A entrevista de Kökçü, mas em… bom. Bruno Fernandes exemplifica.

“As premissas são fundamentais para uma equipa ganhadora: primeiro está a equipa, depois a equipa e só depois… a equipa; nenhum jogador está acima do colectivo; o aproveitamento do talento individual faz todo o sentido, desde que este beneficie o colectivo; os jogadores são todos diferentes, contribuem para o colectivo de forma diferenciada mas esse contributo visa sempre os interesses colectivos; a organização colectiva é o pilar fundamental no sucesso.”

(Carlos Carvalhal, 2010)

Na polémica recente entrevista de Orkun Kökçü, a qual para já lhe valeu por decisão de Roger Schmidt a ausência da convocatória no último jogo, o jogador turco procurava manifestar alguns sentimentos e opiniões sobre as funções que tem desempenhado na actual equipa do Benfica. Muito haveria a reflectir sobre tudo isto, desde a liderança, a coesão e o entrosamento da equipa e a sua involução perante o desempenho que mostrou em grande parte da época passada, a intenção prévia – a Ideia e o que de facto se passa – o Modelo, as reais funções de alguns jogadores, as diferenças culturais entre o campeonato holandês e o português, entre outra infinidade de temas que nos são visíveis. No entanto, haverão muitos mais que ficam para lá do que nos é possível observar, e sendo uma equipa um sistema complexo, qualquer deles pode ter sido decisivo para que o actual contexto e desfecho tenha sido este. Deste modo, uma opinião sólida sobre o problema Kökçü parece-nos muito arriscada e com grande potencial de falibilidade.

Porém, num plano geral, incontornáveis tornam-se o conteúdo e a forma como a entrevista foi dada, uma vez que não nos parece que o problema tenha sido a tradução. E não o timing como várias vezes já foi referido. Até porque damos o exemplo de outra entrevista de timing idêntico, em que toca no contexto de uma equipa que apresenta ainda menor rendimento e simultaneamente maior investimento. No entanto, nesse caso as ideias são passadas de forma clara e respeitosa perante a liderança do seu treinador e clube. Mas a maior coincidência serão mesmo os actuais papéis e características idênticas dos dois jogadores nas respectivas equipas. Pese a relatividade da comparação. Referimo-nos à entrevista de Bruno Fernandes, publicada nestes dias no jornal A Bola.

À pergunta de Luís Mateus sobre o actual papel de Bruno Fernandes como Avançado, por vezes sozinho até, o jogador portugês refere:

não é a falso 9. Não faço esses movimentos. Os que faço não são de um falso 9 porque não estou muito habituado. Tento ao máximo fazer aqueles movimentos que o treinador quer. Ele também me pede para baixar, porque as minhas qualidades não são de estar ali na última linha e lutar com os centrais, embora possa e tente fazê-lo ao máximo quando é preciso e a equipa necessita. Já joguei, no entanto, sobretudo na época passada com o mister Ten Hag, mais baixo. Inclusive, contra o Everton, joguei a 6 e ainda acho que foi dos jogos mais completos que fiz, a todos os níveis. A nível do passe, da organização de jogo, defensivo, táctico… Tenho um pouco na minha cabeça que vou acabar a carreira mais para trás, porque toda a gente que aí começou e passou para 10 acabou por recuar no campo no final. É uma posição de que gosto, jogar mais baixo, mais de frente para o jogo. Com bola, facilita muito o meu jogo porque tenho uma visão mais ampla do jogo e ideal para aquilo que falámos do último passe… que pode, por vezes, sair de mais baixo no terreno. O jogo com o Everton foi aquele em que mais ocasiões de golo criei mesmo jogando mais baixo e não jogando como 10.”

(Bruno Fernandes, 2024)

Sublinhamos o elogio a Bruno Fernandes. Já no passado, em várias entrevistas, mostrou na esfera do consciente a riqueza do seu conhecimento do jogo. O tal saber sobre o saber jogar, o apetite pelo conhecimento e a importância que dá a tudo isso para se tornar melhor jogador e contribuir para uma melhor equipa. No final da entrevista acaba por referir isso mesmo. E independentemente de abordar o actual jogo do Manchester United, o seu papel e as suas características, fê-lo sem desrespeitar a liderança do seu treinador.

Com a evolução que o jogo e os jogadores manifestaram, actualmente não é admissível esperar e exigir dos jogadores total silêncio sobre a visão dos seus papéis, respectivas equipas, expectativas, ideias e até evolução do jogo. Se no passado eram alvo de crítica pela ausência, precisamente, de pensamento crítico, hoje, a condenação do mesmo não será coerente, nem será esse o caminho para a evolução das equipas e do jogo. Aliás, era precisamente esse o elogio que o selecionador português realizava num excerto de uma entrevista que publicámos há alguns dias atrás relativamente ao que encontrou no jogador português. E tal como Bruno Fernandes o demonstra.

Desta forma, neste momento o desafio é colocado à liderança de treinadores e clubes. Contudo, não no sentido da autocracia e autoritarismo. Mas sim pela construção de uma liderança pela competência, pelo exemplo, integrada, servidora, transformacional, mas claro, justa e assertiva. Até porque, também de acordo com diversos treinadores e autores, cremos que será nesse tipo de relação e contexto que será não só possível retirar o máximo potencial dos jogadores, mas também proporcionar o ambiente ideal para que emerja a criatividade. E que eduque e balize, o conhecimento e a comunicação dos jogadores com o exterior, até porque daí também se podem recolher dividendos. Hoje um jogador também é mais valorizado quando demonstra o conhecimento que por exemplo Bruno Fernandes demonstra. Uma vez mais, estamos perante um sistema complexo, onde em qualquer dimensão podemos acrescentar ou subtrair, tendo em conta a meta que almejamos: o rendimento.

“A geração que está, e quando digo geração estou a pensar nos que têm 17 e 39 anos, é formada por jogadores com cultura táctica tão grande que quando falam é uau! É incrível. Têm uma linguagem, conhecimento e uma mentalidade completamente diferente.”

(Vítor Matos, 2024)

Agora, algo que dificilmente retrocederá será a evolução que, o contexto geral e os jogadores em particular registaram. Não são por acaso as palavras de Roberto Martínez e não será também por acaso o actual sucesso do jogador português no panorama do Futebol Mundial e consequentemente a riqueza de qualidade individual que a nossa selecção neste momento dispõe. E sublinhamos: perante um país pequeno do ponto de vista populacional, dos seus recursos e com vários problemas e desafios sociais pela frente.

“A nossa matéria-prima é aquilo que temos entre as orelhas.”

(Agostinho da Silva)