“O meu desafio é transmitir a ideia que sinto à equipa. Ganha-se de formas muito diferentes, não há fórmulas mágicas. A solução é fazer o que sentimos.”
(Pep Guardiola)
Ideia e Modelo
A Ideia de Jogo, é o espaço do projecto Saber Sobre o Saber Treinar onde apresentaremos a nossa proposta de “jogar”. Ou seja, é onde consolidaremos um conjunto de ideias que, como Guardiola refere, nos fazem sentir bem com o que somos, que materializam a nossa visão do jogo, e paralelamente, serão ideias que sentimos, nos possibilitam a aproximação ao sucesso. É certo que é possível jogar futebol com outras ideias e o seu valor cultural, para cada contexto, nunca poderá ser colocado em causa. Mas por outro lado, todas as ideias se configuram com igual potencial de sucesso? Não cremos. As que aqui apresentaremos, representam as nossas convicções. Pelo menos… as actuais convicções. No fundo, a Ideia de Jogo, constitui-se como um conjunto de conhecimentos e experiências que o jogo e a sua investigação nos vai proporcionando, sempre alinhadas com os nossos valores. Representam portanto… a nossa cultura de jogo. Tal como as restantes dimensões do projecto, será um tema permanentemente inacabado e em constante evolução.
A ideia torna-se abstracta, porque num contexto prático, partindo dessa Ideia de Jogo, será depois fundamental equacionarmos o contexto. Entre tantas outras coisas, por exemplo, a cultura do país, da região, da cidade, do clube… a sua política e objectivos… os agentes envolventes como a comunicação social, a cultura de quem regula e arbitra… e fundamentalmente… as características dos jogadores a liderar. São poucos os contextos onde o treinador tem poder para reformular uma equipa inteira, e colocá-la, através da qualidade individual, mas fundamentalmente, das caraceterísticas de quem entra, mais próximo da sua Ideia de Jogo. Deste modo, como referimos no capítulo Introdução, da Ideia de Jogo que o treinador transporta, resultante do Conhecimento de Jogo que construiu e transmitida à equipa através da sua Liderança e Metodologia, levam-no a uma construção real, que se materializa no Modelo de Jogo. Nesta perspetiva, o Modelo constitui-se como o real, e não a ideia teórica com que o treinador parte. Portanto… o Modelo é a Ideia em interacção com o contexto.
O professor Vítor Frade, em entrevista a (Tamarit, 2013) explica que existem “duas coisas distintas, uma coisa é a Ideia de Jogo e outra coisa é o Modelo de Jogo. Pode parecer um paradoxo, uma coisa estranha, mas antes está a Ideia de Jogo e só depois está o Modelo de Jogo. 0 Modelo é o que se sujeita também às circunstâncias. O Modelo é tudo porque é a Ideia de Jogo mais as circunstâncias, e as circunstâncias podem relativizar aquilo que eu faria noutras circunstâncias, mas em termos de padrão é igual! Eu quero jogar mais ou menos assim. Agora, se eu fui treinador do Barcelona e depois vou treinar uma equipa da quarta divisão… é diferente, eu quero que passem de primeira e eles não o fazem nem de pistola na mão. A bola não se assusta! As pessoas têm que ter a inteligência suficiente. Estou a falar a Top. Acha que havia muitas diferenças do Chelsea para o Inter? Não há, não há. Há mais de jogo para jogo em função das circunstâncias… mesmo no Porto, só que o Porto não tinha Zanetti, não tinha o não sei quê, e tenho que ver isso. Agora a Ideia de Jogo é uma coisa, a fabricação da Ideia tem a ver com as circunstâncias e esse é o Modelo de Jogo, o que implica também a dinâmica existencial dos Princípios Metodológicos. E o Modelo é tudo, até algo que às vezes desconheço, e que me «incita» à modelação, porque se eu não o contemplei, lixei-me!“
O autor e treinador (Bouças, 2017), descreve que “nem tudo fica como queremos e muito surge do que modelamos em função do que queremos mas também do que eles / elas podem e conseguem dar. A ideia original nunca é a que surge no campo porque as vivências anteriores dos jogadores assim o determina. (…) Hoje, percebo claramente que o modelo de jogo é sempre a interacção do que o treinador idealiza com o que os jogadores conseguem e querem dar! Se a equipa se comporta de forma X ou Y, tal não significa que seja essa a forma como o seu treinador vê o jogo. Porque nunca se consegue a cem por cento desmontar jogadores com experiências anteriores relevantes”. Ainda (Bouças, 2017), acrescenta que “um modelo de jogo, se pretender aproveitar os melhores jogadores nunca será o que sai a cem por cento da cabeça do treinador. Porque haverá sempre resistências que não serão ultrapassadas pela forma como vários jogadores não cumprem pequenas coisas. Jogadores que apesar desse handicap, são suficientemente bons para acrescentarem outras valências do ponto de vista técnico ou de decisão, e portanto capazes de fazer com que no fim do dia, entre o deve e o haver acabem por ser mais úteis que outros colegas capazes de cumprir tudo na ocupação dos espaços, mas com carências determinantes noutras variáveis”.
Perante este entendimento o treinador português (Miguel Cardoso, 2018) vai mais longe, e dando o exemplo do seu trabalho, explica que “todas as ideias são um ponto de partida para a construção de algo. O jogo é uma construção. O trabalho do treinador é criar uma zona de construção. O treino é essa zona e há muitas coisas que eu discuto com os jogadores, para saber como é que eles se sentem mais confortáveis. A partir do momento em que o conforto, dentro de uma base, está criado, então podemos seguir caminho. Isto tem a ver com coisas grandes e pequenas, por exemplo, o posicionamento nas bolas paradas. É extremamente importante que os jogadores estejam confortáveis. São eles que jogam. O treinador é o catalisador, é quem traz as propostas e tem de seduzi-los.”
Noutra perspectiva, (Bouças, 2017), acredita que “construir um modelo não depende somente dos jogadores ao dispor de cada treinador. Obviamente que um modelo para ser bem sucedido terá sempre de resultar da interacção que se estabelece entre aquilo que os jogadores podem, conseguem e pretendem dar, e as ideias do treinador. Que se moldam às individualidades, que naturalmente se vão moldando também às ideias do treinador. É sempre um processo que modifica um pouco de ambos. Mas, o jogar se pretende guiar para o sucesso, não nasce somente da interacção de tais variáveis. A própria ideia tem de ter em conta a especificidade da competição, se pretendes vencer. Precisamente porque é impossível controlar a todo o instante o jogo e o adversário.”
O Modelo de Jogo será abordado em maior profundidade noutro capítulo do projecto, no entanto, seria importante destrinçar, para nós, a diferença entre os dois conceitos. Que com alguma naturalidade são confundidos.
O Modelo é a Ideia em interacção com o contexto.
O conceito Ideia de Jogo é também muitas vezes descrito como Modelo de Jogo Idealizado. Aqui estamos apenas perante uma questão de terminologia. Na opinião do treinador português (Carvalhal, 2010), ouve-se muitas vezes a expressão “modelo de jogo adoptado”. Segundo o autor “isso não existe! O Modelo de Jogo Idealizado, parece-me a expressão mais adequada! Não existem dois Modelos de Jogo iguais, logo não acho correcto falar em adopção de um Modelo. Isto será o mesmo que dizer que só existe um futebol… existem muitos futebóis! O Real Madrid Joga igual ao Barcelona?! O Porto joga igual ao Benfica?!” Deste modo o autor propõe a classificação de Modelo de Jogo Idealizado e explica: “porquê? Porque é aquilo a que aspiramos jogar, aspiramos porque nunca chegamos a atingir! O Modelo Idealizado está permanentemente a ser construído e reconstruído. Definimos princípios e sub-princípios para cada momento de jogo! Quando pensamos que estão consolidados e estamos a melhorar outros, no jogo seguinte aqueles que momentaneamente “abandonamos” deixam de se manifestar com eficiência.”
“As ideias
são uma espécie de temas
a que as cabeças não sendo alheias,
contextualizam as coisas mais pequenas.”
(Vítor Frade, 2014)
Um futuro… idealizado, mas sempre… diferente
“Eduardo Saverin: Então quando vai estar acabado?
Mark Zucherberg: Nunca vai estar acabado. É esse o objectivo. Tal como a moda nunca acaba.
Eduardo Saverin: Estás a falar de moda? Tu?
Mark Zucherberg: Refiro-me à ideia e digo que nunca acaba.”
Diálogo entre Eduardo Saverin e Mark Zucherberg sobre o desenvolvimento do Facebook no filme a “The Social Network” de (David Fincher, 2010)
Segundo (Sousa, 2006), “a palavra ideia, sinónimo de representação mental, pensamento, projecto e noção, vê-se conectada com a ciência da sua formação, a ideologia. Esta corresponde a um sistema de ideias que pautam as condutas individuais e colectivas, e a um quadro de valores e crenças partilhado por um grupo, que respondem funcionalmente aos seus desejos e necessidades, constituindo uma espécie de código normativo e inspirador das suas condutas (Dias, 2005)”. Guilherme Oliveira, citado por (Esteves, 2010), entende o “modelo de jogo como uma ideia / conjectura de jogo constituída por princípios, Sub-Princípios, Sub-Princípios dos Sub-Princípios…, representativos dos diferentes momentos / fases do jogo, que se articulam entre si, manifestando uma organização funcional própria, ou seja, uma identidade. Esse Modelo, como Modelo que é, assume-se sempre como uma conjectura e está permanentemente aberto aos acrescentos individuais e colectivos, por isso, em contínua construção, nunca é, nem será, um dado adquirido. O Modelo final é sempre inatingível, porque está sempre em reconstrução, em constante evolução”.
Deste modo, como explicado no capítulo O Modelo de Jogo enquanto processo em constante evolução, a tal Ideia de Jogo, na realidade nunca é atingida. Na sua fabricação no real, portanto, na sua interacção com o contexto, por mais precisão com que queiramos operacionalizar determinada ideia ou projecto, nunca a sua modelação ou concretização reproduzirá com exactidão a ideia inicial. Mais ainda quando este envolve pessoas, pois nessas circunstâncias a sua complexidade aumenta abruptamente. Por outro lado, isto, porque a ideia inicial é passado. As circunstâncias e evolução acabaram por naturalmente a transformar. Para pior nalguns casos, mas a expectativa e o trabalho é realizado tem implícito o objectivo óbvio que seja para melhor. O autor (Tobar, 2013) explica que “por isso, paradoxalmente, mesmo tendo em conta que nunca existirá uma reprodução fiel das nossas ideias, da nossa concepção de jogo e das coisas, “tal e qual” aspiramos, o Modelo de Jogo idealizado deve estar sempre a ser visualizado, ou seja, mantendo-se o futuro como elemento causal de comportamento (FRADE, 1985, p. 7). Em suma, deve-se constituir como o ideal a ser alcançado, e neste sentido enaltecemos Frade (1985 citado por. SALGADO, 2009) quando refere que o Modelo de Jogo se caracteriza por ser uma referência, o qual se deseja atingir, havendo portanto a necessidade de construir o presente em função daquilo que se projeta, “o futuro a que aspiro vai condicionar o presente” (FRADE, Anexo C), tratando-se de um processo que nunca estará concluído, “onde a ideia de jogo, o futuro determina o aparecimento de uma funcionalidade e a funcionalidade só é funcionalidade se, entretanto se originou uma estruturalidade” (FRADE, Anexo C)“.
Neste entendimento, (Cardoso, 2006) procurando explicar o Modelo, como um conjunto de comportamentos tácticos, descreve que “a táctica não é um sistema reduzido a uma disposição e organização espacial dos jogadores, mas sim, como refere Mourinho (2002), um conjunto de princípios de jogo bem definidos, quer para o ataque, quer para a defesa e de acordo com o modelo de jogo idealizado pelo treinador que servirá para determinar uma ordem no caos“. Contudo, esta organização e princípios terão por alicerces valores mais profundos, que nos guiam muito para lá do Futebol, valores que nos guiam enquanto seres humanos. O treinador Português (Miguel Cardoso, 2018) partilha este sentimento descrevendo aquilo que “a identidade tem muito a ver com os valores, com aquilo que eu tenho como valores pessoais. E tu dizes assim: mas como é que isso influencia o teu jogo? Claro que influencia. Porque é abaixo dessa identidade que tu constróis o teu modelo. Porque o modelo é que o dá intenção à tua identidade. É aquilo que vai expressar quem tu és. No fundo, o modelo faz-te viver a tua identidade“.
A “identidade” foi outro conceito que se vulgarizou. No entendimento de Miguel Cardoso, ela situa-se então ao nível do abstracto, na mente do treinador, portanto da Ideia de Jogo ou Modelo de Jogo Idealizado. Contudo, existem outros entendimentos de Identidade que a situam ao nível do real, do que é a construção, portanto, ao nível do Modelo. A autora (Gomes, 2006), refere que a identidade cria-se a partir da implementação de “uma lógica comum entre os jogadores para que a partir dela todos (jogadores e treinador) possam decidir e antecipar decisões”. A autora explica ainda que apesar de reconhecer variabilidade no jogo, também reconhece a “identidade das equipas (o que as torna diferentes umas das outras) a partir das suas características ou seja, do modo como os jogadores se relacionam“. Marisa Gomes justifica a ideia, com os trabalhos de Morin (1997:103) que sustenta “que uma unidade colectiva não se reduz à justaposição dos seus elementos porque adquire uma identidade global, que é «superior à soma das suas partes constituintes». Desta forma evidencia que o sistema expressa um conjunto de propriedades que os seus elementos não apresentam isoladamente ou noutro sistema. Face a isto, podemos ver a equipa como um sistema que vale pelo seu «todo», em virtude das interacções dos seus jogadores, que fazem com que a dinâmica do jogo apresente determinadas características“.
Através desta ideia, provamos a complexidade e a interacção que existe entre as diferentes dimensões da intervenção do treinador. Se a sua liderança, na sua relação diária com os jogadores, está alicerçada por determinados valores e crenças pessoais de todos os intervenientes, tais aspectos deverão também ser equacionados na concepção da Ideia e na modelagem do jogo da equipa. Caso contrário, o processo poderá atingir uma incoerência fatal, entre o que se procura ser em termos humanos, com o como se procura jogar e tendo ainda em conta o contexto cultural pré-existente. Esse contexto poderá ser influente sobre diversas formas. A dimensão estética, ou o “estilo” será uma delas.
“O Futebol é um jogo. E, como todo o jogo, há maneiras mais eficazes de jogá-lo”.
(Nuno Amado, 2011) em comentário a (Pereira, 2011)
Os alicerces da Ideia
“Voltámos a provar que o caminho é ajudarmo-nos uns aos outros. Há muito esforço e muita gente por trás do jogo de Messi. Defendemos todos e atacamos todos. Todos fazemos tudo. Se há um que não defende, não joga, e se um não ataca, também.”
Guardiola após o jogo Barcelona 4 – Arsenal 1, com os quatro golos a serem marcados por Lionel Messi, (Matías Manna, 2009)
De acordo com (Sá, 2011), e sobre o “estilo” de uma determinada proposta de jogo, nunca “um modelo de jogo se esgota num momento táctico, nem a qualidade de um momento táctico se define pelo enfoque que é dado a um certo estilo. E aqui é que reside o problema: confunde-se estilo com qualidade”. Neste enquadramento, surge o trinómio Estética-Eficácia-Eficiência, conceito criado pelo Professor Vítor Frade, que procura interpretar qualquer forma de jogar à luz destas três dimensões. E esta avaliação pode ser realizada quer ao nível colectivo, quer ao nível individual. O conceito, já abordado pelo projecto em alguns artigos, ser-lhe-á dedicada mais profundidade noutro capítulo.
Tendo em conta a qualidade de jogo à luz desta perspectiva, o treinador brasileiro (Tite, 2017), dando um exemplo, defende que “a equipa tem de saber jogar de forma construída ou por vezes de forma vertical”. Porém, o autor (Moreno, 2009), ressalva que existem “duas classes de equipas, aquelas que se organizam através da bola, e aquelas que se desorganizam na sua procura”. Partilhando esta perspectiva, o treinador Português (Jesus, 2013), define quatro pontos fundamentais para a organização da sua equipa, quer no momento defensivo, quer no momento ofensivo:
- A BOLA;
- O COMPANHEIRO;
- O ESPAÇO;
- O ADVERSÁRIO.
No entanto, segundo o treinador português. a maioria dos jogadores não conhece estes conceitos.
Nesta lógica, de forma a estruturar tudo o resto, sentimos ser fundamental definir PRINCÍPIOS BASILARES da nossa Ideia de Jogo. Basilares porque se alicerçam em valores, para nós inegociáveis. Recuperamos os Valores Humanos que definimos no capítulo Liderança: Respeito, Solidariedade e Ambição. Estes são valores que, para nós, deverão estar presentes em todas as circunstâncias da intervenção do treinador na equipa. Quer ela aconteça de forma directa, quer de forma indirecta. Deste modo, a Ideia de Jogo e posteriormente, o Modelo de Jogo, deverão garantir coerência com estas ideias. O sub-capítulo O “jogar” expõe e cultiva valores, aborda precisamente esta ideia, que nos parece decisiva. Assim, reforçados pelas ideias construídas aí, sentimos que deverá haver uma preocupação e prioridade para que o jogo da equipa seja eminentemente colectivo.
“Nos momentos de construção de uma equipa, temos que ter princípios fundamentais e ele representa todos estes princípios: Ambição, Disciplina e Solidariedade.”
(José Mourinho, 2010) citado por (MaisFutebol, 2010)
“Defender e recuperar
é sem bola o seu acontecer
gerir e definir…
Emergem na posse p’ra vencer!”
(Vítor Frade, 2014)
De acordo com (Santos, 2010), uma equipa deve “recuperar e saber manter a bola num primeiro momento para depois desequilibrar. Veja-se, recuperar (organização defensiva), manter (transição ofensiva) para depois desequilibrar (organização ofensiva). Não me refiro ao momento da perda, porque o ideal será não perdê-la. Mas é claro que após a perda, o objectivo irá passar num primeiro ou num segundo momento pela recuperação. Esta frase é elucidativa para o que pretendo transmitir. Ou seja, por muito que atribuamos maior importância num dado momento, temos que saber que esse momento está contextualizado a um todo”. Neste pensamento está implícito o Princípio Metodológico definido por Vítor Frade, a Articulação de Sentido, pois nele, entende-se o jogo como o tal todo complexo, no qual, o que se passa num dos seus momentos, afectará os restantes. Desta forma, isso deve ser equacionado na construção e operacionalização da Ideia.
“A invencibilidade está na defesa, a possibilidade de vitória está no ataque. A garantia de nos tornarmos invencíveis está em nossas próprias mãos. Tornar o inimigo vulnerável só depende dele próprio. A invencibilidade está na defesa, a possibilidade de vitória, está no ataque.”
(Sun Tzu, 1971), citado por (Luís Esteves, 2010)
A estrutura da Ideia
“As boas equipas, marcam muitos golos em transição, mas também em organização ofensiva e bolas paradas, portanto, o número de golos, deve estar distribuído de forma equilibrada.”
(Guilherme Oliveira, 2006) citado por (Luís Esteves, 2010)
Alicerçados nestas ideias chegamos à seguinte base estrutural. Os quatro momentos do jogo: Organização Ofensiva, Transição Defensiva, Organização Defensiva, Transição Ofensiva. Estes subdividimos em três sub-momentos cada, que procuram categorizar o máximo de comportamentos identificados. Nesta sub-divisão, a Articulação de Sentido também tem, obrigatoriamente, de estar presente. Esta organização, visará não só a organização do jogo, mas também uma consequente forma de catalogar acções de jogo. Este meio pode ter diversos propósitos, como por exemplo a análise de jogo e o armazenamento de exemplos, que à luz da Ideia de Jogo, podem ser utilizados como reforços para passar determinadas ideas como positivas e negativas. Esta sistematização permite ainda reforçar o trabalho, classificando e organizando exercícios de treino, algo que também poderá ser encontrado no projecto Saber Sobre o Saber Treinar na página Exercícios de Treino.
Dentro destas ideias, apresentamos uma Ideia de Jogo que dá primazia aos comportamentos colectivos e à participação de todos os jogadores em todos os momentos de jogo. Deste modo, emerge um princípio fundamental para tornar esta ideia de jogo viável: TODOS OS JOGADORES JOGAM EM TODOS OS MOMENTOS. Segundo (Lumueno, 2014), “ajudar não é criar situações mais complexas, com menos soluções, e mais adversários. É precisamente fazer o oposto. Dar o maior número de soluções possível, facilitando a resolução para o jogador. Tornando-o mais imprevisível. Ajudar o jogador, será convencê-lo da necessidade de participar em todo o processo, e dota-lo de capacidade de resolver problemas defensivos, de ocupação de espaços, de abordagem aos lances”. Para (Correia, et al., 2014), este princípio geral defende que “sempre que estejamos em posse de bola, todos os nossos jogadores se movimentem / ajustem no sentido de criar o maior número possível de linhas de passe, isto é, que possam ser solução em diferentes posições ocupadas no terreno de jogo e, por conseguinte, com diferentes hipóteses de escolha para o portador da bola, aumentando-lhe, desta forma, a possibilidade de êxito na decisão que irá tomar”. Porém, os autores acrescentam que “o ser solução vai para além do simples conceito da criação de uma linha de passe, uma vez que é utópico um jogador com bola ter sempre dez linhas de passe em todos os sub-momentos da Organização Ofensiva. Sabendo que no momento de Organização Ofensiva da equipa teremos jogadores em momento defensivo (por exemplo, preparando o momento da perda de bola), estes não deixam de ser solução para a equipa”. Deste modo, nesta lógica de pensamento, todos TODOS OS JOGADORES JOGAM também no momento defensivo e nos momentos de transição. Com diferentes papéis, é certo, porém, todos são fundamentais para o cumprimento dos princípios fundamentais do jogo definidos por (Queiroz, 1983): recusar inferioridade numérica, evitar igualdade numérica e criar superioridade numérica.
Por outro lado, segundo (Gomes, 2010), “as particularidades micro (circunstanciais) de cada jogo são diferentes e assumem contornos singulares. Daí que se reconheça que cada jogo é um jogo apesar de reconhecermos os padrões que identificam as equipas”. Neste entendimento, entra a qualidade individual dos jogadores e as suas características, que naturalmente, serão sempre diferentes e levarão também a que essa dimensão micro do jogo seja sempre diferente. Assim, no plano individual, as funções tácticas representam as acções ou comportamentos dos jogadores do ponto de vista individual, no entanto, parecendo um paradoxo, elas surgem sempre em interacção com o resto da equipa, portanto com o colectivo e o seu entrosamento. Assim, para (Campos, 2008), ao nível dos comportamentos individuais, “a riqueza que deve surgir no detalhe deve ter sempre como pano de fundo os princípios de jogo”. Consequentemente, na opinião de (Santos, 2011), “a mesma posição (função) pode ter diferentes formas de abordagem e diferentes aspectos que influenciam a escolha do jogador que joga nessa posição (função)”.
Nesta linha de pensamento, e equacionando por exemplo as Acções Elementares Ofensivas e as Acções Elementares Defensivas, Guilherme Oliveira citado por (Campos, 2008), explica que “mesmo em situações de 1×1 eu peço comportamentos que estejam relacionados como os comportamentos ao nível dos grandes princípios”. Rui Faria reforça esta ideia defendendo que “tudo é subordinado ao macro, o individual está sujeito àquilo que é a linguagem comportamental comum, o individual tem que estar identificado com isto, quando o erro ocorre e quando determinado detalhe, sob o ponto de vista individual, vai prejudicar o comportamento colectivo, esses equilíbrios colectivos da equipa têm que se ajustar de imediato”. Neste contexto micro, os comportamentos individuais dos jogadores terão então reflexos na qualidade colectiva da equipa. Estamos perante uma relação complexa, portanto, bidireccional, entre a Qualidade de Jogo Colectiva e a Qualidade de Jogo Individual. Um exemplo situa-se, por exemplo ao nível das diferentes intensidades / ritmos. O autor (Ramos, 2004), explica o conceito intensidade / ritmo de jogo como “o número de acções úteis na unidade de tempo, por acção intencional do jogador e /ou equipa no ataque, defesa” e transições. Estas acções úteis, portanto, as boas decisões, serão o maior medidor de sucesso, nomeadamente a longo prazo. Assim, uma vez mais comprova-se que independentemente de se poder jogar este jogo de formas bastante diversas, nem todas as ideias de jogo trazem o mesmo sucesso. Individualmente e consequentemente… colectivamente. Por outro lado, serve também isto para percebermos que o Individual nunca pode andar desligado do Colectivo. Quer ao nível da Ideia de Jogo, quer da sua operacionalização no treino.
Nas sub-páginas da Ideia de Jogo, organizadas pela sistematização apresentada acima, iremos então publicar acções e comportamentos que acreditamos, sentimos e experimentámos, que nos aproximam do sucesso. Desta forma, esta é a nossa visão de Estética-Eficácia-Eficiência. Expomos aqui portanto, a nossa cultura de jogo.
“Pensa-se no resultado como se os golos caíssem das árvores e não fossem consequência do jogo.”
Jorge Valdano, citado por (Mauro Santos, 2009)