“No desporto, tão importante como a aprendizagem de métodos é a aprendizagem de conteúdos. Os métodos, sem conteúdos, para pouco servem. É o conteúdo que torna, ou não, apetecível o método. E, no conteúdo, não há só tecnociência, há também filosofia e pedagogia e poesia e amor. Sabem estas coisas os especialistas em Desporto?”
(Manuel Sérgio, 2016)
O autor (Costa, 2001), no seu estudo sobre inteligência e conhecimento do jogo, questiona se, “relativamente à performance desportiva, poderá um melhor conhecimento do jogo contribuir, de alguma forma, para um nível de rendimento superior?” A treinadora e autora Marisa Gomes, em (Tobar, 2008), responde, explicando que “o treino de futebol tem tido um crescimento muito acentuado nas últimas décadas, promovido pela crescente procura de conhecimento do jogo e da sua organização no treino”. Se o jogo de futebol apresenta um perfil eminentemente Táctico, então, segundo Gréhaigne (1992:143), citado por (Cardoso, 2006), “o desenvolvimento da atitude táctica supõe o desenvolvimento da atitude de decidir e de decidir rapidamente, estando esta dependente da atitude de conceber soluções. Quer dizer que o desenvolvimento das possibilidades de escolha necessita do desenvolvimento de conhecimentos“. No mesmo sentido, surge (Garganta, 2004), referindo que “no domínio da expertise nos JD, para além da importância reconhecida à eficiência e à eficácia da execução dos padrões de movimento, a investigação tem dirigido a atenção para os tipos de conhecimento que suportam as acções dos jogadores na resolução de problemas do jogo, no que concerne às estratégias cognitivas que guiam a percepção e a tomada de decisão. Desde Mahlo (1969) que se sabe que em jogo a actualização dos conhecimentos tácticos se faz, por um lado, a partir da análise da situação, isto é, da percepção, e, por outro lado, a partir da análise dos próprios conhecimentos“.
De acordo com (Rocha, 2016), o jogo de futebol, actualmente, “estratégica e taticamente apresenta uma necessidade de conhecimento do jogo e do meio para quem o dirige e para os seus praticantes”. Segundo (Vieira, 2003), “sendo o Futebol um desporto táctico-estratégico, é lógico que a questão do conhecimento do jogo deva ser aflorada, quando se pretendem estudar as diferentes variáveis que condicionam a performance da modalidade. Vários autores têm procurado relacionar a natureza do conhecimento dos praticantes com a sua proficiência desportiva (Helsen & Pauwels, 1987; & 1987; 1990; & 1989; Tavares, 1993; & 1995; 1995; & 1996; & ai. Rodrigues, 1998; Brito & Maças, 1998, Mendes, 1999). Conhecer significa estar alerta, consciente de algo (Torres, 1998), e compreender que o jogo passa pela captação dos elementos que o constituem, na sua complexidade (Garganta, 1997). Até porque o desporto é uma área de forte e criativa actividade intelectual (Alves & Araújo, 1996), a componente cognitiva é de capital importância na regulação táctica da acção dos JDC (Tavares & Faria, 1996)“.
O autor (Vieira, 2003) explica que “os jogos desportivos colectivos, caracterizam-se por uma grande diversidade de situações, exigindo do jogador aptidão para processar um elevado e variado número de informações, num curto espaço de tempo. Essa complexidade do jogo determina a necessidade do jogador realizar constantemente acções tácticas, exigindo, desta forma, o aperfeiçoamento da capacidade de decisão. Dentro do elevado número de variáveis que podem influenciar esta capacidade, o conhecimento do jogo parece adquirir um peso importante para a qualidade da tomada de decisão, sendo também responsável por diferenças individuais no rendimento 1992; Allard, 1993; Williams 1993; 1994; Pinto, 1995; 1994)”. No mesmo sentido, (Costa, 2001) descreve que “French & Thomas (1987), num estudo com Basquetebolistas, no qual procuraram encontrar relação entre o conhecimento do jogo, o desenvolvimento de habilidades especificas e o rendimento em jogo, concluíram que os atletas mais experientes demonstram maior conhecimento, rendimento superior, e nível de execução técnica de habilidades também superior. Tal indicia que o conhecimento de jogo está relacionado com a capacidade de tomar decisões, revelando-se fundamental na performance dos jovens atletas, uma vez que no final da época, este factor foi o único que se revelou como preditor significativo da capacidade de tomada de decisão”. O mesmo autor acrescenta que “Rodrigues (1998), utilizando o teste validado por Pinto (1995), comparou atletas juniores de Basquetebol federados e do desporto escolar, quer ao nível do conhecimento do jogo, quer ao nível da tomada de decisão. Concluiu, semelhança do nosso estudo, que os jogadores federados possuíam conhecimento declarativo superior quando comparados com os do desporto escolar, sendo as questões tácticas aquelas que mais os diferenciaram. Também no protocolo referente tomada de decisão, os federados optaram por decisões tácticas mais adequadas do que os do desporto escolar“. Ainda João Costa, agora no contexto do Futebol, reforça que o “trabalho de Mangas (1999), no qual construiu o teste para avaliação do conhecimento declarativo no Futebol, posteriormente modificado por Correia (2000) e que neste estudo utilizámos, comparou atletas federados (Sub-14) das selecções distritais de Futebol e do desporto escolar, quer ao nível do conhecimento do jogo, quer ao nível da tomada de decisão. Concluiu que os jogadores federados possuíam conhecimento declarativo superior quando comparados com os do desporto escolar, reforçando a tese de que a experiência adquirida através dum quadro competitivo mais vasto e rico, contribui para a melhoria do conhecimento; e ainda que os jogadores federados de nível superior, dado pertencerem a uma selecção que reúne os melhores de cada distrito, também contribuem com um conjunto de competências que os do Desporto escolar podem não possuir”. Perante este cenário, Costa conclui que “da análise dos diversos estudos, parece poder concluir-se com relativa facilidade que os atletas de melhor nível possuem um conhecimento mais elevado que os seus colegas de nível inferior“.
Sobre este conhecimento do jogo, o treinador espanhol Julen Lopetegui, citado por (Fernandes, 2015), defende que “uma das mudanças que acho mais necessárias no futebol é o jogador perceber o jogo, não chega começar a perceber aos 20, 21, 22… A essa altura já têm de o dominar! Estive com imensos atletas jovens e é difícil encontrar atletas que aos 17, 18 anos já pensem o jogo, já percebam o jogo. Garanto que há jogadores profissionais com 30 anos que ainda não percebem o jogo de forma alguma! O melhor jogador será sempre o que tomar a melhor decisão!” Esta preocupação com a compreensão do jogo, naturalmente subjaz da necessidade de desenvolver a cognição, ou por outras palavras, a leitura e decisão dos jogadores. Neste sentido, (Vieira, 2003), descreve que “a cognição no desporto situa-se, segundo Tenenbaum & Bar-Eli (1992), em todas as actividades, sendo possível identificar, ter acesso e, de certa maneira, influenciá-la, contribuindo, segundo Greco (1999), para a melhoria do conhecimento quer declarativo quer processual, necessário execução das acções. A dimensão cognitiva é, segundo (1985), diferenciadora entre atletas, e a que mais parece ter importância decisória no grau de sucesso na competição, sobretudo quando se patenteia um equilíbrio entre todas as componentes do rendimento”. Também (Oliveira, 2008) acredita que “a dimensão cognitiva, particularmente no que toca às capacidades perceptivas e às de tomada de decisão (Graça, 1995), é actualmente reconhecida como essencial para a obtenção da qualidade de jogo e consequentemente do sucesso desportivo (Garganta, 1997). Neste sentido, torna-se essencial reconhecer e entender que para determinado jogador apresentar qualidade de jogo, este tem de possuir um determinado conhecimento do jogo, ou seja, um conhecimento específico que está altamente correlacionado com o conhecimento táctico (Costa e tal, 2002; Guilherme Oliveira, 2004)”.
O treinador Rui Quinta, citado por (Ribeiro, 2009), sustenta que “para o jogador jogar o jogo, tem que ter uma capacidade de compreensão do jogo, ter uma capacidade de resolução das tarefas do jogo, e também tem que ter uma capacidade de superação, de forma a lidar com as situações que o jogo lhe coloca”. Rui Quinta reforça que “estamos a falar das dimensões física, técnica, táctica e psicológica, é evidente que elas estão presentes e interligadas. (…) para um jogador atingir um nível superior de rendimento não adianta só ter essas capacidades, precisa ter também um conhecimento do jogo. Eu penso que a “dimensão jogo” é aquela que faz com que eles atinjam o seu patamar mais alto de rendimento“. Neste enquadramento, (Veira, 2003), conclui que “um bom executante é, antes de mais, um indivíduo capaz de escolher as acções táctico-técnicas mais ajustadas no sentido de dar resposta às constantes alterações configurativas do jogo, isto é, aquele que não se ajusta somente às situações que observa mas também àquelas que prevê, ou seja, todo o jogador que apresente um nível de processamento de informação bem formado poderá construir com sucesso um esquema mental da actuação motora (Aguillà & Pereira, 1993; Aguillà et ai., 1990). Assim sendo, é evidente a importância na preparação desportiva dos jovens praticantes de Futebol a existência de uma relação perfeita entre o conhecimento do jogo, inteligência e velocidade de processamento, os quais conjugados permitem uma maior rapidez no processamento da informação (Alves, 1985)“.
Contudo, podemos identificar dois níveis diferentes de conhecimento do jogo. Um que se situa ao nível do subconsciente, sob o qual o jogador toma decisões rápidas, circunstâncias as quais o professor Vítor Frade identificou como o “aqui e agora” do jogo. Este contexto de conhecimento, o próprio jogador tem dificuldade em explicá-lo e consequentemente as decisões em jogo a si associado, uma vez que não foi construído de forma consciente. Em jogo, materializa-se por intenções em acto, ou seja, como o filósofo Pierre Jacob e o neurocientista Gilles Lafargue, citados por (Cardoso, 2006) referem, são intenções que “nascem do calor da acção”, assim, nem sempre premeditadas. Fernando Cardoso explica então, que nesta intenção em acto “o tempo é insuficiente para que seja activada a consciência, aqui o papel da consciência reside no julgamento da intenção verificando rapidamente se esta se adequa à situação, cabendo-lhe apenas o papel de autorizar ou não a sua execução”. Segundo o autor, “o jogador durante o jogo, onde o espaço e o tempo para decidir são normalmente curtos, decide de forma inconsciente, não premeditada, recorre a hábitos que são “saberes remetidos para o não consciente”, Oliveira, B. et al (2006:201). Assim sendo, é sobre esses hábitos que devemos dirigir a nossa atenção. O hábito surge com um conhecimento que o precede, uma suposição inconsciente”.
Depois podemos identificar um segundo nível de conhecimento, que ocorre ao nível consciente. Dessa forma, envolve tudo o que em jogo, ou no campo teórico, portanto fora dele, o jogador absorveu e constitui-se como um reforço ao saber fazer, ou seja, um reforço ao conhecimento que se manifesta de forma inconsciente, nas tais intenções em acto. Desta forma, este nível de conhecimento torna-se representativo de um saber sobre o saber fazer. Analisar os dois de forma separada será mais um erro trazido pelo pensamento analítico, porque naturalmente, e como exposto atrás, os dois interagem. Pierre Jacob e o neurocientista Gilles Lafargue, citados por (Cardoso, 2006), referem a este propósito que que as intenções prévias, que estão na base de uma decisão consciente, implicam “obrigatoriamente o agente na preparação da acção […] certas intenções resultam de uma deliberação consciente anterior à acção”. Cardoso acrescenta que a este nível, o da intenção deliberada,“é necessário um maior tempo antes da acção, para permitir a consciencialização”. Desde modo, o autor vai mais longe e defende que “não basta remeter a abordagem do treino para as intenções prévias, uma vez que não é possível para um jogador habituado a jogar longo, começar a jogar curto, em ataque organizado e com critério apenas pela simples informação dada pelo treinador para que assim seja. Se a nossa consciência entra em jogo, pode parecer controverso, mas é porque, de algum modo, não possuímos o conhecimento suficiente para realizar antecipações. Quantos lances geniais, quantos remates impensáveis foram feitos sem que se soubesse que iria ser assim? Instinto goleador? Faro de golo? Oportunismo? Espontaneidade? Ou conhecimento remetido para o inconsciente que por vezes assume o comando ao “sentir” que é o melhor neste momento? Um “saber fazer” aliado a um “saber sobre um saber fazer”. Intenções deliberadas que criaram intenções em acto e vice-versa“.
Perante estas ideias, (Cardoso, 2006) defende que “com o treino deveríamos construir a intenção de um jogar específico, consciencializando os jogadores com conhecimentos, “um saber sobre um saber fazer”, desse jogar, assim como, exercitar as intenções em acto em concordância com as intenções prévias”. Concluindo então que o conhecimento do jogo torna-se decisivo no desempenho dos jogadores e equipas, importa então perceber de que forma os mesmos podem ser desenvolvidos nessa dimensão. Se muitos autores e testemunhos de jogadores, referem que o próprio jogo, em regime de auto-descoberta, manifesta-se como um veículo fundamental neste sentido, torna-se também evidente que o treinador pode ser um catalisador igualmente decisivo no processo e que assim poderá levar os jogadores a um rendimento ainda maior. Assim, o treinador, tal como sucede na dimensão metodológica e na liderança que exerce no contexto da equipa e seu meio envolvente, o conhecimento do jogo emerge, também aqui, como fundamental no crescimento do desempenho e rendimento da equipa. Neste mesmo sentido, no seu trabalho sobre o “treinador de excelência no Futebol”, (Pinho, 2009), refere que um jornalista anónimo sustenta existirem “três dimensões que me parecem vitais: conhecimento do jogo nas múltiplas acepções, o domínio do treino em vista ao modo mais eficaz de reproduzir as suas consequências no jogo e capacidade para liderar, na qual tem lugar decisivo a capacidade de comunicar (para dentro e fora do grupo)”. O autor acrescenta que “a subcategoria Conhecimento do Jogo foi referida por seis dos entrevistados (86%) como muito importante”. Nuno Pinho justifica a posição descrevendo que “segundo Mesquita (2005), um dos domínios que se assumem como capitais da determinação de competência de um treinador é o conceptual. Segundo a autora, a capacidade conceptual pressupõe o domínio de conhecimentos específicos da modalidade que ensina, e das ciências do desporto em geral. Esta capacidade revela-se mais importante à medida que o número de atletas envolvidos no processo de treino aumenta, como é o caso do Futebol. A mesma linha de pensamento é partilhada por Nash e Collins (2006), quando referem que os treinadores devem possuir um conhecimento declarativo relativamente às suas modalidades específicas”. O autor reforça, descrevendo que “o estudo de Paula (2005), direccionado para o voleibol, corrobora os resultados por nós encontrados a respeito da importância de um treinador ter um conhecimento profundo do jogo. A mesma opinião é partilhada por Araújo (1994), quando nos diz que uma das qualidades imprescindíveis a um treinador é o saber / conhecimento“.
No mesmo enquadramento, de acordo com um estudo sobre as características do treinador de excelência realizado pela autora (Mendes, 2009), as “Competências Técnicas e Competências Pessoais” foram as que reuniram maior consenso, mas nas subcategorias destacaram-se o “Conhecimento do Jogo, Capacidade de Decisão, Capacidade Crítica, Inteligência, Liderança, Ambição, Carácter, Comunicação, Disciplina e Motivação do Jogador”. No estudo, a autora, citando (Adelino, Vieira, & Coelho, 1999) sublinha ainda que para “para poder executar correctamente a sua função, o treinador deve conhecer, de forma suficiente, a técnica e a táctica da sua modalidade, os princípios básicos da teoria e da metodologia do treino e as regras fundamentais do comportamento humano”. Na opinião do treinador português Jorge Jesus, citado por (Braz, 2009), “um treinador tem de ter duas características: bom conhecimento do jogo e bom conhecimento sobre o que é ter uma estrutura de Futebol”. Procurando definir o que é concretamente o conhecimento do jogo, (Pinho, 2009), explica “que engloba o seu reportório teórico e conceptual acerca de tudo o que diz respeito à modalidade“. No contexto específico do Futebol de Formação, o autor (Ferreira, 2013) aponta que “é fundamental que os treinadores da formação tenham experiência, um bom conhecimento do jogo de futebol assim como do desenvolvimento da criança e que tenha uma boa relação com os jovens”.
Paralelamente, (Azevedo, 2011) fala de cultura táctica “como um entendimento do jogo, uma capacidade de perceber o jogo, adaptando convenientemente as respostas de acordo com as exigências inerentes à decisão, sendo para tal determinante seleccionar a informação respeitante ao gesto/acção a executar (Faria & Tavares, 1993)”. Também o treinador português Paulo Bento, em entrevista a (Almeida, 2011) expõe que “o conhecimento do jogo ou que deve ser o facto mais importante do futebol, deve ser o entendimento do jogo porque quanto melhor entenderes o jogo, mais fácil será para ti a abordagem ao jogo, a abordagem ao treino. A preparação do teu plano semanal tem muito a ver com isso… com o que se desenrolou no jogo e com aquilo que tu queres que se vá desenrolar no próximo. Por isso, quanto mais analisares essa situação, quanto mais entenderes essa situação, ou seja, aquilo que o jogo te pede, aquilo que o último jogo te deu e o próximo te pede, quanto melhor tu entenderes isso, mais fácil será. Então, a organização de uma equipa, a organização do jogo é aquilo que para mim foi o mais importante ao longo da minha carreira de jogador, principalmente a partir de uma determinada altura porque no início da carreira de jogador não se pensa nisso naturalmente, e agora como treinador é para mim o mais importante, ou seja, é tu entenderes o jogo de uma forma quase total”. O treinador português Jesualdo Ferreira, citado por (Pereira, 2006) partilha a ideia acrescentando que o treino “é uma tarefa complexa que implica um conhecimento do jogo e da escolha dos exercícios, tendo em conta o conteúdo e a sua especificidade, que permitem numa primeira fase optimizar a equipa e depois optimizar as capacidades dos jogadores”.
Nesta linha de pensamento, o treinador Rui Faria, citado por (Campos, 2008), a propósito do início de trabalho com uma nova equipa, sustenta que é “decisivo fazer uma avaliação do que é a nossa equipa, os nossos jogadores, e do que é o conhecimento do jogo por parte da equipa e portanto a antecipação é tão mais facilitada quanto maior for a cultura de jogo da equipa”.
O conhecimento do jogo ultrapassa a função de treinador. O analista João Luís Afonso, em entrevista a (Pereira, 2017), naturalmente aponta que no exercício da sua função é necessário “ter (…) ter algum conhecimento do jogo, perceber os momentos, as ações e os comportamentos dos jogadores”. Também (Santos, 2012) destaca o conhecimento do jogo como fundamental no exercício da função da analista. No mesmo contexto, (Rodrigues et al., 2017), citando (Piltz, 2003), referem que “o conhecimento do jogo e a capacidade de recolher informações pertinentes resultantes da observação são fatores importantes para a emissão de feedbacks relevantes para modificar as condições do jogo”. Assim, (Andrade, 2015) conclui que “o analista de jogo e a análise de jogo têm vindo a ganhar um papel cada vez mais importante nas equipas técnicas, pois oferecem uma compreensão e conhecimento do jogo avançada, o que permite ao treinador ter na sua posse informações sobre o adversário e a própria equipa que deverá utilizar de forma a maximizar o potencial da sua forma de jogar, através do processo de treino”.
Actualmente assiste-se a uma proliferação de fontes de informação para o treinador, nomeadamente sob dados quantitativos. Contudo, para (Silva, 2006), torna-se fundamental “transformar os dados em informação útil para o treinador e para o jogo (Garganta, 2003). Garganta (2000; 1998) reforça esta ideia ao referir que não é suficiente o recurso a meios sofisticados, quando a quantidade dos dados não garante por si só o acesso a informação útil. Não há tecnologia alguma que possa substituir o conhecimento do jogo e a habilidade especial do treinador. Este deve recorrer às novas tecnologias para poder dirigir o seu pensamento de forma mais selectiva, assim como para estruturar o seu trabalho de encontro a factos mais objectivos (García, 2000). De outra forma, o treinador poderá tornar-se cada vez mais num especialista em informática e cada vez menos um especialista do jogo (Garganta, 2001)”. Simultâneamente, o autor (Ribeiro, 2009), descreve que “o conhecimento do jogo está a aprofundar-se cada vez mais e a avaliação do jogo está a tornar-se cada vez mais exigente e pormenorizada”.
Para o treinador português Luís Castro, citado por (Bouças, 2018), “a nossa profissão obriga-nos a ir muito além do treinar e jogar. Temos de adquirir conhecimento, saber do que falamos, debater com outros treinadores para pensar melhor o jogo. Pensa-se pouco o jogo…”. Tal como referido na introdução, para o autor (Amado, 2012), “perceber de futebol não depende nem do tempo que se despende a ver futebol nem da capacidade de visão de ninguém; depende, sim, de saber pensar, como aliás depende qualquer tipo de conhecimento, a respeito de qualquer outra coisa”. Deste modo, para (Gil, 2012), o conhecimento do jogo, da sua lógica “e dos seus princípios, têm implicações importantes nos planos do ensino, treino e controlo da prestação dos jogadores e das equipas (Garganta & Gréhaigne, 1999). Esta abordagem deve, no entanto, ser realizada a partir de uma perspectiva interdisciplinar (Franks & McGarry, 1996)”. Por outro lado, o jogo evolui, e por exemplo, segundo (Lumueno, 2015), “as equipas são cada vez melhores a defender. Com equipas melhores a defender eles não defendem com um jogador apenas, defendem com vários. Para desmontar vários jogadores tens de ter na cabeça ideias que te permitam chegar ao sucesso. Antigamente era tudo um-contra-um, eliminavas um jogador, no máximo dois, e estava feito o golo (ou próximo disso). Era tudo muito mais fácil. Agora isso já não acontece, ou então é preciso ultrapassar quatro, cinco, seis e às vezes dez adversários. Para ultrapassá-los com qualidade é preciso ter um certo conhecimento do jogo, que facilite a tarefa e que permita atacar com mais sucesso”.
Deste modo, o treinador Rui Quinta, citado por (Ribeiro, 2009), defende que em primeiro lugar vem “o jogo, o conhecimento do jogo. E depois a forma como nós, perante a realidade em que estamos a desenvolver as nossas tarefas, é a capacidade que nós temos de, com esse conhecimento, termos sucesso“.
“Acho que é um grande erro da nossa parte nós querermos colar. Nós não descobrimos nada. Nós treinadores. Aproveitamos um mundo de conhecimento que já existe no futebol e selecionamos aquilo que é mais importante para nós, e depois, em função dessa análise e dessa reflexão acrescentamos isto ao aquilo que achamos que pode ser importante para o nosso jogar.”
(Luís Castro, 2018)
O conhecimento do jogo, influenciado por determinados valores que o treinador deseja que a equipa manifeste, e também até por reflexos metodológicos, será a base para a concepção de uma Ideia de Jogo e posteriormente para se chegar ao Modelo de Jogo. Por outro lado, segundo (Almeida, 2011), “o Modelo de Jogo potencia o conhecimento do jogo, o vivenciar das circunstâncias do mesmo, o reconhecer dos referenciais colectivos e individuais, dentro dos planos de acção comuns (princípios de jogo) e individuais, dentro dos princípios colectivos da equipa, alicerçados aos quatro momentos do jogo, permitindo que a equipa tenha e adopte um comportamento prospectivo e não reactivo, ou seja, haja sobre o meio, sobre o jogo, criando no mesmo as circunstâncias favoráveis para que os padrões da própria equipa se manifestem, fazendo com que os jogadores ajam sobre o jogo e não reajam perante o que o jogo dita. Assim é crucial que o sentido que o Modelo de Jogo dá à equipa, faça com que a mesma conduza o jogo para onde pretende”. Nesta lógica, (Tobar, 2018) acredita “não haver ninguém ligado ao futebol que não acredite que um treinador deva possuir um profundo conhecimento do jogo, de “táticas”, estratégia, liderança, motivação, gestão com jogadores, imprensa e adeptos, etc. Contudo, para que o treinador seja de excelência ele também deverá saber como aplicar as suas ideias na prática, isto é, deverá também dominar uma metodologia de treino”. Perante esta ideia, concluímos que o conhecimento do jogo, a metodologia e ainda a liderança, na sua interacção, tornam-se um todo indivísivel, que no fundo reflecte, como descrevemos na introdução, a competência do treinador.
“Todo o conhecimento é bem vindo, toda a discussão é bem vinda, qualquer ideia é bem vinda, e no fim o que eles têm de aprender é a pensar o futebol por si próprios. Apenas poderás dar vida a exercícios de treino, ou a sessões de treino, quando compreenderes o jogo, tiveres as tuas ideias e vires claramente o que é fundamental para ti. (…) No fim és tu que produzes a tua própria metodologia.”
(José Mourinho, 2016)