Tag Archive for: fadiga

Quando apenas se domina a grainha da uva e depois se quer andar na vinha e na adega a produzir vinho

“Nós hoje temos um sentimento de exaustão que é desligado do corpo, o corpo está em local incerto, está esquecido. Houve uma valorização excessiva de uma sociedade baseada no produto, na competição, na produtividade a qualquer preço e não no sentido da existência. Mais, numa sociedade neoliberal, criou-se quase uma auto-exaustão, uma auto-repressão e isso esgota as pessoas.”

(Carlos Neto, 2021)

Em primeiro lugar, não se trata de uma opinião de um cidadão qualquer. O autor da mesma é administrador de uma empresa parceiro oficial de saúde da Liga Portugal e de várias associações de futebol, portanto alguém da área da medicina desportiva e com aparente responsabilidade no nosso futebol. Assim sendo, seria então importante perceber a especificidade do mesmo e não recorrer a lugares comuns e a uma linearidade de pensamento preocupante na explicação de fenómenos que são complexos.

Naturalmente foram ditas várias coisas com as quais concordamos. Mas pelo menos uma mereceu um desacordo tal que nos levou a apontá-la. E a razão para isso passa pela contínua invasão do futebol de formação por adultos com pouquíssimo conhecimento do fenómeno, pela contaminação do jogo com áreas que se distanciam da especificidade do mesmo e pelo afastamento que o mesmo vai protagonizado das práticas que no passado produziam talento de forma brutal. Somando a isto, a condição físico-mental e até a saúda das crianças… deteriora-se. Em cima da mesa não está só a justificação dos “riscos sociedade actual” para o desaparecimento dos jogos na rua, da autonomia e respeito pela individualidade de cada criança. Há muitos adultos sedentos para se intrometerem e lucrarem com o potencial de negócio que o futebol de formação hoje emana. 

Com isto não nos referimos directamente ao entrevistado. Ele será só o último da cadeia. Referimo-nos a treinadores e dirigentes que se apresentam distantes, para não dizer outra coisa, do que o Futebol de Formação requisita. Depois temos auto-intitulados especialistas em “treino individual”, que muitas vezes não dão treinos… individuais… de futebol. Dão treinos de mecanização e robotização de gestos técnicos, de fitness, musculação e atletismo. Perante tudo isto a falta de qualidade no treino é gritante. O próprio jogo é relegado para segundo plano e a intervenção do adulto é catastrófica. Dentro e fora do campo.

No final da linha surgem outros especialistas de outras áreas, mas não de futebol de formação, a explicar que o problema está na quantidade e no volume de treinos e competições. Referem-se a treinos, de cerca de 60 a 90 minutos. Quatro, três e até duas vezes por semana, e na maior parte dos casos um jogo por semana. Um contexto de treino, e até jogo, cheio de descontinuidade, de mais tempo de adultos a instruirem e a dirigirem do que a se jogar ou praticar, e jogos de 60 a 70 minutos, os quais que com eventuais substituições, em média, potencialmente uma criança pode não jogar mais de 30 minutos. Se é que jogar…

Isto num tempo em que se lamenta o sedentarismo e a falta de actividade física nas crianças, e principalmente, como diria o brilhante Professor Carlos Neto, a ausência do jogo, esse veículo fundamental no desenvolvimento da criança.

Miguel Gouveia Brito, não sei se se recorda, quando éramos crianças, muitos de nós jogávamos futebol quase todos os dias. Muitas vezes mais do que 2 horas por dia. Em pisos muitas vezes diferentes e de rigidez e tração diferente. Em contextos de competitividade incrível. Apesar de tudo isto o género de lesões a que se refere eram raríssimas.

Miguel… o principal problema não está na quantidade do treino. Está na qualidade.

“Agora até os miúdos os fazem, sobretudo, correr, quando a sua preparação deveria ser com bola fundamentalmente. Têm apenas uma hora… Dá-lhes uma bola!”

(Ángel Cappa, 2008)

“é um dia menos contínuo do que irá ser no dia seguinte, portanto, é um dia onde tu fraccionas e tens bastantes períodos de exercitação e de recuperação.”

Exercício A-5TO3A [Subscrição Anual]

Publicamos um primeiro elemento do Programa de Treino. O exercício A-5TO3A. Lembramos que não se trata de um exercício concreto, mas de um tema numa perspectiva micro do Programa, que obedece a determinada lógica da respectiva sessão, do ciclo semanal e do programa ao nível da distribuição de conteúdos. Porém, associado a ele, publicamos também 6 propostas de exercícios concretos. Deixamos uma amostra do que ficará disponível na subscrição anual.

Deixamos alguns excertos da página do exercício A-5TO3A:

(…)

Ainda abordando a duração na sua relação com a pausa, mais concretamente, a densidade, torna-se fundamental que o(s) treinador(es) responsáveis pela operacionalização dos exercícios A-5TO3A e A-5TO3B, num ciclo semanal que sucede à competição, promovam pausas óptimas entre repetições e entre exercícios, para que os objectivos se mantenham em aquisição ou consolidação e paralelamente ajudem na recuperação e não resultem em significativo aumento de fadiga acumulada. Para tal, é fundamental a sensibilidade dos treinadores aos indicadores subjectivos de fadiga e engenho, criatividade e comunicação de forma a manipular a competitividade dos exercícios e os “quandos” e formas de os pausar. Neste contexto, de acordo com a treinadora (Marisa Gomes, 2011), jogadores em estado de fadiga, apresentam-se “contraídos, lentos e com uma enorme incapacidade para jogar com sucesso, com passes errados, com más decisões e com uma execução (drible, remate, desmarcação, etc)”. Segundo Paco Seirul·lo em (Zona Mister, 2016) um jogador fatigado apresenta “músculos tensos, menor tempo de reacção, e menor destreza mental”. Carlos Queiroz citado por (João Romano, 2007), partilha a mesma opinião ao referir “que quando uma equipa tem de enfrentar um jogo sem conseguir uma regeneração completa, do ponto de vista fisiológico e emocional, se ressente, através de menor concentração, menor entusiasmo, menor alegria, menor disponibilidade e menor eficiência. Assim, o surgimento da fadiga reflecte-se, em suma, numa diminuição da intensidade das acções”. Jogadores e outros autores, entre outras qualidades, referem também uma perda substancial de criatividade quando o jogador está sob fadiga, o que se torna facilmente explicável pela menor disponibilidade nervosa para a tarefa, levando o jogador a procurar se concentrar no essencial e no que apresenta padrão e conforto.

(…)

““como” tirar da zona de pressão para manter a posse de bola poderá estar no “proteger, rodar, passar”. Mas, tão importante como os “comos” são os “porquês”. Partindo do princípio que a equipa pretende ter a bola, quando não a tem deve ter o objectivo de a recuperar. Por sua vez, quando a recupera deve ter o objectivo… de a manter! Manter, com a consciência do que se pretende com essa manutenção. Não a posse pela posse, que fique claro. O que se pretende é desequilibrar a equipa adversária.”

(Mauro Santos, 2010)

 

Deixamos algumas ideias para o desenvolvimento deste exercício:

Exercício 166 | A-5TO3A-1 | Impedir a criação + Reação ao ganho + Valorização da posse de bola | Garantir imediatos apoios ao portador + Garantir imediata cobertura ofensiva + Tirar a bola da pressão + Aproveitar os espaços livres + Reorganização ofensiva + Critério na posse

Exercício 167 | A-5TO3A-2 | Impedir a criação + Reação ao ganho + Valorização da posse de bola | Garantir imediatos apoios ao portador + Garantir imediata cobertura ofensiva + Tirar a bola da pressão + Aproveitar os espaços livres + Reorganização ofensiva + Critério na posse

Exercício 168 | A-5TO3A-3 | Impedir a criação + Reação ao ganho + Valorização da posse de bola | Garantir imediatos apoios ao portador + Garantir imediata cobertura ofensiva + Tirar a bola da pressão + Aproveitar os espaços livres + Reorganização ofensiva + Critério na posse

Exercício 169 | A-5TO3A-4 | Impedir a criação + Reação ao ganho + Valorização da posse de bola | Garantir imediatos apoios ao portador + Garantir imediata cobertura ofensiva + Tirar a bola da pressão + Aproveitar os espaços livres + Reorganização ofensiva + Critério na posse

Exercício 170 | A-5TO3A-5 | Impedir a criação + Reação ao ganho + Valorização da posse de bola | Garantir imediatos apoios ao portador + Garantir imediata cobertura ofensiva + Tirar a bola da pressão + Aproveitar os espaços livres + Reorganização ofensiva + Critério na posse

Exercício 171 | A-5TO3A-6 | Impedir a criação + Reação ao ganho + Valorização da posse de bola | Garantir imediatos apoios ao portador + Garantir imediata cobertura ofensiva + Tirar a bola da pressão + Aproveitar os espaços livres + Reorganização ofensiva + Critério na posse

Fadiga central

O autor (Carvalhal, 2010), questiona se existe “apenas cansaço físico? A maioria das vezes o intervalo temporal entre jogos cumpre os limites “fisiológicos “ … Vejo com atenção alguns jogos, vivencio esta realidade, e constato que muitas vezes as equipas correm até demais, lutam, são intensas, no entanto falham muitos passes e por vezes perdem organização… como explicar tudo isto?” Segundo (Sampaio, 2013), “quando estudamos, quando lemos um livro, quando escrevermos um artigo, quando temos um trabalho de enorme concentração, mesmo realizando a tarefa sentados, no final estamos cansados. Deste modo, entendendo que um jogador para jogar futebol necessita de concentração de decisões, de pensamento simultaneamente com execução (físico) o entendimento do desgaste ou cansaço de um jogador não pode ser só entendido como uma recuperação física (muscular) mas também mental (cérebro e sistema nervoso central)”. Também de acordo com (Carvalhal, 2010), “é indescritível o cansaço que um treinador sente no final de um jogo! Mas como explicá-lo? Não andou muito, não correu, não teve uma relevante exigência física… estão certamente a pensar como eu… fadiga mental! É muito importante tomar consciência que tal como a fadiga física (sistema nervoso periférico), também existe a mental (sistema nervoso central) e ambas se fazem sentir no nosso organismo durante, e principalmente depois de um jogo.”