Valores humanos – Capítulo III – Treinador e… educador [Subscrição Anual]

Publicamos a continuação do tema Valores humanos, e o seu terceiro capítulo – “Treinador e… educador”. Neste capítulo é abordado o papel do treinador. Sendo um processo intencional, ou não, devemos compreender que o treinador para além de uma fonte de conhecimentos técnicos e orientador metodológico, será sempre, paralelamente, uma fonte de transmissão de valores e cultura. Em todos os escalões e níveis competitivos. Porém, sendo naturalmente a sua importância mais relevante no Desporto de Formação. Assim sendo, a importância do Treinador supera claramente a esfera do desporto.

O tema Valores Humanos encontra-se enquadrado em:

Por outro lado este tema será constituído pelos seguintes captítulos:

  1. Os alicerces do homem… e consequentemente do seu desempenho
  2. Uma sociedade em mudança
  3. Treinador e… educador
  4. O “jogar” expõe e cultiva valores
  5. Priorizar os (bons) valores humanos
  6. Que valores?
  7. A transmissão de valores

Deixamos um excerto do terceiro capítulo publicado – Treinador e… educador.

(…)

“Um bom treinador ensina-te a jogar o jogo e a jogar a vida.”

Luís Castro, 2018, citado por (Bouças, 2018)

No Futebol, a palavra formar está intrinsecamente ligada ao Futebol Jovem… ao Futebol de Formação. De acordo com (Santos, 2008), “o jovem ao aderir ao desporto conta com o treinador para o iniciar na cultura, regras e práticas desportivas. O desportista tem habilidades, crenças e valores construídos a partir de experiências de aprendizagem formais e informais e, o treinador vai influenciar todas essas suas experiências”. Porém, no contexto geral do desporto, formar, estende-se muito para além do Desporto de Formação. É reconhecido por muitos que o indivíduo encontra-se em constante formação. Assim, o papel do treinador, na forma como procura desenvolver outra pessoa para “melhor”, não se circunscreve ao desporto para jovens. Segundo (Moita, 2008), “uma maneira global, segundo o Dicionário de Língua Portuguesa (2004), formação é definida como: “disposição ou organização, grupo de pessoas com objectivos comuns, conjunto de conhecimentos adquiridos referentes a uma área ou exigidos para exercer uma dada actividade, transmissão de conhecimentos valores ou regras, conjunto de valores morais e intelectuais“. Moita acrescenta ainda que “no que concerne à transmissão e recepção de conhecimentos, a formação é, actualmente, essencial em qualquer actividade humana e social (Neves, 2003). O mesmo autor refere que os aspectos relacionados com a formação, nas mais diversas áreas, são fundamentais na criação de novas sociedades, pois os desafios que hoje se deparam são cada vez mais complexos”. Neste processo, o treinador italiano (Ancelotti, 2013) destaca o papel fundamental dos valores na comunicação. Para si, “comunicar significa pôr comum o que é nosso, isto é, transmitir conteúdos, compartilhar. O primeiro pressuposto para uma comunicação eficaz é ter claros os próprios valores e a própria filosofia“. Neste seguimento, o autor (Almeida, 2011) sustenta que “temos de ter a sensibilidade de perceber que tudo o que o treinador valoriza, tem impacto sobre a sua equipa. Muitas vezes, os treinadores desconhecem o impacto que os seus valores têm sobre a vida de outras pessoas, neste caso dos seus jogadores. Mas a verdade é que a cada dia que o líder interage com a sua equipa, este marca a mesma com os seus valores”.

A autora (Mendes, 2009) explica que “são vários os investigadores que têm acentuado a enorme responsabilidade que os treinadores assumem no mundo do desporto principalmente para as crianças e jovens, através da filosofia da sua actuação, dos objectivos que perseguem, dos valores que defendem e do valor formativo dos programas desportivos em que estão envolvidos”. Ângela Mendes vai mais longe, descrevendo que “Ping e Ogilvie (1993, cit. por Garcia, 2003, p. 6) referem, segundo esta perspectiva, a importância do treinador como modelo e agente socializante para os seus atletas, “influenciando-os não apenas nas habilidades físicas, skills técnicos, emoções sociais e valores, mas ainda no desenvolvimento moral e mesmo na sociedade, tendo um grande poder de influência sobre o atleta, e impacto desde os primeiros estádios da sua evolução. Sendo o treinador a figura principal no processo de formação desportiva da criança verifica-se que, “a influência que este vai exercer sobre as atitudes e comportamentos, sobre os princípios, valores, orientações e sentidos de vida dos atletas é inegável” (Bento, 1999). Para Araújo (1994) “os treinadores são elementos transmissores de princípios, regras, conhecimentos desportivos, educativos, pessoais, sociais, culturais e, por vezes, também políticos e religiosos””. Também para (Rosa, 2014), “os treinadores, enquanto agentes centrais no processo de desenvolvimento desportivo, desempenham um papel fundamental na transmissão de valores éticos a todos os que com eles se relacionam, em particular os seus praticantes, sendo esta responsabilidade também partilhada pelas instituições às quais estes estão vinculados, na medida em que estas representam a sua comunidade de prática, desenvolvimento e partilha”.

O autor (Santos, 2008), vai mais longe e descreve que “Greendorfer faz ainda referência a Harris (1983, 1984) o qual verificou que relativamente a comportamentos e orientações dos treinadores, as crianças conceptualizam a sua experiência no basebol de acordo com a dos seus treinadores. Sendo alarmante o facto de o efeito da socialização ser tão forte que as orientações do treinador sobrepõem-se às orientações dos valores éticos e culturais da criança“. Paralelamente (Santos, 2008), reforça que “Greendrofer e Lewko (1978) e Weiss e Knoppers (1982) referem que, se no período da infância, a influência dos pais é determinante na vida desportiva das crianças, já no período da adolescência, 12-17 anos, essa influência decresce significativamente passando os treinadores e os companheiros de equipa, ou de actividade, a desempenharem esse papel e a marcarem decisivamente o envolvimento dos jovens na prática desportiva”. Este pensamento é corroborado por (Altair et al., 2004), descrevendo que “para pertencer ao grupo e, consequentemente, ter a possibilidade de garantir uma vaga na equipa titular, prémios, reconhecimento, dinheiro, confiança do técnico, o atleta chega a renunciar seus próprios valores morais para comungar com os valores e regras estabelecidas pelo grupo ao qual deseja pertencer”.

Também, (Almeida, 2011), defende que “é inegável a influência que o treinador exerce sobre as atitudes e comportamentos, sobre os princípios, valores, orientações e sentido de vida dos atletas”. O autor reforça, descrevendo que “com a tomada de posição do líder e a sua atitude proactiva por intermédio das regras de acção, valores e princípios que instituiu em consonância com os jogadores, faz com que todos tenham uma linha de conduta, uma linha comum de pensamento e acção, a qual permite que todos estejam devidamente orientados”. Neste quadro, Fernando Pinto, Diretor Executivo da Escola de Futebol Geração Benfica, citado por (Oliveira, 2012), descreve que a escolha dos treinadores para o projecto que lidera “passa por ter sempre em conta os seus valores humanos e a forma como os consegue transmitir“.

“Eu dou muito valor à escolaridade. É verdade que encontramos jovens com os quais não há muito a fazer, porque são muito avessos para os estudos, e enviamo-los para cursos de informática ou de idiomas, mas todos recebem educação e valores. Uma vez, um jogador disse a Johan Cruyff que ia abandonar a escola. E Johan, sem mudar o rosto, disse: “Não há problema. Deixa de estudar se quiseres”. Mas ele convocou-o para o dia seguinte, no Camp Nou, às oito da manhã. E o miúdo chega ao estádio, muito tranquilo, e encontra-se com o mesmo Cruyff que o ordena a limpar as botas de todos os seus companheiros. Após três dias, voltava para a escola.”

Albert Benaiges, citado por (Perarnau, 2011)

(…)