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“Romário só tinha uma tarefa defensiva”

Acções Individuais Ofensivas | Drible | Roleta

Publicámos uma nova página no trabalho Saber Sobre o Saber Treinar. Inserido na Ideia de Jogo, trata-se de uma Acção Individual Ofensiva, mais especificamente, um Drible: a Roleta.

“Apesar do drible Roleta ter ficado associado ao francês Zinedine Zidane, a verdade é que já sugira no jogo muito antes da década de 90. Segundo a (Wikipedia, 2022), também conhecida como o “360, Spin, Mooresy Roulette, Roulette, Girosflin”. Associada em determinado momento ao histórico Diego Maradona, foi de facto com o francês Zinedine Zidane que se tornou mais célebre ficando mesmo como uma das suas imagens de marca. A mesma fonte acrescenta que “com tantos nomes diferentes, a origem exata desta habilidade é desconhecida. A “Marseille turn” foi popularizada na Europa pelo avançado francês Yves Mariot na década de 1970. Diego Maradona e Zinedine Zidane foram, sem dúvida, os expoentes mais notáveis da jogada, sendo também conhecida como “Maradona turn” e “Zidane turn””.”

Flexibilidade e adaptabilidade do Programa de Treino

“Os exercícios apenas são potencialmente específicos”

Guilherme Oliveira, citado por (Esteves, 2010)

Continuamos a explorar o Programa de Treino que temos vindo a desenvolver, aprofundando a flexibilidade do mesmo.

Sublinhamos que o Programa não é dirigido a nenhuma Ideia de Jogo Específica. Porém, será ele exequível para todas as Ideias? Essa foi uma das nossas preocupações e intenções, mas lançamos um verdadeiro desafio à criatividade. Será possível criar uma Ideia de Jogo que não seja operacionalizável desta forma? Caso afirmativo, por outro lado, será um óptimo tónico à evolução do trabalho realizado.

À imagem de um Microciclo ou Morfociclo padrão, no qual a preocupação seja transmitir uma Ideia de Jogo à equipa, enquadrando uma série pressupostos para que a “óptima” aquisição deva acontecer, por sua vez o Programa enquadra um ciclo mais alargado (quatro semanas), nas quais são abordadas todas as dimensões da Ideia de Jogo da equipa.

Se a Ideia de Jogo (o projecto do treinador) é o ponto de partida e o Modelo de Jogo (o jogar propriamente dito da equipa) o ponto de chegada, o Programa será um dos veículos, através dos quais podemos fazer esse trajecto. Cremos nós, e esse foi o principal objectivo na sua elaboração, com grande eficiência e eficácia.

No passado texto escrevemos o seguinte sobre o tema:

“Também procurámos que o Programa fosse, por um lado, suficientemente fechado para se conseguir um razoável controlo do processo de aquisição e repetição num plano macro, por outro, que também fosse suficientemente aberto para poder ser implementado com diferentes Ideias de Jogo, diferentes níveis competitivos e ainda diferentes escalões etários.”

Para tal, usámos a Sistematização do Jogo que desenvolvemos no passado, para definir diferentes escalas de actuação. Os momentos, os sub-momentos, os princípios, os sub-princípios e as acções individuais.

Relativamente aos momentos, temos uma sessão por semana direccionada para cada um deles. Quanto aos sub-momentos, procurámos dar maior volume aos que surgem mais vezes no jogo. Por exemplo, em relação à Transição Defensiva é facilmente perceptível que as equipas passam mais tempo na Reação à perda e menos na Defesa do contra-ataque, logo, será lógico dar maior propensão a um sub-momento que pode até evitar que a equipa não tenha que defender um contra-ataque adversário.

Em relação aos princípios, tratam-se de ideias comuns a todas as equipas. No mesmo enquadramento, Transição Defensiva, sub-momento de Reação à perda, damos o exemplo da “Pressão imediata na bola”. É algo que todas as equipas procuram. Se é para procurar recuperar imediatamente a bola ou apenas para conter, não permitindo o contra-ataque adversário e procurar garantir a reorganização defensiva da equipa, isso será território específico da Ideia de Jogo de cada treinador. Como exemplo de sub-princípio, “Referências de pressão”, ou seja, em que circunstâncias a equipa passa da contenção à pressão para recuperar a bola, ou se simplesmente não o faz nunca. Importa referir que os sub-princípios são comuns a diferentes princípios. O exemplo que acabámos de dar confere isso, pois “Referências de pressão” estará também presente noutros sub-momentos do jogo, nomeadamente nos de Organização Defensiva.

O mesmo sucede com as Acções Individuais. Neste caso, defensivas, e damos o exemplo da “Posição de base”, através da qual o defensor procura orientar-se, posicionar-se, adoptar determinada postura corporal, etc., para, da forma mais eficiente possível, passar da contenção à eventual pressão com objectivo de recuperar a bola.

Ora bem, nesta lógica, o Programa define o quando (momentos e sub-momentos do jogo) e o quê (princípios, sub-princípios e acções individuais). Contudo, não define o como e porquê, ficando esse domínio contemplado na Ideia de Jogo Específica de cada treinador.

Deste modo, o Programa também se torna ajustável a cada nível de jogo. Se, por exemplo, o nível é o da Etapa de Iniciação do Futebol de Formação, a Ideia (extremamente simples, reduzida, necessariamente aberta e ampla) e a intervenção do treinador deverão ter determinado carácter. O que não implica que não hajam conteúdos programados, tal como sucede nos programas nacionais do ensino básico. De uma forma geral, abordados de forma mais elementar e muitas vezes apenas usando um exercício / jogo simples como estímulo ao conteúdo desejado, e sem grande intervenção do treinador. Noutro exemplo, se o Programa é aplicado no Futebol de Rendimento Profissional, o detalhe, a exigência, o plano estratégico, etc., deverão estar contemplados através da Ideia de Jogo, conteúdos e da actuação do treinador em cada exercício. Mesmo que não haja intervenção do treinador no exercício. Isso deve ser deliberado e fruto de um pensamento estratégico e operativo naquele contexto específico. Não porque o nível de intervenção pressupõe isso.

Haverá sempre uma questão pertinente no nível de Rendimento. Se o Programa engloba quatro semanas, dado que uma não será suficiente para se atingir todas as dimensões do jogo da equipa na propensão desejada, então, atendendo à eventual necessidade de investimento na dimensão estratégica em função do próximo jogo, essa semana do Programa poderá não atingir em volume de forma satisfatória determinado sub-momento do jogo e / ou da forma desejada (espaço do campo onde determinados princípios se desejam trabalhar). Neste caso, a manipulação do exercício, nomeadamente na sua operacionalização, torna-se decisiva.

Não modificando conteúdos, ao longo da semana o treinador vai encontrar momentos e sub-momentos contrários aos objectivos estratégicos que persegue. Nesses momentos, pode usar o contra-exercício, ou seja, os objectivos inversos aos do Programa em determinado exercício para intervir e tornar-se o protagonista maior no foco e, possivelmente feedback, que pretende. Por exemplo, na semana C do Programa, no exercício C-3OO2B:

Os objectivos, sub-momentos da Organização Ofensiva, são a Criação e Finalização, e ainda com ligação à Reacção à perda na Transição Defensiva. O exercício é passado no meio-campo adversário.

Se, em função do próximo adversário, o treinador tem a preocupação de preparar determinado(s) princípio(s) da Organização Defensiva, sub-momento, Impedir a Criação em bloco médio ou baixo, poderá escolher este e eventualmente outro(s) exercício(s) para garantir essa intervenção. Nesta semana do programa, para além deste, surgem mais 5 exercícios em que pode atingir, ou no objectivo principal, ou no contra-exercício, este propósito. Assim, no enquadramento da equipa técnica e definição de tarefas no treino, poderá trocar o seu papel, inicialmente no objectivo principal, com outro treinador responsável pela equipa / grupo de jogadores que se encontram no objectivo inverso. Ou seja, trocar a sua intervenção para a equipa que, com maior propensão no exercício em causa, defende e transita ofensivamente no exercício. Deste modo, o programa não perde os objectivos iniciais e a estimulação sistemática de determinadas ideias. Simultaneamente o treinador encontra o espaço e o momento para dar mais ênfase a determinada preocupação e objectivo estratégico.

Estamos, e não nos cansamos de repetir, perante um processo altamente complexo. O Programa de Treino, torna-se para nós um caminho muito interessante para o treinador ter um satisfatório controlo sobre o jogo da sua equipa. No caso particular do Futebol de Rendimento, controlo sobre a dimensão da sua Ideia de Jogo e também sobre a dimensão estratégica.

“Treinar deve implicar

que a percepção cumpra sua função

não é a de memorizar, mas de percepcionar

a complexidade do jogo na complexificação.

Resultante…

De cada instante

duma e outra equipa na acção.”

(Vítor Frade, 2014)

O erro de Tsimikas e o conhecimento do jogo e liderança de Virgil van Dijk

A situação de Criação surge por duas tentativas sucessivas de intercepção falhadas pelos médios do Liverpool. Pelo menos Endo, dado o insucesso do companheiro, deveria ter garantido contenção e protegido o espaço à frente dos Defesas-Centrais. Não foi a sua decisão e abriu oportunidade para que o adversário, através de um passe vertical, ficasse em situação de ataque rápido, e Criação, perante a última linha do Liverpool. Mas não é sobre essa situação que nos desejamos focar. É para o posterior erro de Tsimikas e a liderança de van Dijk.

Perante a condução do jogador Crystal Palace a última linha do Liverpool, bem, contém, baixa e mantém-se alinhada. Podia no entanto baixar e retirar profundidade mais rapidamente para minimizar o espaço entre si o seu Guarda-Redes. Por outro lado, Quansah, o 78 do Liverpool, deveria ter deixado a contenção ao portador para van Dijk, pois era este que se posicionava no corredor central e assim ficaria com cobertura à sua direita e esquerda.

Mas o maior erro é de Tsimikas. Bem num primeiro momento, porque perante o espaço ainda existente na profundidade acompanha Odsonne, de forma a controlar a desmarcação de ruptura do jogador do Palace, até porque é um movimento pelo lado cego de van Dijk. Contudo, uma vez que o último passe não saiu, até porque a contenção foi eficaz, o grego deveria ter quebrado essa acção mais cedo e regressado rapidamente ao alinhamento com van Dijk, que era nesta situação, a referência para tal.

Tsimikas não só não o fez como tardou a perceber o que tinha que fazer, permitindo uma situação de eventual progressão, finalização, último passe ou cruzamento a Jordan Ayew e obrigando a última linha a posicionar-se já no interior da grande-área, o que possibilitou uma maior aproximação do adversário à sua baliza.

De elogiar Virgil van Dijk, pela sua interpretação e liderança na situação, que por duas vezes solicita a Tsimikas que passe para a sua frente e garanta contenção a Ayew. Podemos ir mais longe falar em liderança Específica. Porque estamos perante uma liderança táctica. E não uma qualquer. A de van Dijk, que supomos estar alinhada com a de Jürgen Klopp.

Organização Ofensiva [Subscrição Anual]

Publicamos o tema Organização Ofensiva. Importa transmitir que esta publicação, à imagem de outras futuras direcionadas para os outros três momentos de jogo, trará nesta primeira abordagem uma perspectiva eminentemente macro. Trata-se porém, de um tema muito vasto e com tanto potencial para explorar ao nível do detalhe, o que irá suceder no futuro. Deste modo, antecipamos, que a partir deste tema, traremos outros, sub-dividindo-o para esse efeito, nos seus três sub-momentos e a partir daí, a uma escala ainda mais micro, em princípios e sub-princípios.

Contudo, a abordagem que aqui fazemos, ainda que uma “fotografia” ao quadro geral do momento de Organização Ofensiva, tendo em conta o potencial do tema, acabou por necessariamente se tornar extensa e, na nossa opinião, um passo fundamental para compreender não só o momento em si, mas também o jogo no seu todo.

O tema Organização Ofensiva encontra-se enquadrado em:

Por outro lado este tema será constituído pelos seguintes capítulos:

  1. Enquadramento
  2. Um jogo “descerebrado”
  3. Desconstruir e compreender o momento de Organização Ofensiva
  4. Jogar… ofensivamente… “bem”
  5. A dinâmica – tempo, espaço, número e… qualidade
  6. Defender começa quando se ataca e… atacar… começa quando se defende
  7. Traços de qualidade ofensiva
  8. Máxima variabilidade para… máxima adaptabilidade
  9. Situações de bola parada ofensivas

Deixamos alguns excertos do tema Organização Ofensiva. Dada a extensão do tema, partilhamos aqui um pouco mais do que o habitual.

“Sem a bola, não podes vencer.”

(Johan Cruyff)

Parece-nos claro que a grande atracção que o Futebol traz aos seus entusiastas provém de acções elementares do jogo como o drible, o passe que rompe linhas, o último passe que coloca o atacante na cara do guarda-redes adversário, ou aquele seu “descendente”… o cruzamento perfeito que descobre um atacante livre para finalizar. Mas também a difícil recepção, o detalhe técnico invulgar, a simulação que engana toda a equipa adversária, a ideia divergente que ninguém esperava e trouxe sucesso à jogada, etc., etc… Ou ainda por outras um pouco mais complexas como a combinação, mobilidade e permutas entre jogadores, e até do ponto de vista colectivo, a dinâmica que algumas estruturas das equipas trazem ao espectador, jornalista e técnico, tal qual um bando de aves a voar numa sincronia perfeita. Porém, acima de tudo isto, claramente que se posicionam a finalização e o golo. Estes momentos são sem dúvida o epicentro do jogo de Futebol.

O denominador comum entre todas estas acções, manifesta-se em serem as que se enquadram no jogo ofensivo das equipas, independentemente se depois, em função de cada contexto de jogo, sucedam em Transição Ofensiva ou Organização Ofensiva. Por outro lado, sendo verdade que se tem assistido ao longo da evolução do jogo a uma crescente “espectacularidade”, mediatização e valorização das acções realizadas nos momentos defensivos, é no entanto, sem grande dúvida, o ataque e a expectativa em relação à forma como os jogadores dão uso à bola, os comportamentos que ainda promovem a maior atracção à maioria dos apaixonados pelo jogo.

(…)

Uma ausência de critério e intencionalidade, o tal jogo “descerebrado” transmite uma ideia de navegação à deriva que só por acidente, trará o sucesso desejado. Sucesso esse que perante tal enquadramento, será muito provavelmente pontual. Com naturalidade, esta era uma característica do jogo das equipas nos primórdios do Futebol, até que as experiências e a reflexão de jogadores e treinadores fizeram-no evoluir para o nível actual. Hoje, no jogo de nível superior, a grande maioria das equipas mostram intencionalidades e ideias, independentemente, depois, da sua maior ou menor qualidade. Que sublinhamos… qualidade essa… ditada pela regularidade da eficácia que tais ideias potenciam, em interacção com a qualidade individual dos jogadores. É sobre essas ideias que nos debruçamos, procurando a provável utopia do melhor caminho para chegar a um sucesso… regular. Mantendo também, sempre a consciência que tal caminho estará sempre em permanente construção e evolução.

(…)

Neste sentido, (José Laranjeira, 2009) conclui que assim é imperioso tornar o processo ofensivo mais objectivo e concretizador, conduzindo à criação de um maior número de oportunidades de golo e correspondente concretização“. Com um pensamento praticamente idêntico, (Pedro Bessa, 2009) também sublinha que “para todos que pretendem ver um Jogo revestido de qualidade e de espectacularidade, existe a necessidade de tornar o processo ofensivo mais objectivo e concretizador, para que se criem mais oportunidades de golo e se atinja uma maior eficácia em jogo (Luhtanen, 1993, cit. por Pereira, 2008)”. No mesmo sentido surge ainda (Pedro Barbosa, 2009), defendendo que perante “a raridade existente de golos num jogo, é provavelmente essencial que as equipas para ter sucesso, necessitem de possuir um processo ofensivo eficaz e eficiente (Yamanaka et al. 1988; Szwarc, 2007)”. Para tal, (José Laranjeira, 2009) acredita que só através da criação de desequilíbrios, por comportamentos individuais e colectivos, se consegue provocar surpresa no adversário“.

Se foi uma realidade, que a determinado momento do jogo a evolução da organização defensiva das equipas se sobrepôs ao investimento na organização ofensiva, por outro lado, como abordamos atrás, tem havido uma confusão entre eficácia, eficiência e estética. Muitas análises e avaliações do jogo, tendo em conta determinados contextos culturais, preferências pessoais e atracção por determinada estética de jogo, que muitas vezes, até está desfasada das próprias regras do jogo, tem levado a que determinadas ideias sejam defendidas e difundidas, mesmo estando pouco relacionadas com a eficiência, consequentemente com a eficácia, e portanto, com o sucesso. Porém, devemos compreender que tal realidade faz parte da evolução natural do jogo, tal como sucedeu, numa perspectiva mais macro, com a espécie humana. Torna-se então fundamental entender o jogo, os potenciais caminhos que geram aproximações à obtenção de sucesso no mesmo, e o consequente trajecto da sua evolução.

(…)

Mais tarde, procurando caracterizar de forma mais específica o momento ofensivo, no qual a equipa já se encontra organizada coletivamente para atacar, no estudo que realizou, (Júlio Garganta, 1997) defende que “no plano da organização ofensiva das equipas de Futebol, não obstante a natureza aleatória e diversificada das acções de jogo, é possível detectar vias e formas preferenciais de acção dos jogadores, expressas na forma como se comportam algumas variáveis e do modo como elas se agrupam para interagir. Ou seja, embora não exista um determinismo absoluto, a análise das sequências de jogo permite apurar regularidades e variações exibidas pelas equipas que exprimem uma lógica observável“. Deste modo, torna-se importante procurar “mapear” o jogo para que seja mais fácil a sua leitura, interpretação, análise, e posterior investimento no trabalho sobre determinadas “regiões” do mesmo.

(…)

Perante estas ideias propomos três sub-momentos para o momento de Organização Ofensiva: a Construção, a Criação e a Finalização com a seguinte lógica:

  1. Construção: quando ambas as equipas se encontram dentro da sua organização para atacar e defender e quando a bola se encontra fora do bloco da equipa que defende.
  2. Criação: quando a equipa que ataca consegue penetrar no bloco da equipa que defende e surge perante a última linha adversária ou a última linha e mais um médio em contenção. A excepção é quando a equipa que ataca procura um jogo mais directo, de ataque à profundidade, ou seja, de passe directo para o espaço entre a última linha de quem defende e o seu Guarda-Redes, o que acaba por se configurar como uma situação de último passe, independentemente do grau de dificuldade superior da acção. Neste sub-momento, integram-se também todas as situações de bola parada ofensivas que poderão permitir um último passe ou cruzamento e finalização. Devemos referir que compreendemos as opiniões que distinguem as situações de bola parada como um quinto momento do jogo, porém a nossa interpretação é que, independentemente do jogo estar parado ou em movimento, se uma equipa está organizada para defender essas situações e a outra para atacar, então estarão dentro da sua Organização Defensiva e Organização Ofensiva, respectivamente.
  3. Finalização: todas as acções que visam o momento final de ataque à baliza adversária, portanto, a acção individual ofensiva de remate, independentemente da superfície corporal envolvida. Aqui também se integram as situações de bola parada ofensivas que poderão permitir um remate directo à baliza. Importa ainda referir que a finalização pode até surgir quando a equipa que ataca tem pela frente todo o bloco adversário ou parte do mesmo. Contudo, se quem ataca conseguiu chegar ao remate, esses momentos de organização defensiva adversários falharam de alguma forma.

Organização Ofensiva – Sub-momentos do jogo.

(…)

Regressando a uma perspectiva macro do jogo, na opinião de (Lobo, 2007), citado por (Rodrigo Almeida, 2009), “uma das virtudes das Equipas que jogam bem é a capacidade de criar oportunidade de golo através de jogadas elaboradas”. No entanto, o mesmo autor, recorredo a (Castelo, 1994), também adverte que “há formas de organização incompletas sendo caracterizadas por todas as formas de processo ofensivo que não chegaram a zonas predominantes de finalização”. Por outro lado, (Júlio Garganta, 1997) refere que “Sledziewski & Ksionda (1983a) chamam também à atenção para situações que ocorrem durante um jogo de Futebol, nas quais uma equipa, encontrando-se momentaneamente em posse da bola, não manifesta a intenção de finalizar, nem de se aproximar da baliza adversária. Estes casos surgem, frequentemente, quando uma equipa pretende jogar para manter um resultado que lhe é favorável“. Assim, (Jorge Castelo, 1996) acrescenta que a equipa que “está em posse de bola, para além de poder concretizar o objectivo do jogo – o golo, poderá igualmente:

  • Controlar o ritmo específico do jogo, pois, em função do resultado (numérico) momentâneo é que se poderão contrapor acções técnico-tácticas que acelerem ou diminuam este ritmo;
  • Surpreender a equipa adversária através de mudanças contínuas de orientação das acções técnico-tácticas e atempadamente fazer uma ocupação racional do espaço de jogo em função dos objectivos tácticos da equipa;
  • Obrigar os adversários a passarem por longos períodos sem a posse da bola, levando-os a entrar em crise de raciocínio táctico e, consequentemente, a expô-los a respostas tácticas erradas em função das situações de jogo;
  • Recuperar fisicamente com o mínimo de risco.”

No vídeo, a Croácia decide utilizar a posse e circulação da bola para defender a vantagem nos minutos finais do jogo. Jorge Castelo acrescenta então, que “as equipas ao encontrarem-se em posse de bola, não significa que realizem qualquer acção ofensiva, verificando-se que a finalidade destas situações se resume à “perda de tempo”, “jogar para manter o resultado” ou “quebrar o ritmo ofensivo do adversário””.

No entanto, o autor, adverte que a posse da bola não é um fim em si e torna-se utópico, se não for conscientemente considerada como o primeiro passo indispensável no processo ofensivo, sendo condição “sine qua non” para a concretização dos seus objectivos fundamentais: a progressão / finalização e a manutenção da posse da bola“. Na mesma linha de pensamento surge (Faria, 2003) citado por (Abílio Ramos, 2005) ao defender que “é importante ter a posse de bola se ela tiver um objectivo claro como, por exemplo, atacar. Posse de bola por si só não tem significado absolutamente nenhum se não tiver um objectivo claro“. Também (José Pedro Loureiro, 2022) explica que “um dos exemplos mais recorrentes no futebol de hoje em dia é a posse de bola inconsequente: “muitas vezes, observa-se que a equipa (principalmente no início da fase ofensiva) fica empenhada em passar a bola, sem manifestar qualquer intenção de ataque à baliza adversária” (Araújo & Volossovitch, 2005). Ou seja, a ação de passar a bola enquanto fim, e não enquanto meio, viola o conceito de representatividade da tarefa. Fosse eu um apostador obsessivo e arriscaria todas as minhas fichas como o tiki-taka simplesmente aconteceu (emergiu), não se treinou (propriamente com esse intuito)!”

(…)

(…)

Porém, fundamentalmente as equipas têm de procurar um jogo de qualidade… ou seja… um “jogar bem“. Para tal, o traço principal desse jogo deverá ser o sucesso regular, tendo-se naturalmente em conta o contexto. Deste modo não há sucesso regular sem eficácia… regular. Uma eficácia regular só se atinge fazendo mais vezes bem as coisas, portanto, ao nível do posicionamento, decisão e execução. Falamos assim, da procura da eficiência. No domínio particular da Organização Ofensiva das equipas, o autor (Pedro Barbosa, 2009) sustenta então que as equipas terão que arranjar mecanismos e formas de atingir mais vezes a baliza adversária e se possível com grande eficácia. Esta situação solicita aos investigadores em Futebol a capacidade das suas análises abrangerem, não apenas, os momentos do golo, mas também a análise de todas as oportunidades criadas, de forma a tentar objectivar-se esse mesmo golo (Garganta, 1999; Yiannakos & Armatas, 2006)”.

(…)

Assim, (Rodrigo Almeida, 2009) chama a atenção para que a Objectividade subjacente salientada como uma Intencionalidade não pode ser confundida com “jogo directo”. Objectividade tem duas vias de acordo com o termo, a primeira via é a objectividade do jogo, i.e., destinar-se à baliza [o que leva a muitos ao jogo frenético e directo], jogo vertical, onde o meio campo assume um papel fundamental na recuperação das segundas bolas e no aproveitamento destas em espaços mais profundos (Pedro Sousa, 2009), a segunda via é a objectividade circunstancial, ou seja, ser objectivo, ser oportunista, não perder o momento porém acima de tudo ser experto, não perdendo o foco do principal sabendo que para onde ir e o que fazer. Camacho (2003a; cit. por Amieiro, 2005, p.60) colmata esta opinião ao referir que é preciso «saber-se jogar Futebol». E saber jogar bem não é só dominar a bola, driblar, chutar e marcar um golo. “Saber jogar é perceber o que a Equipa precisa em cada momento do jogo…”“. Na mesma linha, (Pedro Bouças, 2014) defende então que não pode existir um dualismo entre o jogo directo e indirecto. Dando um exemplo, para o autor, ser da boa tomada de decisão não é ser de posse ou de contra-ataque. É ser de posse quando o adversário está organizado e o espaço escasseia e é ser de contra-ataque quando há espaço e situação numérica para tal“. Na mesma linha de pensamento, também relacionando os momentos de Transição Ofensiva e Organização Ofensiva, (Tiago Margarido, 2015) sustenta que “quando não for possível aproveitar a desorganização posicional do adversário devemos ter a capacidade de realizar uma rápida circulação de bola e trocas posicionais eficazes com vista a criar uma forte dinâmica ofensiva de modo a desorganizar a equipa adversária e a criar situações de finalização”.

(…)

Estas ideias sobre a Organização Ofensiva das equipas reflectem uma enorme importância no pensamento relativamente à dimensão espaço. Deste modo, surgem de alguma forma influenciadas por Johan Cruyff e os seus mentores, que apontavam o espaço como elemento decisivo no jogo. O autor (Winner, 2000), descreve que Barry Hulshoff, companheiro de equipa de Cruyff na selecção holandesa de 1970, realatava que discutiam espaço o tempo todo. Cruyff falava muito sobre para onde os jogadores deveriam correr, onde deveriam permanecer e para onde não se deveriam mover. Sempre com a intenção de criar espaço e utilizar esse espaço“. Também o jogador espanhol (Juan Mata, 2016), citado por (Wikiquote, 2018), confessa que considera Cruyff “o pai ideológico do Futebol. Aquele que procura imitar em campo e aquele com quem procuro aprender quando, como espectador, assisto a um jogo. A inteligência na gestão da bola e dos espaços, a importância do talento sobre o físico e o entendimento do Futebol enquanto jogo de equipa, são conceitos que definitivamente eu abracei“.

(…)

A propósito do trabalho marcante de Helenio Herrera no Inter de Milão, e de acordo com (Ignacio Benedetti, 2021), quando lhe perguntavam pelo trabalho dos seus discípulos, ou pelo trabalho dos treinadores que procuravam replicar as suas ideias, o treinador franco-argentino declarava que não os entendia porque apenas haviam tentado copiar “as formas de defender, e não as formas de atacar a partir da forma como se defendia“. De acordo com o autor, este pensamento revela basear-se em aspectos “geográficos“, que se podem isolar, “como defende aquela equipa ou como ataca a outra equipa, porque nos deixamos levar pelas etiquetas. Este é um treinador defensivo e este é um treinador ofensivo”. Porém segundo o mesmo autor na realidade, os grandes treinadores não conceberam o jogo de forma isolada, de forma separada”, mas segundo uma visão global do jogo e da forma como o sentem. Reforçando a ideia, Benedetti acrescenta que “as equipas “defensivas” de Mourinho fizeram uma quantidade impressionante de golos. As equipas “defensivas” de Helenio Herrera fizeram um enorme número de golos. As equipas “ultra-ofensivas” de Guardiola foram equipas que evitaram que os seus adversários pudessem chegar à sua baliza. É aqui que o futebol se torna apaixonante porque nos leva a essa rebeldia de pensar e não nos deixar levar pela imediatez do dos meios de comunicação e de todos os que se querem postular como analistas do jogo, mas que na realidade apenas o pensam de forma superficial. O Futebol é um todo“.

(…)

Para (Vítor Frade, 2013), torna-se então fundamental compreender que “o que nos distingue das outras espécies é de facto… e nós chegamos a esta espécie e chegamos a ser o que somos pela criatividade. Contrariamente ao que se pensa, é a autoengendração que assegura que nós possamos superar as dificuldades, isto num sentido individual. O que acontece por isso, em termos de grupo, hoje fala-se na inteligência de massas, ou não sei o quê, ou da inteligência enxame, mas é de facto uma necessidade imprescindível, mesmo aí, a criatividade. Eu costumo dar uma metáfora que é assim: eles estão perante um tema, mas quem faz a redacção são eles e a redacção é condizente com o contexto, e com o momento, com a capacidade momentânea e muitas coisas, mas essa é deles! E essa muitas das vezes é à la long, e na continuidade da causalidade excepcional repercute-se numa melhoria, na melhoria da coordenação, da organização da própria equipa. Uma condição da existência das pessoas é serem criativas!“.

(…)

Também citado por (Pedro Bessa, 2009), outro treinador português, José Gomes, afirma que estas situações de jogo “podem ser aproveitados para tornar determinado momento de transição de uma ou de outra forma” (Anexo III)”. Assim, no pensamento do treinador, as situações de bola parada sãomomentos de jogo que são ofensivos e defensivos e que estão incluídos nestes” (Anexo III)”. Portanto, de acordo com (Pedro Bessa, 2009) para José Gomes, tal como de Carlos Carvalhal, as situações de bola parada estão incluídas “nos momentos ofensivos e defensivos, como todos os outros momentos destas fases, não fazendo sentido falar em momento alternativo de jogo”. Contudo, importa perceber que estas situações não estão apenas incluídas nos momentos de Organização. Como é facilmente entendível, por exemplo, um livre, lançamento lateral e até canto ou mesmo pontapé de baliza, nos quais a equipa que defende ainda não recuperou a sua Organização Defensiva, estará então no sub-momento Recuperação Defensiva da Transição Defensiva e quem ataca estará em condições de explorar o sub-momento contra-ataque da Transição Ofensiva. Se efectivamente o fará já será depois uma decisão a tomar.

(…)

“(…) não existe treinador que no seu íntimo não pretenda ser o “deus de Laplace” – conseguir prever com uma certeza infinitésimal a evolução do jogo, controlar esse sistema multivariável. Por isso, talvez ele preferisse substituir a variabilidade pela estereotipia na expectativa de que as atitudes dos seus jogadores fossem previstas e articuladas com a máxima certeza, de que as propriedades topológicas do movimento que eles manifestam fossem as menos variáveis. Ele deve, no entanto, aperceber-se que a máxima estereotipia, correspondendo à mínima variabilidade, corresponde, também, à mínima adaptabilidade…”

P. Cunha e Silva (1995) citado por (Júlio Garganta, 1997)

 

A saída de jogo do Guarda-Redes. Curta ou longa, ou aberta ou fechada? E eventuais tendências evolutivas. II

Num artigo recente abordámos a situação de Saída de Jogo do Guarda-Redes. Perante a multiplicidade de situações possíveis, procurámos identificar e catalogar as diferentes soluções, tendo sempre consciência que a enorme complexidade do jogo não o permite fazer à totalidade das situações, e haverão sempre algumas, identificadas como casos especiais.

Por outro lado, abordámos também possíveis consequências da alteração da regra do pontapé de baliza neste tipo de situação de jogo. De forma pouco surpreendente, Guardiola já apresenta novas ideias, de forma a explorar as novas regras. Se para nós, a qualidade / intensidade da acção táctica dependerá de um todo complexo constituído pelo tempo, espaço, número e qualidade individual, neste momento, as novas possibilidades de acção sobre o espaço trazem consequências às outras dimensões da acção táctica, e portanto, novas possibilidades de atingir a eficiência e eficácia no jogo.

Creditos para Fúlbo.

A Juventus de Maurizio Sarri também está a realizar um percurso similar.
“Mesmo sob pressão há formas de sair a jogar. É preciso é entender como é que a pressão está a ser feita e preparar o antídoto.”
(Vítor Pereira, 2014)

Avaliação da competência do treinador

“(…) fui mudando de canal e encontrei dois ou três iluminados pumba, pumba, a bater no Jesus. Mas a falar de pormenores e de treino e a dizer que tinha de fazer assim e assado. E eu penso: mas quem é que eles treinaram? Nunca treinaram ninguém na vida. Nunca lideraram ninguém. Mesmo os ex-jogadores. Quem é que eles treinaram? Foram jogadores e alguns deles nem foram exemplo para ninguém. Quando é que eles tiveram de tomar decisões sobre pressão? Onde é que eles foram avaliados e criticados ao mesmo tempo por tanta gente? Não foram. Mas chegam ali e o Jesus isto e isto e isto. Mas o Jesus ao pé deles dá-lhes dez a zero. Ou vinte a zero. E isso custa-me. Tal como eu não tenho hipótese nenhuma de estar aqui a falar de política, porque eu não estudo política e não sei o suficiente. Por exemplo, gosto muito de música, mas é só de ouvir, gosto disto ou daquilo. Não começo a discutir a música como se soubesse alguma coisa daquilo, porque não sei. Tudo bem, as pessoas podem discutir futebol e dar a sua opinião, mas não podem fazê-lo sem respeito.”
(Vítor Pereira, 2017)

Acções Elementares [Subscrição Anual]

Publicamos o primeiro sub-tema de Ideia de Jogo. Ideia de Jogo, irá organizar-se pelos quatro momentos do jogo e pelas Acções Elementares, que por sua vez irão subdividir-se em Acções Elementares Ofensivas e Acções Elementares Defensivas. Justificamos a escolha de Elementares ao invés de Individuais no excerto que publicamos aqui. Mas resumindo, não conseguimos ver acções individuais num jogo que é… colectivo. Conseguimos, sim, ver acções mais ou menos complexas. E mesmo aí, como também justificamos, não é uma fácil e dependerá sempre do contexto.

Nesta organização teórica, as Acções Elementares encontram-se, separadas dos momentos do jogo por representarem acções, em geral de menor complexidade, que darão suporte a outras acções ou comportamentos mais complexos da equipa nesses momentos. Assim, as mesmas poderão ser identificadas como recursos que poderão / deverão ser utilizados quer em comportamentos de transição ou de organização.

Sistematização do jogo de Futebol.

O tema Acções Elementares encontra-se enquadrado em:

Por outro lado este tema será constituído pelos seguintes capítulos:

  1. Acções Individuais, Acções Elementares e a Técnica
  2. Um contexto micro sempre subordinado ao macro
  3. Um sistema… noutro sistema
  4. A operacionalização do individual
  5. Tendências futuras

Como excerto, deixamos o primeiro capítulo de “Acções Elementares“, com o título de Acções Individuais, Acções Elementares e a Técnica.

“São a escolha e execução (…), por parte dos jogadores, tanto no ataque como na defesa, do complexo de procedimentos técnico-tácticos com o objectivo de resolução das situações parciais do jogo.”

(Teodorescu, 1984)

 

Acções Individuais, Acções Elementares e a Técnica

“A acção (comportamento, procedimento) técnica individual, não é um objectivo em si, mas um meio para atingir uma capacidade, que deve ser dimensionada e equacionada com a constante mutação das situações (movimentações dos companheiros e adversários) de jogo e intenção táctica. Por outras palavras, a intenção táctica é o fim, enquanto que a técnica é um meio, não se podendo conceber um meio independentemente do fim a que se destina.”

(Castelo, 1996)

Numa fase inicial do projecto, considerávamos as acções menos complexas do ponto de vista do critério táctico Número, como Acções Individuais, que depois se subdividiam em Ofensivas e Defensivas. Porém, desde logo, identificá-las como simples, mesmo que apenas da perspectiva numérica, sentimos ser logo um erro de partida. Isto porque em tudo está presente a interacção, e sendo assim, uma acção pode ser simples na perspectiva numérica, mas depois, outros critérios, como o Espaço, Tempo e Qualidade tornam-na complexa. E em muitos casos, para além de complexa, a interacção entres estas dimensões da acção táctica, tornam a acção, inclusivamente difícil, para quem a realiza. Dando um exemplo, é comum dizer-se que uma situação de 1×1 é mais simples que uma de 2×2. Seja na perspectiva de quem ataca ou de quem defende, o 1×1 pode ser mais difícil que o 2×2, porque a qualidade do adversário é superior e porque a presença de um companheiro, potencialmente, faz aumentar o número de soluções tácticas, e desta forma o jogador pode não estar restringido a acções em que poderá não ser melhor que o adversário. Deste modo, a situação torna-se mais complexa, mas simultaneamente pode tornar-se mais fácil para determinado jogador.

Por outro lado, sentimos também não ser totalmente correcto identificar estas acções como individuais. É certo que, por exemplo o Drible, a Condução, a Protecção de Bola, a Intercepção, o Desarme a Carga, numa perspectiva de avaliação da qualidade da acção, estarão muito mais dependentes do jogador, e portanto, do individual, do que da sua relação com outro companheiro ou com a equipa. Mas mesmo nestes casos, tal não é completamente preciso. Por exemplo, a intercepção de um passe, pode ter sido realizada com sucesso, porque a pressão de um companheiro sobre o adversário com bola, levou-o a menos tempo e espaço para realizar o passe, o que fez com que essa intercepção fosse alcançada com mais sucesso. O autor (Sá, 2001) confirma esta ideia referindo no seu estudo sobre os exercícios de treino que “quanto menor for o espaço menor será o tempo para os jogadores percepcionarem, decidirem e executarem as acções individuais e colectivas que a situação exige (Queirós, 1986, p.54; Mombaerts, 1996:62)”. Uma vez mais… nada é linear no Futebol… tudo é complexo, mesmo ao nível das acções mais… elementares. Mas um dos melhores exemplos é mesmo, na perspectiva ofensiva, o Passe. Constantemente considerado como uma acção Individual, ele pode ser considerado, ao invés, a acção “colectiva” mais básica do jogo. No fundo a forma mais específica de comunicação no jogo e como tal, exigirá sempre, pelo menos, dois jogadores. O que o realiza, e o que o recebe. E da qualidade das acções dos dois, resultará o seu sucesso. Naturalmente podemos e vamos identificar a Recepção como outra acção elementar. No entanto, o que queremos explicar, é que para a eficiência e eficácia… de cada uma delas, cada uma das acções estará sempre dependente da outra, assim, de outro jogador. Ou seja, a avaliação da qualidade de um passe, estará sempre dependente da forma como um segundo jogador se disponibiliza para receber a bola e depois, pela forma como a executa.

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Assim, sentimos ser mais adequado designar estas acções, que sucedem a um nível mais micro do jogo, como Elementares. Mas temos que ser claros. Elementares, não do ponto de vista da sua complexidade, dado esta ser sempre relativa a diversos critérios, mas do ponto de vista da estrutura do jogo. Acções elementares porque envolvem um número mínimo de jogadores para a sua realização. Um, ou no máximo, dois jogadores.

Por outro lado, existem ainda fronteiras muito ténues, entre o conceito de acções individual ou elementar, e o conceito de técnica. Partindo da perspectiva de Teodoresco, desenvolvida por (Silveira Ramos, 2003), “o Futebol pode ser decomposto nas suas partes constituintes – técnica, táctica, física, psíquica, social, das leis de jogo, etc.; ou então pode ser decomposto em – acções individuais e colectivas – considerando que cada uma delas é constituída em termos técnicos, tácticos, físicos, psíquicos, sociais, etc.”Porém o autor português defende que o futebol é um todo indivisível que, por razões metodológicas, pode ser considerado pelas partes que o constituem – os factores – ou pelas acções individuais e colectivas, desenvolvidas no decurso dos processos ofensivo e defensivo. O que se pretende é conciliar estas duas posições diferentes, num caminho integrador que, partindo das referidas acções, as relacione com os factores que lhes dão expressão”. No mesmo sentido posiciona-se (Pacheco, 2002), defendendo que independentemente de qualquer uma das técnicas que se pretenda utilizar, estas são fortemente determinadas do ponto de vista estratégico-táctico (Castelo, 1994; Garganta, 1997a) o que se fica a dever ao sistema de referências utilizado, que apresenta várias componentes: companheiros, adversários, bola, objectivos (baliza) e terreno de jogo, onde todos os jogadores têm de se integrar, e com as quais se devem confrontar activa e constantemente (Konzag, 1991). Também Araújo (1992) sustenta que a acção de jogo está muito para além dos processos motores contidos na dimensão gestual da técnica, já que um jogador que recorre a uma dada técnica, no decurso de um jogo, fá-lo sempre em função de um contexto (Moreno, 1989). Neste sentido, as acções técnicas estão estreitamente associadas à componente táctica, condicionando-se e influenciando-se reciprocamente (Castelo, 1994 e Teodorescu,1984) pelo que qualquer elemento técnico só adquire sentido se for qualificado e avaliado em função da natureza específica do confronto desportivo (Garganta, 1997a). A dominante técnica está de tal modo associada dominante estratégico-táctica que, no entender de Teodorescu (1984), a técnica deve ser perspectivada como parte integrante da táctica individual, entendida como o conjunto de acções individuais utilizadas conscientemente por um jogador nas suas interacções com os seus colegas e adversários.”

” (…) a acção de jogo está muito para além dos processos motores contidos na dimensão gestual da técnica, já que um jogador que recorre a uma dada técnica, no decurso de um jogo, fá-lo sempre em função de um contexto.”

(Moreno, 1989) citado por (Pacheco, 2002)

Deste modo, e concordando com esta ideia, a Acção de Jogo, é algo que inclui Técnica, mas é muito mais do que isso. O autor (Garganta, 1997), refere que “na tentativa de ultrapassar alguns equívocos, Teodorescu (1975) preconiza que a técnica nos jogos desportivos deve ser perspectivada como parte integrante da táctica individual, entendida como o conjunto de acções individuais utilizadas conscientemente por um jogador nas suas interacções com os seus colegas e adversários. Na medida em que o jogador não executa isoladamente os procedimentos técnicos, mas acções de ataque e de defesa, as acções técnicas devem integram-se nos saber-fazer tácticos“. Assim, independentemente de elementar, ela, tal como uma fractal que representa o rendimento no jogo, é constituída, numa escala mais micro, por um complexo de qualidades cognitivas, técnicas, físicas, psicológicas, etc.. Portanto, usando a expressão do Professor Vítor Frade no Futebol, reduzir em empobrecer, este pensamento leva-nos ao estudo da acção e não apenas da sua técnica ou da sua execução.

“A sorte está nos detalhes.”

(Jorge Maciel, 2017)

(…)

Fórum da ANTF 2019

“Nós, portugueses, temos a capacidade de ligar as pessoas. Pelo jogo, pelo nosso trabalho.”

(Carlos Carvalhal, 2019)

Sendo este projecto, prioritariamente direccionado para treinadores de Futebol, e sendo ele também Português, faz-nos todo o sentido abordar o Fórum da Associação Nacional de Treinadores de Futebol. Para mais, numa edição em que marcaram presença vários dos, reconhecidamente, melhores treinadores Portugueses.

Estes eventos, como é referido muitas vezes pelos seus participantes, mais do que um reforço ao conhecimento, surgem com uma excelente oportunidade para trocar experiências e promover ligações. A frase de Carlos Carvalhal, é assim, nos mais diversos contextos, extremamente feliz.

Na edição de 2019, foram abordados vários temas extremamente pertinentes, sem contudo sentirmos estar a viver um período de ruptura ou grande evolução no conhecimento do treinador. Mas, como no treino, nem sempre o percurso é feito de aquisição. Têm, obrigatoriamente de existir momentos de consolidação.

Sentimos, ao nível metodológico, estar perante um deles. Se há cerca de 10 anos atrás ainda se discutia sobre o que devia ser o núcleo das preocupações do treinador na construção do seu treino, hoje sentimos haver uma crença generalizada, de que o “jogar” da equipa deverá assumir esse papel. Deste modo, a Periodização Táctica, nos seus alicerces fundamentais, passou para muitos, de adversária a companheira de viagem. Na sua especificidade, nomeadamente ao nível dos seus princípios metodológicos, ainda subsiste um longo caminho a percorrer, muito devido à enorme complexidade que protagoniza. Porém, como vimos a referir há anos, a ruptura epistemológica mais importante ao nível metodológico, parece-nos ter vindo para ficar. Hoje, o treinador, e não nos referimos a alguns técnicos que gravitam à sua volta, acredita que treina-se para jogar, fundamentalmente… jogando.

O conhecimento do jogo, e o contexto cultural que o treinador encontra foi um dos temas mais abordados. Dadas as diferentes experiências culturais dos intervenientes no Fórum, a importância que o treinador deve dar ao contexto onde se insere, é hoje tida como decisiva. É fundamental o treinador ter ideias para o jogo da sua equipa, ter a sua metodologia, ter consciência e ideias para a sua liderança. Mas é também fundamental, que considere e tenha em conta o contexto cultural onde trabalha nas suas decisões. Só neste domínio, o seu papel exige que pense de forma bidimensional, interagindo entre as suas ideias e convicções, e as dos que lidera e suas características. Um treinador que é autista em relação a qualquer uma delas, coloca-se perante uma grande probabilidade de fracasso.

“Um treinador que chega ao Futebol Chinês ou Árabe, tem de estar preparado para ensinar o jogo e o treino, tem de estar preparado para ensinar coisas básicas.”

(Vítor Pereira, 2019)

Como também o será se igualmente ignorar a relação do Modelo de Jogo com a Dimensão Estratégica. É outra discussão que se encontra em cima da mesa: o peso da dimensão estratégica nas decisões do treinador. José Mourinho referiu que acredita que uma tendência evolutiva nas equipas será “as equipas terem vários sistemas tácticos dentro do mesmo Modelo, nomeadamente na Organização Ofensiva. As equipas já defendem tão bem e estão tão bem organizadas que para fazer face a isso, quem ataca tem de conseguir dar resposta com várias soluções”. Também o seleccionador português de Futsal, Jorge Braz, apresentou-se na mesma linha de pensamento, ao explicar que no seu trabalho pensa “a estratégia, procurando perceber quem tenho do outro lado, e procurando ter várias soluções e um pensamento aberto”. Se este tem sido um dos nossos pensamentos, de há muito para cá, parece-nos que a ideia de que uma Ideia de Jogo é muito mais do que um sistema, se está a generalizar entre os treinadores. A ideia, é tanto mais rica quando mais soluções conseguir garantir a problemas que os diferentes adversários e contextos poderão trazer ao jogo. Deste modo, sem cair numa amálgama de ideias com pouca coerência entre si, a necessidade que a realidade competitiva traz às equipas, potencia o crescimento de Modelos ricos e adaptáveis ao envolvimento. Para nós, objectivamente, as fronteiras dessa coerência, por motivos tácticos e consequentemente… humanos, estarão entre “jogares” que sustentem ideias colectivas e ideias individuais. Deste modo, não nos parece coerente conjugar métodos Defensivos e Ofensivos Colectivos, com métodos Individuais. São formas muito distintas de ver a realidade, de estar… e consequentemente… de jogar.

Mas esta evolução… tem obrigatoriamente… como constantemente defende o professor Manuel Sérgio, de surgir de uma relação entre a prática e a teoria. Se durante muito tempo se criticaram os dogmas dos que fundamentavam o conhecimento, exclusivamente pela prática, hoje parece assistir-se à inversão dessa lógica. Foi outra questão, pertinente, colocada no Fórum.

“Na nossa geração, tínhamos que vencer e depois fazíamos doutrina, hoje faz-se doutrina antes de se vencer.”

(José Mourinho, 2019)

Mas vejamos… estes debates que hoje estão em cima da mesa, relacionam-se com o jogo. Com a forma de jogar das equipas e sua relação com o envolvimento. Isto é para nós uma enorme prova da evolução do nosso conhecimento. Até porque em muitas culturas ainda se acredita que o físico-energético deve ser a grande preocupação do treinador no treino…

Paralelamente, actualmente, parece-nos que é ao nível da Liderança que o treinador está também perante grandes desafios. Os vários intervenientes no Forúm, relatando variadíssimas experiências, sublinham que são inúmeros os potenciais problemas com que o treinador se confronta diariamente nos mais diferentes contextos de jogo e realidades culturais. Na gestão da equipa e também do seu envolvimento. Hoje torna-se também fundamental ao treinador conhecer o homem que lidera. Na sua generalidade e na sua especificidade. Actualmente, apenas dirigir, deixou de funcionar. É fundamental interagir. As redes sociais, como abordado, são um bom exemplo das tremendas mudanças que a sociedade enfrenta, e consequentemente, o papel do Treinador. Como referimos atrás noutro contexto, ser autista também em relação a este domínio… é condenar-se ao fracasso. Por arrasto, por exemplo, como Vítor Pereira referiu, no Futebol Profissional acabaram-se os contratos de uma página. São agora às dezenas, contemplando os mais ínfimos pormenores. O que traz ao treinador, a necessidade de reforçar a sua equipa técnica com especialistas de mais áreas. Contudo… partindo e reduzindo… “sem empobrecer”… e sem perder o sentido e o controlo do “todo”.

Mas há um ponto em que, nós portugueses, somos unânimes. A qualidade das ideias do treinador português, a sua criatividade como não se cansa de referir Jorge Jesus, mas também o sublinhou Rui Quinta, e fundamentalmente, o impacto do seu trabalho. Mesmo, como abordámos há pouco tempo noutro artigo, em condições de trabalho na maioria dos casos, paupérrimas. Rui Quinta, ilustrou precisamente isso no seu trabalho no Sporting Clube de Espinho, no terceiro escalão do Futebol Português. Partilhou que operacionaliza várias sessões de treino por semana num campo secundário, que mais parece um terreno baldio, com piores condições que muitos espaços onde as crianças jogam na Rua. Mas em vez de encarar o cenário como um problema, encara-o como um desafio e uma oportunidade para estimular outras coisas, muitas que eram vividas pelo próprio Futebol de Rua.

Isto levantará sempre uma questão: será que é por essas dificuldades que o treinador português é uma referência a nível mundial? Naturalmente, que inventar soluções para os mais diversos problemas, a precariedade na sua profissão, juntando a uma enorme concorrência e competitividade para o desempenho da mesma, ajudam. Mas, dados os sentimentos que a maioria expressa, o mais importante acreditamos ser a sua paixão pelo jogo, pelo treino e pela missão. Por outro lado, os enormes benefícios que poucos alcançam serão “apenas” um bónus e não será por isso que é movida, a maioria. Se a premissa fosse simplesmente a falta de condições de trabalho, os melhores treinadores do mundo surgiriam de muitos países Africanos, Asiáticos e até da América do Sul. A realidade não é essa.

Para os que são principais responsáveis pela precariedade da função e das condições de trabalho, não adianta apontar que… perante algumas realidades… será bom não ter as melhores condições. É definitivamente um pensamento errado. Para o treinador e para a sua equipa, é sempre melhor ter o máximo de condições. Onde se inclui o campo pelado cheios de buracos. Para que algumas vezes, o treinador possa optar (e não ter que obrigatoriamente recorrer a ele), em detrimento do campo do relvado perfeito. Porque… estímulos diferentes, adaptações diferentes. Porque… é pelo conhecimento, pelo sentir, planear, operacionalizar e liderar, que a gestão do treinador desses recursos se deve realizar. E então aí, eventualmente surgirá também a sua genialidade.

E vamos ainda mais longe… imaginamos o cenário onde a maioria dos treinadores não tem a mente ocupada por preocupações mais básicas, como contas para pagar no final do mês ou o seu futuro. Um cenário, onde simplesmente tem a possibilidade de ser… profissional… numa área em que lidera a nível mundial e eleva Portugal a um reconhecimento e a mais valias económicas… incríveis.

Infelizmente, perdeu-se mais uma oportunidade para abordar este problema basilar. Com quem realmente interessa, porque muitos dos presentes, apesar de terem atingido o topo ao nível profissional, também passaram pelas dificuldades da maioria. Mas como é habitual, a representação política no Fórum, foi extremamente elogiosa ao treinador português, porém parece apenas preocupar-se com a minoria dos treinadores. Sendo assim, voltamos a lembrar: são estes “responsáveis” que estão no topo da hierarquia. Portanto, mais do que são com estes com quem os treinadores trabalham… são contra estes que o treinador trabalha.

“Se não fores feliz, não podes ser treinador.”

(Fernando Santos, 2019)