Valores humanos – Capítulo IV – O “jogar” expõe e cultiva valores [Subscrição Anual]

Publicamos a continuação do tema Valores humanos, e o seu quarto capítulo – “O “jogar” expõe e cultiva valores“. Ainda no contexto da importância fundamental que determinados valores têm não só no futebol, mas também na ligação que todo o seu contexto cultural tem com outras dimensões sociais humanas, desta vez abordamos a relação dos mesmos com a especificidade de cada jogar. Insistindo na ideia de estarmos perante um todo complexo, se diferentes formas de jogar, potenciam diferentes culturas, consequentemente irão também emergir daí, diferentes valores humanos. Na perspectiva inversa, enquanto gerador de cultura, se é uma responsabilidade do futebol, alicercar a sociedade de melhores valores, então há que idealizar formas de jogá-lo que sejam coerentes com essa pretensão.

O tema Valores Humanos encontra-se enquadrado em:

Por outro lado este tema será constituído pelos seguintes captítulos:

  1. Os alicerces do homem… e consequentemente do seu desempenho
  2. Uma sociedade em mudança
  3. Treinador e… educador
  4. O “jogar” expõe e cultiva valores
  5. Priorizar os (bons) valores humanos
  6. Que valores?
  7. A transmissão de valores

Deixamos um excerto do quarto capítulo publicado, “O “jogar” expõe e cultiva valores“.

“Aquilo que eu sou reflete-se no meu jogar e este jogar faz-me ser quem eu sou.”

(Miguel Cardoso, 2018)

Perante a visão analítica do homem, que o parte em indivíduo social, indivíduo desportista, indivíduo religioso, etc., o autor (Capra, 2005, p.09), citado por (Almeida, 2009), defende que “precisamos, pois, de um novo “paradigma — uma nova visão da realidade, uma mudança fundamental em nossos pensamentos, percepções e valores. Os primórdios dessa mudança, da transferência da concepção mecanicista para a holística da realidade, já são visíveis em todos os campos e susceptíveis de dominar a década actual”. Nesta nova perspectiva, o homem que joga é o homem que vive em sociedade e vice-versa. Como tal, os valores que ele transporta para o jogo, ou os valores que o jogo lhe transfere, serão os mesmos que o guiam socialmente. Neste enquadramento, o autor (Moita, 2008) descreve que na formação desportiva, o cuidado e a atenção atribuídos à formação ética são na generalidade muito reduzidos. A sociedade aponta, como referência quase exclusiva, para modelos de sucesso com resultados práticos imediatos, relegando para segundo plano outras questões menos palpáveis de carácter moral, social, etc…(Ramos, 2006). No entanto, os valores do desporto não se situam no plano de um “corpo motor”, mas sim, de um “corpo” que, ao realizar determinados movimentos, suscita o aparecimento de atitudes e condutas que reivindicam uma certa dimensão cultural, com consequências no plano educativo e formativo (Ramos, 2006). Segundo Pacheco (2001), a formação desportiva deve ser encarada como “um processo globalizante, que visa não só, o desenvolvimento das capacidades específicas (físicas, táctico-técnicas e psíquicas) do futebol, como também, a criação de hábitos desportivos, a melhoria da saúde e a aquisição de um conjunto de valores tais como a responsabilidade, a solidariedade e a cooperação, contribuindo desta forma para uma formação integral dos jovens“. No contexto de outro desporto colectivo, o Rugby, também o ex-seleccionador português (Tomaz Morais) defende que “é importante transmitir os valores do jogo para se atingir os mais jovens”.

Para (Lourenço, 2007), e “segundo Edgar Schein (2004), a cultura é um conjunto tácito de pressupostos básicos sobre como o mundo é e como deve ser, o qual é partilhado por uma comunidade de pessoas e determina as suas percepções, pensamentos, emoções, e em grande parte o seu comportamento. A cultura de uma organização, de um grupo, de uma equipa de futebol, no seu nível mais profundo, é os seus valores básicos, a sua ideologia, a razão de ser de quem está ali, da forma como está e como é. A cultura organizacional, seja de uma organização formal – como, por exemplo, uma empresa ou uma equipa de futebol –, seja de uma organização informal – como, por exemplo, um grupo de amigos –, constitui-se nos pressupostos que guiam e modelam os comportamentos dos indivíduos e do grupo. Trata-se como que de um filtro, através do qual tudo é percepcionado e imediatamente valorizado num sentido ou noutro”. Na mesma linha de pensamento surge (Cardoso, 2006), que concordando com (Figueiras, 2004), sustenta que as concepções e modelos de jogo são condicionados pela cultura e valores vigentes na sociedade em que se insere e assim, se a cultura dos povos se altera ao longo dos tempos, também esses necessariamente se alteram. Deste modo podemos verificar que esta dialéctica (ou interacção) entre a cultura e a cultura de jogo também se verifica“.

A autora (Gomes, 2008), expõe que “segundo Kaufmann & Quéré (2001), nos fenómenos colectivos o sujeito apreende normas, valores e desenvolve capacidades, adquire hábitos na socialização do todo ou seja, nas relações com os demais. Neste contexto, o desenvolvimento de uma dinâmica colectiva – entenda-se jogar – faz com que as exigências individuais sejam sobrecondicionadas pelo papel que desempenham nessa equipa. Novamente (Gomes, 2008), explica que “de acordo com esta perspectiva, a exacerbação da equipa enquanto colectivo faz com que as repercussões individuais adquiram determinados contornos. Por isso, José Mourinho (in Oliveira et al., 200:93) refere que a sua prioridade é o desempenho colectivo, que a equipa jogue como pretende, acrescentando ainda que não concebe a evolução de um jogador descontextualizada da equipa. A dinâmica colectiva resulta da participação individual dos jogadores de um modo Específico ou seja, enquadrado pelos princípios de acção que caracterizam a equipa. Através deles estabelece-se um conjunto de normas e valores sobre o qual se compreende a participação individual ou seja, os jogadores participam no jogo de acordo com determinados princípios. Desta forma, o jogador é um «agente normativo» ou seja, os comportamentos resultam de determinadas normas e valores (Ogien, 2001). De acordo com esta lógica, os jogadores apropriam-se desses valores e princípios no próprio processo de socialização ou melhor, nas relações que estabelecem com os colegas no desenvolvimento do jogo”.

(…)