evolução do Homem, até porque culturalmente é aceite que, “errar é um traço humano”. O autor (Junior, 2013) reforça que “o erro é intrínseco ao Homem, sendo mesmo determinante para a construção do conhecimento”.

Porém nesta perspectiva precoce da evolução do Desporto e de todas as suas manifestações inerentes devemos compreender que só recentemente, atingimos a fase em que o conhecimento, pela mão da ciência, ao invés de bloquear o seu desenvolvimento, potencia-o, influenciando a evolução da qualidade do treinador, do jogador, da equipa e consequentemente do próprio jogo. Esta evolução, à imagem de outras actividades, deveu-se a novas formas de ver e interpretar a realidade, através de ciências emergentes como a Complexidade, a Teoria dos Sistemas, a Teoria do Caos, etc. Neste sentido este desenvolvimento ficará marcado por uma enorme ruptura epistemológica no seio do Desporto, comparável no seu devido contexto e importância à revolução Coperniciana. Assim, no plano teórico e por influência de outras áreas humanas, vivíamos um «corpo-centrismo» o qual determinava a dimensão Física como nuclear na perspectiva de rendimento no Desporto e consequentemente no treino, orbitando as outras variáveis em sua função. Esta visão é comparável à visão Geocêntrica do Universo, a qual concebia que sendo o planeta Terra o centro do Universo, tudo girava em seu torno. Porém, (Sérgio, 2012) rebate esta ideia, explicando que o Futebol não é só uma actividade física, o Futebol é uma actividade humana, por isso é que não gosto da expressão actividade física, isto não é uma área só de físico, isto é uma actividade de pessoas que estão em movimento, que estão em competição… mas PESSOAS! O grande treinador é o que sabe lidar com pessoas, não é o que sabe lidar só com físicos. O físico é curto para retratar o que se passa na alta competição”.

Actualmente, estamos perante uma mudança de paradigma, que não é exclusiva do Desporto. O autor (Neto, 2012), refere que “quanto melhor se conhecer o Homem, mais preparado se está para entender os homens que jogam”. O corpo deixou de ter uma importância central para a ciência, estando a Mente, através da inteligência e dos comportamentos, a ganhar grande espaço na investigação e intervenção, assumindo-se cada vez mais como central e substituindo o Físico como nuclear na perspectiva teórica de rendimento Desportivo. Deste modo, um «mente-centrismo» está-se a tornar a corrente dominante no treino desportivo, comparável ao Heliocentrismo resultante da revolução ditada por Copérnico ao nível da astronomia no século XVI.

Porém, consequência da teoria da relatividade de Einstein, no plano Cosmológico tornou-se desajustado falar numa posição central no Universo, uma vez que o Sistema Solar deverá enquadrar-se numa visão Complexa do Cosmos. Desta forma e de forma a evitarmos um novo “dualismo Cartesiano”, devemos caminhar para uma perspectiva holística do rendimento, onde nem físico, nem mente se centralizam e se subjugam. Podemos teorizar duas grandezas humanas que influenciam o rendimento no Desporto, mente e corpo, porém não as podemos separar, medir, pesar, receitar. Apenas devemos ter a noção de que o rendimento tem algo de mental e algo de corpóreo, que interage e se correlaciona, expressando-se em comportamentos humanos, num todo indivisível, que assumem uma especificidade própria em cada actividade que o Homem intervém.

Aludindo-se à realidade desportiva, mais especificamente ao Futebol, na opinião de (Sérgio, 2012)este “é uma ciência, tem de ser estudado e praticado como uma ciência humana, porque são homens e cada ciência humana estuda o homem à sua maneira”. O autor acrescenta que o Desporto pertencendo à “área da Motricidade Humana”, “também estuda o Homem à sua maneira”. Nesta linha de pensamento, (Neto, 2012) sublinha que “o desporto é uma totalidade onde os praticantes, os dirigentes, os treinadores, os técnicos se encontram em permanente relação dialéctica, como elementos do mesmo todo”. O autor Valdano citado por (Moreno, 2009), defende que o “Futebol é um jogo perfeito, porque revela toda a complexidade humana”.  Assim, para (Neto, 2012), o facto do Futebol “ter emergido a partir da capacidade criativa e adaptativa de gente ligada à educação e cultura, torna-a naturalmente mais emblemática e universal”. O mesmo autor, citando (José Antunes de Sousa, 2010), sustenta que “há duas grandes razões que ajudam a explicar a popularidade do Futebol: uma o teor transgressivo e bizarro do seu padrão gestual, isto é, o facto de este desporto, ao contrário dos demais, ser jogado com os pés, as extremidades mais afastadas do nosso mediador da consciência que é o cérebro e, por isso mesmo, uma das partes do corpo mais negligenciadas (…) Ao invés as mãos representam, desde sempre, o poder (…). Ora, integrar a actividade dos pés no desígnio inteligente com admiráveis manifestações de beleza e precisão é algo que surpreende e fascina. A outra prende-se com a sua simplicidade de processos e de normas – qualquer pessoa entende imediatamente as regras e a intencionalidade deste fantástico jogo”. Segundo (Neto, 2012), citando (Murad, 2007 cit. Maciel 2008), a popularidade do Futebol, no entender dos especialistas, passa por ser uma “modalidade espontânea, imprevisível, simples, barata e democrática para os seus praticantes. Assim se percebe, como nos refere Bento (1995) o porquê da sua expansão, configurando-se como um processo de civilização, como elemento de cultura, como local de encontro, de convivialidade, da sociabilidade e do bem-estar dos homens”. Neste sentido, ainda (Neto, 2012), refere que “estas premissas conduzem aos aspectos emotivos com que se debate o confronto entre equipas, promovendo e influenciando as opiniões mais desconcertantes na sociedade onde estão inseridas e onde, por isso, cada equipa revela, pela sua forma da jogar, as características da comunidade que representa (Costa, 2005). (…) Todos estes factores, revelam o forte impacto social que o Futebol possui, nos diversos países, sendo assim um reflexo de expressão cultural de um povo (Lobo, 2002)”.

“(…) há uns anos ouvi o antropólogo brasileiro, Roberto da Matta dizer que a popularidade do Futebol resulta da legalidade, igualdade e liberdade que lhe subjaz. Trata-se de um argumento ao mesmo tempo inteligente e divertido. Para Da Matta o povo vê o Futebol como um sociedade modelo, governada por regras claras e simples, que toda a gente compreende e que, se violadas, levam ao castigo imediato dos prevaricadores. Um campo de Futebol é um espaço igualitário que exclui todos os tipos de favoritismo ou privilégio. Na relva marcada por linhas brancas, uma pessoa é avaliada pelo que é: pela sua habilidade, dedicação, imaginação e eficácia. Nomes, dinheiro e influência não contam quando chega a hora de marcar golos e receber aplausos ou apupos.”

(Mário Vargas Llosa, 1982), prémio Nobel da Literatura em 2010, citado por (Neto, 2012)

Assim, (Neto, 2014), defende que na dinâmica do jogo de futebol encontramos uma magia inigualável. Na sua prática é possível condensar várias histórias e reproduzir muitas graças e desgraças da vida. Daí um dos seus principais encantos, uma magnífica construção cultural, uma obra de arte cuja magnitude social ainda não foi entendida pro muitos pseudo intelectuaisDeste modo o Futebol atingiu uma dimensão extraordinária. Segundo Gonçalves, A.(2002: 129), citado por (Neto, 2012), “o Futebol é um espectáculo de massas, de bairro, de rua e de escola, de colegas de trabalho e de torneios universitários, joga-se e vibra-se pela televisão e pela rádio, entre amigos ou vizinhos. Nos restaurantes, nos cafés no trânsito e no emprego, em casamentos e baptizados, sem raça, sem cor ou religião, onde o máximo que se pode esperar num E.U.A. vs Irão, é um golo. O Futebol vai muito além dos 90 minutos e das portas dos estádios onde se joga. É motivo de muita conversa e controvérsia, substituindo a meteorologia enquanto recurso temático para início de discussão entre diferentes actores sociais”. Denominado como “desporto-rei”, o autor (Neto, 2012) reforça que “o Futebol é o desporto mais popular do planeta, envolvendo directa e indirectamente bilhões de pessoas, quer na sua prática, quer na qualidade de adeptos e profissionais pelos serviços prestados (Murad, 2007 cit. Maciel 2008). O mesmo autor sustenta que “a importância social e cultural do Futebol é tão profunda nas sociedades actuais que o conceito de Marcel Mauss, conhecido como fenómeno social total (Karsenti, 1994 cit. Cardoso et al, 2007) pode ser evocado, na medida em que mobiliza a totalidade das instituições e da sociedade que as compõem”. Ainda (Neto, 2012) descreve que “o Futebol desperta paixões, suscita críticas, inspira artistas, podendo mesmo dizer-se que o melhor dele está nos mundos que contém e naquilo que este poderá dar ao mundo (Garganta, 2004 cit. Ribeiro, 2008). Segundo Maciel (2008), trata-se de um epifenómeno, visto que não sendo fundamental para a existência humana, funciona como um complemento que lhe é fundamental”.

O autor (Amado, 2012), refere que, de uma forma geral as pessoas “decidem escolher assuntos sobre os quais toda a gente acha que sabe alguma coisa. E, ainda que de Filosofia ou de Física Teórica poucos saibam falar, muitos são os assuntos que, normalmente, se consideram acessíveis a toda a gente. De música, de política e, claro está, de futebol, todos acham que sabem qualquer coisa”. Para JMM em comentário a (Bouças, 2013), defende que “é legítimo haver diferentes opiniões pois o futebol não seria o que é se não dessem todos as suas opiniões. Todos se preocupam com o futebol mesmo que dele nada percebam”. Assim, segundo (Sérgio, 2012), o Futebol também serve para “o indivíduo que tem a vida em baixo, chega ao dia de jogo e a equipa dele ganhou… isto supera-lhe um bocadinho os recalques durante a semana”. O autor Gonçalves (2002) citado por (Neto, 2012), concorda com esta ideia, sustentando que “o Futebol, como espectáculo aberto à comunidade, pode também ser enquadrado enquanto dimensão de fuga do contexto profissional e familiar das sociedades contemporâneas, uma vez que poderá ser utilizado como catarse das tensões acumuladas na vida quotidiana”. Também (Henrique, 2010), descreve que “entre as tantas coisas que o Futebol proporciona, a melhor é uma legítima, embora breve, férias de si mesmo. Não estou falando da paixão clubística, mas sim de uma de suas possibilidades: a de assistir um jogo com estádio cheio. Não funciona da mesma maneira para todos, alguns pegam na bandeira e quando saem de casa já não são eles. Outros, de menos fé, precisam entrar no estádio-templo, sentir o ruído e o colorido da sua equipa para esquecerem que existem. Fundido na multidão, agora um a mais no estádio, restam poucos resquícios da personalidade original, ele é toda camisola e bandeira. Ele que é todo duro não resiste à charanga, já nem é mais batida de samba, é uma música tribal que lhe fornece a pulsação. No golo ele vai abraçar um irmão ao lado que não conhecia, que agora é íntimo e que talvez nunca mais venha a ver. O seu nome não importa, só importa um clube, uma paixão do qual se pode perguntar tudo menos pelas razões desse amor. Em cima de uma escolha arbitrária, afinal nada distingue na essência uma equipa da outra, naquele momento toda a sua alma é o destino do clube”. Segundo (Neto, 2012), “quando a bola rola, há como que uma labareda de emoções que ao humano impõem a sua marca”.

É ainda sentimento geral que o golo é o clímax do jogo. Talvez seja tão celebrado por ser raro no jogo, ao contrário de outros Desportos Colectivos onde o golo / ponto é mais banal. O autor (Sá, 2011), concorda com este ponto de vista, reflectindo sobre o Jogo de Futebol enquanto espectáculo desportivo. Segundo o autor e a propósito de jogos com muitos golos, refere-se “frequentemente que “se o Futebol fosse sempre assim os estádios estariam sempre cheios””. Porém o autor questiona: “Será mesmo? Não há algo de estranho aqui? É que, se o Futebol é o desporto mais popular do mundo, conquistou esse estatuto sendo sempre, e precisamente, aquele que menor pontuação (menos “golos”) tinha para oferecer. Os adeptos podem dizer que gostam muito de golos, mas as evidências não mostram que, neste aspecto, quantidade é tudo menos qualidade…” Também, (Amado, 2013) sublinha que “uma das coisas que o torna tão distinto de outros jogos (da grande maioria, aliás), é ser um jogo em que, tipicamente, o número de golos, para cada um dos lados, é reduzido. Esse simples facto faz com que seja mais frequente que uma equipa teoricamente mais fraca consiga derrotar uma equipa teoricamente mais forte”. Deste modo o Futebol transmite o sentimento de que dentro das quatro linhas tudo é possível, que qualquer equipa pode derrotar outra e que para isso basta ser melhor naqueles 90 minutos. É aí que tudo se decide, e é com certeza também este sentimento que o Futebol seja aclamado pelas massas.

Na opinião de (Neto, 2012), “se a essência do Futebol é o jogo, o “desporto-rei” ultrapassa, hoje, o carácter puramente lúdico para, no apelo constante às múltiplas exigências do espectáculo da sociedade altamente competitiva, se converter num produto inquestionavelmente prioritário para os próprios Governos. Quantas vezes o Futebol se transforma em bandeira política? Será necessário recordar, entre outros, Mussolini e Hitler? O jogo de futebol apresenta, assim, um grau de complexidade elevada, qualquer que seja o ângulo em que o contemplemos”. A reportagem (Toda a Verdade, 2015) expõe, que “há qualquer coisas de terrivelmente tranquilizador no Futebol. Esse mundo maravilhoso que não sabe o que é a crise, o dinheiro abunda. Adeptos, telespectadores, desempregados, pessoas sacrificam semanalmente os rendimentos à glória do deus… Futebol”.

Contudo, esta entronização do Futebol exaltou a face mais negra da sociedade actual. A jornalista (Cabral, 2016) descreve que “o dinheiro se sobrepôs à paixão, e torna-se difícil contrariá-lo” e citando o espanhol Juanma Lillo explica que “hoje fala-se de tudo menos do próprio jogo. Onde está a paixão de um adepto que nem pode dizer o 11 da equipa numa época, porque os jogadores estão sempre a mudar? Antes, o Maradona marcava um golo sozinho, era um herói. Hoje, se o Messi marca um golo há cinco gajos que levantam logo a mão: o dietista diz que foi da refeição que preparou, o podologista diz que lhe cortou as unhas, o preparador físico diz que foi dos sprints que treinaram…”

O autor (Neto, 2012) sustenta que “esta omnipresença do Futebol na nossa sociedade levou, Costa (1990) a considerar esta modalidade com a grande festa dos tempos modernos, que suscita fascínios, ao ponto de ninguém ficar indiferente, constituindo-se como um idioma global”. De acordo com (Reilly & Williams, 2005), citados por (Gil, 2012), “o Futebol é a forma de desporto mais popular do mundo, sendo praticada por todas as culturas à escala planetária”. O autor (Gil, 2012)  reforça o papel do Futebol no mundo moderno, descrevendo que “o futebol deixou de ser considerado apenas um jogo, reunindo, atualmente, o estatuto de atividade profissional altamente remunerada, estando revestido de um crescente interesse comercial, político e social (Ali, 1988, citado por Silva, Castelo & Santos, 2011) altamente dependente da obtenção de sucesso”. Na opinião de (Sérgio, 2012), “o Futebol hoje, é o fenómeno cultural de maior magia no mundo contemporâneo”. Segundo o mesmo autor, “hoje, falar de Futebol é outra forma de falar de religião. Numa altura que se diz, e esta frase é de Nietzsche portanto já é uma frase do século XIX, que Deus morreu, o Futebol é um constante fazedor de deuses. (…) Hoje falar de Futebol é uma outra maneira de falar de religião”. Também Manuel Sérgio, citado (Neto, 2012) por refere que “o Futebol reproduz e multiplica as taras da sociedade. O desporto é altamente competitivo porque a sociedade é altamente competitiva. Se não era de outra maneira. Um indivíduo vai para dentro do campo e sai de lá “pior” do que entrou”. Ainda (Neto, 2012), justifica esta ideia explicando que “vivemos em concorrência, ou em competição, generalizada e, porque assim é, a performance é o seu principal padrão de medida”. José Neto cita ainda Michael Porter, descrevendo que “num mundo de competição global crescente, os países são mais ou menos importantes, consoante são mais ou menos competitivos. Poderemos dizer outro tanto do Futebol? Julgo que sim”. O mesmo autor, citando Toledo (1996 cit. Costa 2005), reforça esta ideia, sustentando que “o Futebol é considerado uma das modalidades mais difundidas nas manifestações desportivas das sociedades modernas, exercendo um grande impacto nos hábitos culturais desportivos dos nossos dias, podendo mesmo constituir-se como laboratório de análise social”. Por outro lado, do ponto de vista de quem o pratica, o futebol também atrai milhões de pessoas, porque as suas características e regras permitem a oportunidade a pessoas muito diferentes entre si de o jogar. Também (Neto, 2012) citando (José Antunes de Sousa, ob.cit. pag.102) concorda com esta perspectiva, descrevendo que “o Futebol se joga por todo o tipo de pessoas em qualquer esquina, em qualquer favela – em qualquer canto do planeta”. Na multiplicidade de funções existentes numa equipa, diferentes culturas e formas de jogar o jogo, abre-se espaço para qualquer morfologia ou características táctico-técnicas. Depois, o que unirá o conjunto dos jogadores, formando a equipa vencedora, para além da mentalidade certa, é um projecto de jogo comum, no qual todos são importantes e todos têm espaço para a sua contribuição pessoal.

Diversos autores consideraram mesmo, jogar Futebol, uma Arte, pois segundo Savater, citado por Morcillo citado por (Moreno, 2009), a arte é uma destreza num determinado ambiente prático, cujos princípios gerais básicos podem aprender-se e portanto serem ensinados. Para o autor, Arte é aquela habilidade que, pode ser aprendida sem ser completamente dominada e admite graus muito diversos de acerto ou estilo próprio com que se desempenha. Paulo Roberto Falcão, citado por (Esteves, 2011), o Futebol é uma “arte, porém uma Arte Organizada, uma Arte contextualizada, uma arte com lugar para improviso, mas não uma arte improvisada”. Também (Teixeira, 2015) defende que “as estatísticas são só o medidor de factos objectivos. Ora, um jogo de futebol é muito mais do que isso. É preciso ousar dizer que os golos mais bonitos são melhores do que os outros, mesmo valendo todos o mesmo. É preciso repetir uma e outra vez que jogar bem, com alma, coragem, entusiasmo, prazer e alegria é melhor, mas muito melhor, do que obter o mesmo resultado através do medo, da força bruta (agora conhecida pelo eufemismo intensidade), da contenção, da burocracia táctica ou da contabilidade resultadística. Porque o futebol, sendo um desporto, é também um espectáculo. E, por vezes, alcandora-se até ao estatuto de arte, despertando emoções, soltando comoções ou venerando magias. Quem ama o jogo sabe isto muito bem. E os outros também. Na gastronomia é a diferença entre um prato gourmet e um de fast food. Mas haverá sempre quem prefira o segundo ao primeiro. Sobretudo se não conhecer este.” Por outro lado, o autor (Guimarães, 2016) simplesmente considera o Futebol uma arte dada a mestria que este apresenta na criação de beleza.

“O Futebol não é uma questão de vida ou de morte – é muito mais do que isso.”

Bill Shankly citado por (Urbea, et al., 2012)

O rendimento desportivo

“Os seres humanos são maravilhosamente imprevisíveis. Quando colocados numa “Arena ou Estádio” e as suas esperanças e medos são expostas em frente de milhares de observadores, eles são capazes de fazer coisas extraordinárias.”

(Patmore, 1979) citado por (Neto, 2014)

Segundo (Lumueno, 2012) em comentário a (Amado, 2012), o desporto de competição “surgiu originalmente de actividades que inicialmente eram consideradas necessárias à sobrevivência, como pesca ou caça… Depois teve como objectivo final aprimorar física e mentalmente os seus praticantes… Passando depois essas actividades a serem lúdicas, com objectivo de entreter e criar o melhor espectáculo… De seguida com a competição esse desporto passava a ter um outro objectivo “Ganhar”! Daí a palavra competição… Não era entreter o objectivo desta nova forma, não era ser o melhor a desempenhar as tarefas… O Objectivo era simplesmente ganhar e é a partir dessa base que a competição se cria.” Neste sentido (Mourinho, 2010) afirma que “no Futebol só há uma forma de as pessoas se afirmarem: é ganharem. No Futebol, ninguém se afirma nem pelo sobretudo que tem, nem pela barba grande, nem pelo cabelo grande, nem por falar bem, nem por falar línguas… No Futebol, uma pessoa só se afirma pelos resultados”. Na mesma medida, (Sá, 2011), sustenta que “se adeptos e público não se revêem nos jogos de simulações e pressões sucessivas dos jogadores, então devem censurar quem define as regras do jogo, muito mais do que os jogadores. Os jogadores, como qualquer um de nós, só querem o melhor para eles. E o melhor para eles, hipocrisias à parte, resume-se numa simples palavra: ganhar”. Reforçando, (Sá, 2012) sustenta que “é o predomínio da emoção que faz deste um fenómeno em que o vencedor fica com tudo, “the winner takes it all””. Também (Neto, 2012), citando (Marias J., 2000), descreve que “um escritor, um arquitecto, um músico, numa obra apenas, podem dormir uma sesta depois de terem criado um grande romance, um maravilhoso edifício, um disco inesquecível”…, “…o futebol ao contrário, não aceita o descanso nem o divertimento e de pouco serve possuir um extraordinário palmarés histórico ou ter conquistado um título anterior…”, “..ter sido ontem o melhor, já não interessa hoje para não falar amanhã. A alegria passada nada pode fazer contra a angústia presente… também não há durante muito tempo tristeza ou indignação, que de um dia para o outro se podem ver substituídas pela euforia e pela santificação”. Deste modo, (Barbosa, 2014) explica que “para Castellano-Paulis (2000), sobre a indústria do futebol caem, hoje em dia, grandes pressões, muitos impedimentos, laços, obrigações, restrições, precauções, que têm vindo a condicionar o futebol desde os tempos que o viram nascer, proveniente da origem lúdica. A importância atribuída ao fracasso (relacionado com as perda milionárias, eliminações, descidas de divisão, desprestígio desportivo, etc.) parece afastar o prazer da prática, inerente ao futebol. O fracasso é vivido como uma verdadeira frustração, introduzindo sentimentos de angústia no jogo”. Conclui-se então a importância de vencer. E não apenas vencer, mas fazê-lo de forma continuada. Ganharão mais vezes, as equipas que estiverem melhor preparadas. No Futebol está melhor preparado quem joga melhor, no contexto do regulamento e especificidade do jogo.

Sendo que estamos a estudar um jogo colectivo que exige rendimento, perante as suas características agonísticas, de oposição, confronto e procura de vitória sobre o adversário, podemos nesta lógica comportamental, à imagem do que sucedeu durante décadas na teorização do treino desportivo, procurar decompor a “substância” do rendimento desportivo dos desportos colectivos. Como rendimento desportivo, (Fernandes, 2008) descreve o “conjunto de exigências que são determinadas aos atletas, como processo de uma acção ou conjunto de acções, o que é entendido como superação mais eficaz ou a melhor realização possível de uma tarefa”. O mesmo autor, citando (Eherich e Gimpel apud Fernandes, 1994), acrescenta que o “rendimento desportivo significa uma comparação constante entre o valor previsto e o real, que depende da capacidade individual e estará submetido à avaliação própria e de outros membros da equipa”.

Na opinião de (Amado, 2012), “perceber de futebol não depende nem do tempo que se despende a ver futebol nem da capacidade de visão de ninguém; depende, sim, de saber pensar, como aliás depende qualquer tipo de conhecimento, a respeito de qualquer outra coisa”. Deste modo, para (Gil, 2012), o conhecimento do jogo, da sua lógica “e dos seus princípios têm implicações importantes nos planos do ensino, treino e controlo da prestação dos jogadores e das equipas (Garganta & Gréhaigne, 1999). Esta abordagem deve, no entanto, ser realizada a partir de uma perspectiva interdisciplinar (Franks & McGarry, 1996)”. Assim, se procurarmos as qualidades que influenciam o rendimento no Futebol, podemos teoriza-las nas que são visíveis e passíveis de ser concretamente avaliadas pelas acções dos jogadores em jogo, e ainda nas que são invisíveis e no máximo de julgamento subjectivo. Esta lógica de observação do rendimento desportivo é ilustrada na figura seguinte através de um Iceberg, no qual, à superfície e mais visíveis, aparecem as qualidades tácticas (decisões tomadas pelos jogadores em jogo) e as qualidades técnicas (forma como os jogadores executam as suas decisões). De baixo de água, mais difíceis de perceber, aparecem as qualidades físicas e as qualidades psicológicas. À imagem do iceberg, neste bloco, as camadas vão se suportando umas às outras e influenciando mutuamente pelas suas ligações. Também muitas vezes de forma ainda menos invisível, vão gravitando outros aspectos que poderão influenciar o rendimento no Futebol, como são exemplo a nutrição, a saúde, o repouso, a vida social e os equipamentos desportivos.

“Iceberg” do rendimento desportivo. Um possível cenário teórico na perspectiva do observador do rendimento desportivo.

Estas qualidades, em tempos denominadas partes ou factores, à semelhança da roda dos alimentos, torna-se hoje mais ajustado serem descritas como dimensões do rendimento desportivo. Ao contrário de factores, estanques entre si, falamos em dimensões pela sua natureza complexa e sistémica, ao estabelecerem ligações, relações e influências entre si. O autor (Azevedo, 2011), citando (Guilherme Oliveira, 2004, p. 3), descreve que qualquer acção de jogo é condicionada por uma interpretação que envolve uma decisão (dimensão táctica), uma acção ou habilidade motora (dimensão técnica) que exigiu determinado movimento (dimensão fisiológica) e que foi condicionada e direccionada por estádios volitivos e emocionais (dimensão psicológica)”. Assim, numa adaptação do que foi sendo teorizado ao longo da evolução do treino dos Desportos Colectivos podemos falar em Dimensão Mental, Dimensão Física, Dimensão Técnica e Dimensão Táctica, de cada jogador individualmente e da equipa colectivamente. Equipa de forma mais decisiva, pois como (Pedro, 2011) em comentário a (Bouças, 2011) sublinha, o Futebol é um desporto colectivo, mesmo havendo jogadores com muita influência na equipa, não deixa de ser um desporto colectivo”. Também (Jorge D., 2011) em comentário a (Amado, 2011) refere que, no Jogo de Futebol, “o mais importante é mesmo o modo como cada unidade percebe de que forma as suas características individuais, que levam às suas acções, podem interagir com outras tais, em benefício de um objectivo colectivo”.

Ao longo da história do jogo, com naturalidade, a questão da qualidade no Futebol foi abordada pelas mesmas perspectivas conservadoras que iam abordando a condição humana. Assim, a crença no divino e nas qualidades inatas foi, e ainda é, difundida como a justificação para alguns jogadores, e nessa visão consequentemente as equipas, serem melhores que os demais. A questão que fica é: será radicalismo acreditar num grande jogador, fruto da evolução das suas qualidades, consequência do seu potencial genético, mas acima disso de horas e horas de prática de qualidade, numa ideia alinhada com a natureza evolutiva humana? Ou radicais são as explicações esotéricas, envoltas em misticismo, abstidas de pensamentos lógicos e fundamentados? Muitas correntes religiosas, seguidas fanaticamente durante anos, limitaram a mentalidade humana no sentido evolutivo, considerando-os antinaturais e contra a “origem divina”. Porém, no caso do Futebol, todos os grandes jogadores da história são unânimes ao afirmar que passaram horas e horas na sua infância e adolescência a jogar Futebol…

Para Vítor Frade, citado por (Amieiro, 2009), “as pessoas facilmente caem no absolutismo pela falta de conhecimento que elas têm acerca do jogo e acerca do Indivíduo”. Também (Sérgio, 2016) refere que “ no célebre Verdade e Método, Hans-Georg Gadamer esclarece: ”o jogar só cumpre a finalidade que lhe é própria, quando aquele que joga entra no jogo”. E, porque aquele que joga é o mais complexo de todos os seres que se conhecem, tudo é sistema no treino. “Tudo está interligado, mesmo nos momentos teoricamente mais simples, como o aquecimento, que tende a ser visto como uma mera preparação para o treino. Já não faz sentido ver as coisas assim. Desde o momento do aquecimento que os jogadores estão a treinar de forma estrutural. Devemos compreender o Rendimento Desportivo como um produto final, à imagem do que sucede com um bolo. Temos uma noção que levou ovos, farinha, açúcar, etc. na sua confecção, mas não conseguimos separar e reformular esses ingredientes. Desta forma, a intervenção do treinador deve dirigir-se ao bolo, à expressão final do rendimento, podendo parti-lo em maiores ou menores fatias, ou seja, em comportamentos mais ou menos complexos, que representam as acções concretas no jogo – os comportamentos tácticos e técnicos, intervindo assim no lado visível do rendimento e portanto no que está ao seu alcance. Com este objectivo, desenvolvemos um entendimento complexo Táctico-Técnico que engloba os comportamentos dos jogadores no jogo, nomeadamente ao nível dos seus posicionamentos, decisões e execuções. Modelando esses comportamentos, o treinador procura responder às necessidades dos jogadores e da equipa, de forma a atingir a receita final pretendida – o jogar / a forma de jogar pretendida – o seu «jogar» bem.

Um jogar «bem» que permita à equipa estar à altura do Jogo de Futebol enquanto sistema dinâmico complexo não linear, pois segundo (Cunha e Silva, 1999), citado por (Campos, 2008) falamos de “um sistema cujo comportamento varia não linearmente com o tempo, admitimos facilmente que o resultado depende da forma como se joga, como vai jogando. Mas esta dependência altera por vezes as regras do jogo porque o contributo da incerteza, do acaso, se incompatibiliza crescentemente com qualquer regra”. A autora (Gomes, 2011), reforça que “bem sabemos que a natureza do jogo comporta um potencial que não nos permite conhecê-lo à priori, tornando-o apaixonante. Por isso, o confronto entre as identidades colectivas não é simples porque comporta uma possibilidade acontecimental infinita. Assim, recordamos (reforçando-lhe o valor) o que nos diz o investigador (Albert Jacquard, 2011): toda a teoria é insuficiente”. Porém numa equipa, apesar do aparente caos e aleatoriedade que pode ser o seu jogo, surgirão regularidades, padrões dinâmicos, ainda que segundo (Gaiteiro, 2006), citado por (Campos, 2008) “não se adivinhe quando os comportamentos emergirão e a manifestação comportamental ao nível micro, do pormenor”(Araújo, 2003), citado por (Campos, 2008), reforça que o Futebol caracteriza-se como “um sistema constituído pelos aspectos ambientais, constituído também pela tarefa a desempenhar com as suas estratégias e com as suas regras e constituído pelos jogadores que funcionam autonomamente (com a sua morfologia, fisiologia, cognição, emoção, etc.), apesar de coordenados entre si”.

Esta táctica, este «jogar», explica-se num «saber-fazer» táctico e específico de cada jogo desportivo, sedimentado ao nível do subconsciente dos jogadores, fruto e trabalho de uma cultura táctica específica de determinada região, treinador, equipa ou jogadores. Noutro sentido, a consciência e o saber sobre essa cultura táctica, torna-se o «saber-sobre-o-saber-fazer» residente ao nível da consciência dos jogadores, mas que por outro lado, na ausência de trabalho na sua aquisição não se vai manifestar em jogo e no «calor da acção». Deste modo, a aquisição de uma determinada cultura táctica torna-se fulcral no trabalho do treinador.

Chegados ao objecto de intervenção do treinador – o QUÊ – os comportamentos, levanta-se então a questão do COMO trabalhar, como modelar o tal «jogar» pretendido. Passamos assim a outro nível de discussão – o rendimento do próprio treinador, as suas competências e dimensões da sua intervenção no jogo através da equipa. À imagem dos jogadores, muitos treinadores dominam um «saber-treinar» sedimentado pelos seus conhecimentos e experiências, por outro lado a reflexão e consciência sobre este saber leva-os a um SABER-SOBRE-O-SABER-TREINAR – o objecto deste trabalho. Desta forma, combatendo outra manifestação de reducionismo empobrecedor à evolução do Futebol, típica dos meios de comunicação social, procuramos o conhecimento para além da fronteira dos resultados classificativos, interessa-nos então o trabalho, a evolução, o desempenho associados ao rendimento.

“O desenvolvimento, incluindo o desenvolvimento do Futebol, depende também da dimensão cultural e ética dos seus agentes e não pode reduzir-se a um projecto meramente desportivo. O desenvolvimento do desporto decorre de uma mudança de mentalidades, é certo que o desenvolvimento requer o contributo de especialistas e técnicos, altamente treinados, mas isto é apenas um dos requisitos necessários, é preciso ter em conta também os factores culturais, e como me disse o Professor Manuel Sérgio no dia em que aqui entrei “quem sabe só de Futebol, pouco ou nada sabe de Futebol”, são precisas qualidades humanas como a perspicácia, a coragem, a capacidade de liderança e uma grande compreensão pela condição humana, meus caros amigos, sejam homens na acepção plena do termo e estareis no caminho certo para grandes treinadores de Futebol. A cultura desportiva é a aliança entre o saber e a vida, portanto é imprescindível o estudo, uma informação actualizada, mas também valores culturais e espirituais que nos permitam segurança e lucidez no meio de um ambiente desmesuradamente competitivo que é hoje o desporto de alta competição e de rendimento onde eu vivo. Como disse Hegel “a verdade é o todo” e nem a universidade com os seus saberes marcadamente intelectuais pode passar sem a mensagem que o desporto traz ao mundo actual, nem o desporto pode passar sem o conhecimento científico típico do saber universitário. Tenho para mim após anos intensos de envolvimento na alta competição desportiva que a prática é pelo menos tão importante quanto a teoria, sendo que a única certeza que tenho é que uma não subsiste sem a outra, mais, uma não existe sem a outra. Permitam-me então expressar um sentimento ao mundo universitário, um sentimento que traduz de forma aberta as reflexões em forma de conclusões de José Mário Mourinho um apaixonado pelo jogo, um apaixonado pelo Futebol. É paixão acrescida, ou acrescentada e gerada no jogo, exponenciada gerada pelo meu jogo que fez do José Mário Mourinho o Mourinho que aqui está, trazido pelo prestígio que o sucesso regular tem promovido. No terreno, enfrentando as exigências e os factores condicionantes do elevado rendimento, deparei com diversos momentos de insatisfação prática, resultantes do aparecimento de factores estranhos no quotidiano do treino e da competição. A desadequação empírica destes à teoria do treino standard, motivou-me para a problematização deste conhecimento base, com origem portanto em problemas práticos saídos do conflito entre factos e teorias tidas como verdadeiras. Pergunto-me por exemplo quantos não serão os dados existentes acerca da pergunta seguinte: quais são os elementos estruturais de todo o Jogo de Futebol? Mas a estrutura de acção não é mecânica, no entanto, o saber compartimentado do nosso Futebol, segregou já demasiadas previsões especializadas. Deve o Futebol continuar a deixar-se cegar pelo erudito reducionismo? Na minha perspectiva devemos promover um entendimento das realidades dos fenómenos como sendo complexos e sistémicos. Devemos libertar o jogo e o treino de um determinismo mecanicista, de um construtivismo cartesiano, de uma fascinação positivista e de um fisiologismo energicista, mutilantes, é portanto o objecto de pesquisa uma coisa concreta, está nela o contexto sentido emergente das variáveis das quais as acções do jogo são função a Táctica, a psicológica, a componente cognitiva, sociopsicológica, a técnica, a física e conjunturalmente a estratégica, sistemicamente. Esta necessidade de repensar o treino e o jogo numa verdadeira perspectiva sistémica é a única que possibilita aquando da aquisição de dados, factos não explicáveis no quadro teórico habitual, ousar romper e ousar criar.”

(Mourinho, 2009), discurso na cerimónia de entrega do título Honoris Causa pela Universidade Técnica de Lisboa

A competência do treinador de Futebol

“A sorte é quando a competência encontra a oportunidade”.

Elmer Letterman

“Ele era inteligente e um estudante do jogo.”

Bobby Robson, 2005, sobre José Mourinho, em (Mourinho, 2012)

Sorte. Se não todos, praticamente todos a invocam, porém ninguém consegue exactamente explicá-la. Talvez por ser um conceito abstracto, por ser uma crença, um produto cultural que tem por objectivo justificar fenómenos complexos e consequentemente de difícil compreensão. Um conceito talvez ainda reforçado pelo impulso que o Homem tem em querer controlar tudo em seu redor. O aleatório pode ser compreendido como aquilo que é humanamente impossível de controlar e desta forma, uma consequência das nossas limitações. De acordo com a (Wikipedia, 2011), “o  termo e o conceito são consequência da necessidade do ser humano categorizar, isolar e nomear um conjunto de sentimentos e sensações, ideias, para que possa ser apreendido, trabalhado e utilizado simbolicamente. Um significante, por assim dizer, que possivelmente não existe materialmente no mundo real, mas encontra suporte em muitos objectos investidos de poder relacionado, conforme a crença popular”.

Noutra perspectiva, mais do que um «quê», a sorte pode ser entendida como um «quando». E como Letterman descreveu o «quando» é “o momento em que a competência encontra a oportunidade”. No contexto do Futebol, também o treinador português (Pereira, 2013) descreve, que em conversa com José Mourinho, este defendeu não acreditar muito na sorte: “são noventa minutos de trabalho. Acredito mais na competência e no trabalho do que na sorte”. Um estudo realizado, descrito em (Through the Wormhole, 2014), refere que foram recrutadas pessoas que jogam golfe regularmente para realizarem dez tacadas a uma determinada distância do buraco. A metade delas, a investigadora Sally disse-lhes que estariam a usar um taco que pertenceu a Bem Curtis, um golfista famoso, às outras que seria “apenas” um bom taco. Como seria de esperar algumas tiveram melhor desempenho do que outras, porém, após dezenas de tentativas, surge um padrão: após começarem a acertar no buraco, “os indivíduos que pensavam que estavam a usar o taco do Bem Curtis, fizeram mais um “putt” e meio em 10 “putts” do que o grupo que pensava que estava só a usar um bom taco”. De acordo com Morgan Freeman, narrador do programa, “o taco de golfe não é abençoado pela sorte. O que é real é a crença dos jogadores no facto de o taco dar sorte ou não. Sally suspeita que este tipo de superstição ajuda as pessoas a lidar com situações caóticas ou de stress”. A investigadora defende quehá uma zona de conforto em termos de quantidade de pressão necessária para executar uma tarefa. Se houver pouca pressão, significa que não nos importamos ou não estamos na óptima concentração. Com demasiada pressão, podemos paralisar. Portanto queremos a quantidade de pressão mais equilibrada. Quando executamos uma tarefa há observadores, sentimo-nos pressionados para jogar bem”. O narrador acrescenta ainda que, contudo “essa pressão é menos debilitante quanto um jogador segura um taco “de sorte””. Assim, Sally acredita que “quando estão a fazer “putts”, descarregam a pressão que sentem. Como se o taco fosse fazer algum trabalho por eles. A pressão não recai toda neles. Essa libertação de pressão permite-lhes um melhor desempenho. A confiança tem um grande papel no sucesso, em tudo o que fazemos e é possível que usar este taco os faça sentirem-se mais confiantes. Eu não diria que seja sorte. Acho que é lidar com as emoções, com a ansiedade e com a pressão que sentimos quando executamos estas acções de uma forma que é viável para nós”.

Assim, devemos compreender que existem no Universo, fenómenos que conseguimos compreender e controlar com maior ou menor dificuldade e outros que talvez pelas nossas limitações enquanto seres humanos, não o conseguimos fazer. O Futebol, dada a sua complexidade, encontra-se num limbo, sendo esta talvez uma das razões para tanto fascínio e atracção sobre si. E como todos os fenómenos, existem indivíduos que desenvolveram uma maior ou menor qualidade na sua intervenção sobre o jogo. Nesta linha de pensamento, o que distinguirá esta qualidade é a sua COMPETÊNCIA, que se constitui como específica dessa mesma actividade, garantindo-lbes maior controlo e influência sobre a mesma. De acordo com o treinador português José Mourinho, a qualidade é importanteQualidade de trabalho. Qualidade de liderança. Qualidade na relação com os jogadores. Eu penso que tem a ver com qualidade e resultado. Os treinadores conseguem resultados pelo bom trabalho”.

Porém engana-se redondamente aquele que pensa que a função do treinador de Futebol é básica e simples. Em determinada fase da evolução do jogo estava difundida, a ideia errada de que o treinador era uma mera peça da “engrenagem” da equipa, dependendo quase exclusivamente da qualidade dos seus jogadores e que podia facilmente ser substituído. Os autores (Urbea, et al., 2012), descrevem que “Pep Guardiola e o Barça e Mourinho e o Real Madrid deram importância ao que representou Helenio Herrera relativamente à forma de influenciar e revolucionar o mundo dos bancos de suplentes. Não foram os únicos, mas a sua projecção mediática ajudou a que hoje já não se olhe para um técnico como uma pessoa que fala em público e coloca onze jogadores em campo. Não. Agora entendemos que os mesmos jogadores alcançam resultados diferentes com treinadores diferentes. Teria o Barcelona ganho seis títulos na mesma época sem Guardiola? Teria o FC Porto sido capaz de ganhar a Liga dos Campeões sem Mourinho? Teria a Espanha ganho o Mundial sem Vicente del Bosque? Ou o Europeu com Luis Aragonés? Não, seguramente que não”. Assim, ao longo de várias décadas, acentuando-se nos últimos anos, assistimos a lideranças técnicas de enorme sucesso que transformaram equipas, até aí sem sem grandes resultados desportivos, em equipas históricas, reforçando assim a importância do treinador no Futebol.

Por outro lado, ainda os autores (Urbea, et al., 2012), abordando a profissão de treinador de outro ângulo, questionam: “imagina-se a trabalhar numa empresa onde o director ganha menos do que os subordinados? Onde todos os empregados são jovens e milionários? Como motivá-los? Comos fazê-los suar a camisola? Imagine para agravar as coisas, que todos opinam sobre o seu trabalho, que cada um tem um conselho a dar-lhe e que, como se isso não bastasse, milhares e milhares de pessoas vêm observar o seu desempenho e o assobiam ou aplaudem consoante gostam ou não do que está a fazer? Pois é, a profissão de treinador de futebol é provavelmente a mais difícil do mundo ao nível da gestão. Depende, como nenhuma outra dos resultados. Vive diariamente debaixo de uma pressão esmagadora e asfixiante. E é escrutinada passo a passo pela comunicação social”. E sobre esta última frase, temos que acrescentar… na larga maioria das vezes… mal.

Neste sentido, os autores (Brandão, et al., 2009) referem que “alguns autores (Brandão & Valdés, 2005) complementam, afirmando que treinar desportistas requer um planeamento meticuloso, criativo, reflexivo, com uma filosofia sólida, amor pelo desporto e ser capaz de conhecer as diferentes características psicológicas e comportamentais dos membros do grupo. Em suma, o treinador é o ponto de equilíbrio entre dois tipos de unidades, a organização ou clube a qual deve cumprir as suas exigências em termos de produção e rendimento e, os atletas, os quais precisa de influenciar e motivar, assegurando-se de que as suas necessidades e aspirações são atingidas e de que estão satisfeitos com a sua participação na equipa ou organização (Cruz & Gomes, 1996). Deste ponto de vista, fica claro, que é preciso que o treinador ou líder seja sensível, não só às exigências da tarefa, mas também às pessoas envolvidas”. Os mesmos autores, acrescentam ainda que “estudos realizados por pesquisadores da The Ohio State University, nos Estados Unidos da América, sobre o comportamento do líder bem-sucedido perante o seu comportamento, apontam que os líderes mais eficientes são aqueles que propiciam a manutenção e realização dos objetivos comuns de sua equipa de trabalho nas duas dimensões comportamentais de liderança: execução de tarefas e relações sociais (Simões, 1994; Simões et al., 1993)”. O treinador Gérard Houllier em (UEFA.com, 2012), explica que “para nos tornarmos médicos temos que tirar o respectivo curso. Para se ser um professor é preciso treinar. Para se ser engenheiro é preciso treinar. Ser treinador é um trabalho à parte. É preciso treinar e gerir a nossa equipa e também é preciso treinar o staff técnico que está por detrás da equipa, o staff técnico e o staff médico, por vezes até a equipa administrativa ou de análise de jogos. Um treinador é um gestor, um líder e um treinador no terreno de jogo”.

Para o ex-treinador escocês Alex Ferguson em (UEFA.com, 2012), defende que “os melhores treinadores são aqueles com imaginação. É preciso ter-se uma boa imaginação para se ser treinador de topo”. O treinador Português (Jesus, 2013), concorda com a ideia e acrescenta que existem “cinco fundamentos para que um treinador possa ser treinador. (…) A prioridade é Criatividade. É a tua criatividade que vai definir a tua ideia de jogo e o teu treino. A seguir vem aquilo que é muito importante que é saber operacionalizar”. Segundo Jorge Jesus, operacionalizar começando por escolher jogadores para depois trabalhar com eles. Ainda o treinador Português, refere: “mas para operacionalizar com os jogadores, tens de saber liderá-los. É o meu terceiro fundamento. Porque os teus jogadores são influenciados pela tua Liderança. E os jogadores sabem qual é o conhecimento do treinador, e se não tiveres conhecimento, nunca vais ser líder. O quarto fundamento é a Organização. Organização do treino, da estrutura. Para teres êxito tens de saber montar uma estrutura para além dos jogadores”. Um exemplo é o departamento médico. Jesus acrescenta um quinto fundamento: “sem isto não trabalhas com objectividade nenhuma, a Paixão! Não tiras proveito nenhum do trabalho que executas. Treinador sem paixão, jogadores sem paixão, podes mandá-los trabalhar de manhã, à tarde e à noite que o trabalho não fica lá”. Segundo (Carlos Filipe Mendonça, 2006), o então responsável da Federação Portuguesa de Rugby, Pedro Lynce, terá nomeado o técnico Tomaz Morais, que viria a realizar um trabalho sem paralelo na história da modalidade em Portugal, valorizando duas qualidades que considerava essenciais: as características humanas e a organização.

De forma objectiva, o autor (Bouças, 2012) sustenta que “são muitos os campos de acção do treinador. Todos determinam a sua capacidade, mas é essencialmente o trabalho semanal que determina o valor do treinador”. O treinador de Rugby Tomaz Morais citado por (Carlos Filipe Mendonça, 2006) descreve que sempre aprendeu a “valorizar o método, a organização e o planeamento como os três vértices do triângulo do sucesso”. Morais acrescenta que “no desporto, como nos negócios, um bom planeamento é o primeiro passo para o êxito”. Também o jornalista (Madureira, 2014) acredita que a base de um treinador de qualidade sempre foi “menos fácil de resumir em rótulos apressados: o trabalho minucioso, a planificação, a qualidade de treino e o carisma capaz de unir um grupo em torno de ideias claras”.

De acordo com José Mourinho, citado por (Bouças, 2011), “uma equipa tem de ser ensinada de forma correcta pelo treinador, para que possa jogar à imagem dele e para saber desempenhar a sua função suficientemente bem para a executar de olhos fechados – e isto não implica ter as pessoas a trabalharem em conjunto durante anos. Trata-se de o treinador fazer as coisas certas, de trabalhar arduamente e das sessões de treino serem proveitosas“. Também (Neves, 2011), reforça que “o Jogo de Futebol, é no seu domínio, um catalisador de aprendizagens, não só no âmbito do desenvolvimento pessoal como numa dimensão colectiva dos seus intervenientes”. Deste modo, (Bouças, 2016) sustenta que, do ponto de vista táctico, ao treinador compete dar armas para que os seus jogadores sejam mais que individualidades no campo. Que se saibam relacionar entre si e interpretar o jogo. Que tenham comportamentos bem identificados por cada um dos seus jogadores em cada momento e em cada fase. Isto é o que faz um treinador competente.

Neste enquadramento, para (Rodrigues, 2016), “a actividade do treinador engloba uma variedade de competências necessárias para a evolução em várias dimensões, sendo a mais óbvia a sua própria competência. É consensual que os conhecimentos que o treinador deve reunir deverão ser amplos e profundos, quer nos aspectos técnicos e táctico-estratégicos quer nos físicos, se este almejar atingir um patamar de desempenho dentro do alto rendimento. Mesmo nos desempenhos inferiores, seja na formação, com a sua grande variedade de aspectos que caracterizam a aprendizagem, o desenvolvimento motor, e psicológico, seja em desporto sénior amador, o treinador deve transportar consigo habilidades que lhe permitam no mínimo ter uma actividade exigente em todas as vertentes, para que não sinta que o seu tempo está a ser perdido.”

Assim sendo, torna-se fundamental perceber, o que alicerça a competência do treinador de Futebol. Para o autor (Pina, 2015), o treinador de Futebol tem de reunir as seguintes “capacidades”:

  • Capacidade conceptual:
    • Conhecimentos no âmbito das ciências do desporto;
    • Interligação dos diversos fatores que intervêm no processo de preparação desportiva;
    • Conhecimentos específicos da modalidade a ensinar e sua relação com os conteúdos do treino;
    • Conhecimentos específicos face ao processo de formação desportiva, no domínio biológico, psicológico e social.
  •  Capacidade de comunicação:
    • Relação com outros intervenientes (pais, dirigentes, árbitros e jogadores:
      • Conhecimento sobre si mesmo, auto-estima (facilidade de relacionamento com os outros);
      • Capacidade para trabalhar em equipa (respeito e confiança mútua);
      • Definição de tarefas e responsabilidades;
    • Capacidade de resolução de conflitos;
    • Domínio de técnicas de comunicação:
      • Saber ouvir os jogadores;
      • Desenvolver a comunicação não verbal;
      • Comunicar com os jogadores antes durante e após o jogo;
      • Saber comunicar com os árbitros.
  • Capacidade técnica:
    • Organização e condução do processo de treino. “Os treinadores mais eficazes são aqueles que gerem melhor o tempo de treino, de forma a maximizar o tempo que passam a executar os exercícios e informam de forma clara, precisa e concisa o fazer, ou seja, quando, como, porquê (Mesquita, 2000)”;
    • As estratégias de intervenção utilizadas pelo treinador, bem como as condições de prática que proporciona, influenciam os progressos dos jogadores e os resultados obtidos;
    • O aumento da qualidade e eficácia do treino é fruto da aquisição de competências pedagógicas e técnicas na orientação da prática desportiva:
      • “A repetição acrítica da prática não é suficiente para tornar o treinador eficaz”;
      • “A adoção de metodologias de ensino consistentes, fundamentadas têm como suporte a qualificação e a atualização permanente dos treinadores”;
      • “Ninguém ensina aquilo que não sabe””.

Segundo (Burke Athletic Club, 2008), na aprendizagem da função são necessárias as seguintes qualidades:

  • “Conhecimento do jogo:
    • Teórico;
    • Prático;
  • Leitura de jogo;
  • Determinação de objectivos;
  • Estabelecer prioridades:
    • O que é o mais importante?
    • O que vem a seguir?
    • Que recursos estão disponíveis?
    • Paciência…
  • Planeamento.”

Por outro lado, para (Sérgio, 2012), “para além de estudar muitas tácticas”, sabe de Futebol o treinador que “tem qualidades:

  • De Liderança;
  • De leitura de jogo;
  • De comunicação para poder motivar”.

Manuel Sérgio acrescenta que “o grande treinador não é aquele que sabe, que tem propriamente uma visão teórica do Futebol, é de facto aquele que na hora da competição é capaz de dizer como se joga, fazer os jogadores acreditarem, e os jogadores serem capazes de fazer tudo só porque o ouvem, este é que é o grande treinador”. O autor (Sá, 2012), reforça esta ideia sustentando que “ao contrário do que denunciam quase sempre os debates entre adeptos, a diferença não se faz pela concepção de jogo ou pelas metodologias utilizadas. Ou seja, pode fazer-se, mas é improvável que essa vantagem possa perdurar muito no tempo. O raciocínio é simples: num tempo onde a informação circula a grande velocidade e em que podemos ver continuadamente qualquer equipa em qualquer parte do mundo, se aparecer um treinador com imenso sucesso pelo simples facto de ter introduzido ideias melhores do que as dos seus pares, facilmente essas ideias serão identificadas, copiadas e, logo, anulada a diferenciação. O mesmo se aplica, embora com maior dificuldade de réplica, às metodologias já que métodos inovadores tendem a ser abordados e debatidos no meio, sendo, no limite, um segredo identificável por aqueles que em determinado momento trabalharam com um treinador de sucesso, e que depois passam a liderar eles próprios equipas técnicas, podendo reproduzir as mesmas metodologias e, logo, reduzindo ou anulando a diferenciação”. Deste modo, o autor conclui que “a característica complementar que garante a diferenciação de um treinador será provavelmente a sua capacidade de liderança, que tem muito a ver com a natureza do próprio e não é replicável de pessoa para pessoa”. O ex-aluno de Manuel Sérgio e actualmente considerado um dos melhores treinadores da história, (Mourinho, 2003), defende que um treinador de Futebol tem de “saber de tudo”, pois segundo ele “há áreas científicas que nos podem ajudar no nosso trabalho, nomeadamente psicologia, pedagogia, fisiologia. Posso falar com o meu departamento médico sobre lesões, músculos, biomecânica, teoria do treino. São temas que domino. Dominar as competências psicológicas, é fundamental. Pode fazer a diferença”. Regressando a Manuel Sérgio, citado por (FVZ, 2009), o autor defende que “não basta um treinador ter saber do ponto de vista intelectual, é preciso ter qualidades de liderança e saber comunicar, não chega estudar e saber muito de futebol”.

Também (Pinho, 2009), entrevistando um jornalista não identificado, aponta que existem três dimensões que me parecem vitais: conhecimento do jogo nas múltiplas acepções, o domínio do treino em vista ao modo mais eficaz de reproduzir as suas consequências no jogo e capacidade para liderar, na qual tem lugar decisivo a capacidade de comunicar (para dentro e fora do grupo)“.

Na opinião do jogador português (Tarantini, 2017), “acima de tudo está a liderança. Consigo associar o sucesso a uma liderança forte com um entendimento claro das diferentes funções. Consequentemente o modelo de jogo e a sua operacionalização (processo de treino) têm que estar bem alinhados.”

De acordo com (Coghen, 2010) em (Cubeiro, et al., 2010) e dando o próprio exemplo de José Mourinho refere que o treinador português atingiu o sucessopor mérito próprio e por ter entendido e estudado a sua profissão como ninguém”. O autor (Amado, 2012) acrescenta ainda que a competência de um treinador “depende de conhecimentos Futebolísticos, mas depende também de inteligência em bruto, de bom senso, de conhecimento prático, de capacidade de reflexão, de espírito crítico, etc.”. Amado sustenta que é, por exemplo, “determinante à formação da personalidade de um bom treinador conhecer toda a obra de Dickens, ou a teoria da evolução de Darwin”. Assim, para o treinador português Fernando Santos, em (Ventura, 2013), “a evolução do Futebol foi obrigando os treinadores a uma actualização constante, e consequentemente, a um aumento dos conhecimentos e procura da superação”. O autor (Matos, 2013) reforça a ideia, defendendo que é necessário que o treinador se adapte constantemente ao ambiente onde se encontra, sendo que esse ambiente poderá ser o seu plantel, o seu clube, a sua divisão, ou inclusive a competição internacional que a sua equipa disputa. Por outro lado o factor tempo é bastante importante, pois com o passar dos anos, todos os outros ambientes que referi anteriormente se alteram. É assim necessário que o treinador se adapte ao longo do tempo, visto que surgem constantemente novos estímulos e diferentes factores”.

Reflectindo sobre todas estas ideias, pensamos que no domínio da função do Treinador, portanto, no domínio da sua competência, podemos então destacar três grandes áreas. As «relações humanas», portando todas as interacções que o treinador estabelece com a equipa e com o seu meio envolvente que se constituem nas suas relações de liderança. Conhecimento do jogo, da sua sistemática, história e contexto cultural, para que consiga idealizar uma forma rica de disputar o jogo, que traga à equipa organização, mas que simultaneamente não a torne mecânica e incapaz de dar resposta à aleatoriedade e caoticidade do jogo. Por outro lado, ideias, que tenham também em conta a sua adaptação ao tal “espaço” / contexto e “tempo” / evolução do jogo. Por último, uma forma rentável de trabalhar nas sessões de treino para que a equipa, e todas as suas sub-estruturas, adquiram essa organização ou forma de jogar idealizada, no derradeiro objectivo de qualificá-la de um “jogar bem”que se manifeste com regularidade. Assim, em concordância com estas ideias, enquadramos:

  • As relações humanas no contexto da gestão de Equipas, Empresas e outras organizações similares, na dimensão – Liderança;
  • A forma como, uma equipa técnica, transmite ideias à equipa, na dimensão – Metodologia de Treino;
  • O conhecimento da modalidade, dos seus contextos culturais e fundamentalmente do próprio jogo conhecimento esse que consubstancie uma organização teórica do jogo para a equipa, ou seja, uma concepção táctica-estratégica que procure aproximar a equipa do sucesso, na dimensão – Conhecimento do Jogo.

A figura seguinte ilustra estas três grandes dimensões da intervenção do Treinador e a forma como interagem entre si.

Dimensões da intervenção do treinador e Modelo de Jogo.

Deste modo, a intenção de intervenção do treinador pode dirigir-se isoladamente a cada uma destas dimensões, ou abranger duas delas e deixar de fora a terceira, à imagem do que aconteceu e ainda vai acontecendo na intervenção de alguns treinadores sobre muitas equipas ao longo da história do Futebol. Esta possibilidade está representada nas áreas dos círculos interseccionadas por duas áreas ou nas áreas das três dimensões não interseccionadas. Tratam-se neste caso de visões mais desfasadas do contexto, portanto, mais afastadas da especificidade do Futebol e da condição humana. Recorrendo a exemplos extremos: quando um treinador pede determinado comportamento táctico mais complexo aos jogadores minutos antes da competição, sem que este tenha sido trabalhado anteriormente em contexto de treino, está a procurar intervir sobre o Conhecimento do Jogo, abdicando da Metodologia. Pelo menos de uma mais eficaz. Por outro lado, quando se treina maioritariamente sem qualquer contexto do Jogo de Futebol, por exemplo com exercícios de dominante física, sem jogo e bola, o treinador está a incidir o seu trabalho directamente na Metodologia abdicando da sua relação com o Conhecimento do Jogo. Noutro exemplo, quando antes de um jogo um treinador pede solidariedade aos seus jogadores, mas depois a equipa é solicitada, do ponto de vista táctico, para defender com marcações e referências individuais, o treinador está a procurar através exclusivamente através da Liderança, fazer crescer o valor humano Solidariedade, mas esse pedido, acaba por não ser coerente com o Conhecimento do Jogo que procura transmitir à equipa.

Contudo, independentemente do treinador poder ter a intenção de separar a sua intervenção em uma ou duas destas áreas, o ser Humano é uno, o que significa que para o jogador e consequentemente, para a equipa, estas três áreas estão em constante interacção. Portanto, quer o treinador tenha essa consciência e intenção, ou não. Assim, estas competências consolidam-se em grandes dimensões da intervenção do Treinador de Futebol, que se constroem através de conhecimentos e competências técnicas, científicas, pedagógicas, éticas de índole social e pessoal, que, consequência da natureza complexa e sistémica do Homem e da sua Fenomenologia subsequente, não são estanques e interagem permanentemente entre si. Por exemplo, através do Conhecimento do Jogo, construir uma Ideia de Jogo, e trabalhá-la através da Metodologia,para chegar a um jogar ofensivo de maior critério com bola, assente em posse e circulação da bola curta e apoiada, e chegando ao dia da competição e, nesse momento, na reunião de preparação para o jogo, solicitar aos jogadores, através da dimensão Liderança, uma entrada no jogo agressiva, procurando rapidamente o golo no início do jogo, irá provavelmente, fazer colidir o Conhecimento do Jogo que a equipa apresenta com a atitude mental dos jogadores para esse jogo, através dessa Liderança imposta. Assim sendo, a lógica que mais aproximará o treinador, da realidade Humana e da realidade do Jogo de Futebol será a intervenção sobre a intersecção das três áreas, ou seja a zona central representada a amarelo na ilustração anterior, classificada para nós, como o Modelo de Jogo. Aqui, o Modelo de Jogo não surge como uma ideia, essa é representada pela Ideia de Jogo. O Modelo de Jogo aqui, surge na interacção entre as ideias, trabalho e toda a intervenção da equipa técnica com o contexto, portanto, jogadores, clube, comunicação social, etc. É assim o todo que a equipa apresenta a cada instante na sua relação com o ecossistema que a envolve. Surge da hibridez resultante da interação permanente das dimensões identificadas, e daqui poderá então surgir uma Especificidade de Trabalho coerente e consistente com o projecto de equipa que o treinador idealiza. Desta especificidade emerge a competência do treinador e consequentemente, num maior ou menor espaço de tempo, o rendimento desportivo.

Neste contexto, o treinador italiano (Ancelotti, 2013) defende que este todo “é um aspecto muito importante do trabalho de um treinador. É o bilhete de identidade, o fruto e a síntese das suas experiências e conhecimentos. Treinar significa desempenhar umas funções que pressupõem certos conhecimentos técnicos, psicológicos e organizativos, para além de um grande equilíbrio emocional”.

“Quando se tem aquilo que é mais difícil de ter: a definição completa de uma filosofia. Quando se assume uma equipa tem de se ter definido como trabalhar [entenda-se metodologia do treino], como liderar, como se quer jogar [entenda-se modelo de jogo], que tipo de jogador necessário, que perfil de jogador se deseja, que perfil de adjunto é o mais ideal que departamento se precisa. (…) Quando se tem isso estruturado está-se em condições de operacionalizar essa filosofia”.

(Mourinho, 2005), citado por (Esteves, 2010)

“Tens de trabalhar muito e bem, porque muita gente trabalha muito… mas não bem”.

(Mourinho, 2012)

Missão

“O importante é que o ser humano não perca nunca a consciência da sua dignidade, nem o desejo de transcendência”.

(Neto, 2012)

Na opinião de (Barbosa, 2014), apesar da popularidade do Futebol, “existe ainda uma grande carência no que concerne à investigação que se centra neste jogo, ao contrário do que sucede com outros desportos como o basebol ou o futebol americano (Pollard & Reep, 1997).” Por outro lado, (Guimarães, 2016) em “carta aberta ao Futebol” defende que o resultado é “fruto de um processo, processo este que pode ser melhor ou pior conduzido, mas que não deixa de ser resultado de uma entrega e de um estudo capaz de levar a um conhecimento mais profundo, embora nem sempre óbvio para quem não está tão envolvido e por isso também muitas vezes menos reconhecido”. Nesta linha de pensamento, também surge (Rui Lança, 2016) descrevendo que “alguns estudos demonstram que os treinadores com mais hipóteses de serem campeões possuem um conhecimento extenso mas específico nas áreas em que trabalham, têm uma capacidade fantástica de organizar o seu conhecimento pela importância que possuem e analisam na sua mente factos que acontecem de modo estruturado”.

Neste sentido, o treinador (Jorge Braz, 2006) expôe que “pela importância que o treinador assume no contexto desportivo e, particularmente, na organização do processo de treino a sua perspectiva será importante na aquisição de conhecimentos para os treinadores jovens e para os investigadores na procura de uma, cada vez maior, compreensão das particularidades da orientação de um projecto desportivo. Os conhecimentos adquiridos por treinadores de alto nível não são de fácil acesso a todos os que desejam referir-se a eles bem como a experiência acumulada corre o risco de se perder se ninguém a formalizar (Leblanc et al. 2004). Este facto é frequente por não se considerar válido o conhecimento empírico de intervenientes fundamentais no fenómeno desportivo. No entanto, “a ciência só existe enquanto crítica da realidade, a partir da realidade que existe, à sua transformação numa outra realidade” (Santos, 1989: 23). O treinador metódico e que metodiza gera metodologia do rendimento desportivo entendida esta não só como um produto mas também, como um processo específico de intra e inter-métodos, pela procura de novos métodos de intervenção depois de acumular experiências de especialidades e casos únicos de diferentes etapas, macrociclos e épocas com dados registados sistematicamente (Martin Acero e Vittorri, 1997a)”. Deste modo, estamos alinhados com o autor quando refere que “este facto orientou a nossa atenção para procurar na realidade aquilo que acreditamos ser verdade, dado o inquestionável valor dos conhecimentos de importantes intervenientes no desporto de alto nível. Como refere Bento (1993: 92) “a realidade começa a existir quando começa a ser dita, enraizando-se nas palavras que a enunciam e a fazem, portanto, ser”. Existe cada vez mais a necessidade de fazer existir a realidade, de a lavrar para analisar, reflectir e posteriormente, se necessário, a alterar“.

Neste sentido, este trabalho, abraçando a realidade evolutiva humana, e idealizando uma organização estruturada de conhecimentos, procura responder à necessidade de conhecimento sobre o papel do Treinador de Futebol e outros técnicos a si acoplados, e constituir-se como um repositório, consolidado por uma enorme revisão bibliográfica em constante crescimento e evolução, numa busca incessante pela vanguarda da intervenção no Jogo de Futebol. Dada a vastidão de conhecimento e o seu enorme potencial evolutivo, como (Filipe de Sá, 2011) constata, “a ignorância pode parecer uma conclusão frustrante para quem dedica tanto tempo em busca de mais conhecimento, mas não o é necessariamente. Pelo contrário. É que se todos somos ignorantes, são muito poucos, aqueles que são capazes de se reconhecer como tal. E essa consciência, por si só, pode ser uma enorme vantagem…” Por outro lado, o treinador brasileiro Mano Menezes, na entrevista (Universidade do Futebol, 2010), sustenta que “o grande problema que temos hoje, não é certamente o acesso a informação, para quem tenha interesse. A informação está à disposição”. O técnico brasileiro explica que “a dificuldade é saber e conseguir seleccionar a informação”. O autor (Vítor Frade, 2014), sustenta que a comunicação é suportada pela informação que temos e pela importância que damos aos factos que constituem a realidade, permitindo que o enredo ganhe um corpo, um sustento que o torna “real”. Deste modo, a busca e partilha da realidade que se apreende são decisivas para o crescimento”.

Nesta linha de pensamento, o treinador e autor (Jorge Braz, 2006) reforça descrevendo que “Garganta (2004) salienta o facto de raramente figurarem em textos de divulgação os processos que levam à construção das equipas e à preparação dos jogadores. Como referem Leblanc et al. (2004) para progredir na prática profissional e na prática científica necessitamos de ensinamentos de treinadores mais experientes. Numa época em que a procura de padrões qualitativos se impõe, torna-se imprescindível conhecer a natureza da actividade que se pretende estudar e/ou transformar, para a qual muito contribui a intervenção dos treinadores na forma como orientam e conduzem o jogo e consequentemente o processo de treino“.

Então, concordando com esta ideia, este trabalho sustenta uma filosofia alicerçada numa selecção de conhecimentos sobre Ciência, Liderança, o Treino e o Jogo de Futebol. E sendo este corpo de conhecimentos infindável, reforça também a ideia transmitida pelo treinador italiano Fabio Capello, no qual “o melhor treinador será o maior dos ladrões, que ilustra a «sede» de conhecimento que o exercício deste papel deverá trazer.

Porém, referimos que este trabalho, respeitará logicamente o mérito e os créditos das ideias de terceiros aqui apresentadas. Por outro lado, e independentemente de procurarmos um melhor caminho para o sucesso na intervenção do treinador de Futebol, trazemos também algumas opiniões diferentes e por vezes divergentes, que nos possibilitem a reflexão e a permanente avaliação, sobre a evolução do projecto, nomeadamente o caminho que estamos a seguir.

“Às vezes no fim das aulas eu perguntava aos alunos o que é que queriam ser quando acabassem o curso e o José Mourinho naquela altura, muito direito, muito convictamente, respondeu:

Quero ser treinador de Futebol. (…) Isto há trinta anos.”

(Sérgio, 2012)

O sentido da vida é procurar estar bem com a minha consciência, ou seja, procurar concretizar na vida os valores em que eu acredito”.

(Sérgio, 2012)

“É como tudo no Futebol, e na vida. Precisas de observar, precisas de pensar, precisas de te mover, precisas de encontrar o teu espaço, precisas de ajudar os outros. No final é muito simples.”

Johan Cruyff, em entrevista a (McRae, 2016)

 


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