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“O jogador português gosta de ter clareza táctica, gosta de ter informação táctica.”

“A geração que está, e quando digo geração estou a pensar nos que têm 17 e 39 anos, é formada por jogadores com cultura tática tão grande que quando falam é uau! É incrível. Têm uma linguagem, conhecimento e uma mentalidade completamente diferente. Tem a ver com isso: cresces com uma cultura, com uma paixão pelo jogo tão grande que este tem de ser o resultado. E isso tem de ser incentivado.”

(Vítor Matos, 2024)

Roberto Martínez toca nas duas principais qualidades que faltavam ao “jogador português” para darmos o salto competitivo colectivo e nos aproximarmos dos troféus. A paixão pelo jogo não é uma delas porque essa, desde que há memória do jogo em Portugal, sempre por cá existiu.

A transposição da competitividade que manifestávamos entre nós, não só noutros contextos culturais, mas também no jogo da “rua” para a competição formal e principalmente, internacional, fez crescer o jogador português para o patamar dos melhores. Dessa forma, hoje, não é surpresa para nós termos portugueses nos melhores clubes e equipas do mundo e que a nossa selecção seja reconhecida como uma das melhores.

Ainda em plenos anos 80’s e início dos 90’s o nosso Futebol vivia um clima de desconfiança no seu potencial, de conformismo com a nossa pequenez geográfica e populacional e de nos posicionarmos num segundo plano internacional no âmbito do jogo. Na realidade, não só do jogo, mas aqui o nosso foco vai para o Futebol. Vitórias sobre as “poderosas” Alemanha e Inglaterra, por exemplo, eram surpreendentes e celebradas como feitos dificilmente igualáveis. Hoje, como o nosso seleccionador e jogadores nos transmitem, são exigência. Dos próprios. A mudança cultural foi então enorme.

Um dos grandes, se não o principal momento desta mudança, foi o trabalho de Carlos Queiroz e Nelo Vingada com as selecções jovens no final da década de 80. De imediato foram colhidos frutos competitivos em campeonatos jovens, mas perante o fulcro do Futebol de Formação, não seriam esses os mais importantes. Passados alguns anos, essas gerações, na equipa principal portuguesa, mas também em vários grandes clubes por toda a Europa alcançaram um sucesso continuado. Esse sucesso influenciou e contagiou quem veio a seguir.

Mas a mentalidade não cresceu no vazio. Para além da criação de grupos coesos e fortes, Queiroz e Vingada, estimularam qualidades e passaram, de forma intensiva, ideias e conhecimento sobre o jogo. Além disso produziram conhecimento para terceiros, que ainda hoje se revela actual. A partir daí, clubes, universidades, jogadores e apaixonados pelo jogo na comunicação social e mais tarde na internet, contribuíram para a revolução a que assistimos e da qual hoje colhemos frutos. Como consequência cresceu a confiança nesse género de processo. Federação e clubes investiram, organizaram-se e proporcionaram contextos de qualidade aos jovens jogadores. Ainda que na maioria dos clubes o processo esteja a ser errático, lento e duro.

O jogador português passou, não só de apaixonado por esse conhecimento, como convicto da sua importância na obtenção de sucesso. A esse conhecimento se tem chamado táctica. Porém, ela não se restringe ao conhecimento teórico, a ideias, ou se reduz ao sistema ou mesmo princípios de jogo. A dimensão táctica que nos elevou ao actual patamar, como defende o professor Vítor Frade, não é apenas uma dimensão. É muito mais do que isso. É uma supra-dimensão. O que significa que engloba todo o comportamento do jogador e da equipa. Comportamento que emerge da interação de qualidades físico-motoras, recursos técnicos, conhecimento do jogo, aptidão emocional e / ou mentalidade. O que isto significa, é que o conhecimento do jogo entre outras qualidades, potenciou o sucesso e consequentemente fez crescer a confiança. E de forma geral, a mentalidade. E desse modo, tal sucesso provocou mais procura por conhecimento. Tal como Roberto Martínez aponta. 

Hoje, o apetite do jogador português por informação não é uma questão de moda. É, junto das outras qualidades, um reconhecimento do caminho que nos levou ao sucesso que actualmente vivemos. É esse todo, a táctica, enquanto supra-dimensão, ou por palavras mais simples, o… “jogar” de… sucesso que jogadores e treinadores perseguem, que faz com que um país tão pequeno como também defendeu o nosso seleccionador na mesma entrevista, se torne incrível e único no mundo do ponto de vista da produção de talento para este jogo. Essa vantagem não é portanto genética, é… cultural!

“O indivíduo todo, inteiro

emerge da cultura táctica

que sustenta o bom jogo, primeiro

no jogar o jogo como prática!”

(Vítor Frade, 2014)

O talento, a qualidade e a relação da “rua” no desenvolvimento de ambos. E ainda o potencial.

“Que saudades… (de Jackson Martínez e de James Rodríguez). Com os jogadores que fui tendo depois… percebi que não sou Deus…” 

(Vítor Pereira, 2017)

Os treinadores de Futsal, Nuno Silva e Cláudio Moreira, vão ao encontro de uma ideia que temos vindo a desenvolver. O que é o talento, o que é a qualidade individual e a relação da tão falada “rua” no desenvolvimento de ambos.

Apesar de muito referidos, quer por quem joga e treina, quer em bibliografia e por quem pensa o processo, a verdade é que não estão claros. Nem o que realmente significam, nem a sua abrangência. Nós temos uma proposta aparentemente idêntica à visão destes dois treinadores.

“Como família, éramos naturalmente rijos. Os meus pais eram rijos e o ambiente em que crescemos era rijo. Caíamos e voltamos a levantar-nos. E damos sempre o nosso melhor e tentamos ganhar. Detestávamos perder.”

irmão de Michael Jordan, Ronnie Jordan em (The Last Dance, 2020)

Antes, há ainda outra ideia que é a propensão genética. Ou seja, a influência que os genes herdados terão no talento. Uma noção clássica que ditou durante séculos vários papéis sociais e que também surgiu no desporto. Porém, vários autores como por exemplo Daniel Coyle, Anders Ericsson e Robert Pool têm-se dedicado ao tema e têm descrito um papel residual da genética no desenvolvimento do talento. Mais do que uma propensão genética, referem a importância de uma propensão social ou contextual. Seja qual for a sua influência, é o talento que apontamos como o primeiro patamar para obtenção de um elevado nível qualitativo no jogo de futebol.

“O jogador de futebol ‘faz-se’. Levei esta ideia para o Barcelona e foi uma confusão total. Eles acreditavam que o jogador de futebol nasce feito. Quase toda a gente no futebol ainda pensa assim hoje em dia. Veja, perguntei a jogadores de futebol: quantas horas na tua infância, todos os dias, dedicavas ao futebol? As respostas dos mais velhos variavam entre 6 e 8 e os atuais nunca menos de 4. E Maradona e Messi deram-me a mesma resposta: ‘Quantas horas? Todas!!’. Acreditar que o jogador de futebol nasce ensinado é um grande erro, nem mesmo acontece com os grandes craques. Cruyff é um bom exemplo; os que o viram jogar com aquela espantosa facilidade para tornar fácil o mais difícil, pensavam que ele tinha nascido jogador. Não acreditem, Johan teve a sorte de nascer junto ao campo do Ajax e de a sua mãe ser funcionária do clube. Se tivesse nascido num lar eminentemente musical, com pais profissionais e apaixonados por esta arte, Cruyff, dada a sua grande inteligência natural, teria sido um grande músico, mas não jogador de futebol.”

(Laureano Ruiz, 2014)

Em cima da propensão genética e contextual constrói-se então o talento. Para nós este surge principalmente em regime autónomo, em auto-descoberta, auto-aprendizagem e prática intensiva deliberada. Portanto, na rua, em casa, na escola, etc., mas quase sempre em auto-iniciativa e através de um desenvolvimento não assistido e liderado. É no fundo o estado mais puro do jogador de futebol, porque ainda não foi aculturado por nenhum treinador / clube e nenhuma Ideia específica de jogo ou no mínimo cultura de clube. É certo que durante o processo autónomo, naturalmente a criança e o adolescente também não estão imunes a influências culturais, aliás, desde logo estas levaram-no a jogar futebol… no entanto, nesta fase estas serão sempre uma escolha sua e não imposição.

“Ter talento não é suficiente. Porque o Futebol é um desporto de equipa.” 

(Leonardo Jardim, 2017)

Se entretanto a criança ou adolescente entrarem num clube e na prática federada, então, de forma mais ou menos intensiva de acordo com o escalão, ideias do treinador para o Futebol de Formação e eventualmente a Coordenação Técnica do clube, haverá a tal aculturação mais profunda e dirigida por terceiros, conhecimento do jogo transmitido, valores, etc.  Bons e maus. Tudo isso numa procura da optimização da eficiência e eficácia do jogador no jogo num contexto colectivo, portanto, num objectivo de alcançar qualidade. Porém, se nos aludimos ao Futebol de Formação, é seguro referir que durante este processo praticamente todas as crianças e adolescentes, paralelamente, também continuam a praticar o jogo no contexto informal, continuando assim a fazer crescer o seu talento.

“Entre as muitas histórias contadas por Vilà, sobre Messi, Xavi, Iniesta e outros tantos, apareceu uma particularmente interessante sobre Puyol. O defesa, que só chegou aos 15 anos ao Barcelona, não tinha, no entender de quem mandava, qualidades técnicas suficientes para ficar no clube. Mas aquele rapaz demonstrou tanta vontade, tanta determinação, tanto querer… que, no final, acabou por ficar. Foi aprendendo, foi melhorando, foi ficando. E, mesmo já na equipa A do Barcelona, continuava a treinar-se com Vilà, por fora, porque queria disfarçar os defeitos que tinha e, no fundo, ser melhor. E, até ao final da carreira, foi sempre melhorando. Jogadores ou treinadores, estamos sempre a aprender – e isso vai muito além dos resultados. Basta querer.”

(Mariana Cabral, 2019)

Regressando ao contexto do clube, o desenvolvimento da qualidade individual deveria ser objectivo prioritário em idades mais baixas do Futebol de Formação, e a qualidade colectiva de forma progressiva. Nomeadamente ao nível da complexidade e exigência das imposições comportamentais aos jogadores no seio de uma equipa. E finalmente já perto do escalão de seniores, um desenvolvimento, optimização e exigência sobre o seu rendimento. Individual e colectivo. Mas importa referir que qualidade individual e qualidade colectiva são interdependentes, e portanto que uma cresce com a outra, sendo o inverso também constatável. Tantos são os casos de jogadores que apresentam um alto rendimento em determinado contexto e depois noutro cai abismalmente.

“Aqui no City acho que ainda fiz um upgrade. Há uma preocupação enorme pelo detalhe e em perceber como esta equipa joga. Sinto que cresci imenso.”

(Bernardo Silva, 2019)

E aqui chegamos ao potencial. O potencial é a qualidade que perspectivamos, quer individual, quer colectivamente, e que ainda não produz, ou deixou de produzir rendimento. Deste modo, talento obviamente também perspectiva potencial. Mas num estado muito cru. A construção de uma qualidade em cima do talento, fará crescer esse potencial e aproximará a concretização desse talento em rendimento. E mais ainda em equipa. Porque num jogo colectivo ninguém verdadeiramente joga sozinho.

“Aparente paradoxo então

a auto-eco-hetero afirmação

no crescer colectivo

exalta o da individualidade

mas sem equipa consigo

nenhum jogador é bom,

e o inverso pode também

ser verdade

e assim qualidade tem.”

(Vítor Frade, 2014)

Organização Ofensiva [Subscrição Anual]

Publicamos o tema Organização Ofensiva. Importa transmitir que esta publicação, à imagem de outras futuras direcionadas para os outros três momentos de jogo, trará nesta primeira abordagem uma perspectiva eminentemente macro. Trata-se porém, de um tema muito vasto e com tanto potencial para explorar ao nível do detalhe, o que irá suceder no futuro. Deste modo, antecipamos, que a partir deste tema, traremos outros, sub-dividindo-o para esse efeito, nos seus três sub-momentos e a partir daí, a uma escala ainda mais micro, em princípios e sub-princípios.

Contudo, a abordagem que aqui fazemos, ainda que uma “fotografia” ao quadro geral do momento de Organização Ofensiva, tendo em conta o potencial do tema, acabou por necessariamente se tornar extensa e, na nossa opinião, um passo fundamental para compreender não só o momento em si, mas também o jogo no seu todo.

O tema Organização Ofensiva encontra-se enquadrado em:

Por outro lado este tema será constituído pelos seguintes capítulos:

  1. Enquadramento
  2. Um jogo “descerebrado”
  3. Desconstruir e compreender o momento de Organização Ofensiva
  4. Jogar… ofensivamente… “bem”
  5. A dinâmica – tempo, espaço, número e… qualidade
  6. Defender começa quando se ataca e… atacar… começa quando se defende
  7. Traços de qualidade ofensiva
  8. Máxima variabilidade para… máxima adaptabilidade
  9. Situações de bola parada ofensivas

Deixamos alguns excertos do tema Organização Ofensiva. Dada a extensão do tema, partilhamos aqui um pouco mais do que o habitual.

“Sem a bola, não podes vencer.”

(Johan Cruyff)

Parece-nos claro que a grande atracção que o Futebol traz aos seus entusiastas provém de acções elementares do jogo como o drible, o passe que rompe linhas, o último passe que coloca o atacante na cara do guarda-redes adversário, ou aquele seu “descendente”… o cruzamento perfeito que descobre um atacante livre para finalizar. Mas também a difícil recepção, o detalhe técnico invulgar, a simulação que engana toda a equipa adversária, a ideia divergente que ninguém esperava e trouxe sucesso à jogada, etc., etc… Ou ainda por outras um pouco mais complexas como a combinação, mobilidade e permutas entre jogadores, e até do ponto de vista colectivo, a dinâmica que algumas estruturas das equipas trazem ao espectador, jornalista e técnico, tal qual um bando de aves a voar numa sincronia perfeita. Porém, acima de tudo isto, claramente que se posicionam a finalização e o golo. Estes momentos são sem dúvida o epicentro do jogo de Futebol.

O denominador comum entre todas estas acções, manifesta-se em serem as que se enquadram no jogo ofensivo das equipas, independentemente se depois, em função de cada contexto de jogo, sucedam em Transição Ofensiva ou Organização Ofensiva. Por outro lado, sendo verdade que se tem assistido ao longo da evolução do jogo a uma crescente “espectacularidade”, mediatização e valorização das acções realizadas nos momentos defensivos, é no entanto, sem grande dúvida, o ataque e a expectativa em relação à forma como os jogadores dão uso à bola, os comportamentos que ainda promovem a maior atracção à maioria dos apaixonados pelo jogo.

(…)

Uma ausência de critério e intencionalidade, o tal jogo “descerebrado” transmite uma ideia de navegação à deriva que só por acidente, trará o sucesso desejado. Sucesso esse que perante tal enquadramento, será muito provavelmente pontual. Com naturalidade, esta era uma característica do jogo das equipas nos primórdios do Futebol, até que as experiências e a reflexão de jogadores e treinadores fizeram-no evoluir para o nível actual. Hoje, no jogo de nível superior, a grande maioria das equipas mostram intencionalidades e ideias, independentemente, depois, da sua maior ou menor qualidade. Que sublinhamos… qualidade essa… ditada pela regularidade da eficácia que tais ideias potenciam, em interacção com a qualidade individual dos jogadores. É sobre essas ideias que nos debruçamos, procurando a provável utopia do melhor caminho para chegar a um sucesso… regular. Mantendo também, sempre a consciência que tal caminho estará sempre em permanente construção e evolução.

(…)

Neste sentido, (José Laranjeira, 2009) conclui que assim é imperioso tornar o processo ofensivo mais objectivo e concretizador, conduzindo à criação de um maior número de oportunidades de golo e correspondente concretização“. Com um pensamento praticamente idêntico, (Pedro Bessa, 2009) também sublinha que “para todos que pretendem ver um Jogo revestido de qualidade e de espectacularidade, existe a necessidade de tornar o processo ofensivo mais objectivo e concretizador, para que se criem mais oportunidades de golo e se atinja uma maior eficácia em jogo (Luhtanen, 1993, cit. por Pereira, 2008)”. No mesmo sentido surge ainda (Pedro Barbosa, 2009), defendendo que perante “a raridade existente de golos num jogo, é provavelmente essencial que as equipas para ter sucesso, necessitem de possuir um processo ofensivo eficaz e eficiente (Yamanaka et al. 1988; Szwarc, 2007)”. Para tal, (José Laranjeira, 2009) acredita que só através da criação de desequilíbrios, por comportamentos individuais e colectivos, se consegue provocar surpresa no adversário“.

Se foi uma realidade, que a determinado momento do jogo a evolução da organização defensiva das equipas se sobrepôs ao investimento na organização ofensiva, por outro lado, como abordamos atrás, tem havido uma confusão entre eficácia, eficiência e estética. Muitas análises e avaliações do jogo, tendo em conta determinados contextos culturais, preferências pessoais e atracção por determinada estética de jogo, que muitas vezes, até está desfasada das próprias regras do jogo, tem levado a que determinadas ideias sejam defendidas e difundidas, mesmo estando pouco relacionadas com a eficiência, consequentemente com a eficácia, e portanto, com o sucesso. Porém, devemos compreender que tal realidade faz parte da evolução natural do jogo, tal como sucedeu, numa perspectiva mais macro, com a espécie humana. Torna-se então fundamental entender o jogo, os potenciais caminhos que geram aproximações à obtenção de sucesso no mesmo, e o consequente trajecto da sua evolução.

(…)

Mais tarde, procurando caracterizar de forma mais específica o momento ofensivo, no qual a equipa já se encontra organizada coletivamente para atacar, no estudo que realizou, (Júlio Garganta, 1997) defende que “no plano da organização ofensiva das equipas de Futebol, não obstante a natureza aleatória e diversificada das acções de jogo, é possível detectar vias e formas preferenciais de acção dos jogadores, expressas na forma como se comportam algumas variáveis e do modo como elas se agrupam para interagir. Ou seja, embora não exista um determinismo absoluto, a análise das sequências de jogo permite apurar regularidades e variações exibidas pelas equipas que exprimem uma lógica observável“. Deste modo, torna-se importante procurar “mapear” o jogo para que seja mais fácil a sua leitura, interpretação, análise, e posterior investimento no trabalho sobre determinadas “regiões” do mesmo.

(…)

Perante estas ideias propomos três sub-momentos para o momento de Organização Ofensiva: a Construção, a Criação e a Finalização com a seguinte lógica:

  1. Construção: quando ambas as equipas se encontram dentro da sua organização para atacar e defender e quando a bola se encontra fora do bloco da equipa que defende.
  2. Criação: quando a equipa que ataca consegue penetrar no bloco da equipa que defende e surge perante a última linha adversária ou a última linha e mais um médio em contenção. A excepção é quando a equipa que ataca procura um jogo mais directo, de ataque à profundidade, ou seja, de passe directo para o espaço entre a última linha de quem defende e o seu Guarda-Redes, o que acaba por se configurar como uma situação de último passe, independentemente do grau de dificuldade superior da acção. Neste sub-momento, integram-se também todas as situações de bola parada ofensivas que poderão permitir um último passe ou cruzamento e finalização. Devemos referir que compreendemos as opiniões que distinguem as situações de bola parada como um quinto momento do jogo, porém a nossa interpretação é que, independentemente do jogo estar parado ou em movimento, se uma equipa está organizada para defender essas situações e a outra para atacar, então estarão dentro da sua Organização Defensiva e Organização Ofensiva, respectivamente.
  3. Finalização: todas as acções que visam o momento final de ataque à baliza adversária, portanto, a acção individual ofensiva de remate, independentemente da superfície corporal envolvida. Aqui também se integram as situações de bola parada ofensivas que poderão permitir um remate directo à baliza. Importa ainda referir que a finalização pode até surgir quando a equipa que ataca tem pela frente todo o bloco adversário ou parte do mesmo. Contudo, se quem ataca conseguiu chegar ao remate, esses momentos de organização defensiva adversários falharam de alguma forma.

Organização Ofensiva – Sub-momentos do jogo.

(…)

Regressando a uma perspectiva macro do jogo, na opinião de (Lobo, 2007), citado por (Rodrigo Almeida, 2009), “uma das virtudes das Equipas que jogam bem é a capacidade de criar oportunidade de golo através de jogadas elaboradas”. No entanto, o mesmo autor, recorredo a (Castelo, 1994), também adverte que “há formas de organização incompletas sendo caracterizadas por todas as formas de processo ofensivo que não chegaram a zonas predominantes de finalização”. Por outro lado, (Júlio Garganta, 1997) refere que “Sledziewski & Ksionda (1983a) chamam também à atenção para situações que ocorrem durante um jogo de Futebol, nas quais uma equipa, encontrando-se momentaneamente em posse da bola, não manifesta a intenção de finalizar, nem de se aproximar da baliza adversária. Estes casos surgem, frequentemente, quando uma equipa pretende jogar para manter um resultado que lhe é favorável“. Assim, (Jorge Castelo, 1996) acrescenta que a equipa que “está em posse de bola, para além de poder concretizar o objectivo do jogo – o golo, poderá igualmente:

  • Controlar o ritmo específico do jogo, pois, em função do resultado (numérico) momentâneo é que se poderão contrapor acções técnico-tácticas que acelerem ou diminuam este ritmo;
  • Surpreender a equipa adversária através de mudanças contínuas de orientação das acções técnico-tácticas e atempadamente fazer uma ocupação racional do espaço de jogo em função dos objectivos tácticos da equipa;
  • Obrigar os adversários a passarem por longos períodos sem a posse da bola, levando-os a entrar em crise de raciocínio táctico e, consequentemente, a expô-los a respostas tácticas erradas em função das situações de jogo;
  • Recuperar fisicamente com o mínimo de risco.”

No vídeo, a Croácia decide utilizar a posse e circulação da bola para defender a vantagem nos minutos finais do jogo. Jorge Castelo acrescenta então, que “as equipas ao encontrarem-se em posse de bola, não significa que realizem qualquer acção ofensiva, verificando-se que a finalidade destas situações se resume à “perda de tempo”, “jogar para manter o resultado” ou “quebrar o ritmo ofensivo do adversário””.

No entanto, o autor, adverte que a posse da bola não é um fim em si e torna-se utópico, se não for conscientemente considerada como o primeiro passo indispensável no processo ofensivo, sendo condição “sine qua non” para a concretização dos seus objectivos fundamentais: a progressão / finalização e a manutenção da posse da bola“. Na mesma linha de pensamento surge (Faria, 2003) citado por (Abílio Ramos, 2005) ao defender que “é importante ter a posse de bola se ela tiver um objectivo claro como, por exemplo, atacar. Posse de bola por si só não tem significado absolutamente nenhum se não tiver um objectivo claro“. Também (José Pedro Loureiro, 2022) explica que “um dos exemplos mais recorrentes no futebol de hoje em dia é a posse de bola inconsequente: “muitas vezes, observa-se que a equipa (principalmente no início da fase ofensiva) fica empenhada em passar a bola, sem manifestar qualquer intenção de ataque à baliza adversária” (Araújo & Volossovitch, 2005). Ou seja, a ação de passar a bola enquanto fim, e não enquanto meio, viola o conceito de representatividade da tarefa. Fosse eu um apostador obsessivo e arriscaria todas as minhas fichas como o tiki-taka simplesmente aconteceu (emergiu), não se treinou (propriamente com esse intuito)!”

(…)

(…)

Porém, fundamentalmente as equipas têm de procurar um jogo de qualidade… ou seja… um “jogar bem“. Para tal, o traço principal desse jogo deverá ser o sucesso regular, tendo-se naturalmente em conta o contexto. Deste modo não há sucesso regular sem eficácia… regular. Uma eficácia regular só se atinge fazendo mais vezes bem as coisas, portanto, ao nível do posicionamento, decisão e execução. Falamos assim, da procura da eficiência. No domínio particular da Organização Ofensiva das equipas, o autor (Pedro Barbosa, 2009) sustenta então que as equipas terão que arranjar mecanismos e formas de atingir mais vezes a baliza adversária e se possível com grande eficácia. Esta situação solicita aos investigadores em Futebol a capacidade das suas análises abrangerem, não apenas, os momentos do golo, mas também a análise de todas as oportunidades criadas, de forma a tentar objectivar-se esse mesmo golo (Garganta, 1999; Yiannakos & Armatas, 2006)”.

(…)

Assim, (Rodrigo Almeida, 2009) chama a atenção para que a Objectividade subjacente salientada como uma Intencionalidade não pode ser confundida com “jogo directo”. Objectividade tem duas vias de acordo com o termo, a primeira via é a objectividade do jogo, i.e., destinar-se à baliza [o que leva a muitos ao jogo frenético e directo], jogo vertical, onde o meio campo assume um papel fundamental na recuperação das segundas bolas e no aproveitamento destas em espaços mais profundos (Pedro Sousa, 2009), a segunda via é a objectividade circunstancial, ou seja, ser objectivo, ser oportunista, não perder o momento porém acima de tudo ser experto, não perdendo o foco do principal sabendo que para onde ir e o que fazer. Camacho (2003a; cit. por Amieiro, 2005, p.60) colmata esta opinião ao referir que é preciso «saber-se jogar Futebol». E saber jogar bem não é só dominar a bola, driblar, chutar e marcar um golo. “Saber jogar é perceber o que a Equipa precisa em cada momento do jogo…”“. Na mesma linha, (Pedro Bouças, 2014) defende então que não pode existir um dualismo entre o jogo directo e indirecto. Dando um exemplo, para o autor, ser da boa tomada de decisão não é ser de posse ou de contra-ataque. É ser de posse quando o adversário está organizado e o espaço escasseia e é ser de contra-ataque quando há espaço e situação numérica para tal“. Na mesma linha de pensamento, também relacionando os momentos de Transição Ofensiva e Organização Ofensiva, (Tiago Margarido, 2015) sustenta que “quando não for possível aproveitar a desorganização posicional do adversário devemos ter a capacidade de realizar uma rápida circulação de bola e trocas posicionais eficazes com vista a criar uma forte dinâmica ofensiva de modo a desorganizar a equipa adversária e a criar situações de finalização”.

(…)

Estas ideias sobre a Organização Ofensiva das equipas reflectem uma enorme importância no pensamento relativamente à dimensão espaço. Deste modo, surgem de alguma forma influenciadas por Johan Cruyff e os seus mentores, que apontavam o espaço como elemento decisivo no jogo. O autor (Winner, 2000), descreve que Barry Hulshoff, companheiro de equipa de Cruyff na selecção holandesa de 1970, realatava que discutiam espaço o tempo todo. Cruyff falava muito sobre para onde os jogadores deveriam correr, onde deveriam permanecer e para onde não se deveriam mover. Sempre com a intenção de criar espaço e utilizar esse espaço“. Também o jogador espanhol (Juan Mata, 2016), citado por (Wikiquote, 2018), confessa que considera Cruyff “o pai ideológico do Futebol. Aquele que procura imitar em campo e aquele com quem procuro aprender quando, como espectador, assisto a um jogo. A inteligência na gestão da bola e dos espaços, a importância do talento sobre o físico e o entendimento do Futebol enquanto jogo de equipa, são conceitos que definitivamente eu abracei“.

(…)

A propósito do trabalho marcante de Helenio Herrera no Inter de Milão, e de acordo com (Ignacio Benedetti, 2021), quando lhe perguntavam pelo trabalho dos seus discípulos, ou pelo trabalho dos treinadores que procuravam replicar as suas ideias, o treinador franco-argentino declarava que não os entendia porque apenas haviam tentado copiar “as formas de defender, e não as formas de atacar a partir da forma como se defendia“. De acordo com o autor, este pensamento revela basear-se em aspectos “geográficos“, que se podem isolar, “como defende aquela equipa ou como ataca a outra equipa, porque nos deixamos levar pelas etiquetas. Este é um treinador defensivo e este é um treinador ofensivo”. Porém segundo o mesmo autor na realidade, os grandes treinadores não conceberam o jogo de forma isolada, de forma separada”, mas segundo uma visão global do jogo e da forma como o sentem. Reforçando a ideia, Benedetti acrescenta que “as equipas “defensivas” de Mourinho fizeram uma quantidade impressionante de golos. As equipas “defensivas” de Helenio Herrera fizeram um enorme número de golos. As equipas “ultra-ofensivas” de Guardiola foram equipas que evitaram que os seus adversários pudessem chegar à sua baliza. É aqui que o futebol se torna apaixonante porque nos leva a essa rebeldia de pensar e não nos deixar levar pela imediatez do dos meios de comunicação e de todos os que se querem postular como analistas do jogo, mas que na realidade apenas o pensam de forma superficial. O Futebol é um todo“.

(…)

Para (Vítor Frade, 2013), torna-se então fundamental compreender que “o que nos distingue das outras espécies é de facto… e nós chegamos a esta espécie e chegamos a ser o que somos pela criatividade. Contrariamente ao que se pensa, é a autoengendração que assegura que nós possamos superar as dificuldades, isto num sentido individual. O que acontece por isso, em termos de grupo, hoje fala-se na inteligência de massas, ou não sei o quê, ou da inteligência enxame, mas é de facto uma necessidade imprescindível, mesmo aí, a criatividade. Eu costumo dar uma metáfora que é assim: eles estão perante um tema, mas quem faz a redacção são eles e a redacção é condizente com o contexto, e com o momento, com a capacidade momentânea e muitas coisas, mas essa é deles! E essa muitas das vezes é à la long, e na continuidade da causalidade excepcional repercute-se numa melhoria, na melhoria da coordenação, da organização da própria equipa. Uma condição da existência das pessoas é serem criativas!“.

(…)

Também citado por (Pedro Bessa, 2009), outro treinador português, José Gomes, afirma que estas situações de jogo “podem ser aproveitados para tornar determinado momento de transição de uma ou de outra forma” (Anexo III)”. Assim, no pensamento do treinador, as situações de bola parada sãomomentos de jogo que são ofensivos e defensivos e que estão incluídos nestes” (Anexo III)”. Portanto, de acordo com (Pedro Bessa, 2009) para José Gomes, tal como de Carlos Carvalhal, as situações de bola parada estão incluídas “nos momentos ofensivos e defensivos, como todos os outros momentos destas fases, não fazendo sentido falar em momento alternativo de jogo”. Contudo, importa perceber que estas situações não estão apenas incluídas nos momentos de Organização. Como é facilmente entendível, por exemplo, um livre, lançamento lateral e até canto ou mesmo pontapé de baliza, nos quais a equipa que defende ainda não recuperou a sua Organização Defensiva, estará então no sub-momento Recuperação Defensiva da Transição Defensiva e quem ataca estará em condições de explorar o sub-momento contra-ataque da Transição Ofensiva. Se efectivamente o fará já será depois uma decisão a tomar.

(…)

“(…) não existe treinador que no seu íntimo não pretenda ser o “deus de Laplace” – conseguir prever com uma certeza infinitésimal a evolução do jogo, controlar esse sistema multivariável. Por isso, talvez ele preferisse substituir a variabilidade pela estereotipia na expectativa de que as atitudes dos seus jogadores fossem previstas e articuladas com a máxima certeza, de que as propriedades topológicas do movimento que eles manifestam fossem as menos variáveis. Ele deve, no entanto, aperceber-se que a máxima estereotipia, correspondendo à mínima variabilidade, corresponde, também, à mínima adaptabilidade…”

P. Cunha e Silva (1995) citado por (Júlio Garganta, 1997)

 

“Um jogo muito táctico”

“(…) dói ver equipas que não se «ligam», que não têm uma aquisição de uns nos outros, porque o jogo é isso! Ou deve ser! Não se trata de jogar bem ou mal, trata-se de JOGAR! Ou seja, haver uma emergência que SENTIMOS COLECTIVA…”

(Marisa Gomes, 2011)

É infindável o número de vezes que ouvimos a expressão “foi um jogo muito táctico”. Desde o mais comum espectador até ao treinador da equipa de primeira liga. Na maioria das vezes a sentença carrega uma grande negatividade, pois identifica um jogo pouco entusiasmante, enfadonho, com poucas oportunidades de finalização e até mal jogado. Provavelmente entre duas equipas que, estratégicamente, aparentaram dar prioridade aos seus momentos defensivos, e não raras as vezes, a expressão avalia um jogo que terminou 0-0. Mas será este o verdadeiro sentido de “táctico”? Algo acessório no jogo, e desligado de quem joga?

Olhando para a realidade do jogo de Futebol, rapidamente compreendemos que é um jogo repleto de intencionalidades e decisões. Se num outro extremo, jogos simples, como o atirar uma moeda ao ar, ou lançar dados retiram ao jogador praticamente toda a decisão sobre o resultado que obtém, por outro lado, jogos complexos como são o caso dos desportos colectivos, remetem quem joga, para um plano em que a sua acção torna-se decisiva no desfecho dos mesmos. Esta acção, ou comportamentos, manifestam-se em campo através de posicionamentos, movimentos e execuções, que resultam das decisões dos jogadores, influenciados por uma intenção colectiva definida pelo treinador. O disruptivo trabalho de Friedrich Mahlo no início da década de 60, publicado na sua obra “O acto táctico no jogo”, veio, pela primeira vez de forma mais profunda, provocar a reflexão sobre estas questões e colocar em causa o que é verdadeiramente nuclear nos jogos desportivos coletivos: a decisão. Decisão esta, que emerge muitas vezes da esfera do subconsciente, mas em muitos outros momentos é tomada de forma consciente, e resultante de uma cultura adquirida em vivências anteriores. O treinador português (Paulo Fonseca, 2016) confessa mesmo que “com toda a honestidade, a exigência de Jorge Jesus fez-me pensar no que eu nunca tinha pensado. Até esse momento eu raramente pensava o jogo, apenas o executava. E eu comecei a pensá-lo. Até esse momento eu pouco sabia o que era a minha tarefa enquanto Defesa-Central e comecei-me a apaixonar pelo treino, pelas questões tácticas”.

Estas ideias são hoje comumente aceites e difundidas, no entanto não o eram “ainda” há cerca de 15 anos atrás, principalmente no contexto específico do Futebol. Actualmente, o processo de decisão, ou seja o táctico, tornou-se vital na cabeça dos melhores treinadores. Um processo intencional de resolução de problemas, uma manifestação de inteligência específica do jogo de futebol. Que perante um jogo que é colectivo, se torna na larga maioria das situações, um processo colectivo. Este é o nosso entendimento de táctica. De acordo com a (Wikipédia, 2018), a “inteligência em sido definida popularmente e ao longo da história de muitas formas diferentes, tais como em termos da capacidade de alguém/algo para lógica, abstração, memorização, compreensão, autoconhecimento, comunicação, aprendizagem, controlo emocional, planeamento e resolução de problemas”. O website (Dreamfeel, 2012) expõe ainda que para o investigador Howard Gardner a inteligência é a capacidade de resolver problemas ou de elaborar produtos que sejam valorizados em um ou mais ambientes culturais ou comunitários”. Por outro lado, a autora (Sofia, 2010) explica que a inteligência manifesta-se na “capacidade de adaptação a situações novas e resolução de problemas, capacidade de pensar abstractamente e capacidade aprender. Estas três capacidades são indissociáveis, complementares, nenhuma delas pode ser analisada de forma independente. Estão interligadas, constituindo diferentes tipos de inteligência. A inteligência é um sistema complexo“.

Deste modo, o contexto específico dos desportos colectivos, solicitará igualmente uma complexa, mas específica manifestação de inteligência. Sendo complexa, ela envolverá outras formas de inteligência, sendo a inteligência emocional um excelente exemplo. Mas tendo em conta o contexto altamente decisional do jogo, faz então sentido falar-se em inteligência táctica. O autor (Garganta, 1997), citado por (Cardoso, 2006), refere que “o Futebol deverá ter como núcleo director a dimensão Táctica do jogo porque é nela e através dela que se consubstanciam os comportamentos que ocorrem durante uma partida”. Cardoso complementa ainda, sustentando que “a dimensão Táctica é causadora de comportamentos e é por estes que o jogo se desenvolve. Nesse sentido, a dimensão Táctica condiciona de uma forma importante a prestação dos jogadores e das equipas. Ainda como salienta (Guilherme Oliveira, 2004) devemos entender por dimensão Táctica o resultado da interacção entre as diferentes dimensões. Se para corresponder tacticamente tenho de estar no sítio certo, no momento certo (implica movimento), com a capacidade para responder (tecnicamente) dentro de uma intenção colectiva então a dimensão Táctica por si só não existe. Ela existe pela interacção das outras dimensões”. O autor (Guilherme Oliveira, 2004), citado por (Cardoso, 2006), explica também que o Táctico “é o elo de ligação que dá sentido e sentimento ao jogo, promovendo uma Especificidade de jogo, uma vez que o jogo é muito mais que um somatório de ocorrências, é um enredo que se pretende criado dessas ocorrências, que, em consequência, promove a criação e o desenvolvimento de conhecimentos colectivos e individuais que lhe são próprios e que vão permitir a melhoria qualitativa de jogo, colectiva e individual”. O professor (Frade, 1998), citado por (Cardoso, 2006) explica que “o táctico não é físico, não é técnico, não é psicológico, não é estratégico, mas precisa dos quatro para se manifestar, ou seja, quando se diz que não se divide tem-se consciência de que o crescimento táctico, tendo em conta a proposta de jogo a que se aspira, ao realizar-se ao operacionalizar-se, vai implicar alterações ao nível técnico, isto é, há que ter consciência que o táctico tem a ver com a proposta de jogo que se pretende, mas não é um táctico abstracto”.

A Supradimensão Táctica surge da interacção entre as diferentes dimensões do rendimento.

 

Este entendimento… complexo… de táctica, leva-nos então a rejeitar novos dualismos, resultantes, uma vez mais, do pensamento analítico enraizado na nossa cultura. São exemplos, do mais sintético para o mais real, a táctica apenas como a estrutura posicional da equipa em jogo, ou como referimos atrás, a táctica como um projecto de um jogo defensivo e fechado, por outro lado, a táctica como um conjunto de regras e condicionantes comportamentais que amarram o jogador e lhe retiram liberdade, individualidade, criatividade e inteligência no jogo, ou ainda, a táctica separada do homem, consubstanciada no “homem está antes da tática” como o professor (Manuel Sérgio, 2014) defendeu. Neste último caso, não é a fundamentação que está em causa. É a conclusão. Não nos restam dúvidas que o homem é a condição máxima em qualquer uma das suas actividades. Concordando com Manuel Sérgio, “se não compreender as mulheres e os homens que saltam e chutam e fintam, não compreenderei forçosamente os saltos, os chutos e as fintas”. Acrescentamos que se também não compreendermos o que é de facto o Táctico, também não compreenderemos as mulheres e homens que… jogam. Foi o que sustentámos recentemente pela perspectiva dos valores humanos: o “jogar” expõe e cultiva valores. Na visão complexa de táctica que Vítor Frade sustenta, se a “supradimensão” táctica não existe só, emergindo da interacção das demais dimensões e criando simultaneamente expressões e adaptações nas mesmas, então… o táctico é o todo comportamental do homem em jogo. Portanto… o táctico é o homem que joga. O táctico não existe sem o homem que joga, como o homem, a partir do momento que joga, se torna… táctico. Recordando o nosso entendimento… o táctico é um processo intencional de resolução de problemas, uma manifestação de inteligência específica do jogo de futebol.

Portanto, não há jogos muito ou pouco tácticos. Se é jogo… o táctico… a decisão… o comportamento, estarão sempre lá. E se a expressão táctica de uma equipa, envolverá “uma proposta de jogo a que se aspira”, o que poderá estar em discussão será a qualidade de cada proposta, tendo em conta as características do jogo que se disputa. O que nos remete para o decisivo trinómio estética-eficácia-eficiência. Expressão táctica que pode ainda ser entusiasmante ou não, se tentarmos isolar a perspectiva estética, porém, neste caso temos que também ter em conta a relatividade desta avaliação perante a cultura e o sentido estético de cada indivíduo que observa o jogo.

Portanto, o táctico por si só é neutro. Pode ser bom ou mau tendo em conta as ideias dão “forma” aos comportamentos da equipa em jogo. Como (Amieiro, 2009) refere, o Táctico é o fio invisível que faz emergir aquilo que reconhecemos como traços marcantes do jogar de uma equipa“.

O Futebol, deve ser entendido como aquilo que realmente é: um sistema complexo. Nesta perspectiva, segundo (Tobar, 2018), “Bertrand & Guillemet (1994) para além de apontarem um sistema como um todo dinâmico constituído por elementos que se relacionam e interagem entre si e com o meio envolvente; são contundentes ao afirmarem que os sistemas revelam um conjunto de pressupostos que os caracterizam, que são: abertura, complexidade, finalidade, tratamento, totalidade, organização, fluxo e equilíbrio”. Destas características, os mesmos autores explicam que a totalidade “significa que um sistema é mais do que a soma das suas partes (sinergia), e isso também implica que os sistemas tenham as suas próprias propriedades, que em virtude das interações, são diferentes das dos seus componentes vistos de maneira isolada”. Assim, o táctico emerge como o tal “mais do que a soma das partes” e a expressão da especificidade do Futebol. Nesta lógica, conceitos como forma… táctica, velocidade… táctica, intensidade… táctica, volume… táctico, etc., irão também, consequentemente emergir a partir daí.

Deste modo a questão não está entre uma eventual dicotomia entre um jogo táctico e outro “bonito”. A questão estará… o que será um jogo mau e outro bom. Ou mais precisamente, um jogo tacticamente mau, e um jogo tacticamente bom.

“Táctica para mim sem talento, sem beleza, não existe. O táctico para mim não tem que ser aquele táctico fechado, aquela coisa automatizada.”

(Vítor Pereira, 2016)

A “carne toda no assador”

A frase do genial Quinito, recentemente também usada por Carlos Carvalhal na Premier League, tornou-se uma das marcas do Futebol Português. Apesar de no sentido lato percebermos o seu contexto, se pensarmos na interpretação e conhecimento do jogo de cada um, no sentido restrito a mesma pode conhecer diferentes expressões. Muito provavelmente, a que mais se generalizou, foi a substituição, de jogadores de outras funções por “avançados”. Outra ideia, directamente associada a esta, é a mudança, na forma de jogar da equipa, de um jogo paciente, criterioso e curto, para um mais vertical, aleatório e directo. Sublinhamos a palavra aleatório, uma vez que um jogo mais vertical e directo, quando treinado, quando crença, e em determinados cenários, também pode ser bem sucedido. A questão aqui residirá… que ideias poderão ter maior probabilidade de sucesso perante o jogo que o futebol é, consequência daquilo que o ser humano também é, nomeadamente em “sociedade”.

Apesar de não encontrarmos notícias sobre razões, que não táctico-estratégicas, para a substituição de Emil Forsberg por Martin Olsson na selecção Sueca no jogo dos quartos de final do Campeonato do Mundo contra a Inglaterra, não conhecendo com exactidão o contexto e não possuindo a real justificação para a substituição, correremos sempre o risco, de errarmos logo à partida na interpretação da decisão. No entanto, para nós o interessante não é a análise desta decisão concreta, mas o que ela pode significar numa perspectiva mais ampla. Precisamente, essa ideia que se generalizou no jogo, que perante um resultado adverso e dificuldades nos sub-momentos ofensivos de Construção e Criação, trocar o tal critério, paciência e criatividade, por aleatoriedade, inquietação, pressa e um jogo desprovido de imaginação, seria a eterna principal solução nesse cenário. Mas mais do que aquilo que a substituição em causa significava, mais importante no fundo foi a forma como influenciou o jogar da Suécia, que defrontava um adversário que manifestava conforto na sua última linha durante o momento defensivo, quer pelo número de jogadores que na situação colocava, como pela significativa qualidade dos seus comportamentos.

Todas as acções ofensivas de Emil Forsberg no Suécia x Inglaterra do Campeonato do Mundo de 2018.

Todas as acções ofensivas de Martin Olsson no Suécia x Inglaterra do Campeonato do Mundo de 2018.

O número de perdas de bola de Olsson foi muito superior ao de Forsberg, ainda por cima tendo em conta que o último esteve mais tempo em jogo e envolvido em bastantes mais acções com bola. Mas se este pode não ser um dado relevante ao nível individual, uma vez que se torna fundamental compreender o contexto de cada acção e as suas relações com os companheiros e adversários nesses momentos. Um problema tradicional das análises quantitativas. Porém, a quantidade de perdas tem, habitualmente, reflexos mentais e fisiológicos negativos… no todo, que é o desempenho – a qualidade do jogo da equipa e consequentemente do jogador. Aqui nem se trata do bater de asas da borboleta, mas de acontecimentos mais significativos que perturbam os momentos seguintes do jogar da equipa.

Transportar a equipa para um maior caos… será eficaz e a resposta na maioria das situações? No fundo estaremos a trocar a racionalidade pela emocionalidade… a zona de conforto, o trabalho e o entrosamento… por potencial desconforto, improvisação e desorganização.

Porém… “a carne toda no assador”, à imagem da nossa perspectiva do conceito intensidade, pode não passar por fazer mais, de forma mais agressiva, mais directa, se isso significar… fazer pior tendo em conta o jogar da equipa. Deste modo, no contexto de uma cultura que privilegie o critério, “a carne toda no assador” poderá significar, por exemplo, garantir maior velocidade à circulação de bola, maior número de jogadores no interior do bloco adversário, combinações a menos toques e consequentemente mais rápidas, mais soluções de ruptura, decisões de último passe de maior risco de perda da bola e decisões de finalização em condições mais difíceis, excluindo destas as que se incluem nas más decisões. Do ponto de vista individual, poderá não significar a troca de um jogador de uma função por outro de outra, mas sim a aposta em jogadores de maior criatividade, de cariz mais desequilibrador, mas que em contrapartida também fazem crescer o risco de maior acumulação de perdas de bola. Foi, por exemplo, o caso da entrada de Ricardo Quaresma no jogo Portugal x Uruguai.

Se perguntássemos a Quinito o sentido que dava à sua expressão… Quinito o homem que se tivesse dinheiro comprava Pedro Barbosa para o ver a jogar no seu quintal e que se declarava “um amante da arte, da magia e beleza estética”, apostamos que responderia… “é colocar lá dentro os mais talentosos, ofensivos e criativos”.

“É de estética vazia

e o Futebol assim jaz…

Jogo directo nada cria

correm, correm, mas nenhum sabe o que faz.”

(Frade, 2014)

A “posse de bola” e os números

O autor desta opinião, e o seu nível de conhecimento, não são importantes para o caso. O conteúdo, como milhões de outros, também poderia não ser. Torna-se relevante, para nós, porque é um género de opinião que tende a generalizar-se, consoante… os resultados. Agora, no passado e com certeza, no futuro.

Se o que influencia este género de opinião são preferências por uma “estética” de jogo diferente, a crença em ideias menos pacientes e mais directas no momento ofensivo, ou até a hostilização das equipas que se tornam dominadoras no jogo e a consequente menor imprevisibilidade e emocionalidade que isso traz ao espectador, não podemos saber. O que sabemos é que defendê-la com premissas, para nós, tão irrelevantes como as apresentadas, são autênticos atestados de ignorância… no mínimo… táctica. É também por isto que é extremamente difícil construir uma equipa que assente a sua qualidade de jogo, não na posse bola… mas na qualidade da sua posse de bola. Pegando no exemplo do Barcelona de Guardiola, a autora (Gomes, 2012) sustenta que a sua qualidade na posse “só é possível quando realmente se gosta muito da bola e faz com que o valor da bola seja superior à precipitação do adepto, à pressa do adversário e à ânsia em fazer a bola andar pelos espaços em disputas”.

Estamos perante mais um bom exemplo, no qual, os números e a estatística na análise do jogo, continuam, como tantas outras áreas, impregnadas pelo pensamento mecânico e analítico. Impregnada, e não completamente irrelevante, porque a estatística, aliada ao conhecimento do jogo, nomeadamente na identificação de regularidades comportamentais, pode ter um papel útil ao treinador, ajudando-o no construção do jogo que idealiza para a equipa. Por exemplo, num artigo anterior, defendemos que a perda de bola será um dado estatístico no jogo, muito interessante.

Não é difícil entender que uma média elevada de posse de bola não é sinal de controlo do jogo, portanto, de qualidade de jogo. O controlo do jogo pode ser obtido de diferentes formas, em função de diferentes ideias, crenças e consequentemente, formas de jogar. Recordamos as equipas italianas, na década de 90, que naquele momento da evolução do jogo, o controlavam os jogos de forma exímia pela sua Organização Defensiva e Transição Ofensiva, e emocionalmente sentiam-se extremamente confortáveis nessas ideias. Portanto, claramente abdicando de possuírem a bola na maior parte do tempo de jogo. Porém, hoje, ter qualidade no momento ofensivo, tornou-se impreterível. Assim, possuir a bola, mas fora do bloco adversário, portanto, estar a maior parte do tempo na Fase I do momento ofensivo, chegando poucas vezes à Fase II e praticamente nunca à Fase III com certeza que não ameaçará o adversário, aumentando-lhe o conforto e a confiança. Uma excepção, poderá ser fazê-lo, perante uma equipa que, precisamente e, devemos dizer, perigosamente, as suas ideias passam apenas pelo momento ofensivo do jogo e assim se desorganiza quando não a tem. No resto dos casos, ter mais posse de bola não significa, por si só, ser-se melhor no jogo. É um dos passos nesse propósito, o segundo é saber… o que fazer com ela. Johan Cruyff, citado por (Amieiro, 2009), explica que “ter a bola não significa tê-la e pronto. Há que saber o que fazer com ela. Quando eu digo que enquanto nós temos a bola o adversário não a tem e, portanto, não pode marcar, o que quero dizer é que nós mandamos e temos a iniciativa do jogo. E como tenho a bola, eles têm que a tentar roubar e, com isso, consigo criar espaço”. Também para o treinador português (Luís Castro, 2017), “a posse de bola não é um objectivo, é uma consequência… do meu jogo”.

Portanto, circular a bola pela primeira linha, mesmo que já no meio-campo adversário, sem ideias, mobilidade, mudanças de velocidade, agressividade e criatividade, é totalmente diferente do que tê-la, com essas qualidades todas, e conseguir ainda penetrar diversas vezes no interior do bloco adversário e / ou ameaçando também, com critério e regularidade, a sua profundidade. Este segundo cenário, consequentemente, levará a equipa a poder criar situações de finalização, não permitindo que a equipa adversária esteja tranquila, confiante, portanto, emocionalmente estável no jogo.

Todavia, num segundo pensamento sobre os dados apresentados, seria para nós muito mais interessante perceber quem é que treinava, num dos maiores clubes desse país, os jogadores mais influentes no jogo da Espanha, campeã do mundo em 2010, e da Alemanha, campeã do mundo em 2014. E perceber, depois disso, o declínio do seu jogo. Por outro lado, podemos também tentar compreender a forma como Pep Guardiola está a influenciar a cultura inglesa. Depois, se pensarmos ainda no papel decisivo que o trabalho de José Mourinho no F. C. do Porto teve, na qualidade de jogo e no rendimento da selecção Portuguesa no Europeu de 2004, e noutros exemplos similares, também podemos questionar que margem de intervenção e que papel terá um seleccionador / treinador nacional.

“Por muito que nos vendam estatísticas que queiram quantificar performances individuais, o jogo, o bom jogo, está completamente longe de poder ser interpretado ou quantificado por números que queiram trazer avaliações qualitativas. Porque não se pode quantificar a qualidade do que mais importa! As decisões!”

Pedro Bouças, 2017

“Odeio o “tiki-taka”. A posse de bola é apenas um método para organizar a equipa e desmontar o adversário…”

Pep Guardiola, 2014

“De Guardiola
p’ro Barcelona e selecção espanhola
do Bayern à selecção d’Alemanha,
e Guardiola sempre ganha
continuando a revolucionar,
o jogar…
Quem gosta de jogar à bola
Quem gosta de ir ver jogar,
Só pode reconhecer em Guardiola
O melhor p’ra tudo isto melhorar.”
(Frade, 2014)

O trinómio Estética-Eficácia-Eficiência e novamente…. a intensidade

“Ataque e defesa

é uma coisa unida

separá-los é tristeza

leva a equipa a estar perdida.”

(Frade, 2014)

Mesmo após o extraordinário artigo do Pedro Bouças no website Lateral Esquerdo sobre a relação entre desempenho e rendimento, na sequência de algumas reacções, sentimos que a incompreensão sobre o tema teima em subsistir. Uma vez mais, talvez uma das grandes causas passe pela visão analítica da realidade que paira sobre o jogo. Desta vez separando desempenho de rendimento… eficiência de eficácia.

É verdade que como em grande parte das actividades, um jogador ou uma equipa podem ser eficazes em serem eficientes. No entanto, acreditamos que na nossa concepção de eficiência, ou seja, jogar bem, ou ainda por outras palavras, cumprir determinados comportamentos táctico-técnicos de qualidade de forma regular, conduzirá a uma eficácia também regular e por conseguinte… a um maior rendimento. No fundo, o jogar bem a que nos referimos será aquele que indo ao encontro das regras do jogo e das características da modalidade, aproximará as equipas do sucesso.

O autor (Amado, 2010) revela uma posição similar ao defender “que existem maneiras melhores de jogar do que outras, maneiras que garantam mais vezes o sucesso”. Amado esclarece que pensa “assim por uma razão simples, porque o Futebol é um jogo e, como qualquer jogo, possui um conjunto de regras que lhe limita as possibilidades. O jogo do galo, para dar o exemplo de um jogo simples, cujo conjunto de regras impõe limites óbvios, acaba invariavelmente empatado, sempre que jogado por dois jogadores minimamente conscientes das possibilidades ao seu dispor. Há jogos, obviamente, mais complexos (sendo o Futebol um caso evidente), jogos em que as possibilidades são muito maiores, mas, no limite, passa-se o mesmo. Todo o conjunto de regras fixo, que é aquilo em que consiste, por definição, qualquer jogo, é um “meio” ao qual se adaptam melhor os que possuírem as características mais adequadas ao conjunto de regras com que se define esse “meio”.”

Ainda (Amado, 2010) defende então que “toda a História do Futebol é uma história de evolução neste sentido. Não é lícito afirmar, apenas porque sempre houve, até aqui, maneiras melhores de se jogar o jogo do que maneiras anteriores, que continuem a haver, ad eternum, formas de melhorar que se oponham a formas anteriores. O Futebol constitui-se por um sistema rígido de regras (ao contrário do que acontece, por exemplo, em arte), e a tendência é, por isso, para que a evolução tenha um limite. De resto, nada disto implica, como é óbvio, que formas piores de jogar o jogo não possam vencer, pontualmente, formas melhores. Mas formas melhores ganharão mais vezes: e é esse o ponto de tudo isto”. Deste modo, (Sá, 2011), defende que a qualidade não tem a ver com a preferência por um estilo, ou por uma especialização num momento táctico do jogo. Se o Futebol tem 6 momentos, só se pode aspirar à excelência sendo forte em todos eles”. O autor reforça que “Futebol não se define pelo enfoque que se dá a um estilo, mas sim pela capacidade e coerência que as equipas apresentam em todos os momentos que o jogo tem”. O autor (Azevedo, 2011), baseando-se em Garganta (1997), parece reforçar esta ideia, pois a propósito da modelação do jogo das equipas, descreve que esta “pode ser utilizada para promover a identificação de relações entre os eventos de jogo e os factores que afluem para a efectividade das equipas, isto é, na configuração de padrões de jogo que estejam associados aos factores de sucesso e insucesso nas equipas”.

Desta forma, o autor (Barbosa, 2014) refere que “constatámos a existência de diferentes formas de interpretação do jogo e, como tal, de o jogar”. No entanto o autor coloca a questão: “a percepção entre “o jogar bem e o jogar mal” relaciona-se directamente com o resultado obtido? Assumamos a ambiguidade da questão: o que é jogar bem?” Sentimos assim que não só o espectador comum, como muitos treinadores, associam o “jogar bem” como uma preferência por um determinado estilo de jogo, portanto remetendo o jogo para a sua dimensão estética. Da mesma forma que este pensamento separa eficiência de eficácia, a estética surge assim também isolada, como algo que se pode optar por ter ou não, de forma a agradar os espectadores e tornar o jogo um bom ou mau espectáculo.

Esta interpretação do jogo como arte, torna-se então subjectiva e relativa à individualidade, cultura e preferência pessoal de cada indivíduo que observa o fenómeno. Nesta perspectiva, o “jogar bem” não é discutível. Torna-se uma preferência pessoal, como alguém que prefere uma pintura impressionista ao invés de outra expressionista. Não é esta a nossa abordagem ao jogo, portanto para nós jogar bem tem um significado muito mais objectivo: o jogo de qualidade, sendo esta qualidade a que aproxime a equipa dos objectivos do jogo: marcar golo e não sofrer. Portanto, remete-nos para a eficiência. Se depois essa qualidade agrada o espectador, será então uma consequência.

Ainda noutra perspectiva, recordando (Maciel, 2011), “o Professor Vítor Frade refere-se ao trinómio Estética-Eficácia-Eficiência como o cerne do jogar de qualidade. E de facto assim é, a articulação bem conseguida entre estes três aspectos é determinante, é da melhor ou pior consecução do mesmo que emerge respectivamente um jogar de maior ou menor qualidade. Conforme referi, no Futebol há claramente um objectivo claro, vencer, ser eficaz portanto, mas perseguir esse intento deve despertar em quem joga e em quem vê jogar um determinado impacto e essa é a dimensão estética que o jogar deve contemplar. Além disso todos estes aspectos devem ser alcançados tendo por base uma identidade própria, a dimensão da eficiência tem a ver com esse apego a uma intencionalidade capaz de se manifestar regularmente e de forma a dar resposta satisfatória aos problemas colocados pelo jogo. A concretização deste trinómio é bastante complexa e difícil também, porque por vezes a interferência sobre uma das dimensões poderá ter implicações muito significativas nas demais. E uma vez mais, a calibragem de tudo isso faz parte da mestria do treinador. Não obstante da necessidade de pontualmente o treinador ter de aferir para tornar bem sucedida esta relação, penso que o jogar de qualidade se expressa pela seguinte máxima do Professor Vitor Frade e resulta do equilíbrio, feito nos limites entre “máxima redundância (a nível macro – princípios de jogo) e máxima variabilidade (a nível micro – plano dos detalhes)”. Conseguir isto é aspirar à concretização do Futebol elevado á sublimidade, mas implica um equilíbrio altamente dinâmico entre atacar defender e passar de um para o outro, fazendo-o na fronteira do caos tanto a nível colectivo como individual, pois é isso que me vai permitir não perda de identidade pela “máxima redundância” e não perda de criatividade pela “máxima variabilidade” de manifestação e de concretização ao nível das diferentes escalas que compõem a equipa aquando da tentativa de materializar tal identidade. Se assim for, e não é nada fácil, as equipas serão dominadoras e controladores, e fundamentalmente organizadas, capazes de entusiasmar multidões e de vencer com maior regularidade”.

Esta interpretação estética do jogo vai ao encontro da nossa, do jogar de qualidade, posicionando-se aqui correlacionada com uma cultura táctica de jogo elevada, que compreenda que uma equipa “dominadora e controladora” estará mais perto de ganhar, e que esse jogo de qualidade, será dessa forma potencialmente mais vitorioso. Esta interpretação sugere assim que esta é uma visão transversal no Futebol. No entanto a realidade transmite-nos uma leitura diferente. Parece-nos que o espectador comum mostra-se entediado com o jogo de uma equipa com essas características, que controlando e dominando surge sempre mais próxima de ganhar, provavelmente por retirar alguma imprevisibilidade ao jogo. O Barcelona de Guardiola foi um bom exemplo. O FC Porto de Vítor Pereira era outro exemplo, que inclusive gerou críticas aos próprios adeptos apesar do seu trajecto vitorioso. Em sentido contrário, o campeonato Inglês, no qual as equipas apresentam muitas deficiências tácticas, proporcionando um maior caos nos jogos e consequentemente uma enorme imprevisibilidade, parece ir ao encontro da preferência da maioria dos espectadores.

O autor (Maciel, 2012), defendia que “a gestualidade implicada num jogar de qualidade implica uma grande versatilidade, fluidez e disponibilidade corpórea, o que geralmente não acontece. Por este motivo as equipas além de revelarem baixa rotatividade, independentemente de poderem ter carros de alta cilindrada, jogam também pelas adaptações biomecânicas associadas, com o travão de mão puxado, uma vez que a manifestação e vivenciação (em treino e competição) de um jogar em baixa rotação tem subjacente um padrão gestual contraproducente, robotizado, sem variabilidade de ritmos, de velocidades e de padrão gestual e por isso mesmo torna-se mais previsível, hipotecando assim a interacção bem sucedida da tríade EstéticaEficáciaEficiência“. Hoje contudo, reconhecendo-se o erro e talvez na ânsia de caminhar no sentido inverso, sentimos que se caiu no exagero oposto: excessiva “rotação”, aceleração permanente desses “carros de alta cilindrada”, uso raro do travão, conduzindo igualmente a esse jogar robotizado, sem variabilidade de ritmos, de velocidades e de padrão gestual e por isso mesmo torna-se mais previsível”. Tal como as nossa vidas o jogo tornou-se impaciente, tornou-se precipitado, tornou-se no fundo… pressa.

Sentimos que aqui residirá um futuro potencial problema no jogo. Será que a sua evolução táctica afastará o espectador tradicional do jogo? Porém, pensando em termos antropológicos, a preferência actual por um jogo mais rápido na perspectiva da execução e do deslocamento, tornando a intensidade física uma referência, estará influenciada quer em espectadores quer em muitos treinadores, por influências sociais de semelhantes características exercidas no plano geral das nossas vidas. Mesmo que de forma não linear, supondo que evoluiremos para uma sociedade diferente, que substituirá o fazer em quantidade e depressa pelo fazer com qualidade e no tempo certo, provavelmente a perspectiva sobre o jogo também se alterará. Desta forma, a preferência geral pelo estilo de jogo tenderá também a modificar-se no mesmo sentido. Mas esta é a grande dúvida que se apresenta. Se de facto caminhamos nessa direcção.

Assim, construir um modelo de jogo e por sua vez o “jogar” é, segundo Morcillo, citado por (Moreno, 2009), um tratado de Táctica, “fazendo coincidir a ordem com o caos, a estética com a eficácia, o talento com a responsabilidade”. Nós acrescentamos… e um acto de coragem, pois a opção pela qualidade de jogo implica enfrentar uma mentalidade bem diferente, que neste momento se institucionalizou no jogo.

“Onze sintonizados

p’las mesmas ideias,

com comportamentos diferenciados

se p’los morfociclos planeias,

Redundância e variabilidade

maximizados…

Fazendo emergir a identidade

e jogadores não amestrados.”

(Frade, 2014)

Um jogo tacticamente rico?

Abordando o tema, e independentemente da perspectiva com que o fazemos, devemos em primeiro lugar, parabenizar um clube e a sua equipa, que com menores recursos, conseguiu dentro do campo ser mais eficaz do que os seus adversários. Não é objectivo deste artigo aferir se pela dimensão táctica, estratégica, se pela sua qualidade individual, mas simplesmente realçar que uma vez mais, se materializou um dos muitos encantos que o jogo proporciona: a possibilidade do mais improvável vencer. No fundo de David derrotar Golias. E independentemente da forma como o jogo exerce atracção sobre cada um de nós, a sua dimensão social é incontornável e também merece este destaque.

Porém o tema é outro. Augusto Inácio, técnico vencedor, referiu numa entrevista, pós jogo, que o mesmo foi “tacticamente rico”. É uma opinião amplamente difundida, que equipas que reconhecidamente não “jogam bem”, que apenas conseguem alguma eficácia no momento defensivo do jogo e que como consequência não permitem oportunidades de finalização ao adversário, mas também não as criam, tornam automaticamente o jogo rico… tacticamente.

Confunde-se organização e / ou eficácia no momento defensivo do jogo com riqueza de jogo, e isto tem sido um tema abordado e discutido nos últimos dias, ao qual voltaremos nos próximos.

Augusto Inácio, acaba também por explicar porque é que o jogo não pode ter sido rico tacticamente. Se as equipas não tiveram qualidade em todos os momentos do jogo, sendo os momentos com bola os exemplos referidos pelo treinador português, então não podemos estar perante um jogo tacticamente rico. Uma justificação para este pensamento generalizado, pode passar pela maior facilidade com que se trabalha o momento defensivo do jogo, pensamento esse que assim entrega os momentos ofensivos à qualidade individual dos jogadores. Nesta lógica, a táctica enquanto organização (uma ideia redutora), estará nesta visão apenas dirigida à Organização Defensiva. No entanto o próprio Inácio, acaba por explicar como é que uma equipa pode ser mais rica, e consequentemente ter capacidade de resposta colectiva, portanto competência… táctica, a diferentes contextos no seu momento ofensivo:

Quando a superioridade numérica não ajuda

A situação surge no momento de Transição Ofensiva, no nosso Modelo no sub-momento de Contra-Ataque, situação específica de contra-ataque em 3×1+GR. A questão que se levanta coloca-se na superioridade numérica clara do ataque, que até parece atrapalhar os jogadores em causa na resolução da situação. Lembra-nos o futebol de rua ou o jogo informal, quando uma das equipas tem superioridade numérica, mas não beneficia com isso e até parece sentir que a mesma a prejudica. Isto sucede em contextos de baixo conhecimento do jogo e consequentemente baixa qualidade individual e colectiva, tornando a gestão da maior complexidade, resultante do número elevado de jogadores e falta de espaço, um problema.

Constitui-se então como um exemplo de que por vezes, uma maior superioridade numérica pode não tornar a situação mais fácil de resolver. Porém não pelo número de jogadores em si, que por si só é um dado extremamente redutor, mas pelas relações que os jogadores estabelecem – a qualidade colectiva, e restante configuração do jogo. Como temos insistido, se o Futebol é extremamente complexo, como tal a sua reprodutibilidade teórica será sempre falível, nem que seja pelo mais ínfimo detalhe. Cabe a cada um de nós compreender isso na forma como interpretamos o jogo, ou como interpretamos representações teóricas do mesmo.

Neste caso, um dos atacantes sem bola deveria ter garantido opção à esquerda do companheiro com bola, sugerindo este a conduzir para o corredor central e fixar a o defensor. Deste modo, o portador ficaria com duas soluções de passe, em vez da única que dispôs aqui, dada a presença dos dois companheiros no mesmo espaço, à sua direita.

Qualidade Colectiva II

Não tínhamos intenção de publicar novos artigos nesta fase do projecto Saber Sobre o Saber Treinar, uma vez que, e avançamos já a notícia, nos preparamos para lançar um novo website. É também por esta razão que este espaço não tem sido actualizado com maior regularidade.
 
No entanto, pareceu-nos mais do que justo terminar esta primeira etapa com um tema que foi um dos grandes alicerces deste projecto e das ideias que o alimentam: a qualidade colectiva. É simultâneamente uma homenagem a um treinador que independentemente da qualidade e do estatuto dos jogadores que dispõe, apresenta regularmente ideias de qualidade, o que no âmbito de uma selecção nacional é ainda mais díficil, não só pela constituição de uma equipa de jogadores provenientes de diferentes contextos e culturas, como principalmente pela escassez de tempo para treinar. Apresenta ainda uma liderança diferente, calma mas próxima, aparentemente forte e influênciada por valores que aplaudimos. Falamos de Rui Jorge.
 
Após todas as contrariedades, chamemos assim, na constituição da selecção olímpica Portuguesa era natural que a expectativa em torno da mesma fosse baixa. Contudo, com vários jogadores que não foram primeira nem segunda escolha, Rui Jorge apresentou o mesmo discurso de sempre, a mesma mentalidade e as mesmas ideias. Como tal, independentemente da qualidade individual, no primeiro jogo do torneio a equipa apresentou organização, coesão, ambição, coragem e criatividade… no fundo, qualidade colectiva. Como já o tinha feito no passado, noutras competições, com outros jogadores. E logo contra uma selecção Argentina, onde a qualidade individual por norma abunda. 
 
Que fique claro, que independentemente do estatuto dos jogadores, também existe qualidade individual na selecção portuguesa, até porque um conceito não vive sem o outro. Aliás, facto no qual também se deve reflectir, porque se era uma ideia difundida que a geração de Figo, Rui Costa, Paulo Sousa, etc, era um “desvio padrão”, olhando mais para trás e vendo também o momento actual das equipas portuguesas, sentimos não haver falta de qualidade individual. Porém crescemos na mentalidade, organização e sentido colectivo do jogo e isso tem feito toda a diferença.
 
Assim, o que faz a diferença no jogo português é a qualidade colectiva, explícita na equipa de Rui Jorge, a qual este projecto acredita ser decisiva no jogo de futebol. Também o autor (Neto, 2014) acredita que a “a essência do jogo está na nobre alegoria que é viver e fundamenta-se no seu carácter lúdico transposto para um patamar cultural indispensável na formação de uma sociedade projectada para uma vida universal total, sendo o rastilho que promove o despertar para uma inteligência colectiva, subjacente a uma exigente adaptação às múltiplas situações, tão rigorosas quão simples, que a prática deste belo jogo impõe”.
 

“É processo

aquisição,

adaptabilidade

p’ro sucesso

vir então…

Sem ansiedade,

a construção

do ser equipa

cada um nela participa,

e de igual modo identifica

o macro referencial…

Critério colectivo

sem inibição do individual

tendo a subjectividade consigo,

é primordial…”

(Frade, 2014)

 
Sobre a selecção A Portuguesa? É um tema que fica guardado para o lançamento do novo website.
 
Despedimo-nos então deste espaço, agradecendo a todos os que seguem este projecto, e com a promessa de brevemente o fazer evoluir.

Saber sobre o saber treinar II

Reforçamos que este espaço não procura avaliar competências, sejam elas individuais ou colectivas, mas consolidar e construir conhecimento. Inevitavelmente que para isso procuramos compreender como os melhores jogam ou trabalham. Ser melhor será para muitos, relativo, pois dependerá do conhecimento e perspectiva com que se analisa. No entanto, quando se trabalha melhor, está-se sempre mais próximo do rendimento. Sendo o Futebol um jogo, o rendimento, portanto, vencer, será sempre o destino. Aqui, uma vez mais, procuramos o(s) caminho(s) para atingir esse destino.

Jorge Jesus é um bom exemplo para nós, principalmente pelas suas ideias e consequente desempenho das suas equipas, mas também porque já passou por diferentes clubes. No passado, trabalhando noutro clube, trouxemos uma sua palestra na Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa sobre as suas ideias e trabalho. Pareceu-nos pertinente, pelas ideias, mas também pela contínua qualidade do seu trabalho, agora noutro clube, trazer algumas declarações em entrevistas recentes.

Jornalista: Tem noção também que tudo isto é um pouco contingente até aquele minuto 92. Se calhar o desfecho da história era diferente. Ou seja todo um trabalho bem feito poderia ter ido por água abaixo?

Vítor Pereira: Mas o trabalho estava lá. O que é que isso mudaria? Mudaria o titulo, mas o trabalho estava lá.”

(Vítor Pereira, 2014)

“Mais vale dizer coisas certas com as palavras erradas do que que dizer coisas erradas com as palavras certas”.

(Manuel Sérgio, 2013)

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“Não há um bom treinador sem bons jogadores e não há uma boa equipa sem um bom treinador.”

(Jesus, 2015)

“Os treinadores portugueses, são actualmente os melhores treinadores do mundo, são os que têm mais conhecimento em todas as áreas que definem o crescimento de uma equipa de Futebol, e portanto se tiveres a possibilidade de trabalhar numa equipa que tem condições financeiras para teres isto tudo, eles têm muito mais facilidade de ganhar esses títulos que qualquer outro treinador do mundo. Tirando o Pep Guardiola porque também penso que é um pouco parecido com os treinadores portugueses”.

(Jesus, 2015)

“Óbvio que ganhar títulos é importante, mas não é tudo. O que me interessa é que, a certa altura, os meus jogadores me digam: “Treinador, você ajudou-nos e tornou-nos melhores jogadores. Aprendemos muito consigo””

(Guardiola, 2013)

Qualidade Colectiva

Brasil x Alemanha 2014

Brasil x Alemanha, meia-final do Campeonato do Mundo do Brasil, 2014.

O Brasil x Alemanha foi, provavelmente um dos melhores exemplos da história recente do jogo, que ilustra a importância da qualidade colectiva no Futebol. Deixamos uma parte do capítulo dedicado ao tema, na qual dois autores relativamente desconhecidos do público em geral têm vindo a sublinhar a importância da mesma. Incrível como por outro lado, uma industria que move biliões de pessoas e consequentemente enormes recursos financeiros, tem como muitos dos seus gestores de topo, treinadores que não percebem o mesmo.Segundo (Bouças, 2012), uma ideia que se difundiu durante décadas no Futebol é que “o jogo não mais, são onze jogadores soltos às suas próprias iniciativas individuais. Os carregadores de piano como Jaime Pacheco os designa, a fazer o trabalho árduo, a correr por quatro ou cinco, os dois extremos bem abertos e dribladores, sempre com o intuito de ganhar o 1×1 para cruzar para a área, onde um avançado espera finalmente o seu momento para entrar no jogo. A finalização”. Para (Amado, 2013), “o futebol não é um jogo de individualidades, e que trabalhadores não servem para compensar craques, nem criativos servem para compensar trabalhadores. Cada acção individual só faz sentido colectivamente”. O avançado espanhol Fernando Torres, citado por (Bouças, 2012), reforça esta ideia tacticamente, explicando que no seu caso, jogando a ponta-de-lança da selecção espanhola, “é preciso ter paciência. É complicado jogar. Deves fixar o central, é um papel secundário, porém é o melhor para a equipa. É um luxo jogar nesta selecção. Aqui pode acontecer que te contenhas mais na partida e não faças golos, mas é o melhor para a equipa. Há dias que pensas: “Que partida fiz! Oxalá jogue assim sempre.” E ouves críticas por todos os lados. E no dia em que estás lento, mal e erras, mas marcas dois golos, aplaúdem-te. Aprendi a viver com isto.” O autor remata, descrevendo que “estamos numa era em que perceber o futebol é muito mais complexo que o que na realidade parece. Há onze jogadores, e todos devem ser responsáveis por tudo dentro do campo. Uns dias ganhas notoriedade, noutros parece que o jogo te passa ao lado. Há é que decidir bem a cada instante. Se assim for, a equipa estará sempre mais próxima do sucesso”. Ainda (Amado, 2013), sublinha que “o futebol é um jogo de relações, um jogo em que é melhor não a equipa que tiver os onze melhores especialistas a fazerem o melhor que podem, mas um jogo em que é melhor a equipa em que os onze jogadores se compreendem melhor uns aos outros”. Amado reforça que “a qualidade da equipa mede-se essencialmente pela forma como os onze jogadores se relacionam entre si”. O jogador Belga Jan Vertonghen, citado por (Bouças, 2014), testemunha no mesmo sentido após o confronto com o Benfica de Jorge Jesus em 2014 para a Liga Europa, descrevendo: “tentámos reajustar mas o posicionamento deles era melhor, jogavam uns para os outros. O Benfica foi melhor em todos os setores e dói perceber isso. Individualmente temos tanta qualidade quanto o Benfica mas não como equipa”.

“Ser um atleta excepcional, ou até genial, é sem dúvida distinguir-se, pelos primores técnicos, pela inteligência táctica e pelo alto rendimento, em relação aos demais colegas de equipa, mas é também estar essencialmente em relação com todos eles. Fora desta dialéctica de distinção e integração, o atleta excepcional não se compreende. A autonomia do singular não constitui um dado absoluto, dado que assim se lançaria ao esquecimento a plurideterminação do real”.

(Manuel Sérgio, 1991) citado por (Neto, 2012)