O segundo dado estatístico mais relevante do jogo de Futebol II

Num artigo recente defendemos a extrema importância da decisão, em particular, do critério nas acções com bola na qualidade de jogo colectiva e individual. A sua perda é para nós um momento de extrema sensibilidade no jogo, por conseguinte, a acumulação das mesmas deteora o jogo de uma equipa. Desta forma, do ponto de vista estatístico, a perda de bola é para nós um dado de grande importância. Dado esse, que naturalmente, carecerá depois de maior profundidade na sua análise.

Em entrevista recente o jogador português Stephen Eustáquio vai ao encontro desta ideia:

“Enquanto jogador não me preocupo em fazer uma finta ou um grande golo. Quero sobretudo, que todas as acções que eu tenha sejam bem sucedidas. Em 80 acções tenho que ter mais de 75 bem sucedidas. Porque se em 80 ações, 20 forem erradas e fizer um grande golo, não considero que tenha feito um bom jogo. É um pouco assim como penso.

Passei pelas quatro divisões em Portugal e sempre tive de me adaptar. A única forma de nos adaptarmos e ganharmos a confiança dos nossos companheiros de equipa é jogar simples e termos ações bem sucedidas. Em 90 minutos posso não fazer uma grande jogada, pelo menos aos olhos de um espectador comum, mas as estatísticas vão indicar que as minhas acções foram bem sucedidas. O não errar é o que me dá mais orgulho.”

(Stephen Eustáquio, 2018)

Quantas vezes, nos jogos de Futebol na “rua”, no momento da escolha das equipas, eram preteridos aqueles que, apesar da reconhecida “grande qualidade técnica e habilidade com bola”, fartavam-se de perder a bola porque as suas decisões invariavelmente passavam pelo individualismo e a procura da notoriedade? A “rua” e a auto-descoberta que promovia, eram meios fundamentais não só para aprender a jogar… em equipa, mas igualmente, para lá do futebol, para viver em… “equipa”.

“A vida é um desporto de equipa.”

Jorge Valdano citado por (Urbea, et al., 2012)

Cultura de jogo IV. “Atrás não se brinca” II.

“Johan Cruyff dizia: o mais importante no Futebol é que os melhores jogadores sejam os defesas. Se estás com a bola, consegues jogar; se não, não fazes nada.”

(Gonzalez, 2012)

No passado mês de Fevereiro publicámos um artigo sobre o momento de construção de Frenkie de Jong, jovem Defesa-Central do Ajax. Escrevíamos então, lembrando a cultura que Kovács, Michels e Cruyff desenvolveram no Ajax, que “quase 50 anos depois, no mesmo país, Frenkie de Jong, aos 20 anos, provavelmente influenciado pelas mesmas ideias de jogo que ainda pairam no Ajax de Amesterdão, apresenta a mesma cultura de jogo. Sem receio, conduz, fixa, dribla e penetra sistematicamente a primeira linha de pressão adversária. Derruba, novamente, preconceitos enraizados na nossa cultura”.

Aos 19 anos, um ainda mais jovem Defesa-Central holandês, Matthijs de Ligt… também formado e jogando no Ajax… apresenta ideias similares. Indiscutívelmente… ambos têm imenso talento, porém, é a cultura que lhes proporciona jogarem desta forma. Caso, o seu processo de formação castrasse estes comportamentos, seguramente que hoje não os apresentavam, ou pelo menos com a regularidade e confiança com que surgem.

A situação específica que publicamos é de Transição Ofensiva, no seu sub-momento de reacção ao ganho da bola, que manifesta ainda maior risco do que a Construção uma vez que nesse contexto, caso o portador da bola a perca novamente está a apanhar companheiros a abrir ou à procura de espaços à frente da linha da bola, e tal poderá ser, nesse momento, fatal para a equipa.

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Matthijs de Ligt contraria ainda a ideia que, no momento da recuperação da bola, a saída da zona de pressão deve ser realizada através de passe. À imagem da situação de 2×1+GR, talvez na maioria das vezes. Outras porém, pelo posicionamento e decisões dos opositores, a solução mais eficaz será mesmo a condução e o drible.

“gastem dinheiro com os defesas, sobretudo com os centrais! (…) Pode parecer paradoxal, uma equipa com um futebol ofensivo, de posse, de muitos golos e tem que investir em defesas? Claro, é onde tudo começa. Se defesas (e Guarda-Redes dizemos nós) não conseguem construir, todo este conceito se complica e o jogo já não será o mesmo. Nas minhas ideias o Guarda-Redes e defesas centrais são os primeiros avançados. E um central ter a capacidade de construir não é ter boa capacidade técnica. Tem que ter um grande entendimento do jogo ofensivo e ser muito bom na capacidade de decisão. Por isso, é tão difícil encontrar centrais para este tipo de jogo. Por isso, o Barcelona opta muitas vezes por colocar médios na posição de defesa central”.

Pep Guardiola citado por (Tactic Zone, 2013)

Construção do Modelo de Jogo [Subscrição Anual]

Publicamos um excerto de uma nova publicação de Saber Sobre o Saber Treinar exclusiva a assinantes do projecto. Desta vez abordamos a construção do Modelo de Jogo. Acrescentamos que no futuro irão ser publicadas sub-páginas deste tema, desenvolvendo outras ideias subjacentes.

Dada a sua extensão, a própria página Construção do Modelo de Jogo, encontra-se também dividida nos seguintes temas:

  1. A construção no… processo
  2. A concepção, a construção e as suas motivações
  3. O… contexto
  4. O derradeiro objectivo
  5. Organizar e planear… o sucesso
  6. Compreender e dominar o objecto de ensino
  7. Todas as formas de jogar garantem a mesma Estética-Eficácia-Eficiência?
  8. O Modelo de Jogo… um claro sistema aberto

(…)

Neste cenário, o autor (Silva, 2008) ainda que aludindo-se apenas ao contexto específico do jogo defende que a equipa constitui uma totalidade em permanente construção, na qual as acções pontuais, mesmo que aparentemente isoladas, influem no comportamento colectivo, que consiste numa rede de interacções complexas de cooperação e oposição, integrando distintos níveis de organização“.

(…)

Este pensamento é justificado por Freitas (2005), citado por (Ribeiro, 2008), ao sustentar que “depois de se compreender a lógica do jogo e de termos consciência que existem tantos “jogares” quanto o número de treinadores que existem, importa então definir claramente qual a nossa ideia de jogo“.

(…)

O autor sublinha que “no fundo, temos de considerar sempre o facto dos jogadores poderem ter ideias diferentes até porque, e apesar da concepção do treinador ser o que se pretende que se aplique na equipa, de acordo com Silva (2008) há que considerar também que os jogadores poderão ter uma “paisagem mental” diferente da do treinador. Nesse sentido, Frade (2003, cit. por Silva, 2008) refere que há a necessidade de se criar uma “paisagem mental” idêntica para todos eles, uma vez que o desenvolvimento de jogo tem de nascer, em primeiro lugar, na cabeça dos jogadores“.

(…)

A autora (Gomes, 2011), acrescenta que “o processo de uma equipa tem como preOCUPAÇÃO desenvolver uma identidade colectiva. O jogo que caracteriza o clube e a equipa. Por isso, é fundamental que o treinador (autor e gestor do processo) SAIBA o que pretende. Torna-se imprescindível conhecer o que pretende, ou seja, sistematizar os princípios de jogo da sua equipa”.

(…)

O neurocientista (Damásio, 2006), citado por (Campos, 2007), afirma que o que o intriga no funcionamento de uma equipa de Futebol “tem a ver com a forma como múltiplos executantes se comportam em torno de um projecto singular como se fossem uma entidade única, embora mantenham as suas individualidades”.

(…)

Deste modo, a autora (Gomes, 2011) explica que as melhores equipas têm uma identidade viva, com sensibilidade para falar uma língua como um idioma prático (mesmo que muitas das vezes não se consigam entender na linguagem oral) comum a quem o vivencia de forma partilhada.

(…)

Também nesta linha de pensamento, (Bouças, 2012) explica que “num momento em que o jogo é do ponto de vista técnico e físico, cada vez mais equilibrado (longe vão os tempos em que só os grandes clubes treinavam), as tomadas de decisão surgem como um dos traços mais decisivos no jogo moderno. Por tomadas de decisão, deve entender-se, as opções que cada jogador toma a cada momento (com ou sem bola). Para onde deslocar? A que velocidade o fazer? Que espaço ocupar? Para onde desmarcar? Quando soltar a bola? E para onde? Quando progredir com a bola? Cada situação de jogo tem uma forma mais eficiente de ser resolvida. Tal não significa que optando pelo pior caminho, se estará sempre condenado ao insucesso. Tão pouco que, optando bem, se será sempre bem-sucedido. Significa somente que, optando bem, está-se sempre mais próximo de ser bem-sucedido”.

(…)

O autor (Almeida, 2016) descreve que o Modelo de Jogo “cresce, configurando um todo que é muito mais que a soma das partes, já que é algo utópico, podemos andar perto de atingir, mas nunca conseguimos, pois o mesmo está em constante evolução e reconstrução (Carvalhal et al., 2014)”.

Continua…

João Félix… o mago da intensidade

“O valor das coisas não está no tempo em que duram, mas na intensidade com que acontecem. É por isso que existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.”

Fernando Pessoa citado por (João Romano, 2007)

Torna-se fundamental um ponto prévio. Vivemos num período em que o Futebol Português toca no fundo em termos éticos, consequência de uma quase total ausência de valores, traço que neste momento marca muitos dos agentes desportivos que nele actuam, nomeadamente aqueles com mais poder e responsabilidades de decisão. No entanto não podemos sonegar que há uma clara interdependência entre estes agentes, os adeptos e a restante sociedade. O Futebol, no que toca a esses valores, não é um nicho que vive desfasado da restante sociedade. Vivemos um período em que há uma clara guerra entre clubes, que se extremou, onde tudo serve como arma de arremesso. Este artigo, independentemente de pegar num exemplo específico exclui-se totalmente deste panorama. É verdade que procuramos produzir conteúdos que se procuram afastar da doença emocional que vai crescendo neste meio, porém, por vezes, há casos incontornáveis que devemos abordar e sublinhar. Nomeadamente por boas razões. João Félix é um deles. E enaltece precisamente a perspectiva contrária à negatividade que polui o Futebol: a paixão pelo jogo.

Se depois da apelidada “geração de ouro” nos questionávamos se aquele tinha sido apenas um fogacho momentâneo, hoje talvez tenhamos uma resposta diferente. Entre tantos problemas, dificuldades e paupérrimas condições oferecidas à Expressão Motora, Educação Física, Futebol de Rua e Futebol de Formação, continua a emergir imensa qualidade, nomeadamente em jogadores e treinadores. Pegando em “matéria prima” praticamente a “custo zero”, oferecendo condições precárias de trabalho, e deste pensamento excluímos obviamente Sporting, Benfica, Porto e Braga, mas que no entanto também se alimentam do trabalho desenvolvido nos restantes clubes, devemos perguntar qual é a área de actividade em Portugal que apresenta o mesmo sucesso financeiro e impacto internacional que neste momento o Futebol de Formação Português evidencia de forma clara? A resposta, pensamos ser… nenhuma. Nenhuma atinge o sucesso do Futebol. A questão interessante será… até que ponto as dificuldades vividas por jogadores e treinadores potenciam este sucesso. É uma questão para a qual não conseguimos ter uma resposta.

É portanto incrível, perante todas estas condições e a dimensão do país, a quantidade de jogadores de qualidade que estão a emergir do Futebol de Formação. Entre eles surge, João Félix. O seu antigo treinador no Futebol de Formação do FC do Porto, (Miguel Lopes, 2017) descreve-o como “mais dotado, extremamente inteligente, muito instintivo e tinha capacidade para decidir bem nos contextos mais difíceis. Sempre foi um miúdo capaz de tirar um coelho da cartola, fazer aquela jogada que ninguém espera, o golo que ninguém espera”. Em tempos comentámos que Félix fazia lembrar Cruijff na gestualidade, no drible, na pausa, na provocação quando fixa o adversário. De facto… mas não só. Cingindo-nos apenas a exemplos do Futebol Português, lembra-nos Aimar, Rui Costa, Deco ou Pedro Barbosa. Entre tantas coisas fantásticas em comum, destacamos uma. A pausa. Quando o jogo a pede. A tal que muda por completo a definição de intensidade no Futebol… a tal intensidade táctica… a tal intensidade específica do jogo. A tal que significa fazer bem e no tempo certo e não obrigatoriamente muito e depressa. Na forma como constrói, mas também como cria. O próprio drible é muito na essência da pausa, da mudança, da descontinuidade na execução que provoca e perturba emocionalmente o adversário.

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“Somos la última generación que ve partidos enteros. […] Porque están más acostumbrados a lo efímero. El partido de PlayStation dura 5 o 7 minutos apenas. Están acostumbrados a los resúmenes. A ver en el celular los goles de todo el mundo. Son víctimas de este estímulo.”

(Pablo Aimar, 2017)

O autor (Pedro Bouças, 2017) descreveu que hoje o futebol está subjugado por uma “pressa por uma emoção rápida que se zanga com quem pensa ou quer pensar o lance, o jogo. O “bruaá” em forma de desaprovação quando a bola não viaja tão rápido no sentido da baliza adversária quando tal é o desejo comum a uma toda bancada, a forma como não se entende que nem sempre o caminho mais rápido é o melhor, continuará a condicionar decisões aos melhores”. Será este um dos grandes méritos de jogadores como João Félix. A resistência a esta emocionalidade e irracionalidade, “ao pânico e à velocidade do Futebol actual” como o treinador português (Villas-Boas, 2009) identificou. Segundo ele “há pressão em torno dos treinadores de vencer, há pouca capacidade de pensar, como falávamos há bocado dos jogadores, há o sentido de urgência que o jogo actual tem…é tudo pânico, é tudo velocidade… e transmite um bocado a ideia do que é a sociedade actual”.  Também (Jorge Sampaoli, 2016), citado por (Luís Cristóvão, 2017) defendeu, que hoje o futebol “vive-se como sofrimento, porque se prioriza o êxito ou o ganhar acima do jogo. Hoje dizem-te que há que ganhar como seja e ganhar como seja significa jogar com níveis muito elevados de stress. […] Ataca-se a serenidade, ataca-se o prazer. Eu creio na minha ideia porque tenho muito amor pelo jogo, não porque padeça pelo jogo”.

Talvez essa seja uma das chaves de João Félix. A sua paixão pelo jogo superiorizou-se à pressão, ao stress, ao pânico, à irracionalidade. E garantiu-lhe uma racionalidade, mesmo que no domínio do subconsciente… um saber fazer… que lhe transmitiu que o jogo não pode ser jogado sempre à mesma velocidade, porque como o treinador português (Miguel Cardoso, 2018) referiu, “o futebol é como a música: a música que é toda do mesmo ritmo a gente não ouve durante muito tempo. O futebol precisa de nuances, tem tempos, tem timings, tem momentos, tem espaços que é preciso utilizar e criar”. Um saber fazer que associado a uma enorme qualidade de execução, lhe trouxe o domínio do tempo e do espaço. Um saber fazer que lhe trouxe a boa decisão… consequentemente… o sucesso. Essa será muito provavelmente a outra chave da qualidade de João Félix.

Podemos estar redondamente enganados, mas arriscamos que num determinado momento da sua vida, alguém disse… “ele tem imenso talento… mas falta-lhe… intensidade”.

“No Boxe bateres muito no teu opositor poderá trazer-te a vitória por pontos. O futebol é um jogo completamente diferente. Não é por bateres muito no muro, ou correres mais que o golo aparece, ou sequer as melhores oportunidades. O melhor jogo não é o que entra à bruta, mas o que explora subtilezas.”

(Pedro Bouças, 2017)

“O que define a intensidade

é o concreto onde o jogar

p’ra expressar máxima qualidade,

tal contexto tem de superar.”

(Vítor Frade, 2014)

O exercício de treino… na perspectiva da terceira pessoa… e a intervenção na sua operacionalização

“A intervenção do próprio treinador também é contexto!”

(Marisa Gomes, 2015)

Assistia-se a um exercício de treino. Procurando analisar o mesmo, várias pessoas opinavam sobre o seu objectivo e organização. No entanto, ignoravam uma dimensão fundamental na sua operacionalização… a intervenção do treinador. Sem este dado, todas elas podiam estar certas… ou erradas. Isto, porque tratando-se de um exercício que respeite as características do jogo, mesmo que represente apenas numa fracção do mesmo, será consequentemente, um exercício rico em comportamentos, assim, posicionando-se externamente ao processo, diferentes pessoas podem-lhe atribuir diferentes objectivos.

Assim, perante o “mesmo” exercício, alterando-lhe “apenas pequenas” coisas, como por exemplo a forma ou o momento como ele se inicia, este poderá servir objectivos de planeamento muito distintos. No fundo, para sermos correctos, na verdade já não será o mesmo exercício, nem sequer uma sua variante se o analisarmos na perspectiva dos objectivos. A este propósito, (Maciel, 2011), explica que na concepção do exercício “modela-se os contextos para que estes, não perdendo a sua natureza aberta, sejam facilitadores e catalisadores dos propósitos desejados. Em tais configurações de exercitação o papel principal é dos jogadores, devem ser eles a decidir e a interagir, desencadeando uma dinâmica que não deixando de ser determinística, por estar sobredeterminada a determinados propósitos, intencionalidades, não perde a dimensão imprevisível”. Jorge Maciel reforça que a ideia de propensão tem a ver com o facto de ser mais propício ou provável a ocorrência de determinado acontecimento, no caso do treino de Futebol, determinada interacção. Daí a ideia de modelar o contexto no sentido de tornar mais provável aquilo que se deseja que aconteça. Um aspecto relevante prende-se com o facto de ter de ser deliberadamente propenso, isto é, deve ter subjacente uma intencionalidade ou conjunto de intencionalidades conformes com o modo como queremos que a nossa equipa jogue e conforme as preocupações que entendemos mais prioritárias naquele momento do processo”. Importa salientar que, se o exercício de facto expressa a riqueza do jogo, a oposição será à partida garantida, portanto, o objectivo de planeamento estará numa das equipas / jogador, porém, a equipa / jogador adversário também estará a ser estimulada/o noutros comportamentos.

É deste modo que a intervenção do treinador na operacionalização do exercício se torna fundamental, por forma a incidir o foco, a concentração, para determinado comportamento ou acção, ou melhor, como explica Maciel… interacção. A sua intervenção, a sua expressão corporal, a sua emotividade, o seu feedback, ou mesmo a intencional ausência do mesmo, torna-se decisiva no processo aquisitivo, ou, no conceito mais generalista… na adaptação que o estímulo mesmo provoca no jogador. Na mesma linha de pensamento, Maciel acrescenta que “somente deste modo se torna possível que a configuração dada ao contexto, juntamente com uma intervenção condizente durante a exercitação, despoletem interacções que ao acontecerem façam emergir de forma exponenciada os critérios subjacentes aos nossos princípios de jogo. (…) Destaquei também o papel da intervenção, porque é esta que conjuntamente com a modelação do contexto que vai servir de catalisador e de meio para aproximar os critérios que os jogadores manifestam com os desejáveis para a forma como queremos jogar“. Também (Campos, 2007), defende que “Se tivermos que fazer essa intervenção e parar imediatamente o exercício para fazer perceber claramente que algo é errado, que algo não está correcto ou que algo pode ser importante, também não é só quando as coisas acontecem de negativo é também quando elas acontecem de positivo (…) “. Portanto, o autor acredita que “a focalização da atenção dos jogadores é direccionada pela configuração prática do exercício e por uma intervenção do treinador centrada nos aspectos hierarquicamente mais importantes”.

Como defendemos, esta intervenção não será uma qualquer, nem sobre a totalidade dos comportamentos que emergem do exercício. Deverá ser específica relativamente ao objetivo pretendido, principalmente na perspetiva do treinador que lidera o exercício. Neste contexto, (Casarin, et al., 2010), sustentam que a intervenção do treinador deve “fazer com que uma palavra signifique mil imagens” para o jogador e isto só se constrói com intervenção específica e constante durante o processo de treino”. Também para (Azevedo, 2011), “mesmo que os exercícios estejam em sintonia com o modelo de jogo, se não existir intervenção ou se esta não for adequada, eles podem tornar-se desajustados”. Citado por (Romano, 2007), Vítor Frade (2003, cit. por Martins, 2003), defende existir a necessidade de ser interventivo antes, durante e depois do processo.” Romano reforça assim, que “em primeiro lugar, parece importante a formação de uma «intenção prévia», de modo a antecipar a activação do córtex pré-frontal (Goleman et al., 2002). Interessa portanto, antes de iniciar o exercício, defini-lo claramente, assim como os objectivos que, através do mesmo, se pretendem alcançar, já que, de acordo com Goleman et al. (2002), quanto maior for a activação antecipada maior é a capacidade da pessoa para executar a acção. Posteriormente, durante o exercício, a intervenção do treinador é também ela decisiva. Ela pode (e deve) condicionar um exercício para os aspectos que se pretendem trabalhar, através de uma intervenção específica, centrada nos princípios que se pretendem abordar. Carvalhal (2003; 2005) afirma que o mesmo exercício pode ter objectivos diferentes consoante o momento, e que a forma como o treinador o conduz e direcciona é que é fundamental”.

Assim, desconhecendo o planeamento do treinador, sem a sua intervenção na operacionalização do mesmo, será uma tarefa extremamente difícil, e perigosa na perspectiva da avaliação do trabalho realizado, procurar identificar os objectivos e consequentemente o sucesso de determinado exercício ou sessão de treino.

“(…) a edificação do Modelo de jogo, dos vários momentos do jogo e a Especificidade é conseguida através dos exercícios propostos pelo treinador e pela sua intervenção nos mesmos.”

(Pedro Batista, 2006)

Só faz sentido existir o treinador se este for interventivo, mas interventivo no sentido de catalisador da apreensão de tudo aquilo que é conveniente e importante para o crescimento do processo.

(Vítor Frade, 2003)

História do treino do futebol [Subscrição Anual]

Publicamos um excerto de uma nova publicação de Saber Sobre o Saber Treinar exclusiva a assinantes do projecto, que introduz a evolução do processo de treino do Futebol. Acrescentamos que no futuro irão ser publicadas sub-páginas, descriminando as diferentes grandes etapas da sua evolução.

(…)

“Neste enquadramento, o autor (Ramos, 2003), explica que podemos identificar períodos da evolução do treino desportivo que, “na generalidade, caracterizou a evolução de resultados desportivos nas diversas modalidades e as suas relações com o processo de treino. Evidentemente que estas etapas não se sucederam mecanicamente nem foram sincronizadas entre as diversas modalidades. No entanto, dada a influência recíproca de ideias e de conhecimentos entre as várias especialidades desportivas, estes grandes períodos podem, mais ou menos claramente, ser identificados nas modalidades, situação que se verifica no Futebol”. Assim, segundo (Cardoso, 2006), “a constante procura de elevar o rendimento desportivo das equipas proporcionou ao longo dos tempos o desenvolvimento de diferentes metodologias e por sua vez diferentes concepções de ensino. Como afirma (Pinto, 1996) “o rendimento no Futebol foi ao longo da sua história valorizando factores diferentes: primeiro a «técnica» e posteriormente a «condição física» tiveram pesos muito significativos na eficácia do jogo””. Neste panorama, o professor (Dinis, 2012), relata que quando começou a treinar “o treino era basicamente proveniente do atletismo, era corrida. Depois havia o “conjunto”. Actualmente reformulou-se praticamente tudo“.”

(…)

Continua…

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Qualidades do líder [Subscrição anual]

Os autores (Lourenço & Guadalupe, 2017) citam (Druker, 2008) que defende que “[não] Existem coisas como “qualidades de liderança” ou uma “personalidade liderança”. Franklin D. Roosevelt, Winston Churchill, George Marshall, Dwight Eisenhower, Bernard Montgomery e Douglas McArthur foram todos os líderes altamente eficazes – altamente visíveis – durante a Segunda Guerra Mundial. Não havia dois destes que partilhassem quaisquer “traços de personalidade” ou “qualidades”. No entanto, os mesmos autores explicam que apesar de ser verdade o que afirma Peter Drucker, “contudo, também aqui Drucker é demasiado redutor. Lá por existirem líderes com personalidades totalmente distintas, não quer dizer que não existam “qualidades de liderança”. Elas existem, sim, mas para diferentes contextos, diferentes realidades, diferentes processos sociais… diferentes qualidades de liderança e diferentes traços de personalidade. Por isso poderemos dizer que, em nossa opinião, a liderança tem muito de intuitivo mas também muito de aprendizagem. Um líder, ao fim de um ano de liderança, será diferente porque… aprendeu“.

Assim, da mesma forma que as grandes dimensões, que na nossa perspectiva influenciam decisivamente a competência do treinador: Liderança, Metodologia e Modelo de Jogo, e por sua vez, as sub-dimensões de Liderança: Qualidades do líder, Estilos de liderança, Situações contextuais e Características do líder, não podem ser compreendidas de forma isolada. Investir em qualidades na liderança de forma analítica, pode ser um caminho errado, ou pelo menos, mais desfasado da complexidade da realidade e consequentemente da complexidade da natureza humana. Isto porque, por exemplo, todos atravessamos momentos de maior confiança e vitalidade emocional e isso influencia decisivamente a nossa coragem, criatividade, lucidez e portanto… inteligência. Depois, podíamos continuar e procurar compreender desde já, o Erro de Decartes e perceber o todo Mente-Corpo.

(…)

Continua…

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Nova etapa Saber Sobre o Saber Treinar

É com grande satisfação que anunciamos que o projecto Saber Sobre o Saber Treinar irá dar o próximo passo. A partir deste momento, iremos publicar de forma periódica, os conteúdos exclusivos a assinantes do projecto.

Nesta fase, torna-se também importante para nós, agradecer a todos os que têm seguido o projecto. E em especial, a todos os que, até hoje, nos solicitaram a Subscrição Anual, relativa aos nossos conteúdos exclusivos a assinantes, que até agora, se constituíam nos exercícios e sessões de treino. Como forma de agradecimento a todos estes subscritores, oferecemos-lhes, a partir de hoje, e válida durante um ano, uma nova Subscrição Anual.

A “carne toda no assador”

A frase do genial Quinito, recentemente também usada por Carlos Carvalhal na Premier League, tornou-se uma das marcas do Futebol Português. Apesar de no sentido lato percebermos o seu contexto, se pensarmos na interpretação e conhecimento do jogo de cada um, no sentido restrito a mesma pode conhecer diferentes expressões. Muito provavelmente, a que mais se generalizou, foi a substituição, de jogadores de outras funções por “avançados”. Outra ideia, directamente associada a esta, é a mudança, na forma de jogar da equipa, de um jogo paciente, criterioso e curto, para um mais vertical, aleatório e directo. Sublinhamos a palavra aleatório, uma vez que um jogo mais vertical e directo, quando treinado, quando crença, e em determinados cenários, também pode ser bem sucedido. A questão aqui residirá… que ideias poderão ter maior probabilidade de sucesso perante o jogo que o futebol é, consequência daquilo que o ser humano também é, nomeadamente em “sociedade”.

Apesar de não encontrarmos notícias sobre razões, que não táctico-estratégicas, para a substituição de Emil Forsberg por Martin Olsson na selecção Sueca no jogo dos quartos de final do Campeonato do Mundo contra a Inglaterra, não conhecendo com exactidão o contexto e não possuindo a real justificação para a substituição, correremos sempre o risco, de errarmos logo à partida na interpretação da decisão. No entanto, para nós o interessante não é a análise desta decisão concreta, mas o que ela pode significar numa perspectiva mais ampla. Precisamente, essa ideia que se generalizou no jogo, que perante um resultado adverso e dificuldades nos sub-momentos ofensivos de Construção e Criação, trocar o tal critério, paciência e criatividade, por aleatoriedade, inquietação, pressa e um jogo desprovido de imaginação, seria a eterna principal solução nesse cenário. Mas mais do que aquilo que a substituição em causa significava, mais importante no fundo foi a forma como influenciou o jogar da Suécia, que defrontava um adversário que manifestava conforto na sua última linha durante o momento defensivo, quer pelo número de jogadores que na situação colocava, como pela significativa qualidade dos seus comportamentos.

Todas as acções ofensivas de Emil Forsberg no Suécia x Inglaterra do Campeonato do Mundo de 2018.

Todas as acções ofensivas de Martin Olsson no Suécia x Inglaterra do Campeonato do Mundo de 2018.

O número de perdas de bola de Olsson foi muito superior ao de Forsberg, ainda por cima tendo em conta que o último esteve mais tempo em jogo e envolvido em bastantes mais acções com bola. Mas se este pode não ser um dado relevante ao nível individual, uma vez que se torna fundamental compreender o contexto de cada acção e as suas relações com os companheiros e adversários nesses momentos. Um problema tradicional das análises quantitativas. Porém, a quantidade de perdas tem, habitualmente, reflexos mentais e fisiológicos negativos… no todo, que é o desempenho – a qualidade do jogo da equipa e consequentemente do jogador. Aqui nem se trata do bater de asas da borboleta, mas de acontecimentos mais significativos que perturbam os momentos seguintes do jogar da equipa.

Transportar a equipa para um maior caos… será eficaz e a resposta na maioria das situações? No fundo estaremos a trocar a racionalidade pela emocionalidade… a zona de conforto, o trabalho e o entrosamento… por potencial desconforto, improvisação e desorganização.

Porém… “a carne toda no assador”, à imagem da nossa perspectiva do conceito intensidade, pode não passar por fazer mais, de forma mais agressiva, mais directa, se isso significar… fazer pior tendo em conta o jogar da equipa. Deste modo, no contexto de uma cultura que privilegie o critério, “a carne toda no assador” poderá significar, por exemplo, garantir maior velocidade à circulação de bola, maior número de jogadores no interior do bloco adversário, combinações a menos toques e consequentemente mais rápidas, mais soluções de ruptura, decisões de último passe de maior risco de perda da bola e decisões de finalização em condições mais difíceis, excluindo destas as que se incluem nas más decisões. Do ponto de vista individual, poderá não significar a troca de um jogador de uma função por outro de outra, mas sim a aposta em jogadores de maior criatividade, de cariz mais desequilibrador, mas que em contrapartida também fazem crescer o risco de maior acumulação de perdas de bola. Foi, por exemplo, o caso da entrada de Ricardo Quaresma no jogo Portugal x Uruguai.

Se perguntássemos a Quinito o sentido que dava à sua expressão… Quinito o homem que se tivesse dinheiro comprava Pedro Barbosa para o ver a jogar no seu quintal e que se declarava “um amante da arte, da magia e beleza estética”, apostamos que responderia… “é colocar lá dentro os mais talentosos, ofensivos e criativos”.

“É de estética vazia

e o Futebol assim jaz…

Jogo directo nada cria

correm, correm, mas nenhum sabe o que faz.”

(Frade, 2014)

A “posse de bola” e os números

O autor desta opinião, e o seu nível de conhecimento, não são importantes para o caso. O conteúdo, como milhões de outros, também poderia não ser. Torna-se relevante, para nós, porque é um género de opinião que tende a generalizar-se, consoante… os resultados. Agora, no passado e com certeza, no futuro.

Se o que influencia este género de opinião são preferências por uma “estética” de jogo diferente, a crença em ideias menos pacientes e mais directas no momento ofensivo, ou até a hostilização das equipas que se tornam dominadoras no jogo e a consequente menor imprevisibilidade e emocionalidade que isso traz ao espectador, não podemos saber. O que sabemos é que defendê-la com premissas, para nós, tão irrelevantes como as apresentadas, são autênticos atestados de ignorância… no mínimo… táctica. É também por isto que é extremamente difícil construir uma equipa que assente a sua qualidade de jogo, não na posse bola… mas na qualidade da sua posse de bola. Pegando no exemplo do Barcelona de Guardiola, a autora (Gomes, 2012) sustenta que a sua qualidade na posse “só é possível quando realmente se gosta muito da bola e faz com que o valor da bola seja superior à precipitação do adepto, à pressa do adversário e à ânsia em fazer a bola andar pelos espaços em disputas”.

Estamos perante mais um bom exemplo, no qual, os números e a estatística na análise do jogo, continuam, como tantas outras áreas, impregnadas pelo pensamento mecânico e analítico. Impregnada, e não completamente irrelevante, porque a estatística, aliada ao conhecimento do jogo, nomeadamente na identificação de regularidades comportamentais, pode ter um papel útil ao treinador, ajudando-o no construção do jogo que idealiza para a equipa. Por exemplo, num artigo anterior, defendemos que a perda de bola será um dado estatístico no jogo, muito interessante.

Não é difícil entender que uma média elevada de posse de bola não é sinal de controlo do jogo, portanto, de qualidade de jogo. O controlo do jogo pode ser obtido de diferentes formas, em função de diferentes ideias, crenças e consequentemente, formas de jogar. Recordamos as equipas italianas, na década de 90, que naquele momento da evolução do jogo, o controlavam os jogos de forma exímia pela sua Organização Defensiva e Transição Ofensiva, e emocionalmente sentiam-se extremamente confortáveis nessas ideias. Portanto, claramente abdicando de possuírem a bola na maior parte do tempo de jogo. Porém, hoje, ter qualidade no momento ofensivo, tornou-se impreterível. Assim, possuir a bola, mas fora do bloco adversário, portanto, estar a maior parte do tempo na Fase I do momento ofensivo, chegando poucas vezes à Fase II e praticamente nunca à Fase III com certeza que não ameaçará o adversário, aumentando-lhe o conforto e a confiança. Uma excepção, poderá ser fazê-lo, perante uma equipa que, precisamente e, devemos dizer, perigosamente, as suas ideias passam apenas pelo momento ofensivo do jogo e assim se desorganiza quando não a tem. No resto dos casos, ter mais posse de bola não significa, por si só, ser-se melhor no jogo. É um dos passos nesse propósito, o segundo é saber… o que fazer com ela. Johan Cruyff, citado por (Amieiro, 2009), explica que “ter a bola não significa tê-la e pronto. Há que saber o que fazer com ela. Quando eu digo que enquanto nós temos a bola o adversário não a tem e, portanto, não pode marcar, o que quero dizer é que nós mandamos e temos a iniciativa do jogo. E como tenho a bola, eles têm que a tentar roubar e, com isso, consigo criar espaço”. Também para o treinador português (Luís Castro, 2017), “a posse de bola não é um objectivo, é uma consequência… do meu jogo”.

Portanto, circular a bola pela primeira linha, mesmo que já no meio-campo adversário, sem ideias, mobilidade, mudanças de velocidade, agressividade e criatividade, é totalmente diferente do que tê-la, com essas qualidades todas, e conseguir ainda penetrar diversas vezes no interior do bloco adversário e / ou ameaçando também, com critério e regularidade, a sua profundidade. Este segundo cenário, consequentemente, levará a equipa a poder criar situações de finalização, não permitindo que a equipa adversária esteja tranquila, confiante, portanto, emocionalmente estável no jogo.

Todavia, num segundo pensamento sobre os dados apresentados, seria para nós muito mais interessante perceber quem é que treinava, num dos maiores clubes desse país, os jogadores mais influentes no jogo da Espanha, campeã do mundo em 2010, e da Alemanha, campeã do mundo em 2014. E perceber, depois disso, o declínio do seu jogo. Por outro lado, podemos também tentar compreender a forma como Pep Guardiola está a influenciar a cultura inglesa. Depois, se pensarmos ainda no papel decisivo que o trabalho de José Mourinho no F. C. do Porto teve, na qualidade de jogo e no rendimento da selecção Portuguesa no Europeu de 2004, e noutros exemplos similares, também podemos questionar que margem de intervenção e que papel terá um seleccionador / treinador nacional.

“Por muito que nos vendam estatísticas que queiram quantificar performances individuais, o jogo, o bom jogo, está completamente longe de poder ser interpretado ou quantificado por números que queiram trazer avaliações qualitativas. Porque não se pode quantificar a qualidade do que mais importa! As decisões!”

Pedro Bouças, 2017

“Odeio o “tiki-taka”. A posse de bola é apenas um método para organizar a equipa e desmontar o adversário…”

Pep Guardiola, 2014

“De Guardiola
p’ro Barcelona e selecção espanhola
do Bayern à selecção d’Alemanha,
e Guardiola sempre ganha
continuando a revolucionar,
o jogar…
Quem gosta de jogar à bola
Quem gosta de ir ver jogar,
Só pode reconhecer em Guardiola
O melhor p’ra tudo isto melhorar.”
(Frade, 2014)

Tudo tem um fim… ou um novo princípio. Rui Faria enquanto sistema complexo.

“«Muito obrigado por me teres dado este contrato, muito obrigado por me teres trazido para Barcelona, muito obrigado por teres mudado a minha vida». O meu trabalho e a minha dedicação são a minha forma de gratidão. Eu nunca senti, em nenhum momento, que lhes devia alguma coisa. Quando decidi ser treinador principal e vir embora, nunca pensei que estava a ser incorrecto. Não lhes devo nada, paguei-lhes tudo, e por isso senti-me sempre livre para decidir. Se sentisse que não tinham pernas para andar sem mim, se calhar hipotecava um ano ou dois da minha independência. Era capaz de o fazer. Mas eles não precisavam de mim para nada. Tanto um como outro disseram: «Tu estás preparado».”

(José Mourinho, 2003) a propósito do seu percurso como treinador assistente de Bobby Robson e Van Gaal no Barcelona

Tornou-se uma curiosidade na equipa técnica liderada por José Mourinho. Iria Rui Faria acompanhar Mourinho até ao fim? Em vários momentos afirmou a sua felicidade e satisfação na função de treinador assistente e consequentemente a indisponibilidade em abandonar a equipa técnica e iniciar um percurso como treinador principal. Pouco crível para muitos, mas legítimo. Neste contexto, em 2012, (Miguel P., 2012) questionava se “Rui Faria não pode simplesmente… gostar de ser treinador adjunto? Há algum mal nisso? Nem toda gente que “vai para treinador”, quer ser treinador principal. Se ele se revê na metodologia de treino e na liderança do Mourinho, se sente que é útil, se o próprio Mourinho faz questão de dizer várias vezes que o Rui Faria é fundamental. Ele pode muito bem querer continuar com as funções que tem”. Durante muito tempo partilhámos esta opinião e que as pessoas, independentemente do contexto, perante a felicidade, procurarão eternizá-la.

Porém, à luz do pensamento complexo, a autora (Ana K R, 2009), sustenta que “há a convivência da ordem, desordem e organização, sem uma anular a existência da outra”. Rui Faria conviveu e foi feliz com essa “ordem” resultante do trabalho e convivência na equipa técnica de José Mourinho. Porém, como ser complexo que é, mesmo vivenciando uma sensação de equilíbrio, a sua natureza solicita-lhe um novo estímulo, neste caso, um novo desafio. É no fundo, o que exactamente se passa no processo de treino e a sua interacção com os jogadores. Portanto, e reforçado a ideia pela teoria do caos, o ser humano nunca está verdadeiramente em equilíbrio. Pequenas perturbações estão sempre a afectá-lo e podem mudar por completo o estado geral do sistema, podendo levá-lo ao desequilíbrio ou à sua necessidade. Ilya Prigogine, citado por (Esteves, 2010), refere que os sistemas complexos não podem evoluir (gerar novos padrões) em estados de equilíbrio ou próximos do equilíbrio”. Por isso, para (Manuel Sérgio, 2012), “o ser humano é imprevisível, é por isso que ele é complexo, o que significa ser complexo? No fundo é porque dentro dele também há ordem e desordem, também há certeza e incerteza, é por isso que ele é complexo”. Rui Faria, estará portanto, à procura de um nível superior de complexidade, ou na perspectiva do treino, de adaptação.

“Se o sistema permanecer em equilíbrio, ele morrerá. O “longe do equilíbrio” ilustra como sistemas que são forçados a explorar seu espaço de possibilidades vão criar diferentes estruturas e novos padrões de relacionamento.”

(Nicolis e Prigogine, 1989)

“17 anos… Leiria, Porto, Londres, Milão, Londres de novo e Manchester. Treinar, viajar, viajar, estudar, rir e também algumas lágrimas de alegria. 17 anos e agora a criança já é um homem. O estudante inteligente é um especialista de futebol, pronto para uma carreira bem sucedida enquanto treinador. (…) Vou sentir a falta do meu amigo e essa é a parte mais difícil para mim, mas a sua felicidade é mais importante e, claro, respeito a sua decisão, especialmente porque sei que vamos estar sempre juntos. Sê feliz, irmão.”

(José Mourinho, 2018) sobre Rui Faria

O segundo dado estatístico mais relevante do jogo de Futebol

“O privilegiar o jogo apoiado permite à Espanha não ter que andar sistematicamente em transições por perda de bola e quando isso acontece, encontram-se perto, o que lhes permite fazer uma aproximação (pressão) mais rápida.”

(Marisa Gomes, 2010)

Num artigo publicado recentemente, referia-se que jogar bem é bastante mais que “ter momentos de brilhantismo e criatividade”. Segundo o autor “jogar bem tem tudo a ver com a percentagem de acerto das acções que se realizam. Fazer três golos e perder noventa bolas na mesma partida, não é jogar bem”. Não podemos estar mais de acordo.

O pensamento tradicional e a perspectiva do jogo enquanto espectáculo, empurra-nos a todos para as acções que envolvem a bola, nomeadamente para o centro do jogo, e aí, em particular para as acções, que como o autor referiu, “tenham impacto no resultado”, ou então, que promovam para o espectador, a espectacularidade do jogo, o que é sempre relativo. São muitas vezes esquecidas tantas outras acções, dento e fora do centro do jogo, que embora pareçam mais simples, são cruciais para a estabilidade do jogo de uma equipa. Deste modo são desvalorizadas perdas de bola resultantes de más decisões se o jogador em causa entretanto teve um rasgo de habilidade, criatividade ou marcou um golo. Como o autor sublinhou, não que estas acções não sejam importantes no jogo, mas essencialmente porque as perdas de bola também o são e a maioria dos espectadores, muitos jogadores e até treinadores, não compreendem como as mesmas afectam o jogo de uma equipa.

Pensando o jogo de forma complexa, ou seja, procurando as relações entre os seus acontecimentos, constatamos que a acumulação de perdas de bola, pela equipa, ou por um jogador em particular, aumentam o número de momentos de transição, consequentemente, os momentos de desorganização posicional, a necessidade de deslocamentos e de velocidade na reorganização posicional. Consequência de tudo isto, cresce o desgaste, na sua relação físico-emocional, aumenta a dificuldade da decisão e da execução. O jogo torna-se, portanto, mais difícil. Reforçando, perante jogos com estas características, normalmente assiste-se à acumulação de mais perdas de bola nos próprios momentos de transição e a situações de descontrolo emocional que levam os jogadores a comportamentos desviantes em relação ao próprio jogo.

Se, por outro lado, pensarmos na equipa que perde poucas vezes a bola, podemos extrair daí várias consequências no seu jogo. A equipa permanece mais junta, joga em menos espaço, potencialmente desgastar-se-á menos, mantém-se mais junta nos momentos de perda, empurrará o adversário para junto da sua baliza, potencialmente retira confiança ao mesmo e emocionalmente exercerá um papel dominante no jogo. Neste contexto, (Bouças, 2011) defende que “para qualquer equipa que se pretenda dominadora, jogar com os defesas tão próximos da linha do meio campo, é um risco claramente compensatório, se os restantes jogadores se mantiverem concentrados e capazes de impedir que o adversário tenha demasiado tempo para decidir e executar. Jogar tão alto, retira imensa capacidade para poder ser clarividente ao adversário. Ninguém, particularmente quando a qualidade não abunda, arrisca em zonas demasiado recuadas. Não raras vezes, após a perda de bola, se torna a recuperar rapidamente a sua posse, somente porque o adversário se vê obrigado a jogar longo e sem nexo, por forma a não arriscar perdas em zonas tão recuadas do campo. E esta é indubitavelmente a fórmula correcta para subjugar os adversários. Mesmo em dias menos inspirados, estar sempre tão próximo da meta, poderá revelar-se determinante”. Porém, para garantir este cenário, é fundamental não perder a bola até garantir a invasão do meio-campo adversário. E finalmente, o mais importante. A equipa que perde poucas vezes a bola, obviamente terá mais tempo a bola e deste modo estará mais próxima de cumprir o objectivo máximo do jogo e de não sofrer golos.

É certo que existem equipas fortes nos momentos de transição. Porque são constituídas por jogadores com essas características e / ou, porque treinam o seu jogo nesse sentido. Contudo, se as observarmos a longo prazo, percebemos que são potencialmente fortes em jogos em que não são impelidas a ter iniciativa no momento ofensivo, conseguindo, por vezes, desempenhos interessantes em competições de eliminação. Porém em competições de muitas jornadas, onde a regularidade é fundamental e onde por vezes defrontam adversários com mentalidade de jogo similar, apresentam normalmente dificuldades em obter classificações elevadas. Nos momentos de transição ofensiva, uma equipa pode perder poucas vezes a bola? Pode se nesses momentos a situação terminar em golo ou remate falhado para fora do campo e consequentemente trouxer uma situação de bola parada. O que, naturalmente, é extremamente difícil de acontecer. Caso contrário a bola passa para o adversário e a equipa encontra-se dispersa pelo campo, tendo que recuperar o seu posicionamento defensivo no mínimo tempo possível.

É comumente aceite a negatividade da perda de bola, mas paralelamente sentimos que à mesma não é dada a importância que na realidade tem, pela forma como afecta todo o jogo da equipa e a relação com o adversário. É constantemente desvalorizada em favor de outros comportamentos. Sendo a estatística hoje muito debatida, um dado geral, que depois carecerá de um contexto em relação à forma de jogar da equipa e provavelmente à função ou espaço onde se encontra o jogador que perde a bola, sentimos que a perda de bola, poderá talvez ser, a seguir aos golos marcados e sofridos… o dado estatístico mais importante do jogo.

“Temporizar é muito importante. Para mim é fundamental. Decidir bem. Posso dar um exemplo: muitas vezes nós falamos no designado “contra-ataque”, para mim, para transitar bem para o ataque e rápido, é preciso fazê-lo com boas decisões, porque na maior parte das vezes, o transitar rápido com perda de bola no primeiro ou no segundo passe, tem a consequência de apanhar a equipa a abrir para atacar, e levarmos com golo logo a seguir”.

(Vítor Pereira, 2014)

“Sempre que joga, tem estado em alto nível.(…) Ficará muito tempo. Enquanto aqui estiver, ele não sai. Ficará comigo. (…) Os bons jogadores adaptam-se em qualquer lado e muito rapidamente. Ele tem golo e assistência. E não perde a bola, o que é muito importante para mim.”

(Guardiola, 2017 & 2018) sobre Bernardo Silva