“O importante não são os números, mas sim a dinâmica da equipa.”

Na conferência de imprensa da selecção portuguesa, João Mário foi ao encontro de uma ideia defendida por nós. À luz do seu conhecimento do jogo, o jogador português descreve que cada vez dá menos importância aos “números”, portanto aos sistemas, e que tacticamente, o mais importante é a dinâmica que a equipa manifesta.

Dada a natural evolução táctica que o jogo apresentou, a estrutura posicional da equipa – sistema táctico, ganhou uma importância nuclear, assumindo-se como a principal referência para transmitir e analisar a organização das equipas. Uma das razões para este facto, foram mesmo as diferentes implicações na dinâmica das equipas e consequentemente na cultura de jogo, que as diferentes mudanças estruturais trouxeram.

Contudo, tal como noutras dimensões da intervenção do treinador no jogo, esta “catalogação” estrutural, foi extremamente redutora. É hoje claro, que o mesmo sistema pode absorver diferentes dinâmicas, diferentes princípios, e até mesmo diferentes culturas e formas de compreender o jogo.

Vamos mais longe e levantamos um problema para nós óbvio quando se caracteriza de forma geral uma equipa atribuindo-lhe um determinado sistema. Já excluindo os momentos de transição e os naturais posicionamentos colectivos mais caóticos que deles resultam, questionamos qual foi o momento de jogo, se a organização ofensiva ou organização defensiva da equipa que esteve na base dessa “fotografia” da estrutura posicional do seu jogo. Isto porque nesta fase da evolução táctica do jogo, todas as equipas apresentam determinados posicionamentos no momento defensivo e outros bem diferentes no momento ofensivo. Dando dois exemplos simples, é comum vermos uma equipa atacar numa estrutura de 1:4:3:3 e defender numa estrutura de 1:4:5:1, e aqui sem caracterizar eventuais posicionamentos altos dos defesas laterais no momento ofensivo. Por outro lado, é também cada vez mais comum vermos equipas em organização defensiva num estrutura de 4 jogadores na sua última linha, e que no momento ofensivo se transforma, com a subida dos defesas-laterais e o recuo de um médio-centro, numa estrutura de 3 jogadores. E como a caracterizamos? 1:4:X:X ou 1:3:X:X? Tomando como referência apenas um desses momentos, não será isso redutor? Não serão os dois momentos igualmente importantes na organização geral e qualidade de jogo da equipa? No pontapé de saída? Mas esse até é um momento estático em que nem se está a jogar, e por outro lado cada vez surgem mais equipas a tentar fazer dele uma oportunidade para utilizarem um esquema táctico, ou seja, uma situação mais ou menos fechada trabalhada previamente, em que os jogadores assumem um posicionamento muito específico.

Por outro lado, se analisarmos os diferentes comportamentos das equipas dentro de cada um desses grandes momentos do jogo, também percebemos que as equipas a esse nível de organização, variam muito de estrutura. Por exemplo, uma equipa pode pressionar alto em determinada estrutura, mas apresenta outra quando se encontra a defender junto à sua área.

Vários autores, nomeadamente treinadores portugueses, como são exemplos José Mourinho, Jorge Jesus, Vítor Pereira e André Villas-Boas, atribuem importância ao sistema enquanto ponto de partida, ou seja, como mais um princípio. São porém unânimes em entender como decisiva a dinâmica criada a partir do mesmo. O nosso ponto é que diferentes momentos e sub-momentos do jogo, logo, diferentes princípios, diferentes dinâmicas e consequentemente diferentes… sistemas. Portanto, é redutor e irrelevante identificar determinada equipa através de um sistema.

No exemplo, provavelmente mais contundente, em 1974, um traço que marcou a Holanda de Rinus Michels e Johan Cruyff, foi a permanente troca de funções e também variabilidade posicional dos seus jogadores, nomeadamente no momento ofensivo do jogo. Como resultado, se hoje fizermos uma pesquisa ao sistema táctico da selecção holandesa presente nesse campeonato do mundo, surgem-nos diferentes estruturas com os mesmos jogadores.

Desta forma, sentimos, para a evolução teórica do jogo, e uma vez mais indo ao encontro da sua natureza complexa, ser importante evoluir para outra caracterização das equipas, pois a actual forma, para além de redutora, é consequentemente um problema para os treinadores, analistas, e naturalmente para os jogadores.