Tag Archive for: transição ofensiva

Contra-ataque

“(…) o contra-ataque organizado permite-nos, depois de termos recuperado a bola, usar a nosso favor o que deveria ser um momento de pressão por parte dos adversários. Esta estratégia consiste em atacar (velozmente) o espaço que há nas costas dos adversários com um passe direto a um companheiro que se oferece em profundidade. É uma solução tática que permite usar de maneira óptima a superioridade numérica que se cria e, para a empregar o melhor possível, é necessário compreender que a mesma só será realmente eficaz com certos movimentos coletivos correctos.”
(Carlo Ancelotti, 2013)

O contra-ataque, e… ou melhor… ou, o ataque rápido

“Algumas pessoas satisfazem-se com o que já sabem, é como se seu conhecimento coubesse numa piscina. Dão algumas braçadas para um lado, outras braçadas para o outro, agarram-se às bordas e tocam o fundo com os pés: sentem-se seguras nessa amplitude restrita. Mas nada como mergulhar num mar do conhecimento sem fim, onde não há limites, a profundidade é oceânica e a ideia é nadar sem chegar à terra firme, simplesmente manter-se em movimento. Cansa, mas também revitaliza.”

Martha Medeiros, citada por (Casarin, et al., 2013)

O tema não é novo. Noutros artigos já abordámos superficialmente o assunto e já tencionávamos explorá-lo no futuro com outra profundidade. Uma discussão de âmbito internacional, que se iniciou no twitter de um treinador alemão e que passou para um forúm levou-nos a fazê-lo neste momento. Naturalmente, é-nos impossível e também não é objectivo do projecto abordar todas as discussões interessantes sobre futebol que vão acontecendo na televisão ou internet. A relevância deste assunto, prende-se, para nós, com a confusão geral em que mergulhou, em trabalhos académicos e entre treinadores e jogadores, tal como o próprio tópico da discussão ilustra. Deste modo, o assunto assume especial importância uma vez que se trata de entendimento e conhecimento do jogo, portanto, questões fundamentais no papel do treinador.

A situação de jogo passou-se no jogo Magdeburg x Holstein Kiel da segunda divisão alemã. A discussão gerou-se sobre se a situação de jogo configurava uma situação de contra-ataque ou não. Para mais, porque segundo o autor do tweet, o próprio treinador do Magdeburg a descreveu como um contra-ataque.

É ainda recorrente, um treinador, jogador, ou analista referir “contra-ataque e ataque rápido”, a propósito de uma só situação de jogo, como se ambas as expressões descrevessem o mesmo. Se fosse esse o caso, uma delas seria redundante.

A confusão poderá resultar do entendimento clássico do jogo, também transmitido nos cursos de treinadores de Futebol e nas aulas de Futebol da maioria das Universidades, o qual contemplava apenas dois momentos (fases), a ofensiva, e a defensiva. Consequentemente, sugeriam-se métodos de jogo para cada um dos momentos. De uma forma geral, no momento (fase) defensiva surgiam por exemplo a “defesa individual”, a “defesa mista” e a “defesa zona”. No momento (fase) ofensivo, o “ataque organizado ou posicional”, o “ataque rápido” e o “contra-ataque”. O autor (Castelo, 1994), explica que um método de jogo “exprime a forma geral de organização das acções dos jogadores tanto no Ataque como na Defesa estabelecendo princípios de circulação e de colaboração no seio de um dispositivo de base (sistema de jogo) previamente estabelecido”.

A questão, é que não se compreendendo o jogo e as diferenças entre os vários métodos, tende-se a procurar um entendimento simples de algo que na realidade não o é. Assim, sendo a velocidade das acções um traço comum e evidente entre as situações de contra-ataque e de ataque rápido, vão-se colocando, ambas, muitas vezes no mesmo “saco”. Um exemplo foram vários trabalhos académicos realizados em torno deste tema, que também seguiram o mesmo entendimento, colocando o contra-ataque e o ataque rápido logo após a recuperação da bola e distinguindo-os, por exemplo, através de critérios quantitativos como tempo de duração e número de passes realizados. Se por um lado, dados quantitativos possam levar a uma leitura e interpretação redutora da realidade, por outro, o maior problema desta distinção é que está principalmente focada em acções da própria equipa, quando estamos perante um jogo, que enquanto tal, sustenta-se na interacção entre duas equipas, e sendo assim, a decisão de como atacar passará muito pela forma como o adversário se encontra em determinado momento do jogo.

E devemos acrescentar que a questão não passa pelo entendimento que cada um de nós tem destes conceitos. Portanto, nada melhor que percebermos o léxico utilizado para identificar os dois métodos. Se um contra-ataque pressupõe uma acção “contrária ao ataque”, é fácil entender que o mesmo surge, inevitavelmente, após recuperação da bola ao ataque adversário. Por outro lado, ataque rápido, indica-nos uma situação em que, durante o ataque, portanto durante o momento ofensivo, a equipa deu velocidade ao seu jogo com o objectivo de chegar rapidamente a uma situação de finalização.

A evolução do entendimento do jogo para o ciclo dos quatro momentos, o qual adoptamos, vem clarificar esta questão. Assim, no domínio teórico, com o aparecimento dos momentos de transição, os dois métodos separam-se automaticamente, surgindo o contra-ataque no momento de transição ofensiva e o ataque-rápido no momento organização ofensiva. Contudo, esta teorização do jogo tem obrigatoriamente fundamento na prática. Como já referimos no passado, surgiu-nos como necessidade prático-teórica, a evolução da sistematização do jogo, sendo a clarificação destes conceitos, um bom exemplo desta necessidade.

A nossa perspectiva integra o contra-ataque como um sub-momento, opcional, da transição ofensiva. Opcional, porque, após o sempre presente sub-momento “reacção ao ganho”, ou seja o momento da recuperação de bola, a equipa pode decidir por contra-atacar ou valorizar / manter a posse de bola e entrar em organização ofensiva. O contra-ataque, antecedido então por recuperação da bola, surge quando a equipa procura atacar a baliza adversária, dada uma configuração de jogo favorável em espaço e / ou número. De forma a aproveitar as circunstâncias vantajosas, naturalmente que a equipa tem de ser rápida nas suas acções.

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/357574801751102/

As equipas escolhidas para ilustrar as diferentes situações não foram inocentes. Sento o Manchester City de Pep Guardiola, muitas vezes catalogada como uma equipa de posse, a verdade é que sempre que o jogo lhe fornece um contexto para contra-atacar, a equipa fá-lo com uma qualidade incrível. Nesta situação de Transição Ofensiva, apesar do muito tempo entre a recuperação e o contra-ataque, a equipa adversária optou por permanecer no sub-momento, reacção à perda da bola, procurando recuperá-la nesse timing, assim, não se reorganizou para defender e acabou por permitir espaços de circulação e penetração para o City chegar à tal situação favorável de espaço, e neste caso, também número, para desenvolver o contra-ataque.

O ataque rápido surge-nos, para nós, como um meio / recurso / método, no sub-momento de criação da organização ofensiva. Não sendo antecedido de recuperação de bola, caso contrário, seria o mesmo que o contra-ataque, o ataque rápido surge, quando, no momento de organização ofensiva, a equipa, encontra, por mérito em construção ou demérito adversário em impedir essa construção, uma condição favorável em espaço e / ou número para criar uma situação de finalização. Pelas mesmas razões que o contra-ataque, também nesta situação a equipa também tem que ser rápida nas suas acções.

Análise de (Pedro Bouças, 2017) no Lateral Esquerdo.

O Liverpool de Jürgen Klopp, também muitas vezes catalogada de uma equipa de contra-ataque, chega nas duas situações ilustradas, em Organização Ofensiva, precisamente em construção pela sua primeira linha, a um espaço entre-linhas onde encontrou a tal condição favorável em espaço e / ou número para criar duas situações de finalização.

Ambos os comportamentos constituem-se também como invariantes, ou seja, surgem no jogo, independentemente das ideias desenvolvidas por cada equipa. São no fundo um exemplo de fractais que o jogo de Futebol produz. A sua proporção, no número de vezes em que ocorrem, é que em função dessas ideias, se torna diferente de equipa para equipa.

E podem ainda, em cada caso concreto, ser avaliadas do ponto de vista da sua eficiência, eficácia e mesmo estética. Portanto, se um ataque-rápido, ou um contra-ataque foi decidido de forma inteligente, ou então se os mesmos se identificam como erros de decisão, possivelmente influenciados por uma vertigem cultural, muitas vezes quase permanente, para a velocidade das acções, independentemente da configuração do jogo. Porém, por outro lado, vai surgindo cada vez mais, o exemplo oposto. Equipas tão obcecadas com uma suposta cultura de posse de bola, que muitas vezes, e excluímos desta leitura determinados momentos estratégicos nos jogo, estando perante condições favoráveis para decidir um contra-ataque ou um ataque rápido, decidem, de forma pouco inteligente manter a posse e circulação da bola.

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/328786711315222/

A situação discutida, como o video identifica, coloca o Holstein Kiel, após ganhar o jogo aéreo de uma bola proveniente do Guarda-Redes adversário, num primeiro momento da Transição Ofensiva, assim, em reacção ao ganho da bola. Após sair da zona de pressão, a equipa não tem possibilidade de decidir o contra-ataque e opta pela valorização da posse de bola, tanto, que acaba mesmo a circulá-la pelo seu Guarda-Redes, surgindo assim, tempo e espaço para o adversário se reorganizar para defender. A equipa entra então em Organização Ofensiva. Perante a pressão alta adversária, o Guarda-Redes, optando por um passe longo no corredor lateral, acaba por conseguir chegar ao jogo entre-linhas e propiciar à equipa, a tal condição favorável em espaço e / ou número para criar uma situação de finalização. É o que sucede: a equipa dá velocidade ao seu jogo, chegando à profundidade e ao golo. Nestas circunstâncias, a partir do momento em que a bola entra entre-linhas, num atacante enquadrado com a baliza adversária, é portanto uma situação de ataque rápido.

Insistimos que não estamos perante um “tão só” problema de terminologia e muito menos de semântica. Entender o jogo é a base para entender o seu treino e a base para transmitir qualquer ideia a uma equipa. Paralelamente, a organização dos exercícios de treino, ou a análise de jogo, são outros bons exemplos da sua pertinência.

“(…) mesmo no jogo mais rápido há trabalho de casa, e há inteligência. Porque ser inteligente é explorar a forma mais rápida de chegar à baliza adversária em boas condições. A grande questão, é que na maioria das vezes, lá chegar com boas condições demora demasiado e exige mais elaboração e paciência. Quando não é o caso, tudo óptimo em relação a quem faz rápido, e com boas probabilidades de sucesso.”

(Pedro Bouças, 2018)

Um contra-ataque 3×2+GR

“A sorte está nos detalhes.”

(Jorge Maciel, 2017)

Entre as muitas situações de jogo que se passaram no passado fim-de-semana, destacamos esta, que ocorreu no jogo entre Wolverhampton e Newcastle. Trata-se de uma situação de contra-ataque 3×2+GR, portanto, na nossa sistematização do jogo, situa-se no momento Transição Ofensiva, sub-momento Contra-Ataque. A pertinência da mesma prende-se com a elevada taxa de insucesso com que esta situação é resolvida no jogo, e simultâneamente, com o potencial que possui para que a equipa crie uma extremamente favorável oportunidade de finalização.

Trazendo a realidade do Futsal, na generalidade, o contra-ataque 3×2+GR, é uma situação que é resolvida de forma muito mais eficiente, e consequentemente, mais eficazmente. A explicação parece-nos simples: há conhecimento para a resolver e é-lhe dada muita relevância no treino. E provavelmente, é-lhe dada essa importância porque existe uma consciência dos treinadores que a situação se repete muitas vezes ao longo do jogo. No Futebol, ao invés, não é uma situação frequente. Porém, se por norma, nos jogos de Futsal sucedem mais golos que nos de Futebol, então, no caso do Futebol, uma boa resolução de apenas uma situação, pode-se tornar decisiva no desfecho de um jogo. Foi muito provavelmente, o que se passou neste jogo.

Este é mais um exemplo da enorme complexidade do jogo de Futebol. Mais número (jogadores), mais espaço, mais tempo, tornam-no rico em diferentes situações de jogo, que elevam o caos, e consequentemente a sua aleatoriedade. Pegando no exemplo da situação de contra-ataque que trazemos neste artigo, se num jogo de Futsal de GR+4×4+GR, o contra-ataque já assume muitas configurações diferentes, um jogo de GR+10×10+GR irá exponenciar a variabilidade desta situação. Assim sendo, o seu treino torna-se também muitíssimo mais complexo. No entanto, e pensando de forma geral, a capacidade de adaptabilidade e o limite ao desgaste são similares para ambos os desportos, porque o homem que o joga é o mesmo. Torna-se portanto decisivo para o treinador, não só o conhecimento do jogo e do treino, mas também a selecção de conteúdos e a sua dose, para que de facto se crie a adaptação mais favorável ao melhor desempenho.

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/404076873470990/

  1. No primeiro momento em que o vídeo pára, identificamos oportunidade para Diogo Jota acelerar a condução e fixar um dos dois defensores. Optando pelo mais próximo do eixo central do campo, permitiria mais espaço e melhor enquadramento de finalização ao companheiro de equipa à sua esquerda. Fixando este defensor, Jota deveria, simulando um drible, a finalização ou a condução de penetração entre os dois defensores, provocar o defensor de forma a que este trocasse os apoios e assim surgisse a oportunidade para realizar o último passe para as suas costas, deixando-o em enormes dificuldades para recuperar e garantir contenção ao segundo atacante. Este ficaria assim, numa condição privilegiada para finalizar com sucesso.
  2. Precipitando o passe para o companheiro à sua esquerda, possibilidade que o defensor trocasse facilmente a contenção para Dendoncker, Diogo Jota toma depois uma segunda decisão muito boa, que acabaria por corrigir a primeira, através de uma desmarcação circular pelas costas do companheiro, garantindo-lhe assim, uma solução de último passe fácil que colocaria Jota num enquadramento muito favorável de finalização. “Bastava” que para isso, Dendoncker temporizasse, permitindo que o companheiro completasse o movimento, e ao mesmo tempo que fixasse o defensor. Ao contrário, o belga optou por um passe longo para Raúl Jiménez, de mais difícil execução e recepção, e que simultaneamente permitiria tempo, não só para que os dois defensores ajustassem a contenção / cobertura, como por outro lado, para que mais defensores recuperassem defensivamente, perdendo-se assim uma situação, de número e espaço, altamente favorável.

O treinador português Paulo Fonseca, entrevistado por (Rosmaninho, 2015) descreve o seu antigo treinador Jorge Jesus como extremamente exigente e preocupado com o detalhe, sendo as desmarcações um bom exemplo. Paulo Fonseca refere que Jesus faz o jogador pensar, o quando, o como e onde é que tem de receber a bola, para onde é que se tem de movimentar, em que momento, em que timing, e isso faz toda a diferença em certos momentos do jogo. Eu acho que a identificação deste detalhe não está ao alcance de todos”. Está patente que o conhecimento do jogo evoluiu abruptamente nos últimos anos. O autor (Romano, 2007), aludindo-se a um pensamento com mais de 15 anos, refere que “Queiroz (2003a) indica que, nos níveis de maior exigência, o treino evolui ao nível da complexidade e da especificidade do detalhe”. Na mesma linha de pensamento surge (Esteves, 2010), descrevendo que “quanto maior o nível de exigência, menor é a diferenciação qualitativa, e mais importância assume o elemento «detalhe»”. Também (Mourinho, 2010), descreve que “quando estamos a trabalhar algum exercício, estamos a trabalhar todas as vertentes. O mínimo detalhe entra no mínimo exercício, mesmo que possa parecer um exercício simples”. Porém, o autor (Campos, 2008) ressalva que a riqueza que deve surgir no detalhe deve ter sempre como pano de fundo os princípios de jogo“. Torna-se, portanto, cada vez mais importante dominar o detalhe, no enquadramento específico de um Modelo de Jogo, e fazê-lo emergir no treino, rentabilizando ao máximo cada sessão.

“O jogo de qualidade tem demasiado jogo (detalhe, imprevisibilidade) para ser ciência mas é demasiado científico (organizado) para ser só jogo.”

(Frade, 2003) citado por (Romano, 2007)

O “espectáculo” e o jogar bem. Novamente o trinómio Estética-Eficácia-Eficiência.

“O Desporto enquanto fenómeno cultural” é o título do segundo capítulo da introdução do projecto Saber Sobre o Saber Treinar. Não é uma opinião é um facto. Idealizado e produzido por homens, o desporto manifesta de forma clara as tendências culturais da sociedade na qual se enquadra. O autor (Neto, 2014) descreve que “na dinâmica do jogo de futebol encontramos uma magia inigualável. Na sua prática é possível condensar várias histórias e reproduzir muitas graças e desgraças da vida. Daí um dos seus principais encantos, uma magnífica construção cultural, uma obra de arte cuja magnitude social ainda não foi entendida por muitos pseudo intelectuais”. Deste modo, a emocionalidade com que é vivido é também fruto do contexto cultural onde se insere. Ao explicar que “o futebol, o jogo e o treino expressam de forma muito clara o modo como o sentimos e consequentemente, como nos enquadramos no que acontece”, (Frade, 2014), confirma precisamente esta ideia.

O treinador Juan Manuel Lillo, citado por (Cabral, 2016) sustenta que “o problema não é só do futebol, mas de uma sociedade em constante mudança, fruto de uma evolução tecnológica que promoveu o imediatismo como norma. A essência pela qual as coisas se faziam perdeu-se. No meu tempo tinha de passar por muitíssimo para ter dinheiro para comprar uma caderneta de futebol. Hoje, compram-se os cromos todos da caderneta de uma vez só, para despachar. Queremos tudo para ontem, sem percorrer o trajecto. A sociedade actual criou outro tipo de homem, e creio que somos actualmente mais filhos da sociedade do que dos nossos pais”. A cultura do instantâneo apoderou-se das nossas decisões e emoções, promove-se a impaciência, mesmo quando o caminho para resolver um problema, está fechado, ou não é evidente. Ir contra o “muro” é preferível do que parar, pensar e procurar outra solução. Castra-se a inteligência e o critério, aplaude-se a emocionalidade e irracionalidade enquanto espectáculo. O Xadrês perde entusiastas, ao contrário dos Shoot ’em up” das consolas que atraem massas. O Barcelona de Guardiola era aborrecido, a Premier League nesse mesmo tempo, em geral, entusiasmante.

Escrevíamos noutro artigo que não só o espectador comum, mas também “muitos treinadores, associam o “jogar bem” como uma preferência por um determinado estilo de jogo, portanto remetendo o jogo para a sua dimensão estética. Da mesma forma que este pensamento separa eficiência de eficácia, a estética surge assim também isolada, como algo que se pode optar por ter ou não, de forma a agradar os espectadores e tornar o jogo um bom ou mau espectáculo. Esta interpretação do jogo como arte, torna-se então subjectiva e relativa à individualidade, cultura e preferência pessoal de cada indivíduo que observa o fenómeno. Nesta perspectiva, o “jogar bem” não é discutível. Torna-se uma preferência pessoal, como alguém que prefere uma pintura impressionista ao invés de outra expressionista. Não é esta a nossa abordagem ao jogo, portanto para nós jogar bem tem um significado muito mais objectivo: o jogo de qualidade, sendo esta qualidade a que aproxime a equipa dos objectivos do jogo: marcar golo e não sofrer. Portanto, remete-nos para a eficiência. Se depois essa qualidade agrada o espectador, será então uma consequência”.

Assim, um jogo que agrade, estéticamente, a todos os espectadores, é uma utopia. Um jogo que agrade à maioria torna-se cada vez mais difícil, tendo em conta a cultura que vivemos. Isto se desejamos paralelamente à estética… eficiência e eficácia, tendo naturalmente em conta as regras e características do jogo de Futebol. Caso contrário, a nossa equipa cai por falta de rendimento. O Futebol está então perante uma potencial “crise existencial”.

A situação é clara. Equipa em vantagem, perde a bola, recupera, sai da pressão, não identifica condições para contra-atacar porque há pouco espaço para muitos adversários, decide então valorizar a posse de bola e tão bem o faz que provoca o adversário e leva-o á falta e ao cartão amarelo. A decisão não agradou ao público pois desejava uma decisão mais vertical e que a equipa procurasse a baliza adversária.

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/2329695470585063/

Depois, a equipa em construção, variação longa de corredor lateral, “os adeptos pedem que a equipa carrege… acelere”, o jogador cede à pressão vinda das bancadas, procura o ataque rápido em situação de inferioridade numérica e acaba por perder a bola.

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/702016630199296/

A bola chega novamente ao corredor lateral. Os adeptos exigem pressa e velocidade a atacar. A equipa, ao contrário, lê que a situação no corredor lateral não é favorável, temporiza, procura solução no corredor central, descobre espaço entre-linhas e solução de finalização.

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/1296731340478989/

Finalmente, antes das três situações anteriores, a construção que permitiu a vantagem no resultado.Circulação curta e apoiada… corredor central… fechado. Circulação curta e apoiada… corredor esquerdo… fechado. Circulação curta e apoiada… corredor direito… fechado. Circulação curta e apoiada… espaço entre-linhas no corredor central, apoio frontal, passe vertical, recepção orientada, novo apoio frontal, fixa, temporiza e espera a superioridade numérica, último passe e… sucesso.

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/1974763439484365/

A estética que envolveu este golo pode ser discutível. Afirmar que alguém tem que ser mais feliz assistindo a isto do que a um pontapé longo do Defesa-Central na profundidade, que é ganho pelo Avançado em velocidade aos adversários que não controlaram bem a sua profundidade… não é uma atitude democrática. Mas não compreender que a eficiência resultante do jogar manifestado nesta situação conduz muitas vezes à eficácia… também não é uma atitude racional. E por fim… como consequência, esta eficiência-eficácia gera “sentimento comum”, gera “sorrisos”, gera um… “namoro”. Produz-se cultura. Produz-se uma estética… apreciada.

“A proximidade

entre cada um

possibilitanto equidade

gera sentimento comum,

permitindo

apoios fáceis, curtos e viáveis

e sorrindo…

Se bem treinados

deles ficam enamorados

sentindo-os facilmente realizáveis.”

(Frade, 2014)

Cultura de jogo IV. “Atrás não se brinca” II.

“Johan Cruyff dizia: o mais importante no Futebol é que os melhores jogadores sejam os defesas. Se estás com a bola, consegues jogar; se não, não fazes nada.”

(Gonzalez, 2012)

No passado mês de Fevereiro publicámos um artigo sobre o momento de construção de Frenkie de Jong, jovem Defesa-Central do Ajax. Escrevíamos então, lembrando a cultura que Kovács, Michels e Cruyff desenvolveram no Ajax, que “quase 50 anos depois, no mesmo país, Frenkie de Jong, aos 20 anos, provavelmente influenciado pelas mesmas ideias de jogo que ainda pairam no Ajax de Amesterdão, apresenta a mesma cultura de jogo. Sem receio, conduz, fixa, dribla e penetra sistematicamente a primeira linha de pressão adversária. Derruba, novamente, preconceitos enraizados na nossa cultura”.

Aos 19 anos, um ainda mais jovem Defesa-Central holandês, Matthijs de Ligt… também formado e jogando no Ajax… apresenta ideias similares. Indiscutívelmente… ambos têm imenso talento, porém, é a cultura que lhes proporciona jogarem desta forma. Caso, o seu processo de formação castrasse estes comportamentos, seguramente que hoje não os apresentavam, ou pelo menos com a regularidade e confiança com que surgem.

A situação específica que publicamos é de Transição Ofensiva, no seu sub-momento de reacção ao ganho da bola, que manifesta ainda maior risco do que a Construção uma vez que nesse contexto, caso o portador da bola a perca novamente está a apanhar companheiros a abrir ou à procura de espaços à frente da linha da bola, e tal poderá ser, nesse momento, fatal para a equipa.

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/493781711097734/

Matthijs de Ligt contraria ainda a ideia que, no momento da recuperação da bola, a saída da zona de pressão deve ser realizada através de passe. À imagem da situação de 2×1+GR, talvez na maioria das vezes. Outras porém, pelo posicionamento e decisões dos opositores, a solução mais eficaz será mesmo a condução e o drible.

“gastem dinheiro com os defesas, sobretudo com os centrais! (…) Pode parecer paradoxal, uma equipa com um futebol ofensivo, de posse, de muitos golos e tem que investir em defesas? Claro, é onde tudo começa. Se defesas (e Guarda-Redes dizemos nós) não conseguem construir, todo este conceito se complica e o jogo já não será o mesmo. Nas minhas ideias o Guarda-Redes e defesas centrais são os primeiros avançados. E um central ter a capacidade de construir não é ter boa capacidade técnica. Tem que ter um grande entendimento do jogo ofensivo e ser muito bom na capacidade de decisão. Por isso, é tão difícil encontrar centrais para este tipo de jogo. Por isso, o Barcelona opta muitas vezes por colocar médios na posição de defesa central”.

Pep Guardiola citado por (Tactic Zone, 2013)

O segundo dado estatístico mais relevante do jogo de Futebol

“O privilegiar o jogo apoiado permite à Espanha não ter que andar sistematicamente em transições por perda de bola e quando isso acontece, encontram-se perto, o que lhes permite fazer uma aproximação (pressão) mais rápida.”

(Marisa Gomes, 2010)

Num artigo publicado recentemente, referia-se que jogar bem é bastante mais que “ter momentos de brilhantismo e criatividade”. Segundo o autor “jogar bem tem tudo a ver com a percentagem de acerto das acções que se realizam. Fazer três golos e perder noventa bolas na mesma partida, não é jogar bem”. Não podemos estar mais de acordo.

O pensamento tradicional e a perspectiva do jogo enquanto espectáculo, empurra-nos a todos para as acções que envolvem a bola, nomeadamente para o centro do jogo, e aí, em particular para as acções, que como o autor referiu, “tenham impacto no resultado”, ou então, que promovam para o espectador, a espectacularidade do jogo, o que é sempre relativo. São muitas vezes esquecidas tantas outras acções, dento e fora do centro do jogo, que embora pareçam mais simples, são cruciais para a estabilidade do jogo de uma equipa. Deste modo são desvalorizadas perdas de bola resultantes de más decisões se o jogador em causa entretanto teve um rasgo de habilidade, criatividade ou marcou um golo. Como o autor sublinhou, não que estas acções não sejam importantes no jogo, mas essencialmente porque as perdas de bola também o são e a maioria dos espectadores, muitos jogadores e até treinadores, não compreendem como as mesmas afectam o jogo de uma equipa.

Pensando o jogo de forma complexa, ou seja, procurando as relações entre os seus acontecimentos, constatamos que a acumulação de perdas de bola, pela equipa, ou por um jogador em particular, aumentam o número de momentos de transição, consequentemente, os momentos de desorganização posicional, a necessidade de deslocamentos e de velocidade na reorganização posicional. Consequência de tudo isto, cresce o desgaste, na sua relação físico-emocional, aumenta a dificuldade da decisão e da execução. O jogo torna-se, portanto, mais difícil. Reforçando, perante jogos com estas características, normalmente assiste-se à acumulação de mais perdas de bola nos próprios momentos de transição e a situações de descontrolo emocional que levam os jogadores a comportamentos desviantes em relação ao próprio jogo.

Se, por outro lado, pensarmos na equipa que perde poucas vezes a bola, podemos extrair daí várias consequências no seu jogo. A equipa permanece mais junta, joga em menos espaço, potencialmente desgastar-se-á menos, mantém-se mais junta nos momentos de perda, empurrará o adversário para junto da sua baliza, potencialmente retira confiança ao mesmo e emocionalmente exercerá um papel dominante no jogo. Neste contexto, (Bouças, 2011) defende que “para qualquer equipa que se pretenda dominadora, jogar com os defesas tão próximos da linha do meio campo, é um risco claramente compensatório, se os restantes jogadores se mantiverem concentrados e capazes de impedir que o adversário tenha demasiado tempo para decidir e executar. Jogar tão alto, retira imensa capacidade para poder ser clarividente ao adversário. Ninguém, particularmente quando a qualidade não abunda, arrisca em zonas demasiado recuadas. Não raras vezes, após a perda de bola, se torna a recuperar rapidamente a sua posse, somente porque o adversário se vê obrigado a jogar longo e sem nexo, por forma a não arriscar perdas em zonas tão recuadas do campo. E esta é indubitavelmente a fórmula correcta para subjugar os adversários. Mesmo em dias menos inspirados, estar sempre tão próximo da meta, poderá revelar-se determinante”. Porém, para garantir este cenário, é fundamental não perder a bola até garantir a invasão do meio-campo adversário. E finalmente, o mais importante. A equipa que perde poucas vezes a bola, obviamente terá mais tempo a bola e deste modo estará mais próxima de cumprir o objectivo máximo do jogo e de não sofrer golos.

É certo que existem equipas fortes nos momentos de transição. Porque são constituídas por jogadores com essas características e / ou, porque treinam o seu jogo nesse sentido. Contudo, se as observarmos a longo prazo, percebemos que são potencialmente fortes em jogos em que não são impelidas a ter iniciativa no momento ofensivo, conseguindo, por vezes, desempenhos interessantes em competições de eliminação. Porém em competições de muitas jornadas, onde a regularidade é fundamental e onde por vezes defrontam adversários com mentalidade de jogo similar, apresentam normalmente dificuldades em obter classificações elevadas. Nos momentos de transição ofensiva, uma equipa pode perder poucas vezes a bola? Pode se nesses momentos a situação terminar em golo ou remate falhado para fora do campo e consequentemente trouxer uma situação de bola parada. O que, naturalmente, é extremamente difícil de acontecer. Caso contrário a bola passa para o adversário e a equipa encontra-se dispersa pelo campo, tendo que recuperar o seu posicionamento defensivo no mínimo tempo possível.

É comumente aceite a negatividade da perda de bola, mas paralelamente sentimos que à mesma não é dada a importância que na realidade tem, pela forma como afecta todo o jogo da equipa e a relação com o adversário. É constantemente desvalorizada em favor de outros comportamentos. Sendo a estatística hoje muito debatida, um dado geral, que depois carecerá de um contexto em relação à forma de jogar da equipa e provavelmente à função ou espaço onde se encontra o jogador que perde a bola, sentimos que a perda de bola, poderá talvez ser, a seguir aos golos marcados e sofridos… o dado estatístico mais importante do jogo.

“Temporizar é muito importante. Para mim é fundamental. Decidir bem. Posso dar um exemplo: muitas vezes nós falamos no designado “contra-ataque”, para mim, para transitar bem para o ataque e rápido, é preciso fazê-lo com boas decisões, porque na maior parte das vezes, o transitar rápido com perda de bola no primeiro ou no segundo passe, tem a consequência de apanhar a equipa a abrir para atacar, e levarmos com golo logo a seguir”.

(Vítor Pereira, 2014)

“Sempre que joga, tem estado em alto nível.(…) Ficará muito tempo. Enquanto aqui estiver, ele não sai. Ficará comigo. (…) Os bons jogadores adaptam-se em qualquer lado e muito rapidamente. Ele tem golo e assistência. E não perde a bola, o que é muito importante para mim.”

(Guardiola, 2017 & 2018) sobre Bernardo Silva

Momentos e Sub-Momentos do jogo… uma proposta

Como prometido no passado, publicamos a nossa interpretação do jogo de futebol e proposta para a sua sistematização.

Em primeiro lugar poder-se-á questionar a relevância de sistematizar o jogo de e interpretá-lo teoricamente. Apesar do próprio jogo mostrar caminhos e promover a auto-aprendizagem, potenciar essa aprendizagem com outras ferramentas, é para nós fundamental, nomeadamente no papel de treinador. Neste sentido, um modelo simples que explique os momentos do jogo e a sua ligação, garantirá uma enorme ajuda à compreensão do jogo e ao seu ensino aos jogadores.

Isto, independentemente da idade e nível de jogo em que trabalhamos, uma vez que vão surgindo diversos exemplos de alto e baixo conhecimento do jogo em todos os escalões etários e níveis competitivos. Porém, o jogador não se constitui como o único destinatário deste trabalho. Todos os que gostam do jogo, e desejam compreender um pouco mais a sua complexidade e dinâmica, acreditamos que vão encontrar nesta sistematização um caminho acessível.

Para o próprio treinador, não só permite, a partir daqui, uma organização mais complexa das suas ideias de jogo (princípios, comportamentos, acções, etc.) dentro de cada sub-momento do jogo, como também lhe permite categorizar exercícios de treino face à interpretação da sua dominância. Consequentemente, esta proposta, possibilita ainda ao treinador ou ao analista catalogar videos de acções de jogo da sua equipa ou de terceiras de forma acessível. Este tem sido um trabalho que temos desenvolvido, o qual já nos possibilitou uma biblioteca que ultrapassou o milhar de vídeos, e que entre outros objectivos, servirá para ilustrar os comportamentos de jogo defendidos no tema do nosso projecto, a publicar futuramente – Ideia de Jogo.

A sistematização do jogo de Futebol já leva uma considerável história. Desde o momento em que outras modalidades contribuíram para o desenvolvimento da teorização do jogo, destacando-se os trabalhos de Friedrich Mahlo,  Leon Teodorescu e Jean-Grancis Grehaigne, passando pelo contributo fundamental em Portugal de Carlos Queiroz e Jesualdo Ferreira, quando em 1983 apresentaram uma proposta de sistematização do jogo de Futebol, à actual visão do jogo sob quatro momentos fundamentais: Organização Ofensiva, Transição Defensiva, Organização Defensiva e Transição Ofensiva, que entretanto se generalizou.

Momentos do jogo

A nossa proposta surge, não só de uma necessidade de desconstruir os momentos de organização para que sejam mais facilmente entendidos e treinados, como principalmente explicar os momentos de transição, os quais, apesar de actualmente aceites e reconhecidos pela sua importância capital no jogo, geram no entanto, ainda muitas dúvidas e por vezes interpretações erradas.

Explicando-a concretamente, a partir dos quatro grandes momentos de jogo, criámos três sub-momentos para cada um deles. Nos momentos de Organização, sentimos que a proposta de Queiroz e Jesualdo continua a garantir resposta para as necessidade desses momentos do jogo. No entanto, necessitámos de distingui-los de forma mais objectiva, uma vez que nos fomos apercebendo de visões muito díspares do que seriam a construção, criação, finalização e em oposição, o impedir a construção, impedir a criação e impedir a finalização.

Assim, no momento de Organização Ofensiva, identificado pela cor verde, entendemos os três sub-momentos:

  1. Construção: quando ambas as equipas se encontram dentro da sua organização para atacar e defender e quando a bola se encontra fora do bloco da equipa que defende.
  2. Criação: quando a equipa que ataca consegue penetrar no bloco da equipa que defende e surge perante a última linha adversária ou a última linha e mais um médio em contenção. A excepção é quando a equipa que ataca procura um jogo mais directo, de ataque à profundidade, ou seja, de passe directo para o espaço entre a última linha de quem defende e o seu Guarda-Redes, o que acaba por se configurar como uma situação de último passe, independentemente do grau de dificuldade superior da acção. Neste sub-momento, integram-se também todas as situações de bola parada ofensivas que poderão permitir um último passe ou cruzamento e finalização. Devemos referir que compreendemos as opiniões que distinguem as situações de bola parada como um quinto momento do jogo, porém a nossa interpretação é que, independentemente do jogo estar parado ou em movimento, se uma equipa está organizada para defender essas situações e a outra para atacar, então estarão dentro da sua Organização Defensiva e Organização Ofensiva, respectivamente.
  3. Finalização: todas as acções que visam o momento final de ataque à baliza adversária, portanto, a acção individual ofensiva de remate, independentemente da superfície corporal envolvida. Aqui também se integram as situações de bola parada ofensivas que poderão permitir um remate directo à baliza. Importa ainda referir que a finalização pode até surgir quando a equipa que ataca tem pela frente todo o bloco adversário ou parte do mesmo. Contudo, se quem ataca conseguiu chegar ao remate, esses momentos de organização defensiva adversários falharam de alguma forma.

Em oposição o momento de Organização Defensiva, identificado pela cor vermelha, sub-divide-se em três sub-momentos que irão procurar garantir oposição aos anteriores comportamentos ofensivos:

  1. Impedir a construção: os momentos em que a equipa que defende procura não permitir a entrada da bola no interior do seu bloco. Os comportamentos de pressing, quer seja alto, médio ou baixo, são um bom exemplo para este sub-momento defensivo.
  2. Impedir a criação: quando a equipa que defende não consegue impedir que a bola entre no interior do seu bloco e a sua última linha é a penúltima barreira entre si e a sua baliza. Ou então as acções que visem impedir ou interceptar um passe longo e directo para o espaço entre a última linha da equipa e o seu Guarda-Redes.
  3. Impedir a finalização: quando toda a equipa, menos o Guarda-Redes, foi ultrapassada. Portanto, contrapondo ao sub-momento ofensivo de Finalização, aqui, a última barreira é o Guarda-Redes e os seus comportamentos de defesa da baliza.

Esta proposta de distinção entre os momentos de construção e criação, parece-nos altamente pertinente. Durante muito tempo apercebemo-nos que muitos autores e treinadores identificavam estes sub-momentos / fases pelo espaço do campo onde as equipas atacavam e defendiam. Essa interpretação parece-nos errada, uma vez que uma equipa pode estar em construção junto à sua área ou perto da área adversária, pois nos dois casos, perante por exemplo adversários que respectivamente defendam com o seu bloco, posicionado alto ou baixo no campo, poderá estar com todos os jogadores adversários ainda por bater. Por outro lado, uma equipa que posicione a sua última linha alta no campo, um momento de ruptura ou último passe de quem ataca pode surgir ainda no meio-campo de quem ataca. Deste modo, a correlação dos sub-momentos ofensivos e defensivos com espaços no campo está para nós desfasada da realidade que é o jogo. Então, a relação entre as duas equipas, e se quem defende ainda está usar toda a sua organização defensiva ou apenas parte da equipa, e se ao contrário, quem ataca ainda tem duas / três linhas adversárias para ultrapassar ou apenas uma, parece-nos uma visão mais aproximada da interacção e realidade dinâmica que o jogo promove, e assim um melhor caminho para distinguir esses sub-momentos ofensivos e defensivos do jogo.

Mas será nos momentos de transição que a nossa proposta pretende ir mais longe. Independentemente da interpretação dos sub-momentos / fases, da Organização Ofensiva e Defensiva, já Carlos Queiroz e Jesualdo Ferreira procuraram sistematizar essas estruturas complexas do jogo. Há cerca de 15 anos atrás, com a difusão e aceitação dos momentos de transição, surgiram então mais dois momentos do jogo para compreender. Neste âmbito tem surgido alguma confusão de conceitos, e simultaneamente sentimos a necessidade de interpretar a Transição Defensiva e a Transição Ofensiva de forma a encaixar-lhes comportamentos e acções, para posteriormente explicar a sua lógica aos jogadores e trabalhá-los pelo Modelo de Jogo que cada treinador idealiza. Neste sentido, sentimos ainda a necessidade de lhes atribuirmos uma lógica sequencial teórica, tal como sucede nos dois momentos de Organização.

Desta forma, para o momento de Transição Defensiva, para nós representado pela cor amarela, propomos os três sub-momentos:

  1. Reacção à perda da bola: os instantes, ainda no centro de jogo, imediatos à perda da bola. Os comportamentos defensivos a adoptar nessa situação. Para a maioria dos treinadores, o objectivo fundamental será não só tentar de imediato a recuperação da bola, mas não permitir ao adversário a possibilidade de contra-atacar. Portanto, impossibiltá-lo ou atrasá-lo em sair com a bola dessa zona de pressão e procurar espaços para desenvolver o contra-ataque.
  2. Recuperação defensiva: na tal lógica sequencial, se o adversário conseguiu sair da zona de pressão, independentemente dos jogadores fora do centro de jogo (primeira zona de pressão) já deverem está a fechar a equipa e a recuperar o seu posicionamento defensivo, neste sub-momento, torna-se ainda mais importante a recuperação do máximo número de jogadores, contemplados pela organização defensiva da equipa, para trás da linha da bola. Alguns poderão até estar a compensar companheiros, mas a urgência é não permitir espaço nem número vantajoso ao adversário para desenvolver situações de contra-ataque. A própria falta táctica pode ser contemplada neste sub-momento do jogo.
  3. Defesa do contra-ataque: se ambos os sub-momentos anteriores da transição defensiva falharam, então, antes das acções de defesa da baliza do Guarda-Redes, a equipa tem ainda a possibilidade de defender o contra-ataque adversário. Perante relações numéricas diferentes, poderão ser adoptados comportamentos que poderão reduzir as possibilidades de sucesso de quem ataca. Tal como, em oposição, o contra-ataque, estas são situações muito trabalhadas no Futsal, dada a quantidade de situações deste género que surgem nesse jogo. Porém, se no Futebol elas não só surgem, como são decisivas nos desfechos dos jogos, porque não devem também ser alvo de treino?

Em oposição ao momento de Transição Defensiva, surge então o momento de Transição Ofensiva, para nós representado pela cor azul, e ao qual propomos três sub-momentos:

  1. Reacção ao ganho da bola: em oposição à reacção à perda da bola, surgem neste sub-momento os comportamentos e acções de quem recuperou a bola, e a procura de sair da primeira zona de pressão adversária. Seja ela realizada por um jogador ou por mais. Se possível, alcançá-la no sentido da baliza adversária, porém, em muitos momentos, esses espaços encontram-se fechados e portanto será necessário garantir outras soluções e uma boa decisão do jogador com bola. A eficácia na reação ao ganho da bola e na saída da zona de pressão influenciará os sub-momentos seguintes da transição ofensiva, que aqui, provavelmente, já não surgem numa lógica sequencial, mas sim como alternativas de decisão.
  2. Contra-ataque: se a equipa conseguiu sair com eficácia e rapidamente da zona de pressão, poderá encontrar espaço e / ou uma relação numérica com o adversário interessante para optar pelo contra-ataque. Nesse caso, é nosso entender que deverá explorá-lo na larga maioria das situações, procurando as suas vantagens, pois parece-nos mais difícil ultrapassar uma boa organização defensiva adversária. As excepções irão surgir por influência da dimensão estratégica. Neste caso, por exemplo, quando uma equipa se encontra com uma vantagem mínima no resultado ou numa eliminatória, está a poucos minutos do final do jogo, e não lhe interessa explorar uma situação de contra-ataque, que em caso de insucesso irá, provavelmente, lhe retirar na resposta do adversário alguns jogadores da sua organização defensiva, e mais importante, porque privilegiando a posse de bola, não só poderá descansará com bola, como retirará a possibilidade de atacar ao adversário.
  3. Valorização da posse de bola: se após a saída da zona de pressão a equipa não encontrar espaço e / ou uma relação numérica interessante para atacar a baliza adversária, deverá evitar a decisão de contra-atacar numa situação desvantajosa e possivelmente perder a bola. Ao invés, deve assim garantir a sua posse, ganhando tempo para se reorganizar para atacar, procurando esse momento seguinte do jogo para criar desequilíbrios na organização adversária.

Pelas ideias apresentadas, propomos a seguinte representação gráfica dos momentos e sub-momentos do jogo:

Momentos e Sub-Momentos do jogo.

Interpretando o jogo desta forma, para nós não faz sentido catalogar uma equipa como “uma equipa de contra-ataque” ou uma “equipa de ataque organizado“. Todas as equipas têm de saber jogar em todos os momentos e sub-momentos, para que possam responder às necessidades circunstanciais que o jogo lhes vai apresentando. Contudo, partindo deste modelo, cada treinador, acreditando nas suas ideias, procurando uma adaptação à qualidade, cultura e características individuais dos jogadores com quem irá trabalhar, poderá desenvolver o jogo idealizado, de forma a responder a estes momentos e sub-momentos, o que consequentemente potenciará o seu jogo para mais ou menos tempo nalguns destes momentos e sub-momentos. Assim, procurando ir aos extremos, acreditando num jogo curto e apoiado ou longo e directo, na defesa zona ou na defesa individual, todas as ideias podem ser concebidas a partir deste modelo.

Sentimos ainda que a nossa proposta não se esgota no jogo de Futebol e que poderá ter transfer para outros desportos colectivos, nomeadamente os com características de invasão do meio-campo adversário.

Deixamos ainda um video que procura ilustrar diferentes comportamentos, identificando os momentos e sub-momentos do jogo propostos:

 

E quando a inferioridade numérica não é obstáculo

Escrevíamos no artigo anterior, sobre a má resolução de uma situação de contra-ataque em clara superioridade numérica, que se constituía “como um exemplo de que por vezes, uma maior superioridade numérica pode não tornar a situação mais fácil de resolver. Porém não pelo número de jogadores em si, que por si só é um dado extremamente redutor, mas pelas relações que os jogadores estabelecem – a qualidade colectiva, e restante configuração do jogo.” Referíamos ainda que “isto sucede em contextos de baixo conhecimento do jogo e consequentemente baixa qualidade individual e colectiva“.

Hoje trazemos uma situação oposta. Nova situação de contra-ataque (o vídeo não mostra mas é de facto antecedida de recuperação da bola), o mesmo número de atacantes, mas agora em inferioridade numérica de 3×4+GR. É certo que os defensores não apresentaram boas ideias para defender a situação e isso até poderia ser tema de análise, mas no contexto criado, dado o tema que abordamos, os atacantes mostraram a eficiência desejada. Usamos o plural porque no final a situação foi bem resolvida pelos três, se bem que em determinado momento, Kevin de Bruyne foi decisivo. É que até certa altura, Iheanacho, que parece-nos não se aperceber da presença de David Silva no mesmo corredor, comete o mesmo erro que trouxemos no artigo anterior. No entanto, de Bruyne dá uma ajuda, indicando-lhe o que fazer, abrindo a oportunidade para uma melhor resolução da situação.

Kevin de Bruyne demonstrou, uma vez mais, leitura e conhecimento do jogo, mostrou, qualidade individual. E neste caso, a mesma contribuiu inclusive para que a qualidade colectiva também crescesse. Nos festejos isso parece ser reconhecido por David Silva e Yaya Touré…

Quando a superioridade numérica não ajuda

A situação surge no momento de Transição Ofensiva, no nosso Modelo no sub-momento de Contra-Ataque, situação específica de contra-ataque em 3×1+GR. A questão que se levanta coloca-se na superioridade numérica clara do ataque, que até parece atrapalhar os jogadores em causa na resolução da situação. Lembra-nos o futebol de rua ou o jogo informal, quando uma das equipas tem superioridade numérica, mas não beneficia com isso e até parece sentir que a mesma a prejudica. Isto sucede em contextos de baixo conhecimento do jogo e consequentemente baixa qualidade individual e colectiva, tornando a gestão da maior complexidade, resultante do número elevado de jogadores e falta de espaço, um problema.

Constitui-se então como um exemplo de que por vezes, uma maior superioridade numérica pode não tornar a situação mais fácil de resolver. Porém não pelo número de jogadores em si, que por si só é um dado extremamente redutor, mas pelas relações que os jogadores estabelecem – a qualidade colectiva, e restante configuração do jogo. Como temos insistido, se o Futebol é extremamente complexo, como tal a sua reprodutibilidade teórica será sempre falível, nem que seja pelo mais ínfimo detalhe. Cabe a cada um de nós compreender isso na forma como interpretamos o jogo, ou como interpretamos representações teóricas do mesmo.

Neste caso, um dos atacantes sem bola deveria ter garantido opção à esquerda do companheiro com bola, sugerindo este a conduzir para o corredor central e fixar a o defensor. Deste modo, o portador ficaria com duas soluções de passe, em vez da única que dispôs aqui, dada a presença dos dois companheiros no mesmo espaço, à sua direita.

Tag Archive for: transição ofensiva