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Os princípios de jogo e a necessidade dos mesmos na resolução de uma situação de contra-ataque II. Agora em 3×3+GR e 1×1+GR. Mas também o pensamento divergente de David Neres. Exemplos do Benfica x Vizela.

Os princípios de jogo e a necessidade dos mesmos na resolução de uma situação de contra-ataque 2×2+GR

Momentos, Sub-Momentos e Princípios de Jogo. Um exemplo prático.

Dawn of the Dead

“A única forma de construir uma equipa é reunir jogadores que falem a mesma língua e que saibam jogar em equipa. Não se consegue atingir nada sozinho e, se o fizer, isso não dura muito tempo. Costumo citar o que Michelangelo disse: ‘O espírito guia a mão’.”

(Arrigo Sacchi)

Tal como o filme Dawn of the Dead de 1978 foi alvo de um remake por Zack Snyder em 2004, hoje assistimos no Futebol a um remake do método defensivo individual. E tal como nos filmes, estamos perante um fenómeno “morto-vivo” e os momentos de “terror” vão-se acumulando dentro do campo.

“Quem marca ao homem corre por onde o adversário quer. Essa caçada tem por fim capturar o inimigo, mas o meio usado converte o caçador em prisioneiro.”

(Jorge Valdano, 2002)

Vários treinadores e analistas defendem o regresso da defesa individual com argumentos que favorecem uma maior agressividade e capacidade pressionante das equipas e de pressão sobre jogadores considerados fundamentais na Construção e Criação adversária. Este último também ele um argumento clássico, como a responsabilização individual de quem defende, entre outros mais. Ora, jogadores e equipas que individual e colectivamente tenham essa predisposição e maior agressividade no momento defensivo podem esconder em alguns jogos ou momentos as razões para a falência da ideia. Tal como sucedeu no passado. Na actualidade, a recuperação do método também apresenta sucesso, a espaços, por ser algo diferente e inovador do que se tornou norma. Consequentemente muitas equipas não se apresentam preparadas para defrontar adversários que defendam dessa forma.

Seja na preparação de uma equipa de Rendimento, mas também em debilidades identificadas do processo formativo dos jogadores, que julgando a Defesa Individual totalmente ineficaz e mesmo, morta, determinadas decisões técnicas não confrontam os jogadores com esse género de problemas. Mas evidentemente, de forma mais basilar, este fenómeno também revela lacunas ofensivas no processo formativo não só nos princípios específicos da Mobilidade e Espaço, mas também na própria Progressão / Penetração. Por outro lado há que reconhecer que tudo o que é novidade e pensamento divergente (neste caso apenas aparentemente), trará problemas e desafios. Mesmo algo que se considerava menos eficiente e mesmo em vias de extinção.

Hoje, determinados Modelos, assentes numa Ideia de jogo posicional muito rígida e cristalizada, gerando pouca mobilidade e permutas entre jogadores apresentam natural dificuldade contra equipas que defendam individualmente adversários directos, cortando assim todas as soluções de passe, ou pelo menos as mais próximas e seguras. Naturalmente nos casos onde, individualmente, a qualidade dos jogadores é similar. Nos outros casos, potenciar duelos de 1×1, será natural que o jogador de maior qualidade impere. Um dos melhores jogadores de todos os tempos, Diego Armando Maradona citado por (Tobar, 2010), vai ao encontro desta ideia e explica que “com os anos, compreendi que eu gostava mais que me marcassem homem a homem porque me livrava facilmente deles e ficava livre. Ao contrário da marcação a zona que era muito mais complicado”. É muito provável que estivesse aí a incluir o AC Milan de Arrigo Sacchi, equipa que defrontou em Itália. Noutro exemplo, porém colectivo, a Holanda de 74, de Rinus Michels, fez verdadeiramente diferente da norma naquele momento da evolução do jogo, e entre outras qualidades, e uma das razões para o seu reconhecido sucesso, perante a enorme mobilidade com que os seus jogadores actuavam, acabou por criar grandes problemas e mesmo colocar em causa o método individual.

Segundo o autor (Jorge D., 2011) e reforçado pelas situações retratadas do AC Milan actual, quem defende com referências individuais, “em vez de se preocupar em cortar espaço ao portador da bola, condicionando assim a sua decisão e roubar a profundidade da desmarcação, decide acompanhar as desmarcações que se aproximam da baliza, pelas quais foram arrastados, originando assim o alargamento do espaço entre linhas assim como dos indivíduos da própria linha (Defesas-Centrais e Defesas-Laterais)”. Também de acordo com (Pedro Bouças, 2010), “equipa que marca homem a homem, torna-se na presa, quando o adversário abusa do princípio da mobilidade. Move-se por onde o adversário quer”.

Porém, apesar de casos de pontual sucesso, isso não quer dizer, numa visão macro do fenómeno, que métodos individuais tragam igual ou mais rendimento que métodos colectivos. Existe por vezes a tendência de afirmar que não há coisas melhores nem piores no Futebol. Tal como na vida. Mas se a realidade é complexa e não linear, e tudo tem pelo menos um limiar mínimo de diferença, então, coisas, acontecimentos, fenómenos, decisões, etc… diferentes, irão produzir resultados… diferentes. Por vezes até, e trazendo o clássico exemplo da borboleta da Teoria do Caos, produzindo resultados muito díspares perante acontecimentos aparentemente apenas ligeiramente diferentes. Se reconhecidamente estamos no âmbito de um sistema complexo e dinâmico, então estamos perante extrema sensibilidade às condições iniciais. Portanto, nos Desportos… Colectivos, tal qual vemos a sociedade em geral, um método de jogo, seja defensivo ou ofensivo, Individual e não… Colectivo, irá trazer problemas, ineficiência e ineficácia, dado o desfasamento das necessidades da realidade em causa. Tal como na sociedade. Até podemos ter sucesso pontual individual, mas não iremos subsistir a prazo enquanto espécie. Deixamos também a questão no âmbito da Ciência Militar. Será que algum General alguma vez definiu uma estratégia para um confronto assente no individualismo? Mesmo ao nível mais elementar dos exércitos, do ponto de vista estratégico ou táctico, se possível, o pensamento é no mínimo, grupal…

Nesta linha de pensamento, recuperando ideias ainda actuais, na opinião de (Pedro Bouças, 2011), “DEFENDER O QUÊ? deve ser a primeira pergunta que se deve colocar, quando se pretende definir o método defensivo. Se não há certo ou errado, garantidamente que há melhor e pior”. O autor sustenta que “a melhor resposta é seguramente, a que afirmar que se deve defender a baliza. Não o adversário. A baliza. O posicionamento defensivo que se centra no tapar o caminho para a sua baliza, é francamente melhor que aquele que pretende defender os adversários”. Johan Cruyff reconhecido pelas suas ideias ofensivas, torna expressa a interdependência dos momentos ofensivos e defensivos, ao defender que a qualidade defensiva é directamente influenciada pela quantidade de espaço que um jogador tem que defender. Deste modo, o lendário jogador e treinador holandês descreve que se um jogador tem de defender o campo todo, será potencialmente um terrível defensor, porém se defender um espaço reduzido poderá ser um bom defensor, sustando assim ser tudo uma questão de espaço! Também o treinador português (Carlos Carvalhal, 2010) reforça a ideia através da sua experiência como jogador: “fui defesa central e percebo muito bem esta posição! Mais importante que perseguir adversários e fazer carrinhos nas laterais do campo, é absolutamente necessário saber guardar o seu espaço e não permitir que qualquer adversário (não só os avançados) possa entrar nesse espaço para fazer golo.

“No segundo ano de iniciado no Braga, começámos a experimentar esta nova solução porque, tanto eu como o meu novo colega de equipa (Boticas), não éramos o protótipo do libero e possuíamos características idênticas. As vantagens eram muitas porque dividíamos o espaço: se o avançado viesse para a esquerda, eu marcava e ele fazia cobertura; se fosse para a direita, ele marcava e eu fazia cobertura. Sentíamo-nos confortáveis a jogar assim, corríamos menos e tínhamos a convicção de que era mais complicado para o avançado contrário, porque tinha os espaços bloqueados. No fundo, a grande diferença era que não andávamos atrás do avançado, ele vinha ter connosco. Começámos também a entender que, embora exigisse mais concentração no fechar dos espaços, criava muitas dificuldades às equipas que pretendiam que outros jogadores fizessem desmarcações de rutura em função da mobilidade do avançado. Era o início do entendimento do que era “Jogar à zona”. Nessa altura, comecei a perceber a importância de “fechar espaço” para quem está a defender e “criar espaço” para quem está a atacar. A relação com os laterais era também importante para fechar os espaços. Pelo facto de sofrermos alguns golos, porque o defesa do lado contrário marcava em cima o adversário e existia um grande espaço entre o defesa central e este, fui tentando ajudar a organizar as minhas defesas. (A preocupação dos treinadores com a defesa não era uma prioridade, na altura! Se cada um marcasse o seu, a defesa estava organizada — não estava ainda desenvolvido o conceito de zona). Assim, ia sugerindo aos defesas laterais que fechassem o espaço interior, quando a bola estava do lado contrário, e tentava explicar as vantagens de fechar esse espaço. Umas vezes, era entendido. Mas, muitas vezes, o receio de deixar o extremo sozinho sem marcação era tal que esta tarefa era impossível. Até porque, na altura, existia muita responsabilização individual por falta de marcação ao adversário direto. Recordo-me, uma vez, de insistir com o defesa esquerdo para fechar o espaço entre mim e ele, quando a bola estava no lado contrário. Ele ia-me dizendo, “Carlos eu fecho e, depois, o extremo fica sozinho! Se ele marca golo ou cruza, o treinador vai-me dar cabo da cabeça!” Eu lá lhe ia explicando que era mais importante fechar os espaços interiores, porque tinha sempre tempo para pressionar o seu adversário direto enquanto a bola viajava de um lado para o outro.”

(Carlos Carvalhal, 2014)

O relato de Carlos Carvalhal torna-se precioso, mas não novidade. Se nos recordarmos do Futebol que jogávamos na “rua”, sem treinadores, em regime de auto-descoberta, na interacção que estabelecíamos com os nossos companheiros e adversários, o próprio jogo ensináva-nos que o melhor caminho para defender era de forma… colectiva. E dificilmente nos ensinava outro. Havia sempre alguém que tinha assistido, ao vivo ou na televisão, a um grande desempenho de um jogador em marcação individual, ou ouvido adultos a comentar algo desse género, e como bom imitador de ídolos tal qual todos éramos, informava… “hoje marco o João que é o melhor jogador deles!”. Perante a falta de liberdade, desgaste, e condicionamento que a missão lhe proporcionava nos seus momentos ofensivos, ao fim de 5 minutos de jogo, desistia do “João” e empenhava-se em realmente… jogar. O jogo ensinava-nos então, aquando da bola na posse do adversário, que as prioridades deviam ser a nossa baliza, a bola, os espaços, as linhas de passe mais próximas, a posição dos nossos companheiros e finalmente a dos nossos adversários. Jogando sem fora-de-jogo como usualmente sucedia na “rua” e no Futsal, a única excepção seria o adversário esperto que se colocava entre o nosso último defensor e o nosso Guarda-Redes. Nesse caso esse precisava de maior vigilância.

Analisando o Futebol de uma perspectiva macro, e mesmo a evolução científica e filosófica em geral, somos levados a acreditar, que na sociedade dos adultos, impregnada pelo pensamento cartesiano, analítico, mecânico, e pelo reducionismo e atomismo clássicos, tal qual muitas outras ideias como também se torna exemplo a evolução dos métodos de treino, a defesa individual foi algo que o treinador trouxe para o jogo, numa tentativa de simplificar o complexo, de dividir o indivisível, de controlar o incontrolável, de reduzir empobrecendo… Neste enquadramento, ao contrário do que o próprio jogo nos ensinava, o treinador passou a última prioridade: os adversários, para o topo da lista. Indo mais longe, influenciado também pela clássica visão egocêntrica da realidade, na qual o homem tem que estar sempre no centro de tudo.

Mas na verdadeira realidade, a… complexa, temos como consequência a também não linearidade da evolução. Deste modo, também num contexto de esquecimento de uma história assim não tão antiga, mas fundamentalmente como vimos atrás, pela renovidade que a ideia traz ao jogo e sucesso pontual que promove, também não é de espantar estarmos, na nossa opinião, a dar um passo atrás. Esperando sempre que, à boa imagem do que tem sido até agora a história evolutiva da nossa espécie, seja para posteriormente darmos dois à frente.

O autor (Nuno Amieiro, 2004), na sua tese e livro sobre a Defesa Zona, expunha que “no seu livro, Jorge Valdano falava apaixonadamente sobre a «zona», parafraseava Menotti (“A zona é liberdade”), Maturana (“A zona faz da defesa a arte de atacar”) e deliciava-me com as descrições da «zona» inteligente, agressiva e harmoniosa do Milan de Sacchi. A «zona» de que Valdano falava aproxima-se da «zona» com que tive, pela primeira vez, contacto, aquela a que, superficial e esporadicamente, o professor Vitor Frade fazia referência nas aulas”. Neste sentido, trazemos outra ideia. A Defesa Zona, induz muitas vezes as pessoas em erro, pela interpretação literal que dela fazem. Defender Zona não implica defender só zonas ou espaços, como vimos atrás. Implica uma preocupação até maior com outras referências do jogo como a nossa baliza e a bola, e ainda outras como as linhas de passe mais próximas, companheiros e adversários. Mas acima de tudo uma preocupação pelo sistema dinâmico que o jogo representa, e dessa forma pela implicitude da interacção. Como Vítor Frade sustentou no seu projecto de Doutoramento em 1990: A interacção, invariante estrutural da estrutura do rendimento do Futebol. A Defesa Zona implica então um pensamento… colectivo. Logo, também em contra-ponto à Defesa Individual, não será mais apropriado lhe chamarmos… Defesa Colectiva?

Novamente (Nuno Amieiro, 2004), parece concordar e apresentar argumentos reforçando essa ideia ao descrever que “são três pressupostos tácticos fundamentais desta forma de organização defensiva. São estas referências defensivas colectivas que, quando correctamente perspectivadas, nos permitem obter superioridade posicional, temporal e numérica na defesa. No fundo, ao manifestar-se, a «zona» expressa:

  • Um «padrão defensivo colectivo»;
  • Complexo, é verdade;
  • Mas também dinâmico e adaptativo;
  • Compacto, homogéneo e solidário.

Serão estas «propriedades», emergentes da coordenação colectiva, a dar verdadeira coesão defensiva à equipa. Esta forma de organização defensiva revela-se, como tal, não só a mais eficaz defensivamente, mas também a que, de longe, melhor responde à «inteireza inquebrantável do jogo». Revela-se, assim, uma necessidade face à «inteireza inquebrantável» que o «jogar» deve manifestar. Não é de estranhar, portanto, que este seja o «padrão defensivo» das equipas de top”.

Arrigo Sacchi, a propósito do seu AC Milan, relata que conseguiu “convencer Gullit e Van Basten dizendo-lhes que cinco jogadores organizados seriam capaz de vencer dez jogadores desorganizados. E eu também consegui provar isto. Peguei em cinco jogadores, Galli na baliza e depois Tassoti, Maldini, Costacurta e Baresi. Do outro lado, coloquei 10, Gullit, Van Basten, Rijkaard, Virdis, Evani, Ancelotti, Colombo, Donadoni, Lantignotti e Massaro. O grupo composto por 10 elementos tinha 15 minutos para marcar contra os meus organizados. Só havia uma única regra, se nós recuperamos a bola, a outra equipa tinha de começar desde trás novamente, 10 metros antes do meio campo. Continuei a fazer. A equipa com 10 elementos nunca conseguiu marcar, nem uma vez”. Não queremos imaginar Sacchi, e mesmo Capello, a assistirem à “organização defensiva” do actual AC Milan…

“Apesar de estarmos na II Divisão, fomos o primeiro clube alemão a jogar em 4x4x2 sem libero. Vimos um vídeo muito chato, mais de 500 vezes, com o Sacchi a treinar a defesa, sem bola, com o Maldini, Baresi e Albertini. Pensávamos que se os outros fossem melhores tínhamos de perder. Depois aprendemos que tudo é possível, podemos bater os melhores usando táticas.”

(Jürgen Klopp, 2013) sobre a influência de Wolfgang Frank, que treinou Klopp no Mainz e era um admirador dos métodos de Arrigo Sacchi no AC Milan

Programa de Treino

“Independentemente das metas a que se propõe cada equipa no início de cada época desportiva, terá que existir um trabalho programado, que oriente o processo de treino desde o seu começo até ao final.”

(José Mourinho, 2001)

Iremos em breve iniciar a publicação de uma nova parte do nosso trabalho, intimamente ligada ao “todo” que vamos progressivamente construindo. A sua publicação será progressiva, exercício a exercício, objectivos e com várias variantes, até ficar completa a estrutura do Programa, ou seja, o ciclo das 4 semanas.

O Programa de Treino torna-se um desafio e uma descendência do conhecimento e experiência obtidas na investigação que vamos realizando paralelamente à intervenção directa no treino. Estas experiências trouxeram questões e fizeram crescer determinadas necessidades metodológicas visando a eficiência e eficácia do processo.

Deste modo, propomos um Programa de Treino que se constitui numa programação hierarquizada e sistematizada de temas (Momentos do Jogo), sub-temas (Sub-Momentos do Jogo) e Princípios. Procurando também atingir um nível mais profundo de operacionalização, acrescentamos ainda um conjunto de variantes para cada exercício proposto pelo Programa.

Naturalmente usámos a Sistematização do Jogo que desenvolvemos em 2015 e que continua a servir-nos no presente para mapear o jogo e a partir daí garantir vários propósitos ao processo de organização de informação, análise, planeamento e ensino / treino. Também procurámos que o Programa fosse, por um lado, suficientemente fechado para se conseguir um razoável controlo do processo de aquisição e repetição num plano macro, por outro, que também fosse suficientemente aberto para poder ser implementado com diferentes Ideias de Jogo, diferentes níveis competitivos e ainda diferentes escalões etários. Nesta lógica, no âmbito da Ideia de Jogo, será num plano mais micro que se ditarão as diferenças no contexto de cada equipa que adopte este Programa, o que não quer dizer que desse modo estas diferenças sejam menos impactantes do que uma mudança no plano macro (Organização dos Momentos, Sub-Momentos e Grandes Princípios). Recordamos que estamos perante um sistema complexo de extrema sensibilidade às condições iniciais, e como tal, tais diferenças poderão ditar Modelos de Jogo muito diferentes entre si.

“Devemos, por isso, ter em atenção os perigos de treinar só a olhar para o próximo jogo. Recentemente, um treinador partilhava comigo a dificuldade dessa gestão. Imaginem que preparamos a semana toda para enfrentar uma linha de 5 e, durante 3 semanas seguidas, vamos enfrentar linhas de 5. No final dessas 3 semanas, provavelmente, haverá coisas importantes que se podem perder. Coisas que se relacionam com outro tipo de problemas. Por isso, entendo que ao longo de todas as semanas é preciso ir cuidando do todo, para que não arrisquemos empobrecer partes importantes.”

“Fazer muita coisa com qualidade é difícil. É difícil apresentar diversidade de comportamentos bem trabalhados. Mas não é impossível. É preciso tempo, qualidade de treino e qualidade nos intervenientes. Mas teremos de estar sempre conscientes que não podemos treinar tudo. Não podemos ter tudo na nossa forma de jogar, pelo menos para quem acredita na força do pormenor. Para haver padrão tem de haver repetição e entendimento. Isso leva tempo. Temos então de escolher muito bem o que treinar e a quantidade de coisas em que queremos ser fortes. Podemos ter maior variabilidade mas menor pormenor ou ter mais pormenor e menor variabilidade. O que não podemos é ter tudo.”

(Bruno Fidalgo, 2022)

Procurando dar um exemplo, no Programa proposto, o exercício:

B-2OO2A

Semana: B

Sessão de Treino: -2

Tema / Momento do Jogo: Organização Ofensiva

Parte da Sessão de Treino: 2

Exercício: A

O tema da sessão, Momento de Organização Ofensiva estará neste exercício ligado ao momento seguinte, a Transição Defensiva, cumprindo assim o Princípio Metodológico da Articulação de Sentido. Neste enquadramento, e realizando “zoom” no exercício, este terá como sub-temas (Sub-Momentos) a Construção + Criação + Reação à perda, e ainda de forma mais específica, os Princípios o Equilíbrio defensivo em construção + Saída de jogo do GR + Decisão pelo ataque rápido + Construção pela primeira linha + Construção pelo corredor lateral. Assim, se todas as equipas terão, ao longo do jogo, que passar obrigatoriamente por estes e restantes Sub-Momentos, estes grandes Princípios também se situam na mesma lógica.

“a beleza desta forma de pensar o treino, é que no mesmo exercício nós treinamos muitas coisas e é difícil explicar o objectivo de cada exercício, já que ele é muito rico”

(José Mourinho, 2010)

Por uma via ou por outra, ou seja, através dos “comos”, os jogadores terão que saber ler, decidir e executar os diferentes Momentos, Sub-Momentos e Princípios de Jogo. Especificamente relativamente aos últimos, todas as equipas deverão cumpri-los não só para jogar bem, e em alguns casos mesmo, simplesmente para poderem… jogar, como é o caso da Saída de jogo do GR. Agora, se a equipa sai de forma aberta ou fechada, curta ou longa e de que forma(s) específica(s) (que posicionamentos?, que decisões?), o “como”, já estará dependente da Ideia específica de cada treinador. E em função do nível de liberdade permitido pela Ideia (a concepção), se este este assim o entender, da criatividade e aporte que cada jogador, tendo conta a bagagem que possui (a qualidade) possa acrescentar ao Modelo (o real). No mesmo exemplo, o mesmo sucede com o Equilíbrio defensivo em construção e de que forma ele é garantido. Também a Decisão pelo ataque rápido e em que circunstâncias a equipa deve (ou simplesmente não deve) decidir acelerar a progressão e tornar-se mais vertical e agressiva na procura de chegar ao Sub-momento de Criação ou mesmo à baliza adversária se existir essa possibilidade. No mesmo sentido, de que forma, e que variantes adopta na Construção pela primeira linha, podendo, por exemplo, o objectivo ser chegar ao espaço entre-linhas e ao Sub-Momento de Criação, ou então atacar imediatamente a profundidade (o espaço entre a última linha adversária e o seu GR) em passes mais longos verticais saltando assim o momento de Criação para se chegar de imediato à Finalização, ou ainda procurar a variabilidade e explorar ambas as soluções. E finalmente que posicionamentos e decisões se pretendem para a Construção pelo corredor lateral, se é desejada por exemplo em combinações curtas, se em passes mais longos, que variabilidade, se é garantida mobilidade e trocas posicionais e quais as circunstâncias para a equipa o fazer, se procura atrair o adversário fora, para depois procurar a progressão por dentro ou variar o corredor lateral, etc, etc.

Como vemos, emergem ilimitadas possibilidades de configurar a equipa de acordo com a Ideia e até ligá-la ao plano estratégico num contexto de rendimento ou próximo. Podemos então afirmar que as diferenças de equipa para equipa não se situarão no que fazer, mas sim no como o fazer.

“(…) os «exercícios», em si mesmos, têm pouco valor. Têm unicamente informação potencial. A ênfase que eu coloco nisto e naquilo enquanto o «exercício» acontece, o modo como eu ligo isto com aquilo e a articulação entre «exercícios», são os aspectos mais importantes e os mais difíceis de dominar. E dependem exclusivamente do treinador. Por isso é que eu digo que os «exercícios» nunca são novos. Têm de estar sempre relacionados uns com os outros.”

(Vítor Frade, 1998) citado por (Nuno Amieiro, 2009)

Perante este cenário percebe-se que se trata de um desafio extremamente ambicioso e complexo, principalmente se o programa deseja ser transversal a todos os escalões etários. Contudo, acreditamos que tal seja exequível tendo em conta as ideias que vamos abordando e a especificidade do processo que idealizamos. Compreendendo simultaneamente que o exercício de treino é o elemento básico e decisivo na intervenção do treinador. Desta forma, em idades mais baixas, adotando os exercícios propostos pelo programa ou criando novos de menor complexidade, ajustando e cortando também conteúdos em função do escalão etário e tendo em conta o desejável volume de treino nessas etapas de desenvolvimento, o objectivo parece-nos alcançável. Por outro lado, nesse género de processo, serão também importantes, e em função da dimensão do Projecto de Formação, a criação de outras actividades complementares, que garantam outra riqueza e multilateralidade à formação do jovem jogador. Será um outro desafio que o nosso projecto poderá abordar no futuro.

Diversos autores e treinadores, tendo em conta o entendimento que têm do processo, defendem o trabalho semanal através de um Microciclo ou Morfociclo padrão. Independentemente do entendimento e da consequente terminologia, a grande maioria, na actual fase de desenvolvimento do Treino de Futebol, concorda com a importância da sistematização do processo, pelo menos a este nível. Tal terá sucedido, consequência da necessidade de cumprir pilares fundamentais do processo adaptativo, como é exemplo a necessidade de recuperação aos estímulos obtidos. Seja a recuperação decorrente do último jogo disputado, da última sessão de treino, ou do último exercício. Também porque diferentes estímulos pressupõem diferentes períodos de recuperação, não só do ponto de vista físico-energético como também nervoso. Como temos vindo a defender, o processo de adaptação e a consequentemente fadiga, é um todo complexo do qual se torna muito difícil distinguir a maior ou menor influência a suas diferentes dimensões.

Estamos alinhados com os autores que defendem a importância desse padrão no ciclo semanal em função, por um lado, das competições e do desgaste decorrente das mesmas, mas também pelas necessidades decorrentes do próprio processo aquisitivo. Isto, principalmente no caso dos contextos de rendimento. E concordamos também com a visão de Vítor Frade que se materializou no Morfociclo. No entanto sentimos idêntica necessidade de encontrar outro ciclo a maior prazo, que além de salvaguardar as necessidades referidas, também promova uma repetição sistemática de temas tendo em conta a complexidade do jogo, a sua especificidade, a sua lógica acontecimental e determinada cultura que se pretende alcançar, que por sua vez deverá estar alinhada com os princípios fundamentais e específicos do próprio jogo.

Neste enquadramento, pegando no ciclo semanal que vínhamos a desenvolver, o qual já garantia em cada Sessão de Treino protagonismo a um Momento do Jogo diferente, sendo que, como vimos atrás, em cada Exercício esse Momento estaria pelo menos ligado ao Momento imediatamente antes ou imediatamente seguinte de forma a cumprir o Princípio da Articulação de Sentido, chegámos a uma proposta programática de um ciclo de 4 semanas. Deste modo, procuramos promover uma diferenciada densidade de temas em função da sua importância no jogo, mas também que permita uma repetição e consolidação ao longo da época, a qual poderá ser gerida de forma progressiva ou regressiva tendo em conta a avaliação que se vai fazendo do processo. E para tal, como também vimos atrás, o Exercício é o principal meio que o treinador possui, neste e em qualquer outro processo, para garantir essa operacionalidade. No entanto, como Frade defende, por si só o exercício tem pouco valor. Para além da sua eficácia relativamente ao seu propósito e em função disto, da sua lógica interna, torna-se também fundamental que interaja com o “ecossistema” em que actua, por exemplo, com os exercícios da restante Sessão de Treino, com o Ciclo Semanal, com o Ciclo Programático das 4 semanas e com o Ciclo Anual. E no caso do Futebol de Formação, também com os Ciclos Anuais anteriores e seguintes, ou seja, o Ciclo Plurianual.

Assim, na perspectiva do ciclo semanal de um momento competitivo, defendemos os dias de dominância dos Momentos de Transição no início da semana e os de Organização nos treinos -3 e -2, ou seja um ciclo semanal com competição ao Domingo, as Transições seriam Terça e Quarta e as Organizações Quinta e Sexta. Esta lógica foi encontrada pela observação e experiência sobre o género de exercícios que defendemos dedicados a cada um destes Momentos, tendo em conta os regimes que exacerbavam, a complexidade dos mesmos, portanto, a fadiga promovida e os dias subsequentes de possível recuperação. Sendo verdade que podemos manipular a grande maioria dos exercícios de forma a atingir tais regimes a determinado dia da semana, por outro lado, estaremos desse modo, novamente a trabalhar na lógica de periodização física, dado que será essa a prioridade que estamos a dar ao nosso processo de planeamento. Desse modo, esse género de manipulação também tenderá a afastar o exercício do seu contexto e especificidade ideal, podendo daí resultar menos impacto naquilo que é realmente importante para nós: o comportamento desejado, seja ele de objectivo dominante de posicionamento, decisão ou execução.

Continuando a explicação, os dias dedicados às Transições serão alternados a cada semana, ou seja, na Semana A a Sessão -5 será dedicada à Transição Ofensiva enquanto a Sessão -4 à Transição Defensiva. Na semana seguinte é invertida a sequência de forma a possibilitar, a ambos os Momentos, diferentes níveis de complexidade e diferentes géneros de exercícios e consequentemente outro nível de desgaste. O mesmo se passa com as Organizações. Se na primeira semana, na Sessão -3 o tema dominante é a Organização Ofensiva, no -2 é a Organização Defensiva. Na semana seguinte, o inverso. Deste modo, no Programa, ou seja, no ciclo das 4 semanas, teremos sempre 2 treinos no mesmo dia para cada Momento.

O treino -1, para as equipas que o contemplam na sua estrutura semanal (níveis de rendimento semi-profissional e profissional, e pré-rendimento de clube profissional), será para nós dedicado a questões emocionais, de plano micro, estratégicas e de possível reforço às situações de bola parada.

Sublinhando que este Programa surgiu por necessidade prática, estamos convictos que pode ser um upgrade ao processo metodológico. Não só do ponto de vista da eficiência do mesmo, como da sua eficácia. Para os treinadores que estão à procura de uma orientação, mas também para colocar questões aos que já têm o seu processo definido. Acreditamos então que este pode ser um passo decisivo na evolução da intervenção do treinador.

“Agir local, pensar global.”

(Silveira Ramos, 2004)

Três ideias (exercícios) para desenvolver a circulação de bola em largura [Subscrição Anual]

Voltamos a publicar ideias, sob forma de exercícios de treino, que têm por objectivo o desenvolvimento do momento de organização ofensiva do jogo. Desta vez, em alternância à profundidade, estaremos à procura de desenvolver a largura no jogo da equipa. Não só ao nível posicional, mas neste caso concreto, pela circulação da bola entre dois ou os três corredores de jogo.

Como temos vindo a referir, a posse e circulação da bola, salvo raras excepções, não pode ser um fim em si mesmo. É no fundo um meio para atingir outros objectivos, quer ofensivos, quer mesmo defensivos. É fundamentalmente por essa razão que Guardiola declarou “odiar o tiki-taka”. É também por essa razão que (Luís Castro, 2017), também afirmou que “a posse de bola não é um objectivo, é uma consequência… do meu jogo”. Do ponto de vista ofensivo, (Pedro Bouças, 2017) dá um exemplo, explicando que “fazer desmoronar um adversário de qualidade tem também muito a ver com o tempo que o fazes correr”, sendo que para tal, é mais fácil consegui-lo pela circulação à largura do que na profundidade. Na sequência do mesmo exemplo, (Azevedo, 2011), explica: imagine-se que um treinador quer implementar na sua equipa a posse e circulação de bola como um comportamento/princípio no momento de organização ofensiva. Ele pretende que essa circulação de bola seja feita em toda a largura do campo, jogando de uma forma apoiada com passe curto e seguro, à procura de espaços para desorganizar a equipa adversária”. Mas o autor vai mais longe e explica que a partir de uma ideia, o jogo da equipa e as características dos jogadores devem permitir que a ideia inicial, ou seja, o Princípio, seja aberto a eventuais novas formas de o atingir. Na mesma linha de pensamento surge a treinadora (Gomes, 2011), sustentando que “com Organizações (entenda-se princípios) diferentes temos equipas diferentes. Contudo, todos percebemos que as características dos jogadores são decisivas na configuração dos princípios de jogo. Não nos princípios mas no modo como esses princípios se desenvolvem e expressam“.

Também o autor (Maciel, 2011) defende que a um nível mais micro, o qual denomina de SubSubPrincípios, surgem “aspectos mais micro, aspectos de pormenor à priori desconhecidos, uma vez que surgem pela dinâmica do processo e emergem sobredeterminados pelos níveis de maior complexidade, ainda que sem perda de identidade ou singularidade. Por serem desconhecidos à priori eu não os posso, nem devo estabelecer previamente, são particularidades que vão surgindo e que eu tenho de saber aproveitar para alimentar e exponenciar o crescimento do meu jogar, que não perdendo as formas do esboço inicial, vai assumindo uma configuração ao nível do pormenor que é única. Tem de haver muita sensibilidade e receptividade da parte do treinador, no sentido de aproveitar estas emergências de pormenor. Quando refiro receptividade quero dizer abertura, pois só isso permite que eu aproveite e tenha disposição, para partindo das minhas ideias rentabilizar e explorar os acrescentos que o envolvimento me trás a tais ideias“.

Deste modo, a criatividade tem aqui um papel preponderante. Quando o jogador, ou a equipa encontra uma nova solução para resolver o problema, que o treinador não antevia quando definiu o Princípio. Regressando ao exemplo, Azevedo descreve que o treinador transmite a ideia, vai trabalhando e percebe que há um jogador que apresenta uma boa leitura/visão de jogo aliada a uma qualidade e precisão no passe longo. Então, o treinador pode aproveitar essa característica porque através dessa precisão no passe longo, o jogo tornar-se-á mais rápido. Por isso, através da alternância entre passe curto e passe longo, a velocidade da circulação de bola pode ser muito maior. Poderá aproveitar toda a largura do terreno e criar maiores desequilíbrios na estrutura defensiva do adversário”.

Mas (Maciel, 2011) ressalva que ““importa referir que essas emergências de pormenor não são só aspectos a exponenciar, não raras vezes constituem-se como aspectos a recusar, e eu tenho que ter sensibilidade para perceber que em determinados contextos e situações os princípios têm de ser fins. Como tal poderei ter necessidade de fechar, mas só o devo fazer a partir do que depreendo do processo e dos contornos que este vai assumindo no aqui e agora e não à partida. Se o fizer à partida, corro o perigo de cair na vertigem de treinar sobre carris. Parto do pressuposto que os jogadores me podem dar tudo, em termos de detalhe, o que entendo ser necessário para jogar o meu jogar com qualidade, se verifico que há coisas que tenho de ser eu a regular externamente porque eles não o fazem ou ainda não fazem, ok, aí o princípio (subsub) passa a ser fim, mesmo que possa não ser de forma permanente mas temporária e transitória. Cruyff diz que a melhor forma de ensinar não é proibindo, mas sim guiando, eu concordo totalmente mas acrescento que por vezes para guiar se torna necessário proibir. Mas a regulação do trânsito, que é a funcionalidade da equipa vai se fazendo, sabemos o sentido a dar ao caminho e vamos colocando sinalização conforme para que o caminho permita uma boa fluidez, por vezes colocamos sinais proibidos generalistas, outros só a peões, outros só para bicicletas, outros para pesados… e quando percebemos que o trânsito está a ficar regulado à nossa imagem podemos tirar sinalização, porque pelo hábito já se tornou funcional“.

“Adoro a regra
que calibra a emoção,
apaixona-me a emoção que não se nega
a levar a regra à correcção.”
(Frade, 2014)

Os três exercícios apresentam uma lógica progressiva, nomeadamente na sua dimensão estrutural:

Exercício 130 | Circulação de bola aos dois corredores laterais sem oposição (exercício grupal)

Exercício 128 | Pontuar em variação de corredor (exercício grupal ou intersectorial)

Exercício 129 | Jogo colectivo em variação da metade vertical do campo (exercício intersectorial ou colectivo)

Ainda o “Bacalhau à Brás”, os princípios de jogo numa perspectiva histórica, a recusa da defesa individual e nova passagem pela… intensidade

Se em artigos anteriores falávamos do pensamento disruptivo que alguns autores estão a trazer ao Futebol, o artigo O Futebol e o Bacalhau à Brás: A falácia dos princípios de jogo de Nuno Amado, o autor do blogue Entre Dez é mais um excelente exemplo e veio no mínimo lançar a discussão sobre um tema considerado sagrado no ensino e treino do Futebol. Como tantas vezes a história nos demonstrou, os paradigmas serão sempre muros a transpor no trilhar da evolução. Portanto, mesmo conceitos aceites pela generalidade das pessoas, nas quais logicamente nos incluímos, tenderão a ser substituídos por teorizações mais complexas, e dessa forma mais próximas da realidade, sem contudo nunca a conseguir reproduzir na sua totalidade. Arriscamos que a compreensão que toda a complexidade que o Universo nos proporciona será o derradeiro desafio com que a humanidade se confrontará, o qual eventualmente perderá.

Assim sendo, os princípios do jogo defendidos no trabalho que Carlos Queiroz realizou em 1983, desenvolvidos a partir das obras de Friedrich Mahlo e Leon Teodorescu em 1977, procuraram teorizar uma realidade complexa – o jogo de futebol – que como qualquer outra teoria e paradigma, encontraria mais tarde ou mais cedo limitações. Na sua génese, Teodorescu definiu que os princípios “constituíam regras de base segundo as quais os jogadores dirigem e coordenam a sua actividade – consideradas individualmente e em colectivo – durante as fases”.

Ainda o "Bacalhau à Brás", os princípios de jogo numa perspectiva história, a recusa da defesa individual e nova passagem pela... intensidade - Análise sistémica do jogo: Fases e Princípios de jogo, original de (Queiroz, 1983).

Análise sistémica do jogo: Fases e Princípios de jogo, original de (Queiroz, 1983).

Olhando para a evolução do próprio jogo, a mesma condiciona o transfer entre os princípios e a realidade do jogo. Houve com certeza um momento primitivo no jogo onde jogadores e treinadores não apresentavam consciência para os próprios Princípios Fundamentais do jogo: recusar inferioridade numérica, evitar igualdade numérica e criar superioridade numérica. Jogava-se com total ausência de consciência táctica. Pensamos, no dribbling game ou no kick and rush, nos quais, por exemplo, os princípios específicos do ataque, à excepção da progressão, seriam inexistentes. Naturalmente, o conhecimento do jogo evoluiu e do ponto de vista teórico os princípios fundamentais tornaram-se muito curtos para sustentar o jogo das equipas. Os Princípios Específicos ganharam importância e o trabalho teórico de Queiroz foi aplicado com sucesso pelo próprio nas selecções jovens portuguesas. Potenciou um número invulgar de talentos até esse momento e consequentemente, os desempenhos das equipas levaram mesmo a títulos inéditos futebol de formação português.

Hoje, com a enorme evolução da organização defensiva das equipas, surgem novos desafios ao momento ofensivo, por forma a desorganizar quem defende. E neste novo quadro, como Nuno Amado evidenciou, os quatro princípios específicos são insuficientes para resolver muitos problemas, nomeadamente no sub-momento ofensivo de construção. Isto se os interpretarmos no seu sentido literal, o que até parece acontecer com muitas personagens e equipas que fazem da progressão e do jogo vertical lei, as mesmas que com essa filosofia confundem o “fazer rápido”, o “fazer muito” e a agressividade com a verdadeira intensidade do jogo de futebol, que como já defendemos, é uma intensidade táctica. Contudo, na sua obra o próprio Leon Teodorescu ressalvou a importância da “manutenção da posse de bola. Respeitar este princípio significa evitar o risco irracional, presente nalguns jogadores, através do qual se perde o esforço colectivo dos companheiros. Se as acções individuais ou as combinações tácticas utilizadas na preparação do ataque não resultam, recomenda-se que as mesmas se retomem calmamente e não numa aventura”. Portanto Teodorescu leva-nos a uma interpretação dos princípios de jogo. Já Francisco Silveira Ramos, em 1996, considerava que os princípios “constituem uma forma ordenada e extremamente rica de orientar a acção dos jogadores, generalizando de forma abstracta, um conjunto de regras de natureza táctica, que permitem uma adequada intervenção nos diversos casos concretos que o jogo coloca”. Silveira Ramos, com ideias também à frente do seu tempo, sublinha o seu carácter abstracto perante a realidade e posiciona-os, não como condicionadores, mas como orientadores dos jogadores. Assim, esclarece desde logo que quem comanda é sempre o jogador.

Talvez pelas limitações conceptuais que aqui constatamos, deparou-se a necessidade de evolução da teorização e modelagem do jogo. Surgiram princípios operacionais, comuns a diversos Desportos Colectivos, que procuravam objectivos comuns nos diferentes jogos. Porém na busca de uma ainda maior complexidade e especificidade, adaptado de Guilherme Oliveira, citado por (Esteves, 2010), emergem os Princípios Culturais. Estes são caracterizáveis numa equipa, região, país, etc., observáveis na forma como uma determinada equipa joga. Portanto, estes princípios são variáveis em função de cada modelo de jogo, emergindo como regularidades nos quatro momentos do jogo. O autor (Maciel, 2011) reforça que estes princípios “são padrões de intencionalidade relativos ao jogar que sustentam os critérios expressos pelas várias escalas da equipa (individual, sectorial, intersectorial, colectivo), e que ao se manifestarem com regularidade lhe conferem identidade e funcionalidade nos vários Momentos de Jogo. São portanto ideais de interacção (cooperante e conflituante) que acontecem em termos probabilísticos”. Dependem assim, como o próprio nome indica, das bases culturais e consequentemente das ideias do treinador, do contexto da equipa, do clube e da própria região onde o jogo é praticado. Tem sido a partir os princípios culturais que o futebol tem evoluído nos últimos anos.

Mas mesmo afastando uma interpretação no seu sentido literal, a problemática dos princípios específicos do jogo permanece para nós relevante. Apesar da sua limitação em cobrir todo o jogar das equipas, são eficazes a resolver muitos dos seus problemas. Talvez por isso e pelo seu carácter inovador quando Carlos Queiroz os apresentou, que o seu ensino tornou-se obrigatório nos cursos de treinadores e licenciaturas em Educação Física e Desporto. Segundo (Queiroz, 1983) as formas reduzidas do jogo com que as crianças jogam em contextos informais levam à aquisição dos princípios, tornando-se essas formas um meio fundamental de ensino do jogo. Deste modo, no contexto puro do Futebol de Rua, o mesmo ao ser vivenciado em volume, ensinará então o jovem praticante, por exemplo, no momento defensivo, a colocar-se entre o adversário e a sua baliza (contenção), ensinará um companheiro a garantir uma ajuda para o caso da contenção ser ultrapassada (cobertura defensiva), trará um terceiro companheiro para centro de jogo caso o adversário também faça o mesmo (equilíbrio) e propiciará, caso a situação não esteja controlada a que os restantes companheiros se juntem a defender (concentração). No fundo, o jogo ensina valores colectivos, reflectindo a sua própria natureza colectiva. No entanto, o jogo não ensina os jogadores a defenderem individualmente os seus adversários. Não ensina de forma analítica o “cada um com um” ou o “jogo de pares”, na lógica da responsabilização individual. Se na rua alguém surgia com a pretensão de marcar o melhor jogador da outra equipa, era porque tinha assistido ou ouvido tal comportamento de um adulto. Contudo, aos 5 minutos de jogo a sua atenção já estaria em coisas mais importantes… como a bola e o espaço, em função da bola, da sua baliza e dos seus companheiros. Assim, é nossa convicção que à imagem da Periodização Física, a marcação individual como método de jogo defensivo foi também um erro que o homem, influenciado pelo pensamento cartesiano e analítico, introduziu no jogo e no seu treino como forma de o melhor compreender, avaliar e controlar, realizando o exercício impossível de tornar simples o complexo. Consequência destas ideias, as equipas tornavam-se, como Valdano apontou, reféns do adversário, como Amieiro descreveu, desorganizadas quando recuperavam a bola e nós acrescentamentos individualistas e pouco solidárias num jogo, que recorde-se, é de natureza colectiva. Perante o exposto, estas ideias não cumprem então os princípios específicos defensivos do jogo, e consequentemente, os fundamentais.

Cabe-nos portanto a missão de interpretar os princípios específicos e criar princípios culturais para que estes, mesmo que de forma abstracta, possam acompanhar a evolução natural que o jogo vai vivenciando. Aplaudimos ainda reflexões como a de Nuno Amado, que põem em causa o status quo do actual conhecimento, obrigam a pensar, levantam a discussão, potenciando assim a evolução.

“Adoro a regra

que calibra a emoção,

apaixona-me a emoção que não se nega

a levar a regra à correcção.”

(Frade, 2014)

“O importante não são os números, mas sim a dinâmica da equipa.”

Na conferência de imprensa da selecção portuguesa, João Mário foi ao encontro de uma ideia defendida por nós. À luz do seu conhecimento do jogo, o jogador português descreve que cada vez dá menos importância aos “números”, portanto aos sistemas, e que tacticamente, o mais importante é a dinâmica que a equipa manifesta.

Dada a natural evolução táctica que o jogo apresentou, a estrutura posicional da equipa – sistema táctico, ganhou uma importância nuclear, assumindo-se como a principal referência para transmitir e analisar a organização das equipas. Uma das razões para este facto, foram mesmo as diferentes implicações na dinâmica das equipas e consequentemente na cultura de jogo, que as diferentes mudanças estruturais trouxeram.

Contudo, tal como noutras dimensões da intervenção do treinador no jogo, esta “catalogação” estrutural, foi extremamente redutora. É hoje claro, que o mesmo sistema pode absorver diferentes dinâmicas, diferentes princípios, e até mesmo diferentes culturas e formas de compreender o jogo.

Vamos mais longe e levantamos um problema para nós óbvio quando se caracteriza de forma geral uma equipa atribuindo-lhe um determinado sistema. Já excluindo os momentos de transição e os naturais posicionamentos colectivos mais caóticos que deles resultam, questionamos qual foi o momento de jogo, se a organização ofensiva ou organização defensiva da equipa que esteve na base dessa “fotografia” da estrutura posicional do seu jogo. Isto porque nesta fase da evolução táctica do jogo, todas as equipas apresentam determinados posicionamentos no momento defensivo e outros bem diferentes no momento ofensivo. Dando dois exemplos simples, é comum vermos uma equipa atacar numa estrutura de 1:4:3:3 e defender numa estrutura de 1:4:5:1, e aqui sem caracterizar eventuais posicionamentos altos dos defesas laterais no momento ofensivo. Por outro lado, é também cada vez mais comum vermos equipas em organização defensiva num estrutura de 4 jogadores na sua última linha, e que no momento ofensivo se transforma, com a subida dos defesas-laterais e o recuo de um médio-centro, numa estrutura de 3 jogadores. E como a caracterizamos? 1:4:X:X ou 1:3:X:X? Tomando como referência apenas um desses momentos, não será isso redutor? Não serão os dois momentos igualmente importantes na organização geral e qualidade de jogo da equipa? No pontapé de saída? Mas esse até é um momento estático em que nem se está a jogar, e por outro lado cada vez surgem mais equipas a tentar fazer dele uma oportunidade para utilizarem um esquema táctico, ou seja, uma situação mais ou menos fechada trabalhada previamente, em que os jogadores assumem um posicionamento muito específico.

Por outro lado, se analisarmos os diferentes comportamentos das equipas dentro de cada um desses grandes momentos do jogo, também percebemos que as equipas a esse nível de organização, variam muito de estrutura. Por exemplo, uma equipa pode pressionar alto em determinada estrutura, mas apresenta outra quando se encontra a defender junto à sua área.

Vários autores, nomeadamente treinadores portugueses, como são exemplos José Mourinho, Jorge Jesus, Vítor Pereira e André Villas-Boas, atribuem importância ao sistema enquanto ponto de partida, ou seja, como mais um princípio. São porém unânimes em entender como decisiva a dinâmica criada a partir do mesmo. O nosso ponto é que diferentes momentos e sub-momentos do jogo, logo, diferentes princípios, diferentes dinâmicas e consequentemente diferentes… sistemas. Portanto, é redutor e irrelevante identificar determinada equipa através de um sistema.

No exemplo, provavelmente mais contundente, em 1974, um traço que marcou a Holanda de Rinus Michels e Johan Cruyff, foi a permanente troca de funções e também variabilidade posicional dos seus jogadores, nomeadamente no momento ofensivo do jogo. Como resultado, se hoje fizermos uma pesquisa ao sistema táctico da selecção holandesa presente nesse campeonato do mundo, surgem-nos diferentes estruturas com os mesmos jogadores.

Desta forma, sentimos, para a evolução teórica do jogo, e uma vez mais indo ao encontro da sua natureza complexa, ser importante evoluir para outra caracterização das equipas, pois a actual forma, para além de redutora, é consequentemente um problema para os treinadores, analistas, e naturalmente para os jogadores.