Competência do treinador [Subscrição Anual]

“A sorte é quando a competência encontra a oportunidade.”

(Elmer Letterman)

 

 

Publicamos um novo tema. Desta vez publicamos sobre a Competência do Treinador. Por vezes algo pouco claro e abstracto, aqui procuraremos identificar o que de facto traz competência a um Treinador de Futebol.

O tema Competência do Treinador, no nosso trabalho, situa-se em:

Este tema é constituído pelos seguintes capítulos:

  1. A sorte na competência ou… a competência na sorte?
  2. Uma missão concreta, porém… desafiadora
  3. Compreender a tão aclamada… competência
  4. As qualidades que alicerçam a competência
  5. A competência enquanto um todo complexo
  6. A competência, o rendimento e o resultado
  7. A competência e a comunicação

Deixamos alguns excertos do tema Competência do Treinador.

Perante tal complexidade do fenómeno, engana-se redondamente aquele que pensa que a função do treinador de Futebol é básica e simples, como por vezes assistimos nos meios de comunicação social. Em determinada fase da evolução do jogo, estava mesmo difundida a ideia errada de que o treinador era apenas uma mera peça na “engrenagem” da equipa, dependendo o seu trabalho de forma quase exclusiva da qualidade dos seus jogadores, e que podia facilmente ser substituído por outro seu par. Os autores (Jordi Urbea, et al., 2012), descrevem que “Pep Guardiola e o Barça, e Mourinho e o Real Madrid deram importância ao que representou Helenio Herrera relativamente à forma de influenciar e revolucionar o mundo dos bancos de suplentes. Não foram os únicos, mas a sua projecção mediática ajudou a que hoje já não se olhe para um técnico como uma pessoa que fala em público e coloca onze jogadores em campo. Não. Agora entendemos que os mesmos jogadores alcançam resultados diferentes com treinadores diferentes. Teria o Barcelona ganho seis títulos na mesma época sem Guardiola? Teria o FC Porto sido capaz de ganhar a Liga dos Campeões sem Mourinho? Teria a Espanha ganho o Mundial sem Vicente del Bosque? Ou o Europeu sem Luis Aragonés? Não, seguramente que não”. Assim, ao longo de várias décadas, acentuando-se nos últimos anos, assistimos a lideranças técnicas de enorme sucesso que transformaram equipas, até aí sem sem grandes resultados desportivos, em equipas históricas, sublinhando assim a importância do treinador no Futebol.

(…)

Neste sentido, os autores (Maria Brandão, et al., 2009) referem que “alguns autores (Brandão & Valdés, 2005) complementam, afirmando que treinar desportistas requer um planeamento meticuloso, criativo, reflexivo, com uma filosofia sólida, amor pelo desporto e ser capaz de conhecer as diferentes características psicológicas e comportamentais dos membros do grupo. Em suma, o treinador é o ponto de equilíbrio entre dois tipos de unidades, a organização ou clube a qual deve cumprir as suas exigências em termos de produção e rendimento e, os atletas, os quais precisa de influenciar e motivar, assegurando-se de que as suas necessidades e aspirações são atingidas e de que estão satisfeitos com a sua participação na equipa ou organização (Cruz & Gomes, 1996). Deste ponto de vista, fica claro, que é preciso que o treinador ou líder seja sensível, não só às exigências da tarefa, mas também às pessoas envolvidas”. Os mesmos autores, acrescentam ainda que “estudos realizados por pesquisadores da The Ohio State University, nos Estados Unidos da América, sobre o comportamento do líder bem-sucedido perante o seu comportamento, apontam que os líderes mais eficientes são aqueles que propiciam a manutenção e realização dos objetivos comuns de sua equipa de trabalho nas duas dimensões comportamentais de liderança: execução de tarefas e relações sociais (Simões, 1994; Simões et al., 1993)”. O treinador Gérard Houllier em (UEFA.com, 2012), explica que “para nos tornarmos médicos temos que tirar o respectivo curso. Para se ser um professor é preciso treinar. Para se ser engenheiro é preciso treinar. Ser treinador é um trabalho à parte. É preciso treinar e gerir a nossa equipa e também é preciso treinar o staff técnico que está por detrás da equipa, o staff técnico e o staff médico, por vezes até a equipa administrativa ou de análise de jogos. Um treinador é um gestor, um líder e um treinador no terreno de jogo”.

(…)

Um jornalista não identificado, aponta ao autor (Nuno Pinho, 2009), existirem três dimensões que me parecem vitais:

  • conhecimento do jogo nas múltiplas acepções,
  • o domínio do treino em vista ao modo mais eficaz de reproduzir as suas consequências no jogo e
  • capacidade para liderar, na qual tem lugar decisivo a capacidade de comunicar (para dentro e fora do grupo).

Esta é uma visão na qual nos revemos, não só pelo conteúdo de cada dimensão, mas antes ainda pelo próprio conceito “dimensão“. Procurando ir mais fundo, no domínio da função do Treinador, portanto no domínio da sua competência, podemos então destacar três grandes áreas. Uma composta pelo auto-conhecimento e domínio de si próprio em usufruto das «relações humanas» que estabelece com a equipa e com o seu meio envolvente, as quais se constituem nas suas relações de Liderança. Outra, composta pelo Conhecimento do Jogo que possui, a sua sistemática, história e contexto cultural. Todo este conhecimento para convergir numa Ideia de Jogo rica, que traga à equipa organização, mas que simultaneamente não a torne mecânica e incapaz de dar resposta à aleatoriedade e caoticidade do jogo. Por outro lado, uma Ideia, que tenha também em conta a sua adaptação ao tal “espaço” / contexto e “tempo” / evolução do jogo. Por último, uma outra composta pelo conhecimento e desenvolvimento de uma Metodologia, portanto, uma forma rentável de trabalhar nas sessões de treino, para que a equipa e todas as suas sub-estruturas, adquiram a Ideia / Organização / forma de jogar. Tudo isto, para que um derradeiro objectivo se concretize: “jogar bem”, e que o mesmo se manifeste com regularidade. Assim, em concordância com estas ideias, enquadramos:

  • As relações humanas no contexto da gestão de Equipas, Empresas e outras organizações similares, na dimensão: Liderança;
  • A forma como, uma equipa técnica, transmite ideias à equipa e desenvolve todo o trabalho técnico no clube, na dimensão: Metodologia;
  • O conhecimento da modalidade, dos seus contextos culturais e fundamentalmente do próprio jogo. Conhecimento esse que consubstancie uma organização teórica do jogo para a equipa, ou seja, uma concepção táctica-estratégica que procure aproximar a equipa do sucesso, na dimensão: Conhecimento do Jogo.

(…)

“(…) a competência do treinador exprime-se pela capacidade de encontrar uma forma racional de organização do treino numa situação real e traduzi-la num programa concreto (Verchoshanskij, 2001c).”

(Jorge Braz, 2006)

(…)

Dimensões da intervenção do treinador e Modelo de Jogo.

(…)

Assim sendo, torna-se importante clarificar que a competência é algo mais, ou melhor, anterior ao resultado desportivo. E que rendimento pode não significar resultado. Não só o resultado do processo de um treinador é naturalmente dependente do contexto, ou seja, dependente da qualidade dos jogadores e da estrutura envolvente, como também é influenciado por condições externas ao processo, praticamente impossíveis de controlar pelo Treinador. O melhor exemplo será a qualidade dos adversários. Ninguém compete sozinho. Por outro lado, o próprio resultado é relativo. Diferentes equipas e mesmo clubes, terão certamente objectivos mais ou menos diferentes entre si. Não existem duas realidades exactamente iguais.

(…)

“[Um bom treinador] é em primeiro lugar, um gestor de conhecimento. Tem de se dizer isto, porque nós vivemos na sociedade do conhecimento. Uma pessoa que saiba organizar e organizar-se. Se sabe que vai treinar pessoas e não objectos, deve organizar-se mais para dirigir do que para comandar. Quem dirige põe os outros a pensar com ele, quem comanda normalmente não ouve os outros e quem ouve os outros aprende muito com eles. O treinador é especialista em humanidade.”

(Manuel Sérgio, 2017)