João Félix… o mago da intensidade II

Escrevíamos num artigo publicado em Setembro de 2018, que “em tempos comentámos que Félix fazia lembrar Cruijff na gestualidade, no drible, na pausa, na provocação quando fixa o adversário. De facto… mas não só. Cingindo-nos apenas a exemplos do Futebol Português, lembra-nos Aimar, Rui Costa, Deco ou Pedro Barbosa. Entre tantas coisas fantásticas em comum, destacamos uma. A pausa. Quando o jogo a pede. A tal que muda por completo a definição de intensidade no Futebol… a tal intensidade táctica… a tal intensidade específica do jogo. A tal que significa fazer bem e no tempo certo e não obrigatoriamente muito e depressa. Na forma como constrói, mas também como cria. O próprio drible é muito na essência da pausa, da mudança, da descontinuidade na execução que provoca e perturba emocionalmente o adversário”. O prodígio português trouxe-nos mais um momento delicioso… repleto de… intensidade.

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“(…) o futebol é como a música: a música que é toda do mesmo ritmo a gente não ouve durante muito tempo. O futebol precisa de nuances, tem tempos, tem timings, tem momentos, tem espaços que é preciso utilizar e criar.”

(Miguel Cardoso, 2018)

Três ideias (exercícios) para desenvolver a circulação de bola em largura [Subscrição Anual]

Voltamos a publicar ideias, sob forma de exercícios de treino, que têm por objectivo o desenvolvimento do momento de organização ofensiva do jogo. Desta vez, em alternância à profundidade, estaremos à procura de desenvolver a largura no jogo da equipa. Não só ao nível posicional, mas neste caso concreto, pela circulação da bola entre dois ou os três corredores de jogo.

Como temos vindo a referir, a posse e circulação da bola, salvo raras excepções, não pode ser um fim em si mesmo. É no fundo um meio para atingir outros objectivos, quer ofensivos, quer mesmo defensivos. É fundamentalmente por essa razão que Guardiola declarou “odiar o tiki-taka”. É também por essa razão que (Luís Castro, 2017), também afirmou que “a posse de bola não é um objectivo, é uma consequência… do meu jogo”. Do ponto de vista ofensivo, (Pedro Bouças, 2017) dá um exemplo, explicando que “fazer desmoronar um adversário de qualidade tem também muito a ver com o tempo que o fazes correr”, sendo que para tal, é mais fácil consegui-lo pela circulação à largura do que na profundidade. Na sequência do mesmo exemplo, (Azevedo, 2011), explica: imagine-se que um treinador quer implementar na sua equipa a posse e circulação de bola como um comportamento/princípio no momento de organização ofensiva. Ele pretende que essa circulação de bola seja feita em toda a largura do campo, jogando de uma forma apoiada com passe curto e seguro, à procura de espaços para desorganizar a equipa adversária”. Mas o autor vai mais longe e explica que a partir de uma ideia, o jogo da equipa e as características dos jogadores devem permitir que a ideia inicial, ou seja, o Princípio, seja aberto a eventuais novas formas de o atingir. Na mesma linha de pensamento surge a treinadora (Gomes, 2011), sustentando que “com Organizações (entenda-se princípios) diferentes temos equipas diferentes. Contudo, todos percebemos que as características dos jogadores são decisivas na configuração dos princípios de jogo. Não nos princípios mas no modo como esses princípios se desenvolvem e expressam“.

Também o autor (Maciel, 2011) defende que a um nível mais micro, o qual denomina de SubSubPrincípios, surgem “aspectos mais micro, aspectos de pormenor à priori desconhecidos, uma vez que surgem pela dinâmica do processo e emergem sobredeterminados pelos níveis de maior complexidade, ainda que sem perda de identidade ou singularidade. Por serem desconhecidos à priori eu não os posso, nem devo estabelecer previamente, são particularidades que vão surgindo e que eu tenho de saber aproveitar para alimentar e exponenciar o crescimento do meu jogar, que não perdendo as formas do esboço inicial, vai assumindo uma configuração ao nível do pormenor que é única. Tem de haver muita sensibilidade e receptividade da parte do treinador, no sentido de aproveitar estas emergências de pormenor. Quando refiro receptividade quero dizer abertura, pois só isso permite que eu aproveite e tenha disposição, para partindo das minhas ideias rentabilizar e explorar os acrescentos que o envolvimento me trás a tais ideias“.

Deste modo, a criatividade tem aqui um papel preponderante. Quando o jogador, ou a equipa encontra uma nova solução para resolver o problema, que o treinador não antevia quando definiu o Princípio. Regressando ao exemplo, Azevedo descreve que o treinador transmite a ideia, vai trabalhando e percebe que há um jogador que apresenta uma boa leitura/visão de jogo aliada a uma qualidade e precisão no passe longo. Então, o treinador pode aproveitar essa característica porque através dessa precisão no passe longo, o jogo tornar-se-á mais rápido. Por isso, através da alternância entre passe curto e passe longo, a velocidade da circulação de bola pode ser muito maior. Poderá aproveitar toda a largura do terreno e criar maiores desequilíbrios na estrutura defensiva do adversário”.

Mas (Maciel, 2011) ressalva que ““importa referir que essas emergências de pormenor não são só aspectos a exponenciar, não raras vezes constituem-se como aspectos a recusar, e eu tenho que ter sensibilidade para perceber que em determinados contextos e situações os princípios têm de ser fins. Como tal poderei ter necessidade de fechar, mas só o devo fazer a partir do que depreendo do processo e dos contornos que este vai assumindo no aqui e agora e não à partida. Se o fizer à partida, corro o perigo de cair na vertigem de treinar sobre carris. Parto do pressuposto que os jogadores me podem dar tudo, em termos de detalhe, o que entendo ser necessário para jogar o meu jogar com qualidade, se verifico que há coisas que tenho de ser eu a regular externamente porque eles não o fazem ou ainda não fazem, ok, aí o princípio (subsub) passa a ser fim, mesmo que possa não ser de forma permanente mas temporária e transitória. Cruyff diz que a melhor forma de ensinar não é proibindo, mas sim guiando, eu concordo totalmente mas acrescento que por vezes para guiar se torna necessário proibir. Mas a regulação do trânsito, que é a funcionalidade da equipa vai se fazendo, sabemos o sentido a dar ao caminho e vamos colocando sinalização conforme para que o caminho permita uma boa fluidez, por vezes colocamos sinais proibidos generalistas, outros só a peões, outros só para bicicletas, outros para pesados… e quando percebemos que o trânsito está a ficar regulado à nossa imagem podemos tirar sinalização, porque pelo hábito já se tornou funcional“.

“Adoro a regra
que calibra a emoção,
apaixona-me a emoção que não se nega
a levar a regra à correcção.”
(Frade, 2014)

Os três exercícios apresentam uma lógica progressiva, nomeadamente na sua dimensão estrutural:

Exercício 130 | Circulação de bola aos dois corredores laterais sem oposição (exercício grupal)

Exercício 128 | Pontuar em variação de corredor (exercício grupal ou intersectorial)

Exercício 129 | Jogo colectivo em variação da metade vertical do campo (exercício intersectorial ou colectivo)

5 ideias (exercícios) para desenvolver o jogo entre-linhas [Subscrição Anual]

“Ao falar em circulação de bola, pensa-se muitas vezes no seguinte: sair curto, jogar num corredor, está fechado variar rápido para o outro. Mas circular, também é entrar no interior do bloco adversário.”

(Tactic Zone, 2013)

O jogo entre-linhas tem sido uma das ideias de jogo que tem crescido e conquistado mais adeptos nos últimos anos. Sendo verdade que se já era explorado no passado, mesmo que por vezes de forma não consciente, pelo posicionamento de jogadores na estrutura ofensiva da equipa que os levava a explorar esses espaços, por outro lado, os métodos defensivos individuais então utilizados, acabavam por reduzir esses espaços pois um atacante aí presente arrastava consigo um respectivo defensor. Nessa fase, seria geralmente através da mobilidade, que o momento ofensivo das equipas conseguia continuar a gerar tais espaços. Hoje, pela evolução de métodos defensivos mais colectivos que dão prioridade a estruturas defensivas sectoriais e colectivas, mais preocupadas em anular espaços do que adversários, paradoxalmente, acabam por gerar mais espaços entre os seus sectores médio e defesa, uma vez que, frequentemente, a referência defensiva “o meu companheiro”, se sobrepõe à referência defensiva “espaço”, ou “antecipação de linhas de passe adversárias”.

Deste modo, ganhou importância a exploração destes espaços, caminho reforçado pela evolução que o jogo ofensivo das equipas apresentou, o qual procurou abandonar a aleatoriedade, a inspiração individual ou a espera pelo erro do adversário… e aproximar-se da racionalidade, de um jogo mais eficaz e de um pensamento colectivo, como base da criatividade e do talento individual. De acordo com a fonte (Tactic Zone, 2013), através desta ideia “a preferência é conquistar espaço no meio e progredir a partir daí. Se adversário consegue ser eficaz a ajustar defensivamente no centro, então já se criou muito espaço nos corredores que pode agora ser usado”.

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Na nossa Sistematização e Modelo de Jogo Idealizado, o Jogo entre-linhas situa-se como princípio de jogo, no Sub-Momento Construção da Organização Ofensiva e constitui-se como uma forte ideia para a equipa atingir o sub-momento de criação, e procurar criar de forma mais eficaz, oportunidades de finalização. Torna-se importante salvaguardar que este princípio pode ser explorado de múltiplas formas, tendo também aqui a criatividade um papel vital.

Sendo para nós, o exercício de treino, o melhor caminho para atingir estas ideias em jogo, deixamos 5 ideias para desenvolver este princípio de jogo, juntando a muitas outras já presentes na nossa biblioteca de exercícios. Procurando atingir níveis de complexidade estrutural diferentes, as ideias presentes nestes exercícios podem, por exemplo, ser desenvolvidas numa lógica progressiva, ao longo de uma ou várias sessões de treino.

Exercício 127 | Posse com apoio frontal (exercício grupal)

Exercício 123 | Jogar no espaço entre-linhas e último passe (exercício grupal)

Exercício 126 | Chegar aos apoios frontais (exercício inter-sectorial)

Exercício 124 | Penetração de um adversário partido (exercício colectivo)

Exercício 125 | Progressão beneficiando da zona neutra (exercício colectivo)

“É complicado viver no corredor central, decidir em pouco espaço, dentro da estrutura adversária. Os estímulos surgem de todas as direções e, para além dos atributos técnicos, é necessária uma rápida adaptação a um contexto que varia a cada instante.”

(Fidalgo, 2016)

João Félix… o mago da intensidade

“O valor das coisas não está no tempo em que duram, mas na intensidade com que acontecem. É por isso que existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.”

Fernando Pessoa citado por (João Romano, 2007)

Torna-se fundamental um ponto prévio. Vivemos num período em que o Futebol Português toca no fundo em termos éticos, consequência de uma quase total ausência de valores, traço que neste momento marca muitos dos agentes desportivos que nele actuam, nomeadamente aqueles com mais poder e responsabilidades de decisão. No entanto não podemos sonegar que há uma clara interdependência entre estes agentes, os adeptos e a restante sociedade. O Futebol, no que toca a esses valores, não é um nicho que vive desfasado da restante sociedade. Vivemos um período em que há uma clara guerra entre clubes, que se extremou, onde tudo serve como arma de arremesso. Este artigo, independentemente de pegar num exemplo específico exclui-se totalmente deste panorama. É verdade que procuramos produzir conteúdos que se procuram afastar da doença emocional que vai crescendo neste meio, porém, por vezes, há casos incontornáveis que devemos abordar e sublinhar. Nomeadamente por boas razões. João Félix é um deles. E enaltece precisamente a perspectiva contrária à negatividade que polui o Futebol: a paixão pelo jogo.

Se depois da apelidada “geração de ouro” nos questionávamos se aquele tinha sido apenas um fogacho momentâneo, hoje talvez tenhamos uma resposta diferente. Entre tantos problemas, dificuldades e paupérrimas condições oferecidas à Expressão Motora, Educação Física, Futebol de Rua e Futebol de Formação, continua a emergir imensa qualidade, nomeadamente em jogadores e treinadores. Pegando em “matéria prima” praticamente a “custo zero”, oferecendo condições precárias de trabalho, e deste pensamento excluímos obviamente Sporting, Benfica, Porto e Braga, mas que no entanto também se alimentam do trabalho desenvolvido nos restantes clubes, devemos perguntar qual é a área de actividade em Portugal que apresenta o mesmo sucesso financeiro e impacto internacional que neste momento o Futebol de Formação Português evidencia de forma clara? A resposta, pensamos ser… nenhuma. Nenhuma atinge o sucesso do Futebol. A questão interessante será… até que ponto as dificuldades vividas por jogadores e treinadores potenciam este sucesso. É uma questão para a qual não conseguimos ter uma resposta.

É portanto incrível, perante todas estas condições e a dimensão do país, a quantidade de jogadores de qualidade que estão a emergir do Futebol de Formação. Entre eles surge, João Félix. O seu antigo treinador no Futebol de Formação do FC do Porto, (Miguel Lopes, 2017) descreve-o como “mais dotado, extremamente inteligente, muito instintivo e tinha capacidade para decidir bem nos contextos mais difíceis. Sempre foi um miúdo capaz de tirar um coelho da cartola, fazer aquela jogada que ninguém espera, o golo que ninguém espera”. Em tempos comentámos que Félix fazia lembrar Cruijff na gestualidade, no drible, na pausa, na provocação quando fixa o adversário. De facto… mas não só. Cingindo-nos apenas a exemplos do Futebol Português, lembra-nos Aimar, Rui Costa, Deco ou Pedro Barbosa. Entre tantas coisas fantásticas em comum, destacamos uma. A pausa. Quando o jogo a pede. A tal que muda por completo a definição de intensidade no Futebol… a tal intensidade táctica… a tal intensidade específica do jogo. A tal que significa fazer bem e no tempo certo e não obrigatoriamente muito e depressa. Na forma como constrói, mas também como cria. O próprio drible é muito na essência da pausa, da mudança, da descontinuidade na execução que provoca e perturba emocionalmente o adversário.

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“Somos la última generación que ve partidos enteros. […] Porque están más acostumbrados a lo efímero. El partido de PlayStation dura 5 o 7 minutos apenas. Están acostumbrados a los resúmenes. A ver en el celular los goles de todo el mundo. Son víctimas de este estímulo.”

(Pablo Aimar, 2017)

O autor (Pedro Bouças, 2017) descreveu que hoje o futebol está subjugado por uma “pressa por uma emoção rápida que se zanga com quem pensa ou quer pensar o lance, o jogo. O “bruaá” em forma de desaprovação quando a bola não viaja tão rápido no sentido da baliza adversária quando tal é o desejo comum a uma toda bancada, a forma como não se entende que nem sempre o caminho mais rápido é o melhor, continuará a condicionar decisões aos melhores”. Será este um dos grandes méritos de jogadores como João Félix. A resistência a esta emocionalidade e irracionalidade, “ao pânico e à velocidade do Futebol actual” como o treinador português (Villas-Boas, 2009) identificou. Segundo ele “há pressão em torno dos treinadores de vencer, há pouca capacidade de pensar, como falávamos há bocado dos jogadores, há o sentido de urgência que o jogo actual tem…é tudo pânico, é tudo velocidade… e transmite um bocado a ideia do que é a sociedade actual”.  Também (Jorge Sampaoli, 2016), citado por (Luís Cristóvão, 2017) defendeu, que hoje o futebol “vive-se como sofrimento, porque se prioriza o êxito ou o ganhar acima do jogo. Hoje dizem-te que há que ganhar como seja e ganhar como seja significa jogar com níveis muito elevados de stress. […] Ataca-se a serenidade, ataca-se o prazer. Eu creio na minha ideia porque tenho muito amor pelo jogo, não porque padeça pelo jogo”.

Talvez essa seja uma das chaves de João Félix. A sua paixão pelo jogo superiorizou-se à pressão, ao stress, ao pânico, à irracionalidade. E garantiu-lhe uma racionalidade, mesmo que no domínio do subconsciente… um saber fazer… que lhe transmitiu que o jogo não pode ser jogado sempre à mesma velocidade, porque como o treinador português (Miguel Cardoso, 2018) referiu, “o futebol é como a música: a música que é toda do mesmo ritmo a gente não ouve durante muito tempo. O futebol precisa de nuances, tem tempos, tem timings, tem momentos, tem espaços que é preciso utilizar e criar”. Um saber fazer que associado a uma enorme qualidade de execução, lhe trouxe o domínio do tempo e do espaço. Um saber fazer que lhe trouxe a boa decisão… consequentemente… o sucesso. Essa será muito provavelmente a outra chave da qualidade de João Félix.

Podemos estar redondamente enganados, mas arriscamos que num determinado momento da sua vida, alguém disse… “ele tem imenso talento… mas falta-lhe… intensidade”.

“No Boxe bateres muito no teu opositor poderá trazer-te a vitória por pontos. O futebol é um jogo completamente diferente. Não é por bateres muito no muro, ou correres mais que o golo aparece, ou sequer as melhores oportunidades. O melhor jogo não é o que entra à bruta, mas o que explora subtilezas.”

(Pedro Bouças, 2017)

“O que define a intensidade

é o concreto onde o jogar

p’ra expressar máxima qualidade,

tal contexto tem de superar.”

(Vítor Frade, 2014)

O exercício de treino… na perspectiva da terceira pessoa… e a intervenção na sua operacionalização

“A intervenção do próprio treinador também é contexto!”

(Marisa Gomes, 2015)

Assistia-se a um exercício de treino. Procurando analisar o mesmo, várias pessoas opinavam sobre o seu objectivo e organização. No entanto, ignoravam uma dimensão fundamental na sua operacionalização… a intervenção do treinador. Sem este dado, todas elas podiam estar certas… ou erradas. Isto, porque tratando-se de um exercício que respeite as características do jogo, mesmo que represente apenas numa fracção do mesmo, será consequentemente, um exercício rico em comportamentos, assim, posicionando-se externamente ao processo, diferentes pessoas podem-lhe atribuir diferentes objectivos.

Assim, perante o “mesmo” exercício, alterando-lhe “apenas pequenas” coisas, como por exemplo a forma ou o momento como ele se inicia, este poderá servir objectivos de planeamento muito distintos. No fundo, para sermos correctos, na verdade já não será o mesmo exercício, nem sequer uma sua variante se o analisarmos na perspectiva dos objectivos. A este propósito, (Maciel, 2011), explica que na concepção do exercício “modela-se os contextos para que estes, não perdendo a sua natureza aberta, sejam facilitadores e catalisadores dos propósitos desejados. Em tais configurações de exercitação o papel principal é dos jogadores, devem ser eles a decidir e a interagir, desencadeando uma dinâmica que não deixando de ser determinística, por estar sobredeterminada a determinados propósitos, intencionalidades, não perde a dimensão imprevisível”. Jorge Maciel reforça que a ideia de propensão tem a ver com o facto de ser mais propício ou provável a ocorrência de determinado acontecimento, no caso do treino de Futebol, determinada interacção. Daí a ideia de modelar o contexto no sentido de tornar mais provável aquilo que se deseja que aconteça. Um aspecto relevante prende-se com o facto de ter de ser deliberadamente propenso, isto é, deve ter subjacente uma intencionalidade ou conjunto de intencionalidades conformes com o modo como queremos que a nossa equipa jogue e conforme as preocupações que entendemos mais prioritárias naquele momento do processo”. Importa salientar que, se o exercício de facto expressa a riqueza do jogo, a oposição será à partida garantida, portanto, o objectivo de planeamento estará numa das equipas / jogador, porém, a equipa / jogador adversário também estará a ser estimulada/o noutros comportamentos.

É deste modo que a intervenção do treinador na operacionalização do exercício se torna fundamental, por forma a incidir o foco, a concentração, para determinado comportamento ou acção, ou melhor, como explica Maciel… interacção. A sua intervenção, a sua expressão corporal, a sua emotividade, o seu feedback, ou mesmo a intencional ausência do mesmo, torna-se decisiva no processo aquisitivo, ou, no conceito mais generalista… na adaptação que o estímulo mesmo provoca no jogador. Na mesma linha de pensamento, Maciel acrescenta que “somente deste modo se torna possível que a configuração dada ao contexto, juntamente com uma intervenção condizente durante a exercitação, despoletem interacções que ao acontecerem façam emergir de forma exponenciada os critérios subjacentes aos nossos princípios de jogo. (…) Destaquei também o papel da intervenção, porque é esta que conjuntamente com a modelação do contexto que vai servir de catalisador e de meio para aproximar os critérios que os jogadores manifestam com os desejáveis para a forma como queremos jogar“. Também (Campos, 2007), defende que “Se tivermos que fazer essa intervenção e parar imediatamente o exercício para fazer perceber claramente que algo é errado, que algo não está correcto ou que algo pode ser importante, também não é só quando as coisas acontecem de negativo é também quando elas acontecem de positivo (…) “. Portanto, o autor acredita que “a focalização da atenção dos jogadores é direccionada pela configuração prática do exercício e por uma intervenção do treinador centrada nos aspectos hierarquicamente mais importantes”.

Como defendemos, esta intervenção não será uma qualquer, nem sobre a totalidade dos comportamentos que emergem do exercício. Deverá ser específica relativamente ao objetivo pretendido, principalmente na perspetiva do treinador que lidera o exercício. Neste contexto, (Casarin, et al., 2010), sustentam que a intervenção do treinador deve “fazer com que uma palavra signifique mil imagens” para o jogador e isto só se constrói com intervenção específica e constante durante o processo de treino”. Também para (Azevedo, 2011), “mesmo que os exercícios estejam em sintonia com o modelo de jogo, se não existir intervenção ou se esta não for adequada, eles podem tornar-se desajustados”. Citado por (Romano, 2007), Vítor Frade (2003, cit. por Martins, 2003), defende existir a necessidade de ser interventivo antes, durante e depois do processo.” Romano reforça assim, que “em primeiro lugar, parece importante a formação de uma «intenção prévia», de modo a antecipar a activação do córtex pré-frontal (Goleman et al., 2002). Interessa portanto, antes de iniciar o exercício, defini-lo claramente, assim como os objectivos que, através do mesmo, se pretendem alcançar, já que, de acordo com Goleman et al. (2002), quanto maior for a activação antecipada maior é a capacidade da pessoa para executar a acção. Posteriormente, durante o exercício, a intervenção do treinador é também ela decisiva. Ela pode (e deve) condicionar um exercício para os aspectos que se pretendem trabalhar, através de uma intervenção específica, centrada nos princípios que se pretendem abordar. Carvalhal (2003; 2005) afirma que o mesmo exercício pode ter objectivos diferentes consoante o momento, e que a forma como o treinador o conduz e direcciona é que é fundamental”.

Assim, desconhecendo o planeamento do treinador, sem a sua intervenção na operacionalização do mesmo, será uma tarefa extremamente difícil, e perigosa na perspectiva da avaliação do trabalho realizado, procurar identificar os objectivos e consequentemente o sucesso de determinado exercício ou sessão de treino.

“(…) a edificação do Modelo de jogo, dos vários momentos do jogo e a Especificidade é conseguida através dos exercícios propostos pelo treinador e pela sua intervenção nos mesmos.”

(Pedro Batista, 2006)

Só faz sentido existir o treinador se este for interventivo, mas interventivo no sentido de catalisador da apreensão de tudo aquilo que é conveniente e importante para o crescimento do processo.

(Vítor Frade, 2003)

História do treino do futebol [Subscrição Anual]

Publicamos um excerto de uma nova publicação de Saber Sobre o Saber Treinar exclusiva a assinantes do projecto, que introduz a evolução do processo de treino do Futebol. Acrescentamos que no futuro irão ser publicadas sub-páginas, descriminando as diferentes grandes etapas da sua evolução.

(…)

“Neste enquadramento, o autor (Ramos, 2003), explica que podemos identificar períodos da evolução do treino desportivo que, “na generalidade, caracterizou a evolução de resultados desportivos nas diversas modalidades e as suas relações com o processo de treino. Evidentemente que estas etapas não se sucederam mecanicamente nem foram sincronizadas entre as diversas modalidades. No entanto, dada a influência recíproca de ideias e de conhecimentos entre as várias especialidades desportivas, estes grandes períodos podem, mais ou menos claramente, ser identificados nas modalidades, situação que se verifica no Futebol”. Assim, segundo (Cardoso, 2006), “a constante procura de elevar o rendimento desportivo das equipas proporcionou ao longo dos tempos o desenvolvimento de diferentes metodologias e por sua vez diferentes concepções de ensino. Como afirma (Pinto, 1996) “o rendimento no Futebol foi ao longo da sua história valorizando factores diferentes: primeiro a «técnica» e posteriormente a «condição física» tiveram pesos muito significativos na eficácia do jogo””. Neste panorama, o professor (Dinis, 2012), relata que quando começou a treinar “o treino era basicamente proveniente do atletismo, era corrida. Depois havia o “conjunto”. Actualmente reformulou-se praticamente tudo“.”

(…)

Continua…

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Tudo tem um fim… ou um novo princípio. Rui Faria enquanto sistema complexo.

“«Muito obrigado por me teres dado este contrato, muito obrigado por me teres trazido para Barcelona, muito obrigado por teres mudado a minha vida». O meu trabalho e a minha dedicação são a minha forma de gratidão. Eu nunca senti, em nenhum momento, que lhes devia alguma coisa. Quando decidi ser treinador principal e vir embora, nunca pensei que estava a ser incorrecto. Não lhes devo nada, paguei-lhes tudo, e por isso senti-me sempre livre para decidir. Se sentisse que não tinham pernas para andar sem mim, se calhar hipotecava um ano ou dois da minha independência. Era capaz de o fazer. Mas eles não precisavam de mim para nada. Tanto um como outro disseram: «Tu estás preparado».”

(José Mourinho, 2003) a propósito do seu percurso como treinador assistente de Bobby Robson e Van Gaal no Barcelona

Tornou-se uma curiosidade na equipa técnica liderada por José Mourinho. Iria Rui Faria acompanhar Mourinho até ao fim? Em vários momentos afirmou a sua felicidade e satisfação na função de treinador assistente e consequentemente a indisponibilidade em abandonar a equipa técnica e iniciar um percurso como treinador principal. Pouco crível para muitos, mas legítimo. Neste contexto, em 2012, (Miguel P., 2012) questionava se “Rui Faria não pode simplesmente… gostar de ser treinador adjunto? Há algum mal nisso? Nem toda gente que “vai para treinador”, quer ser treinador principal. Se ele se revê na metodologia de treino e na liderança do Mourinho, se sente que é útil, se o próprio Mourinho faz questão de dizer várias vezes que o Rui Faria é fundamental. Ele pode muito bem querer continuar com as funções que tem”. Durante muito tempo partilhámos esta opinião e que as pessoas, independentemente do contexto, perante a felicidade, procurarão eternizá-la.

Porém, à luz do pensamento complexo, a autora (Ana K R, 2009), sustenta que “há a convivência da ordem, desordem e organização, sem uma anular a existência da outra”. Rui Faria conviveu e foi feliz com essa “ordem” resultante do trabalho e convivência na equipa técnica de José Mourinho. Porém, como ser complexo que é, mesmo vivenciando uma sensação de equilíbrio, a sua natureza solicita-lhe um novo estímulo, neste caso, um novo desafio. É no fundo, o que exactamente se passa no processo de treino e a sua interacção com os jogadores. Portanto, e reforçado a ideia pela teoria do caos, o ser humano nunca está verdadeiramente em equilíbrio. Pequenas perturbações estão sempre a afectá-lo e podem mudar por completo o estado geral do sistema, podendo levá-lo ao desequilíbrio ou à sua necessidade. Ilya Prigogine, citado por (Esteves, 2010), refere que os sistemas complexos não podem evoluir (gerar novos padrões) em estados de equilíbrio ou próximos do equilíbrio”. Por isso, para (Manuel Sérgio, 2012), “o ser humano é imprevisível, é por isso que ele é complexo, o que significa ser complexo? No fundo é porque dentro dele também há ordem e desordem, também há certeza e incerteza, é por isso que ele é complexo”. Rui Faria, estará portanto, à procura de um nível superior de complexidade, ou na perspectiva do treino, de adaptação.

“Se o sistema permanecer em equilíbrio, ele morrerá. O “longe do equilíbrio” ilustra como sistemas que são forçados a explorar seu espaço de possibilidades vão criar diferentes estruturas e novos padrões de relacionamento.”

(Nicolis e Prigogine, 1989)

“17 anos… Leiria, Porto, Londres, Milão, Londres de novo e Manchester. Treinar, viajar, viajar, estudar, rir e também algumas lágrimas de alegria. 17 anos e agora a criança já é um homem. O estudante inteligente é um especialista de futebol, pronto para uma carreira bem sucedida enquanto treinador. (…) Vou sentir a falta do meu amigo e essa é a parte mais difícil para mim, mas a sua felicidade é mais importante e, claro, respeito a sua decisão, especialmente porque sei que vamos estar sempre juntos. Sê feliz, irmão.”

(José Mourinho, 2018) sobre Rui Faria

Um Real engano

“(…) o trabalho sobre a análise do jogo tem-se focado, predominantemente, no uso de descrições simples e associações entre variáveis, levando à investigação do fenómeno sem considerar os aspetos dos sistemas complexos, dinâmicos e interativos, que poderão caracterizar melhor o rendimento num jogo de futebol.”

Hugo Sarmento citado por Luís Cristóvão, 2017

Tem sido constante o ataque ao rendimento de Karim Benzema pela escassez de golos marcados do jogador Francês. O próprio Cristiano Ronaldo também tem sido alvo de criticas similares dado o menor número de golos marcados na presente época desportiva.

“Esta é uma crise sem precedentes dos habituais goleadores do Real Madrid nos últimos anos. Na mesma altura da época passada, Ronaldo e Benzema somavam 12 golos no campeonato. Em 2014/15 já tinham apontado 27 golos no mesmo número de jogos. Agora estão ao nível dos piores da Europa e longe dos melhores. Neymar e Cavani, do PSG, somam 22, enquanto Suárez e Messi, do Barcelona, já marcaram 17.”

“Ronaldo e Benzema são a pior dupla da Europa”

“Quando Ronaldo não se encontra na melhor forma é fácil perceber a má forma do Real Madrid à frente das balizas. No entanto, a seca de golos de CR7 não pode ser o único motivo que explica o mau momento pelo qual passa a equipa de Zidane. (…) Mais que Ronaldo, Benzema está a ser obliterado pelas críticas à maneira como pouco tem contribuído com golos para a equipa. O francês não está a acertar com a baliza e quando o faz, não consegue dar seguimento com boas exibições. Sendo um dos principais elementos da badalada BBC, Benzema tem apenas seis golos marcados esta temporada, o que para um avançado do Real Madrid é um número fraco. O avançado já leva 22 partidas disputadas e conta com apenas três assistências.”

“Um Real Madrid que está em crise e já não consegue disfarçar”

Porém, os que procuram explicar o menor rendimento colectivo do Real Madrid por um fragmento da realidade ignoram outros números. O facto é que o Real Madrid, colectivamente, é a quinta equipa com mais golos marcados na Europa.

Equipas mais goleadoras da Europa – 26 de Fevereiro de 2018 (SportTV, 2018)

Portanto, se os golos marcados pela equipa não são a explicação para o seu menor rendimento global, não serão com certeza os golos, nem as assistências, do ponto de vista individual. O objectivo do artigo não é procurar a explicação para o momento do Real Madrid. Pela análise ao seu jogo, é um exercício sempre interessante, mas difícil. Pior ainda se tivermos em conta a complexidade que envolve a dinâmica de uma equipa de futebol. O dia-a-dia, o treino, o plano individual, as relações internas, externas, etc. O propósito é, uma vez mais, sublinhar como o pensamento reducionista está sempre presente na forma como observamos a realidade. Se tivermos em conta a proposta por nós apresentada, o jogo de futebol acontece em 12 sub-momentos.

Momentos e Sub-Momentos do jogo.

A finalização da equipa só está presente em dois deles, assim como a “assistência”. No que toca ao que é visível no campo, não estarão possíveis explicações para o rendimento do Real Madrid nos outros 10 sub-momentos? E será que os jogadores criticados, não serão importantes noutros sub-momentos do jogo? Por se posicionarem na maior parte do tempo de jogo mais perto da baliza adversária, têm obrigatoriamente que ser os melhores marcadores da equipa?

Parece-nos clara a resposta à última questão. Depende da forma de jogar da equipa. Se a mesma proporcionar situações de finalização a esses jogadores e os mesmos falharem-nas sistematicamente, logicamente que isso é um dado negativo do ponto de vista individual. Porém se a mesma os usar como “um meio para chegar a”, então a crítica individual é absurda. Não tendo oportunidades para marcar, não poderão com certeza somar golos. Voltando ao contexto particular do Real Madrid, talvez Benzema e Ronaldo não estejam no melhor momento no que toca à sua eficácia. Porém, não estarão, mais do que nunca, a dar uma maior importância ao jogo colectivo da equipa? Pelo menos no momento ofensivo? A própria decisão, no passado fim-de-semana, de Cristiano Ronaldo ceder a marcação de uma grande penalidade a Benzema talvez reflicta isso mesmo. E não se tratou de uma assistência. Mas de uma preocupação com o outro. A tal relação interna. O próprio José Mourinho, em 2011, quando treinou o Real Madrid descrevia assim Benzema:

“Karim está a trabalhar mais do que nunca, sobretudo na fase defensiva, e é um jogador nada egoísta e que faz jogar a equipa.”

José Mourinho, 2011, citado por João Paulo Godinho, 2011

Segundo o autor (Amado, 2010), “o Futebol é tudo menos um jogo simples e um avançado tem mais para fazer em campo do que ser o elemento mais avançado de uma equipa. O Futebol, jogado como um todo, não pode estar refém de jogadores com funções específicas; uma equipa, para fazer golos, não pode estar refém do seu atleta mais adiantado. Tem de ser capaz de tornar complexo o seu jogar a ponto de ser absolutamente indiferente quem faz ou não faz os golos”. O avançado espanhol, Fernando Torres, citado por (Bouças, 2012), a propósito do seu papel na selecção espanhola, descreve que “é preciso ter paciência. É complicado jogar. Deves fixar o central, é um papel secundário, porém é o melhor para a equipa. É um luxo jogar nesta selecção. Aqui pode acontecer que te contenhas mais na partida e não faças golos, mas é o melhor para a equipa. Há dias que pensas: “Que partida fiz! Oxalá jogue assim sempre.” E ouves críticas por todos os lados. E no dia em que estás lento, mal e erras, mas marcas dois golos, aplaudem-te. Aprendi a viver com isto.” Pedro Bouças sustenta que estamos numa era em que perceber o futebol é muito mais complexo que o que na realidade parece. Há onze jogadores, e todos devem ser responsáveis por tudo dentro do campo. Uns dias ganhas notoriedade, noutros parece que o jogo te passa ao lado. Há é que decidir bem a cada instante. Se assim for, a equipa estará sempre mais próxima do sucesso”.

Na sua obra, Edgar Morin, explica que “a palavra compreender vem do latim, “compreendere”, que quer dizer: colocar junto todos os elementos de explicação, ou seja, não ter somente um elemento de explicação, mas diversos. Mas a compreensão humana vai além disso, porque, na realidade, ela comporta uma parte de empatia e identificação. O que faz com que se compreenda alguém que chora, por exemplo, não é analisar as lágrimas no microscópio, mas saber o significado da dor, da emoção. Por isso, é preciso compreender a compaixão, que significa sofrer junto. É isto que permite a verdadeira comunicação humana. A grande inimiga da compreensão é a falta de preocupação em ensiná-la. Na realidade, isto está-se a agravar, já que o individualismo ganha um espaço cada vez maior. Estamos a viver numa sociedade individualista, que favorece o sentido de responsabilidade individual, que desenvolve o egocentrismo, o egoísmo e que, consequentemente, alimenta a autojustificação e a rejeição ao próximo. A redução do outro, a visão unilateral e a falta de percepção sobre a complexidade humana são os grandes empecilhos da compreensão. Outro aspecto da incompreensão é a indiferença. (…) Por isso, é importante este quarto ponto: compreender não só os outros como a si mesmo, a necessidade de se auto-examinar, de analisar a autojustificação, pois o mundo está cada vez mais devastado pela incompreensão, que é o câncer do relacionamento entre os seres humanos.”

“Mourinho dizia-me: Tranquilo, não precisas de marcar golos para ser o homem do jogo.”

Didier Drogba citado por (Bouças, 2013)

“Pergunto-me por exemplo, quantos não serão os “dados” existentes à cerca da pergunta seguinte: Quais são, os elementos estruturais de todo o jogo de futebol? A estrutura de acção não é mecânica, no entanto, o saber compartimentado do “nosso” futebol segregou já demasiadas previsões especializadas. Deve continuar o “futebol”, a deixar-se cegar pelo erudito reducionismo? Para nós, a formulação de MODELOS DE INTELIGIBILIDADE afastados da FRAGMENTARIDADE DOMINANTE, e ajustados à natureza complexa do objecto empírico, parece-nos de premente necessidade.”

Vítor Frade, 1990, no seu projecto de tese de doutoramento, em 1990

“Sem equipa

nenhum jogador cresce,

mas só boa equipa fica

se ser bom jogador acontece.”

(Frade, 2014)

“Cada ser humano é um universo de estudo”. O “estranho” caso de Mafalda Mariano.

“Para mim, a expressão “todos os jogadores são iguais” é a maior mentira no desporto. Nem todos são iguais. Nem todos têm de ser tratados de forma igual. Com o mesmo respeito sim… (…) Descobrir cada um é o mais fascinante na nossa função…”

Pep Guardiola citado por (Santos L. , 2013)

Fruto, uma vez mais, do pensamento analítico e cartesiano que se enraizou na nossa cultura e raciocínio, o ser humano continua a ser seriado e catalogado como se de uma peça de mobiliário se tratasse. Não nos estamos a referir à procura de padrões comportamentais. Referimo-nos a identificação de características muito genéricas como a idade, o sexo, a morfologia ou mesmo a fisiologia, e a partir daí colocar adultos e crianças em categorias mais ou menos estanques. No futebol de formação é comum depararmo-nos, com opiniões de responsáveis técnicos, de que por exemplo, “miúdos com determinada idade devem jogar futebol de X” ou “as raparigas devem jogar com raparigas e rapazes com rapazes”. Ignora-se porém, a sua complexidade, e que cada ser humano é possuidor de uma individualidade, passe a redundância… singular, com um particular crescimento e traços exclusivos. Como Yuri Verkhoshansky, citado por (Silveira Ramos, 2004) defendeu, “cada ser humano é um universo de estudo”. Também (Barreiros, 2016) sustenta que “o desenvolvimento é um conceito de raiz biológica que procura exprimir o conjunto dos processos de transformação de um organismo ao longo da sua vida. No caso do desenvolvimento humano, este processo inclui inevitavelmente o conjunto das transformações da vida psíquica e os efeitos de interações sociais constantes. O desenvolvimento humano é, por natureza, biológico, psicológico e social, o que significa também que estas dimensões do desenvolvimento interagem, produzindo uma notável complexidade e individualidade“. Assim sendo, cada indivíduo apresenta as suas necessidades particulares.

Mafalda Mariana, aos 12 anos, teima em provar que o pensamento tradicional está profundamente errado. Há quatro anos a jogar em competições federadas com rapazes, inclusive dois desses anos contra uma maioria de adversários de idade superior. Começou, aos 8 anos, a jogar Futebol de 7, portanto, numa complexidade de jogo acima da regulamentarmente definida para a sua idade, o Futebol de 5. Na presente época deu um semelhante “salto” para o Futebol de 9. Durante este período formou equipa com outros miúdos de enorme talento, que sempre lhe reconheceram o dela, tratando-a como igual. Por vontade e decisão própria tem recusado passar para as competições femininas em clubes de maior dimensão, por sentir que o actual contexto onde treina e compete, é o mais adequado e desafiante à sua qualidade. Naturalmente, também pela amizade que construiu com os companheiros, aspecto que um regulamento competitivo que separa por completo, rapazes de raparigas no futebol de formação a determinado momento, ignora em absoluto.

“Como te sentes a jogar numa equipa de rapazes contra rapazes?

Sinto-me bem, pois os meus colegas receberam e tratam-me como igual. A maioria dos meus adversários respeita-me.”

Mafalda Mariano, 2017 em entrevista ao website www.futebolfemininoportugal.com

Ignora-se também que existem aspectos ainda mais decisivos para a evolução da criança do que a própria complexidade do modelo competitivo. Uma criança, numa equipa de Futebol de 7, à qual seja imposto jogo directo e marcação individual, não terá com certeza mais propensão à sua relação com bola, com o centro de jogo e desafio à inteligência táctica, que o jogo curto e apoiado e a Defesa Zonal potenciam, mesmo quando solicitados num contexto competitivo de Futebol de 11. Neste sentido, (Fábio Ferreira, 2013), descreve que “de acordo com Pacheco (2001), a competição em idades mais jovens depende da qualidade da sua prática e da intervenção por parte dos treinadores, dos dirigentes e dos pais que enquadram a criança na actividade desportiva. Por isso, é extremamente importante que se respeite a individualidade biológica, cognitiva e emocional da criança (Fernandes, 2004). Assim sendo, é fundamental que no futebol de formação as competições estejam ao serviço dos jovens futebolistas, estando adequadas às características das crianças e do seu nível de desenvolvimento (Pacheco, 2001) tornando-se uma ferramenta de auxílio para que os objetivos de formação sejam atingidos. Pacheco (2001) refere ainda que o problema induzido pela competição nos escalões mais jovens são as distorções impostas pelos adultos”.

Em entrevista a (Xavier Tamarit, 2013), o professor Vítor Frade questiona: “você já viu ou acha que o gajo que vai tocar piano, primeiro vai andar a correr à volta do piano ou fazer elevações ou flexões?! Não. Os putos vão, se tiverem dois, «olha, joga tu ali e eu ali», se tiverem onze, «seis para aqui e cinco para acolá». É isso que eles fazem, é Futebol com bola!” No entanto, condicionados pelas ideias, preconceitos e receios dos adultos, o autor (Carlos Neto, 2017) deixa a pertinente questão: “qual é o nível de participação das crianças na sua formação desportiva?” E responde. É tudo imposto. Tal e qual como nas escolas, onde têm de estar sentadas, quietas e a ouvir professores cansados, velhos e chatos. O que é que elas gostariam de fazer no treino? Algumas vez os treinadores ouvem as crianças? Os pais ouvem os próprios filhos? A formação de crianças e jovens em Portugal é de uma visão autocrática e isto é mau, porque as crianças do século XXI mereciam outro respeito e um processo mais democrático. Haveria mais participação, um melhor ambiente, mais entreajuda… como acontece nos países que já o fazem de forma mais adequada, como o Canadá e alguns países nórdicos. As crianças não são atletas em miniatura. Eu posso fazer um campeão à martelada. Se repetir exaustivamente, eu chego lá. Só que ele não vai ser criativo, não se vai adaptar, vai morrer cedo. Se eu fizer um atleta inteligente, dinâmico, com capacidade adaptativa, esse é que vai ser um bom atleta, e quero na formação um modelo que forme estes atletas”.

Por outro lado, autor (Esteves, 2010), partilha a visão de Vítor Frade ao distinguir especificidade precoce e especialização precoce. Segundo Frade as melhores equipas na formação, treinam sob a especificidade precoce, evitando os problemas causados pela especialização precoce. Para Esteves “quando treino em especificidade precoce, desde cedo, com diferentes graus de complexidade numa progressão complexa de muitos anos, consigo um jogador muito mais evoluído, pelo simples factor confiança. A repetição constante leva a sistematização, ao hábito e isso com o passar dos anos leva à «expertise». As grandes mentes, em diferentes sectores da história da humanidade, dificilmente iniciaram as suas trajectórias em fase adulta. Grandes lutadores iniciam as suas lutas muito cedo, entre 6 a 8 anos, grandes pianistas idem, grandes jogadores iniciam suas trajectórias no Futebol de rua, na escola, nos campos de praça, logo aos 5, 6 anos”. Por outro lado o autor defende que a “especialização precoce é a maior negação do princípio da individualidade biológica. Não é possível aceitar que todos os seres humanos são diferentes e que a qualquer momento pode surgir um novo Pelé ou Maradona se logo ao se iniciar um treino podamos todas as possibilidades de gerar este comportamento, criando uma espécie de fábrica de jogadores, fazendo tudo igual, sendo que a grande graça está em quem faz o diferente”. 

Neste sentido, o treinador português (Carlos Carvalhal, 2010) destaca a “importância de desenvolver os sentidos e de experimentar as sensações em contacto com o meio (perspectiva ecológica) de forma a testarmos todas as nossas capacidades fazendo do ensaio / erro uma autodescoberta. A individualidade é assim um conceito obrigatoriamente agregada à noção de criatividade: o que vivencio enquanto jogador potencia as minhas qualidades, exponenciando-as; faz com que codifique de determinada forma o significado do que vivi, determinando também a conexão que farei com episódios semelhantes no futuro”. O professor (Francisco Silveira Ramos, 2013), conclui que “o futebol é um jogo coletivo, mas é feito de individualidades e temos até que fomentar essas individualidades”. O autor sustenta ainda que é necessário “que o trabalho para eles seja rico e criativo”. Rico e criativo, implica experimentar diferentes contextos e desafios, e garantir uma maior propensão do mais favorável ao estágio de desenvolvimento individual e desejos de cada criança. No fundo, o caminho trilhado autonomamente por cada criança no Futebol de Rua, em regime de auto-descoberta e longe da intervenção do adulto.

“O possível

é o futuro do impossível

o padrão de problemas

não se acorrenta por esquemas,

nenhuma impossibilidade

é impossível…

Não tendo na robotização a verdade

a complexidade é exequível.”

(Frade, 2014)

O treinador português: um “produto” de qualidade

“Há sempre que estudar mais. Não compreendo o treinador de futuro sem estudo.”

Manuel Sérgio, 2017

Numa reportagem de Janeiro de 2017, um canal de desporto brasileiro procurava explicar a “moda” em que se tornou o treinador português.

https://www.facebook.com/quezada.arthur/videos/1776565645938732/

Num artigo de Fevereiro do mesmo ano, tocávamos na questão.

“(… ) é evidente a enorme a evolução que o jogo, o treino e a liderança das equipas registaram, resultado da qualidade que muitos treinadores portugueses hoje apresentam, colocando-os no top mundial. Simultaneamente, em todos os níveis do jogo muitos outros crescem, nas ideias e na experiência e preparam-se para mais uma vaga, quem sabe ainda melhor. Facto, valorizado ainda, pela menor dimensão do país, no número de praticantes e de equipas, comparativamente com muitos outros. Também não é assunto novo neste espaço, pois ainda noutro artigo recente, trazíamos o professor Silveira Ramos elogiando o treinador português, pelo seu conhecimento do jogo e pensamento estratégico. Hoje, em vários pontos do mundo o treinador português é visto como sinónimo de qualidade. Constitui-se como mais um “produto” português de enorme sucesso.”

A reportagem foca o processo formativo. Conhecendo o mesmo, reconhecemos a sua evolução e incontestável contributo para este sucesso. Mas este é um processo que não se reduz aos cursos de treinadores. Passa também pelo trabalho desenvolvido das Universidades nas últimas décadas, por diversas obras publicadas por inúmeros autores e actualmente pelos inúmeros espaços na internet que desenvolvem ideias, debatem e contribuem de forma decisiva para a exponenciação do conhecimento. Como grande exemplo, reconhecido por muitos treinadores, alguns deles até focados na reportagem, está o incontornável www.lateralesquerdo.com, online há quase uma década e percursor de centenas de outros espaços, de ideias e até linguagem que hoje se tornou convencional.

Porém, esta é só uma parcela da explicação. Desde logo, (Manuel Sérgio, 2012) descreve que “em Portugal não é a mesma coisa ser treinador de Futebol ou treinador de Basquetebol… as pressões são outras. O autor (Bouças, 2016) sustenta este pensamento com “os rótulos que os “carneiros” sempre colocam quando alguém que não entendem nem querem esforçar-se para entender foge da norma. Será sempre assim, até que a realidade lhes bata de frente. Por isso há quem vá à frente, afirme, defenda e prove. E há os que atrás se limitam a acenar concordando sempre com o que estará mais aceite e enraizado no pensamento global”. Sem dúvida que José Mourinho marcou uma nova era para o treinador português, indo com enorme coragem mais “à frente, afirmando-se, defendendo-se e provando”. Segundo o treinador (André David, 2017), “após Mourinho aparecer no nosso futebol, a imagem do treinador e da formação dos treinadores ganhou especial relevância e notoriedade, ao ponto de actualmente haver imensos jovens a quererem ser treinadores de futebol”.

Neste âmbito, é também fundamental sublinhar a base metodológica de José Mourinho. A Periodização Táctica idealizada por um homem que personifica todas as qualidades e genialidade do treinador Português. O ex-treinador e professor Vítor Frade. O treinador português (Jesus, 2010), defende que Portugal tem uma metodologia de treinos que está dez anos avançada em relação ao resto do Mundo. (…) No futuro vão aparecer mais Mourinhos”. O próprio (José Mourinho, 2001), explica que os dados actuais, indicam que a componente Táctico-técnica e cognitiva sejam as que direccionam todo o processo de treino e um projecto de jogo. Estão assim criados os pressupostos para que seja efectuada uma ruptura epistemológica na periodização e planeamento do processo de treino, e por conseguinte designarmos o novo processo de treino como Periodização Táctica”. De acordo com (Tamarit, 2007),a “Periodização Táctica” é uma Metodologia de Treino que surge há mais de trinta anos na cabeça do Professor Vítor Frade quando, através de experiências que lhe ocorreram, começa a questionar as Metodologias de Treino existentes até o momento”. O autor acrescenta que Frade exerceu, durante trinta e três anos, como professor na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto e foi treinador adjunto em várias equipas da primeira liga Portuguesa, nomeadamente no F. C. do Porto durante mais de vinte anos. Xavier Tamarit ressalva que, portanto, esta metodologia, “não surgiu de um dia para o outro, como por magia, nem é algo extraído de qualquer outra área e extrapolado para este fenómeno de massas chamado Futebol”. Finalmente Tamarit sublinha que “ele é o criador da metodologia de treino conhecida como Periodização Táctica, transgressora com a lógica que era aceite como verdade absoluta pelas teorias e metodologias de treino, assim como, possivelmente, pela totalidade dos desportos. Esta “nova” metodologia surgiu há aproximadamente trinta anos, porém começou a ser mais conhecida através dos êxitos conseguidos pelo treinador português, (…), José Mourinho, que junto da sua equipa técnica conseguiu levá-la à excelência ao nível prático.

Por outro lado, Paulo Sousa, citado por (Ferreira, 2014), justifica a qualidade dos treinadores portugueses com múltiplas presenças nos níveis competitivos mais elevados. O técnico português sustenta que “é extraordinário e isso só confirma o que disse, que temos qualidade e estamos preparados. Claro que há factores que determinarão os resultados que cada um deles irá obter mas isso não porá em dúvida a competência de todos eles que, com o tempo, irá sendo cada vez maior”.

Assim, segundo Jorge Jesus, citado por (Braz, 2009) e abordando os melhores, “os treinadores portugueses são dos melhores do mundo, ao nível dos holandeses e dos italianos”. O treinador português (Jorge Jesus, 2013), reforça esta ideia, colocando os treinadores “à frente dos outros, mas que estão a frente é garantido. Todos querem aprender connosco”. Ainda (Jorge Jesus, 2015), vai mais longe e opina que os treinadores portugueses, são actualmente os melhores treinadores do mundo, são os que têm mais conhecimento em todas as áreas que definem o crescimento de uma equipa de Futebol, e portanto se tiveres a possibilidade de trabalhar numa equipa que tem condições financeiras para teres isto tudo, eles têm muito mais facilidade de ganhar esses títulos que qualquer outro treinador do mundo. Tirando o Pep Guardiola porque também penso que é um pouco parecido com os treinadores portugueses”.

Para (Silveira Ramos, 2015), o treinador português encontra-se à frente de colegas de outros países, pois para o treinador e autor, há décadas que o treinador português perspectiva o treino de uma forma mais global, mais holística, contrariando o pensamento analítico e a divisão das dimensões do rendimento protagonizada pela maioria das outras culturas futebolísticas. Porém, para tal, o autor defende que foi preciso errar, foi preciso “trilhar o caminho”, foi necessário inovar, e também aí o treinador português foi corajoso e pioneiro. Qualidades conjugadas com a inteligência. Segundo o treinador português (Nuno Manta, 2017), “o treinador português é super inteligente. Sabe trabalhar o músculo principal, que é o cérebro, e põe o jogador a pensar, português ou não. Independentemente da nacionalidade, os jogadores vêm para cá e normalmente crescem aqui, antes de dar o salto para a Europa”.

Neste enquadramento, novamente (Silveira Ramos, 2017) descreve que “há algo que herdamos da chamada velha guarda dos treinadores portugueses: a estratégia. Portugal foi pioneiro nessa capacidade de aliar a vertente estratégica às metodologias de treino de vanguarda. Isso produziu alguns dos melhores treinadores do mundo. Não percamos isso, não nos agarremos a preconceitos. Identidade não é jogar sempre com os nossos argumentos expostos. Nenhum grande general faria isso… Estratégia é utilizar o que temos de melhor. Uma frase mais para a tal simbiose entre velha guarda e os tempos modernos. Os treinadores portugueses eram aqueles bons malandros, no bom sentido do termo. Eram atrevidos e essas características espero que nunca se percam porque é a nossa natureza e também a explicação para a afirmação de muitos deles no estrangeiro“.

O treinador português (Leonardo Jardim, 2017) acha que o treinador português é um treinador muito bem visto em toda a Europa e todo o mundo pelo seu conhecimento e pela sua capacidade de adaptação. Nós portugueses temos esta capacidade. Nós temos famílias de emigrantes e temos capacidade de nos adaptar. Mesmo em cenários de alguma dificuldade nós conseguimo-nos adaptar e ultrapassar essas dificuldades e fazer aquilo que mais gostamos que é o nosso trabalho, e apresentar resultados. Ao contrário do que no passado podíamos pensar, a adaptação é uma mais valia.

O autor (Luís Freitas Lobo, 2010), parece subscrever esta ideia ao defender que “tacticamente, o treinador português é dos mais inteligentes do mundo. Domina o treino e a leitura de jogo. É multicultural, sem complexos de ouvir outras escolas mas, ao mesmo tempo, tem um orgulho pessoal que não o deixa converter-se, pelo que, no fim, impõe a sua filosofia”. Lobo, acrescenta que o treinador português, “prova, como diz Capello que “o melhor treinador é o maior dos ladrões”. Aprende em todos os sítios e com todos os outros técnicos, mas, no fim, aproveitando tudo, mete a suas ideias e cria uma filosofia própria global. O Futebol português, não duvidem, sempre esteve cheio de grandes “ladrões””. O autor (Pinheiro, 2013) destaca três pontos que fortes no treinador português:

  • Trabalho realizado em ambiente de adversidade. O autor refere que “treinador português está acostumado a trabalhar com poucos recursos, tanto ao nível humano quanto ao material. Vejamos o exemplo de algumas equipas fantásticas que se alicerçam em jogadores “aparentemente” normais, mas que com grande rigor e organização conseguem resultados fantásticos”;
  • Formação académica. Para Valter Pinheiro, “o advento de técnicos com formação em Educação Física trouxe ao futebol maior rigor e cientificidade”;
  • Capacidade de adaptação. Finalmente o autor sublinha “a capacidade “camaleónica” do treinador português, capaz de se adaptar a contextos difíceis e muitas vezes hostis. Já se tornou normal ver equipas com muitos meses de salários em atraso que em campo revelam uma motivação feroz. Em muitas destas situações o treinador assume-se como a pedra angular que congrega a união da equipa”.

Portanto, no fundo o que faz a diferença no treinador português é o conhecimento que este conquistou, fruto da sua ambição, coragem, inteligência, criatividade, experiências e ideias produzidas, num contexto tão competitivo e adverso como o Futebol Português.

“Sempre fui muito autocrítico e nunca me chega aquilo que faço. Quero sempre mais porque sei que consigo mais. É como o nosso cérebro: nós só exploramos uma parte muito pequena do nosso cérebro. E eu sinto que bem estimulado e motivado sou capaz de virar uma equipa de pernas para o ar.”

Vítor Pereira, 2017

O todo… organização defensiva… que está nas partes… sectores e jogadores

É notória a evolução que o Futebol manifestou nos últimos anos. Na liderança, no jogo e no treino. Contudo, o pensamento analítico sobrevive e ainda influencia as três dimensões. Naturalmente, porque como Vítor Frade referiu no I Congresso da Periodização Táctica “foram 400 anos de pensamento analítico ou cartesiano”.

Não é por acaso que Miguel Cardoso, e o seu processo… no fundo, o resultado da interacção da sua liderança com a sua visão do jogo e da forma como treina, tem demonstrado qualidade. Tem demonstrado qualidade no critério, na nossa opinião, mais importante para um treinador. A qualidade de jogo da sua equipa. Porque esta é o grande resultado do seu trabalho e será esta a conduzir a uma regularidade nos resultados. Na conferência de imprensa após o Porto x Rio Ave para a Taça da Liga, a questão do jornalista procurou separar a equipa nos que defendem e nos que atacam. Miguel Cardoso, mostrou o porquê da qualidade das suas ideias.

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/1899278386768086/

O treinador do Rio Ave demonstra, dentro e fora do campo, pensar o jogo como um todo. Num artigo que publicámos recentemente, o responsável técnico pelo ciclismo na Federação da modalidade defendia que o atleta era um todo. Sendo o jogo composto por vários homens, consequentemente também o é um todo. Entendê-lo em complexidade é procurar compreender esse todo. E procurar ir ao plano do detalhe e perceber as suas partes, implica não lhes ignorar as relações e a interação que estabelecem entre si e as consequências que isso provoca no todo. Neste sentido (Azevedo, 2011) explica que “ (…) de acordo com Gaiteiro (2006) podemos afirmar que aquilo a que chamamos “parte” é apenas um padrão numa teia inseparável de relações, não existindo portanto, partes em absoluto”Um dos principais defensores do pensamento complexo, Edgar Morin (2003, p. 108, 109), citado por (Tamarit, 2013), esclarece que “num holograma físico, o ponto mais pequeno da imagem do holograma contém a quase totalidade da informação do objecto representado. Não apenas a parte está no todo, mas o todo está na parte. O princípio hologramático está presente no mundo biológico e no mundo sociológico… a ideia de holograma ultrapassa, quer o reducionismo que só vê as partes quer o holismo que só vê o todo”. O mesmo autor acrescenta que “então pode enriquecer-se o conhecimento das partes pelo todo e do todo pelas partes, num mesmo movimento produtor de conhecimentos”. Xavier Tamarit reforça que parece especialmente relevante para o futebol sobretudo se tivermos em consideração o facto de que como sugere, “a relação antropossocial é complexa, porque o todo está na parte, que está no todo”. Importa contudo salientar que da relação do todo com as partes podem resultar estados diversos de complexidade do todo. O todo pode ser menos que a soma das partes, pode ser igual à soma das partes e pode ser mais que a soma das partes. Mas só o todo organizado será maior que a soma das partes“. No fundo foi o que Miguel Cardoso explicou quando expôs a sua visão do jogo e a forma como identificou os problemas da sua equipa.

“É da problemática da complexidade

a natureza do que é nela interacção,

esfacelar tal realidade

é o que promove a mono explicação.”

(Frade, 2014)

“O atleta é um todo”

“(…) acontece uma variedade de reacções humanas ao mesmo tipo de factores e de situações porque não é reacção o que propriamente se dá, mas, antes, uma acção – e esta é iniciada intencionalmente por um todo que, de todo, jamais o é da mesma forma que o todo de outro: é o todo que enforma as partes e não estas que determinam aquele.”

(Neto, 2012), sobre o “todo” do Futebol – a Táctica

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/1892730540756204/

A opinião é dada por, Gabriel Mendes, Coordenador Técnico da Federação Portuguesa de Ciclismo. A visão sobre o rendimento e o treino sofreu uma clara ruptura epsistemológica. Deixou de se ver o jogador, ciclista, atleta, etc., como um somatório de capacidades para ser interpretado do ponto de vista das suas acções, enquadradas num todo complexo. Se o pensamento Cartesiano começa a abandonar as modalidade individuais, as quais, apresentam uma estrutura de rendimento menos complexa, então é urgente irradicá-lo por completo dos desportos colectivos.

Neste contexto, em 2003, o professor Silveira Ramos defendia que ““o Futebol pode ser decomposto nas suas partes constituintes – técnica, táctica, física, psíquica, social, das leis de jogo, etc.” ou “então pode ser decomposto em – acções individuais e colectivas – considerando que cada uma delas é constituída em termos técnicos, tácticos, físicos, psíquicos, sociais, etc.” E concluía… “ao procedermos à análise das capacidades dos jogadores e da equipa, com o sentido de conhecermos melhor cada uma delas, corremos, como já foi referido, o risco de “isolar” determinados aspectos, criando teoricamente capacidades isoladas, que nas acções do jogo têm um significado mais amplo e menos repartido. Qualquer capacidade que se considere isoladamente, manifesta-se sempre pelos comportamentos do jogador no desempenho das tarefas em jogo, sendo esses comportamentos expressos de forma global e não através de uma única capacidade, ou grupo de capacidades. Cada acção desenvolvida em jogo, é consequência de diversos factores, mesmo que algum, ou alguns sejam mais evidentes à nossa observação”.

“A motricidade

do jogar, no jogo

a de qualidade…

Implica o indivíduo todo!

(Frade, 2014)