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Tempo-Espaço-Número e… Qualidade

“Vejo um animal menos forte do que alguns, menos ágil do que outros, mas que, ao fim e ao cabo, é de todos o mais bem organizado”.

Jean-Jacques Rousseau citado por (Romano, 2007)

Numa sociedade ainda tremendamente influenciada pelo pensamento Newtoniano-Cartesiano, não são surpresa, nas mais diversas áreas, as análises quantitativas em detrimento, ou destituídas, das qualitativas. Os Desportos Colectivos não foram excepção e emergiu a análise da acção de jogo, e consequentemente, do treino, na óptica do tempo-espaço-número. Sendo a mesma interessante pelos critérios identificados, surge como iminentemente quantitativa e órfã da dimensão qualitativa da acção. Deste modo, será fundamental adicionar a qualidade da acção à sua análise e concepção do exercício de treino. Este é um tema ao qual regressaremos no futuro em maior profundidade.

Como em muitos outros exemplos, a acção de jogo seguinte demonstra a ideia. Apesar do tempo ser curto porque se trata de uma bola aérea, à qual a finalização a um ou dois toques poderá garantir maior eficácia na mesma, por outro lado, a equipa Portuguesa surge em clara vantagem numérica e espacial. No entanto, esse número, torna-se excessivo e acaba por retirar espaço à execução da finalização. Portanto… pensando no princípio fundamental do jogo, “Criar Superioridade Numérica”, por si só não é garante de sucesso pela perspectiva quantitativa. Neste caso ela até se torna inimiga da qualidade da acção.

“Para treinadores e investigadores, as análises que salientam o comportamento da equipa e dos jogadores, através da identificação das regularidades e variações das acções de jogo, afiguram-se claramente mais profícuas do que a exaustividade de elementos quantitativos, relativos a acções individuais e não contextualizadas. Face às necessidades e particularidades dos Jogos Desportivos, justifica-se a construção de sistemas elaborados a partir de categorias integrativas, configuradas para caracterizar (Garganta, 1997):

  1. A organização do jogo a partir das características das sequências de acções (unidades tácticas) das equipas em confronto;
  2. Os tipos de sequências que geram acções positivas;
  3. As situações que induzam ruptura ou perturbação no balanço ofensivo e defensivo das equipas que se defrontam;
  4. As quantidades da qualidade das acções de jogo.”

(Garganta, 2001)

A saída de jogo do Guarda-Redes. Curta ou longa, ou aberta ou fechada? E eventuais tendências evolutivas. II

Num artigo recente abordámos a situação de Saída de Jogo do Guarda-Redes. Perante a multiplicidade de situações possíveis, procurámos identificar e catalogar as diferentes soluções, tendo sempre consciência que a enorme complexidade do jogo não o permite fazer à totalidade das situações, e haverão sempre algumas, identificadas como casos especiais.

Por outro lado, abordámos também possíveis consequências da alteração da regra do pontapé de baliza neste tipo de situação de jogo. De forma pouco surpreendente, Guardiola já apresenta novas ideias, de forma a explorar as novas regras. Se para nós, a qualidade / intensidade da acção táctica dependerá de um todo complexo constituído pelo tempo, espaço, número e qualidade individual, neste momento, as novas possibilidades de acção sobre o espaço trazem consequências às outras dimensões da acção táctica, e portanto, novas possibilidades de atingir a eficiência e eficácia no jogo.

Creditos para Fúlbo.

A Juventus de Maurizio Sarri também está a realizar um percurso similar.
“Mesmo sob pressão há formas de sair a jogar. É preciso é entender como é que a pressão está a ser feita e preparar o antídoto.”
(Vítor Pereira, 2014)

Um golo rico para análise

O golo que trazemos, será identificado por muitos como consequência de um contra-ataque. Compreensível para quem não assistiu ao início da situação, um lançamento lateral para o Manchester United, como comprova uma das repetições. Ou seja, não partiu de uma recuperação de bola, logo não estamos perante um contra-ataque. Estamos sim, na presença de uma situação de ataque rápido, que consiste em acelerar acções de progressão, portanto acções na sua maioria de sentido vertical do campo, perante espaço(s) existente(s). A confusão entre contra-ataque e ataque-rápido é um clássico na análise dos jogos, mas não é o assunto que trazemos hoje.

Neste caso a situação evidencia uma fraca organização defensiva de quem está a defender um lançamento lateral. Não há uma cobertura defensiva adequada ao defensor que pressiona a linha de passe para Wayne Rooney. Depois, a má abordagem do defensor e a qualidade individual do inglês apesar do seu desenquadramento com a baliza adversária, resolvem o 1×1, ficando este com espaço para conduzir e progredir.

Num primeiro momento, sem percebermos o início da situação, chamou-nos a atenção a decisão de Rooney após o seu enquadramento com a baliza adversária. O inglês encontra-se sem apoios próximos, percebe que um defensor vai recuperar a contenção antes que consiga fixar um dos três defensores da última linha adversária, o que tornará mais difícil a possibilidade de ser ele a comandar o ataque. Assim, dificilmente conseguirá conduzir para o corredor central, no qual como em situação de contra-ataque, deverá ter mais opções para resolver a situação. Mas Rooney, num passe de alguma dificuldade dada a distância e contexto, com um risco elevado de atrasar a progressão, consegue colocar a bola em Ibrahimovic para que este lhe dê continuidade no corredor central, com mais soluções. Depois o inglês desmarca-se entre a última linha, e sendo certo que beneficia da queda de um adversário, garante porém uma solução de último passe entre a última linha adversária, que acaba mesmo por ser a opção do sueco para resolver a situação. Este, pelo meio, e também com muita qualidade, fixa um dos defensores atraindo ainda atenção das suas coberturas defensivas, simplificando uma situação de inferioridade numérica, mas que beneficiava de espaço. Em última análise do momento ofensivo, Ibrahimovic e os outros dois companheiros nesta situação, mostram uma vez mais que o número – as relações numéricas – são apenas uma dimensão do todo complexo que é o jogo, sendo o espaço e o tempo outras dimensões, também elas de grande influência nas decisões tomadas.

Mas por outro lado, podemos analisar o comportamento defensivo do Feyenoord. Já o fizemos em relação ao início da situação. Depois, no princípio que nós chamamos a “defesa do contra-ataque”, mas que aqui, pela situação identificada antes se transforma numa “defesa do ataque-rápido”, se a equipa holandesa revela uma contenção interessante no início, não precipitando a tentativa de intercepção da bola e mantendo um posicionamento zonal inicial de GR+2+1, na sequência do movimento de Mata acaba por revelar referências individuais que levam a um desposicionamento dessa estrutura. Igualmente grave, não pára a contenção grupal no local ideal: a linha da grande área. Defendemos que aí, perante o adversário com bola no corredor central, deverá estar o limite referência para as coberturas defensiva e restante última linha, não devendo nenhum defensor entrar na grande área, obrigado o atacante com bola a tomar uma decisão. Isto porque caso contrário permitirá uma maior aproximação do atacante com bola à baliza e possibilitará um passe para outro atacante posicionado no interior da grande-área. Caso contrário, todos os atacantes têm de se posicionar fora da mesma, tirando os defensores também partido da regra do fora-de-jogo. Finalmente, o interior da grande área deverá ser espaço do Guarda-Redes, que no fundo se constituirá como uma derradeira cobertura defensiva em situação de último passe.

Esta análise leva-nos a outra questão. A análise da acção de uma equipa e da “contra-acção” do adversário. Este termo provém de outro problema deste mesmo plano, o exercício e o contra-exercício. Se num exercício competitivo de treino, o objectivo do mesmo estará no comportamento de um grupo / equipa, do outro lado encontra-se o outro grupo / equipa no oposto momento do jogo, e com o qual a equipa técnica também se deverá preocupar, mesmo que pretenda o seu erro. Aliás, mais ainda se pretende esse mesmo erro e portanto se o exercício dá propensão a que isso aconteça. Em qualquer situação do jogo coloca-se o mesmo problema, que desagua na eterna questão: onde termina o mérito do ataque e começa o demérito de quem defende. É sem dúvida um dos maiores desafios que o jogo levanta aos técnicos. Uma possível resposta, poderá estar na identificação de eventuais erros de Organização Defensiva no Modelo de Jogo proposto. Caso estes não sejam fáceis de identificar, deverá ser dado mérito ao ataque. Mas neste caso, é óbvio que estamos perante uma avaliação muito dependente do contexto e da riqueza das ideias tácticas de cada treinador.

Na situação anterior, há sem dúvida mérito ofensivo do Manchester United, contudo são para nós facilmente identificáveis erros defensivos do Feyenoord, que apresentando outros comportamentos tornaria muito mais difícil a resolução ofensiva da situação aos ingleses.