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Análise sistémica do jogo de Futebol

Publicamos um novo tema na dimensão Conhecimento do Jogo. Abordamos então o tema Análise sistémica do jogo de Futebol.

Deixamos um excerto.

(…)

Também segundo (Silveira Ramos, 2003), “o Futebol como jogo colectivo apresenta características semelhantes a outros jogos também colectivos e outras, naturalmente diferentes, que lhe conferem uma identidade própria. O carácter de oposição a adversários e de cooperação com companheiros é comum a diversos jogos colectivos, entre os quais o Futebol. Não será evidentemente por estas características que podemos diferenciar as modalidades mas sim e particularmente, pelo conjunto de acções específicas da própria modalidade”. Demonstrando isso mesmo, mas essencialmente chamando a atenção para o perigo desta visão dualista do jogo, o treinador de Futsal (Jorge Braz, 2006) aponta que “ao fazer a análise da dinâmica de jogo considera-se de forma simultânea o ataque e a defesa, já que são interdependentes um do outro pois, como refere Riera (1995a), muito frequentemente o ataque e a defesa são facetas de uma mesma actividade. Além da necessidade de compreender conjuntamente a dialéctica ataque / defesa, especificam-se as particularidades do processo ofensivo em toda a sua conjuntura organizacional, assim como o processo defensivo”.

“O Jogo é algo muito complexo que carece ser entendido como tal.”

Vítor Frade citado por (Cerqueira, 2009)

(…)

Centro de jogo

Publicamos um novo tema na área Conhecimento do Jogo. Abordamos um sub-tema de Sistematização do jogo: Centro de jogo.

“estar permanentemente preparado para intervir no centro do jogo, o que poderá suceder quer pelo deslocamento do jogador em direcção ao centro do jogo, quer pelo deslocamento do centro do jogo em direcção ao jogador. Sejam quais forem as circunstâncias que determinem a intervenção de um dado jogador no centro do jogo, o que é importante é que este mal entre no centro do jogo transmita aos seus companheiros confiança e segurança, cumpra insistentemente os princípios específicos do processo ofensivo (penetração, cobertura ofensiva e mobilidade) ou do processo defensivo (contenção, cobertura defensiva e equilíbrio) e procure criar vantagens quer em termos de superioridade numérica quer em termos espaciais e temporais”.

(João Quina, 2001)

Momentos, Sub-Momentos e Princípios de Jogo. Um exemplo prático.

O contra-ataque, e… ou melhor… ou, o ataque rápido II

“Segundo Garganta (1997) e Castelo (2004) este Método de Jogo Ofensivo apresenta as características fundamentais que foram referidas para o Contra-Ataque. A diferença estabelece-se fundamentalmente no facto do contra-ataque procurar assegurar as condições mais favoráveis para preparar a fase de finalização antes da defesa contrária se organizar de forma efectiva. Enquanto que o Ataque Rápido terá de preparar a fase de finalização já com a equipa adversária organizada eficientemente no seu método defensivo.”

(José Lopes, 2007)

Como prometido na semana passada, hoje voltamos a falar do contra-ataque e de ataque rápido. Num artigo de 2019 abordámos o tema, explicando sob a nossa visão e sistematização do jogo, as diferenças entre ambos. Nesse momento escrevíamos:

“A relevância deste assunto, prende-se, para nós, com a confusão geral em que mergulhou, em trabalhos académicos e entre treinadores e jogadores, tal como o próprio tópico da discussão ilustra. Deste modo, o assunto assume especial importância uma vez que se trata de entendimento e conhecimento do jogo, portanto, questões fundamentais no papel do treinador.”

Como referido, tornou-se um lugar comum a associação, tantas vezes ouvida entre ataque rápido e contra-ataque, que acreditamos ter surgido de uma visão clássica do jogo, a qual apenas contemplava as “fases” ofensiva e defensiva, e os coorrespondentes métodos de jogo ofensivos disponíveis nos quais eram agrupados o “ataque organizado ou posicional”, o “ataque rápido” e o “contra-ataque”. Com a evolução para uma visão mais completa e complexa do jogo, contemplando quatro momentos de jogo, surgiu uma nova necessidade de organizar estas ideias. Foi o que procurámos fazer quando propusemos uma sistematização que ia além dos quatro momentos, contemplando então mais doze sub-momentos.

Porém, a mais simples e básica distinção entre ambos não foi sugerida por nós. Há muito que era transmitida nalgumas obras, Universidades e cursos de treinadores, por quem procurava pensar, enquadrar e justificar os diferentes comportamentos em jogo. O Contra-Ataque, como o próprio nome indica, pressupõe a recuperação da bola. Deste modo, tem obrigatoriamente de ser enquadrado no momento de Transição Ofensiva. E como surge imediatamente a seguir à perda de bola e desorganização defensiva de uma equipa e a recuperação de bola e procura de aproveitamento da desorganização defensiva adversária da outra, para nós, o Contra-Ataque continua a ser momento de Transição Ofensiva. Particularmente, um sub-momento, pois torna-se algo muito comum no jogo e uma forma altamente directa de chegar à finalização. Por outro lado, o ataque rápido, não pressupondo recuperação de bola, enquadra-se na Organização Ofensiva. Anteriormente como método, hoje, tendo em conta a evolução da visão sobre o jogo, como um princípio passível de ser adoptado para uma equipa passar do sub-momento de Construção para o sub-momento de Criação. Ou seja, à excepção de ataque à profundidade em jogo longo directo, só em raras situações que implicam tremendos erros defensivos adversários, é que um ataque rápido permitirá que uma situação passe de construção a finalização. Deste modo, enquanto princípio, tal como outros mais, a sua potenciação e utilização, estarão dependentes da ideia de jogo de cada treinador, ao contrário do Contra-Ataque, que enquanto sub-momento torna-se um comportamento transversal a praticamente todas as equipas.

Assim sendo, a situação que trazíamos na semana passada, enquadramos como ataque rápido porque surge em Organização Ofensiva, mais precisamente em Construção. Uma decisão permitida por um conjunto de princípios como a posse e circulação de bola, a atracção da pressão adversária que em conjunto com a profundidade provocada à última linha adversária por Haaland, Doku e Foden acabou por permitir espaço entre-linhas para o apoio frontal de Álvarez e o passe vertical de Ederson, que permitiram iniciar o ataque rápido.

Finalizando, trazemos mais dois exemplos que sucederam num jogo da selecção portuguesa de Sub17, e que possibilitaram mesmo dois golos. O jogo é de 21 de Novembro de 2023.

Na primeira situação, estamos então perante um ataque rápido, pois a equipa estava em Organização Ofensiva, sub-momento de Construção, mais especificamente num lançamento lateral ofensivo. A mobilidade que efectuou provocou espaço ao adversário no interior do seu bloco, e perante isto o lançamento tornou-se um passe vertical para o espaço entre-linhas, permitindo imediatamente à equipa ficar num ataque de 3×3+GR. Por outro lado isto reforça a nossa posição, a qual refuta as bolas paradas como um quinto momento do jogo. Isto porque se há bolas paradas ofensivas que nos permitem finalizar, outras criar situações de finalização, e outras ainda, como esta, que possibilitam passar do sub-momento de Construção para o de Criação. Estão portanto claramente integradas nos sub-momentos do jogo.

Na segunda situação, a equipa recupera a bola no seu meio-campo, logo, momento de Transição Ofensiva, consegue sair da pressão, possibilitando uma situação de contra-ataque, também de 3×3+GR.

Portanto, situações com alguma semelhança em espaço, tempo e número, e nos princípios que permitirão eficiência e eficácia à sua resolução. No entanto, antecedidas de momentos e comportamentos diferentes, o que acreditando na importância da Articulação de Sentido entre sub-momentos e entre momentos para que o todo tenha lógica e coerência, leve a que seja igualmente importante que o treino exija isto, e que a operacionalização de cada uma das situações parta então de contextos e princípios de jogo diferentes.

“Na transição defesa-ataque o objetivo fundamental é, caso existam condições para o efetuar, aproveitar a desorganização posicional do adversário e progredir em direção à baliza adversária, evitando ao máximo interrupções para criar, o mais rápido possível, situações de golo.”

(Carlos Queiroz, 1983)

Querem matar o Futebol! A história e a irracionalidade sobre a regra mais importante do jogo.

“Ok temos de jogar bem. Mas o que é jogar bem ou jogar mal? Para mim, sempre foi uma questão de distância (entre jogadores)!”

(Johan Cruyff, 2014)

Será o título demasiado dramático? Acabar com o jogo de Futebol tal como o conhecemos, é de facto o que está em causa. Se preferirem uma visão um pouco mais simpática, e à imagem de um clássico filme de ficção, a mudança em causa implicaria transformá-lo numa horrível “criatura” híbrida.

A regra do fora-de-jogo é provavelmente a mais complexa, controversa e que mais debate tem suscitado no Futebol desde a sua introdução em 1863.  Torna-se, em primeiro lugar, fundamental perceber todo o seu enquadramento para a podermos discutir. Tanto que o autor e antigo selecionador Brasileiro e posteriormente jornalista (João Saldanha, 1968) defendeu que a discussão do jogo, nomeadamente o seu treino, táctica e preparação dependeu de “quatro épocas marcantes:

  1. Antes da primeira lei do fora-de-jogo;
  2. Depois do aparecimento desta lei;
  3. O surgimento da segunda lei do fora-de-jogo;
  4. O surgimento da medicina desportiva e da preparação física dos jogadores”.

Antes da introdução da regra, (João Saldanha, 1968) descreve que apenas havia jogadores que corriam ou ficavam parados dentro do campo, sem posições definidas. O futebol era feio e esteve a ponto de sucumbir como jogo ou competição porque não tinha graça. Não adiantava ser um bom jogador, que soubesse driblar e dominar a bola, porque um perna-de-pau qualquer, comodamente encostado perto a uma das balizas, esperava a bola chegar e fazia o golo que dava tanto trabalho ao outro que era bom jogador. O facto de não existir “offside” levava a que um grupinho ficasse perto de uma baliza e outro lá do outro lado também esperando a bola”. Segundo a (Wilkipédia, 2023) “o jogo ficava sem emoção, ao mesmo tempo deixando um vazio no campo”. 

Assim, mesmo nesta fase da história do jogo, transparece então já existir uma sensibilidade e racionalidade sobre o mesmo e a sua evolução. Permitido pelo regulamento desse tempo dada a ausência da regra do fora-de-jogo, os jogadores encontravam oportunidades para finalizar com enorme facilidade. Jogava-se em demasiado espaço e desse modo estávamos perante um jogo diferente, “estranho” e até…. sublinhe-se… menos “emocionante”.  Disputava-se portanto, um jogo caótico que provocava a anarquia e onde a sua dimensão colectiva era assoberbada pelas relações individuais ou no máximo, grupais. Dadas algumas vozes de personalidades históricas no jogo que se têm levantado nos últimos anos contra a regra do fora-de-jogo defendendo mesmo até a abolição da regra, tal cenário caótico descrito atrás resultante dessa eventual decisão foi também referido em 2017 num artigo da JornalismoPortoNet, projecto da Universidade do Porto.

Por outro lado, ao contrário do que por vezes se supõe, sendo o golo raro no Futebol ao invés da grande maioria dos outros desportos colectivos, isso torna-o mais apetecível e mais desejado. E sendo mais difícil de obter, será consequentemente resultado de uma maior necessidade de qualidade individual e colectiva das equipas para o obterem. E deste modo, e não menos importante, maior motivo de celebração e felicidade. Ou seja, traz uma maior paixão ao jogo, facto que é comprovado com a quantidade de adeptos, de sentimentos e de emoções que provoca. Comer todos os dias uma determinada iguaria tenderá a torná-la banal.

Voltando à história do jogo, perante o cenário caótico descrito, o fora-de-jogo foi criado. A (Wilkipédia, 2023) descreve que em 1863 a primeira regra do fora-de-jogo dizia “que um atacante, para não estar em posição de fora-de-jogo, teria que ter, pelo menos quatro jogadores à sua frente”. A introdução da regra provocou às equipas uma maior necessidade de organização. De acordo com o website (História do Futebol), “com essa nova lei, as equipas obrigaram-se a adoptar tácticas relacionadas com posicionamento dos jogadores em campo, visto que o jogo não podia ser mais jogado de qualquer maneira. O sistema táctico começou a ser utilizada pelas equipas ingleses Nottingham Forest e Blackburn Rovers. O sistema era o 2-3-5 e tinha as posições de avançados, médios e defensores”. Deste modo, cada posição / função foi-se também especializando e conhecido determinada nomenclatura. Por exemplo, (João Saldanha, 1968), descreve o “”back” direito, esquerdo; “half” direito, “center-half”, etc.”.

Mas rapidamente se percebeu que a regra trazia outros problemas. Neste sentido, segundo a mesma fonte, “em 1866, vem a primeira alteração: a quantidade de jogadores à frente do atacante passava de quatro para três. Em 1907, vem a segunda alteração na regra: a infração só poderia ser sinalizada se o jogador estiver na outra metade do campo”.

Ainda assim, a regra estava longe da perfeição. Naturalmente, e como sempre, as equipas exploraram ao milímetro tudo o que a lei permitiria. Quem defendia partia a equipa e definia para um dos defensores uma missão especial, ao qual os brasileiras chamaram de “beque-avança” (os defensores eram, em inglês, backs). Segundo (João Saldanha, 1968), um seria o “”beque-espera” e “beque-avança””. Este jogador, como o próprio nome indica, avançaria no momento certo para provocar o fora-de-jogo ao deixar apenas um defensor mais o guarda-redes no seu meio-campo. Por outro lado, segundo vários autores, estes dois defensores, normalmente um com maior papel de marcação e o outro como líbero, seriam suficientes para anular as outras situações ofensivas que escapavam ao fora-de-jogo. Tal é referido pelo mesmo autor ao descrever que “dois beques sabidos paravam todo o ataque adversário”. Saldanha ainda acrescenta que “o ataque tentou defender-se desta artimanha e formava em linha porque a lei também dizia que se o atacante estivesse atrás da linha da bola não estava fora-de-jogo. Foi por isto, inclusive, que os atacantes ficaram sendo chamados de jogadores da “linha”. Mas a artimanha dos beques levava a melhor e enfeiava o jogo”. Como consequência, de acordo com (Rodrigo Vergara, 2016), os jogadores concentravam-se no meio-campo e os jogos acabavam sem finalizações, a não ser na marcação de faltas”.

O brasileiro (João Saldanha, 1968) foi então mais longe e sustentou que tal cenário era era uma contrariedade ao que há de mais puro no futebol – e o que mais deve ser defendido: o talento. Sempre o talento, que é o que desenvolve o futebol e apaixona a multidão. Por esta imposição, a lei teve novamente de ser modificada fazendo surgir a mais importante etapa do futebol”. Assim, segundo o (História do Futebol), quem estudava o jogo compreendeu a falha e foi promovida uma alteração à regra em 1925. A partir desse momento para que um atacante recebesse a bola de forma legal no meio-campo adversário seriam necessários apenas dois defensores entre si e a baliza adversária. A (Wilkipédia, 2023) expõe que deste modo “desafogou-se o meio-campo, já que provocar o fora-de-jogo com um só jogador ficou arriscado e a defesa foi recuada. Por conta disso, os jogos acabaram ficando mais movimentados e a quantidade de golos aumentou vertiginosamente. Como exemplo, a temporada 1924 / 1925 da Football League registrou 4700 golos em 1848 partidas. A temporada seguinte (a primeira após a alteração na regra), para a mesma quantidade de partidas, foram marcados 6373 golos (aumento de 35,6%)”.

Segundo (João Saldanha, 1968), a partir desse momento, “tudo teve de ser modificado, pelo menos onde a lei foi imediatamente compreendida”. Ainda do ponto de vista táctico, o autor (Rodrigo Vergara, 2016) descreve que o meio-campo passou a “lugar de craques. É ali que, trocando passes ou driblando, os bons jogadores avançam com a bola sob controle até o destino final: um remate à distância ou penetração de um atacante por trás da defesa até ao golo. Era do que brasileiros e latino-americanos precisavam”. O autor sustenta ainda que essas culturas de jogo “sempre preferiram carregar a bola e a possibilidade de jogar dessa maneira marcou uma supremacia. Coincidência ou não, o futebol brasileiro como o conhecemos só apareceu depois de 1925. Até então, a a Selecção brasileira só havia ganho um campeonato sul-americano, em 1919. O primeiro reconhecimento mundial veio com o terceiro lugar, em 1938, na Copa da França”. Consequentemente, estruturalmente as equipas também mudaram. O website (História do Futebol) explica ainda que “houve a necessidade de três defesas pelo menos, porque a nova condição do fora-de-jogo permitia que o atacante enfrentasse até um defensor e o guarda-redes. Aumentou a emoção e as oportunidades de golo e evidenciou o talento dos jogadores. Os sistemas tácticos também foram aperfeiçoadas e surgiram outros (…): o famoso WM: o 4-2-4, o 4-3-3, o 5-2-3, etc.“. O autor (João Saldanha, 1968) acrescenta que “aqueles dois espertalhões agora tinham também saber jogar à bola. Não bastava o artifício de um deles adiantar-se. Para deter o ataque era preciso que os três beques se adiantassem ao mesmo tempo, e deixassem apenas o goleiro entre o atacante que iria receber a bola, para colocá-lo em fora-de-jogo. Mas essa era uma manobra perigosíssima. Antes era feita por um só. Agora teria de ser feita por três, numa fração de segundos. Um que ficasse parado e tudo iria água abaixo”.

Como estes factos sucederam há um século atrás, numa sociedade sempre com pressa de viver, em que o presente já se torna um passado longínquo, infelizmente torna-se natural que essa memória se tenha perdido, e que os menos conscientes para a dinâmica do jogo não consigam percepcionar e antecipar o que seria o jogo sem esta lei. Que para nós e tantos outros, se tornou fundamental para o Futebol ser o fenómeno tão amado que é hoje.

Mas a ignorância sobre a regra não conhece tempo. Segundo a (Wilkipédia, 2023), mesmo no momento da sua instituição, já se levantavam vozes contra a regra pois “atrapalharia o espectáculo do futebol”, até porque “os defesas têm justamente a função de defender o adversário na sua própria área”. Ora… noutra perspectiva, será esse o caminho que o Futebol tem percorrido? O pensamento individual a sobrepor-se ao colectivo? O pensamento atomista e mecânico sobrepondo-se ao complexo? Com excepções pontuais dada essa mesma natureza complexa do jogo, todas as variáveis que influenciam o rendimento de uma equipa e ainda o sub-rendimento dos seus adversários, se recordarmos a história das últimas décadas, foram as equipas que abordaram o jogo de forma mais colectiva e complexa que alcançaram mais sucessos e principalmente, de forma continuada. Acreditamos que essa não será só uma das chaves do sucesso no jogo, mas também numa visão mais ampla… também da espécie humana, pois como disse Valdano, “a vida é um desporto de equipa”.

Recentemente, Marco Van Basten, lendário ex-futebolista mas sem grande sucesso no cargo de treinador, foi um dos que defendeu a abolição da regra, num momento, pasme-se, em que era director para o desenvolvimento técnico da FIFA. O que podemos retirar do seu discurso é que comprovou de forma clara que uma coisa é a esfera do saber-fazer, e outra mais profunda, do saber-sobre-o-saber-fazer, tal como abordámos noutro artigo nessa altura. Agora… treinadores que tiveram mais sucesso e que estiveram durante muito tempo tecnicamente ligados ao jogo é que nos causam estranheza como não conseguem antecipar as consequências do que defendem.

É certo que Arsène Wenger (agora também diretor técnico da FIFA!) não propôs o mesmo que Van Basten, mas o que defende terá algumas consequências idênticas à total abolição da regra. A jornalista (Isabel Dantas, 2023) cita o técnico francês:

“Com o VAR a detetar infrações mínimas, beneficiar o atacante em caso de dúvida desapareceu – e isso tem uma razão de ser.”

Sim, tinha. A falibilidade do ser humano, neste caso do árbitro auxiliar. E isso deveria ser algo considerado natural por um ser humano que deveria compreender e abraçar a sua imperfeição. Contudo, numa sociedade dominada pela competitividade, individualismo e egocentrismo, apenas o outro falha. Ou pior. Falha porque vários exemplos de personagens com muito maior responsabilidade social “erram” de forma consciente e como tal, se um árbitro erra e prejudica a equipa, é “óbvio” que tal também tem de suceder de forma deliberada. Mas esta será uma profunda e longa discussão que não desejamos continuar aqui. Contudo, por outro lado, é uma posição legítima defender a abolição total do erro arbitral no jogo de Futebol. Mas não será com esta medida que tal irá suceder. Apenas será modificar as suas consequências. Para quem defende a ausência do erro, bastará ser só um bocadinho mais paciente, pois tendencialmente a tecnologia dará essa resposta no futuro.

“Queremos uma regra que seja justa. Se um jogador está três centímetros fora de jogo na construção de uma jogada e muitas coisas acontecem até ser marcado um golo, é justo anular esse golo?”

Sim… parece-nos… óbvio. Na perspectiva micro e apenas nalguns exemplos, a leitura, o último passe, escondê-lo, o seu timing, a execução perfeita de quem assiste, por outro lado e noutros exemplos, a noção do comportamento dos defensores adversários, a desmarcação, a recepção que é realizada em simultâneo com a leitura do comportamento do Guarda-Redes adversário de forma a decidir rapidamente a finalização, são tão importantes como o que Wenger refere que acontecerá antes. E se o último passe for realizado directamente pelo Guarda-Redes? É menos justo anular esse golo porque não houve “assim tanta coisa” a acontecer antes? É a quantidade de coisas que torna a situação mais ou menos justa? Já vimos, por exemplo, Ederson Moraes a conseguir tais proezas.

E só estamos a olhar para a questão do pondo de vista de quem erra e fica fora-de-jogo. Porque… quem defende, e que de forma também complexa garante comportamentos individuais, sectoriais, inter-sectoriais e colectivos como a leitura, o subir e o retirar profundidade sem perder de vista a bola, quando dar mais largura, quando concentrar, quando cobrir, quando conter e quando pressionar, a coordenação com a restante última linha, a orientação dos apoios, a decisão de quando acompanhar a desmarcação de ruptura adversária e / ou quando voltar a alinhar para procurar colocar um ou mais adversários em fora-de-jogo, apenas nalguns exemplos, não têm igualmente mérito? Se o realiza de forma eficaz, não será de forma igualmente brilhante? E fundamentalmente… isto não é também jogar… bem… futebol? Como tantas vezes se diz… defender também é uma arte. Sejamos francos. Wenger foi um extraordinário treinador que revolucionou o futebol inglês e internacional. Mas aqui fica patente as razões da sua queda, tantas vezes expressas no jogo das suas equipas. A desvalorização de sub-momentos defensivos em relação aos ofensivos.

“Se um marcador está dois centímetros fora de jogo porque tem ombros mais largos do que o adversário, teve realmente a vantagem do fora de jogo para marcar?”

Arsène, o futebol é de todos… e para todos. E esse jogador, para chegar a esse nível também terá imensas qualidades e / ou vantagens. Não existe a perfeição nem saberemos o que isso é. O que sempre sucedeu, desde o alto rendimento até à “rua”, inclusive pela “selecção natural”, é o encobrimento ou desenvolvimento das fraquezas de cada um no jogo. Individual e colectivamente. Se tem ombros mais largos terá, por exemplo, que se posicionar mais atrás e de forma óptima para atacar o espaço em profundidade, terá que conhecer melhor o jogo e antecipar mais rapidamente a situação, a intenção e o timing do companheiro que realiza o passe, terá que conhecer melhor as desmarcações circulares, por onde as realizar e ser melhor a acelerar e na velocidade de deslocamento. A própria recepção também será decisiva para não perder a vantagem obtida em relação ao adversário. Mas ombros mais largos também são uma vantagem noutras situações, como nos duelos, para proteger a bola em situação de apoio frontal, até no plano do detalhe como é o caso da integração numa barreira. Esses centímetros podem fazer a diferença. Se chegarmos à conclusão que são só desvantagens e que o treino de qualidade não está a ajudar, ou estará então na função errada, ou não terá qualidade para o nível do jogo em que se encontra. Mas este argumento não servirá também para o opositor directo que o atacante defronta nessa desmarcação? Nesse caso, ombros mais largos, característica até mais tradicional nos defesas, também poderá colocar um adversário em jogo por centímetros…

“Acho que todos concordamos que não é o caso.”

Não caro Arsène. Nem todos. E diremos até que se compreenderem, pensarem… bem… no jogo e anteciparem o que é provável que suceda e explicarem isso a quem não o consiga fazer, desconfiamos que a maioria rejeitará tal proposta.

“É por isso que estamos a testar aquilo a que chamamos ‘regra da luz do dia’ para o fora-de-jogo, o que significa que teria de haver um determinado espaço entre os jogadores para que uma posição fosse considerada fora de jogo.”

Nesta linha de pensamento, se existem problemas e discussões sobre escassos centímetros em jogo ou fora-de-jogo, mudar a regra desta forma não manterá a questão, só que em vez da zona mais adiantada do atacante, a discussão passaria para os seus segmentos corporais mais recuados? Então isso não manterá a questão sobre a precisão da avaliação e sobre o timing / frame no qual a bola sai do pé do atacante que realiza o passe?

“Isto seria também uma evolução.”

Terminamos os comentários às declarações de Wenger, refutando, para nós, a mais importante. Tal não seria uma evolução. Seria sim, regressão. Regressão táctica aos primórdios do Futebol que descrevemos no início do texto. Isto porque a possibilidade do atacante estar à frente do último defensor, mesmo que por alguns centímetros, torna-se uma enorme vantagem para o último passe, e desta forma isto traria receio aos defensores em se posicionarem mais alto e até para manterem a última linha alinhada. Estar centímetros adiantado é o suficiente para ganhar vantagem, não só espacial, como também para usar o corpo para proteger a posição ganha e impedir o defensor de recuperar para o espaço entre o atacante com bola e a sua baliza, primeira condição da contenção. E nesta situação também o dissuade de tentar alguma intercepção ou desarme, pois uma potencial falta, provavelmente dará direito a expulsão. Perante este cenário, a tendência seria os defensores baixarem e defenderem junto da sua baliza e com isto perderem também a capacidade de pressionar alto no campo e de serem “ofensivas” sem bola. E como um princípio fundamental do jogo passa por procurar “criar superioridade numérica”, a equipa sem bola, quer defendendo colectivamente (zona), quer individualmente (homem) procuraria baixar outros jogadores para esse espaço, formando-se aglomerados de jogadores pelo campo todo. Sem fora-de-jogo ou com esta nova regra do fora-de-jogo, o mais provável seria assistirmos à regressão do Futebol aos seus primórdios.

No fundo a discussão não é sobre melhorar o jogo ou as suas regras. É sobre filosofia e crenças, ainda por cima… confusas. Mais precisamente sobre a prevalência do Futebol “ofensivo” sobre o “defensivo”. Uma vez mais, defender bem (uma obrigação no jogo para quem o quer vencer) não implicará obrigatoriamente defender mais, quer isso represente mais tempo, espaço ou número. Mas, defender bem, até poderá significar atacar melhor. Tal como atacar mais, em tempo, espaço ou número, não significará que se ataque com qualidade. Ah… e Arsène: pode-se “atacar”, defendendo. Inclusive até como algumas vezes as suas equipas no Arsenal nos prensenteavam com os sufocantes pressings a que submetiam os adversários. Não era no sub-momento defensivo Impedir a construção, nomeadamente no pressing, que as suas equipas revelavam graves problemas defensivos. Portanto, considerando a relatividade de “espectáculo” e da “estética” do jogo, a alteração proposta, afinal não “acabaria por favorecer mais o futebol de ataque e, consequentemente, o espectáculo”.

Por outro lado, aqueles que, dentro do campo, sentiram a evolução do jogo e o conseguiram racionalizar tornam-se preciosos para que se perceba o que está realmente em causa. Um desses exemplos é o ex-internacional brasileiro Tostão que, citado por (Rodrigo Vergara, 2016), aponta que o futebol perderia a graça”. Justificando, à imagem do artigo de 2017, que “no meio-campo, em vez de dribles geniais, veríamos poucos atletas disputando bolas perdidas. O futebol ficaria parecido com o basquetebol: jogadas concentradas sob os cestos e lances decididos em detalhes”. Citado pelo mesmo autor, o jornalista Armando Nogueira vai mais longe e defende mesmo que “isso mataria o futebol”.

Como (Vítor Frade, 2017) sustenta, “a regra do fora de jogo não é “uma”. É “a” lei fundamental do futebol. “Espero que a revolta dos treinadores seja suficiente para evidenciar que isto é uma aberração. Neste sentido: passa a ser outra coisa””. Deste modo, a questão à volta do fora-de-jogo não se torna apenas uma questão sobre as regras do jogo. É muito mais do que isso. É não só uma dimensão do DNA do jogo para ele ser o que hoje é, como também levanta questões mais amplas na nossa sociedade sobre a diferença entre o pensamento individualista e o pensamento colectivo. 

Quer no futebol, quer na sociedade em geral, chegamos à conclusão que, neste momento, os historiadores têm um papel “decorativo” e o seu trabalho não é valorizado. A hipótese alternativa não é melhor porque revela uma falta de inteligência absurda. A todos os níveis estamos na iminência de repetir erros do passado. Perante isto, recordamos o poema que Vítor Frade escreveu sobre o tema, já com 7 anos, mas ainda tão actual…

“Não foi Trump ser eleito
Que me trouxe dor ao peito,
Foram as condições a jeito…
Cruyff que diria
De van Basten ou até de Guardiola
Sobre os ‘devaneios-porcaria’
A infecionarem-lhe a tola?
Porquê Cruyff a medida?
Quase só ele foi ‘extraterrestre’
Como jogador
E treinador,
E no entender o jogo está o teste!”

(Vítor Frade, 2017)

Uma proposta de análise qualitativa. Como exemplo, e na dimensão individual, os jogos de preparação de Di Maria.

“The dumb ones go for quantity

The wise ones go for quality

I’ve got the answer now

It’s not how much is how”

(Shirley Horn, 1963)

Há muito que é questionada a validade, mas principalmente a objectividade das análises de jogo quantitativas. Nomeadamente as construídas com base em dados estatísticos muito centrados em acções técnicas, mas por vezes também tácticas, contudo, descontextualizadas e interpretadas isoladamente do jogo da equipa. Deste modo, na maioria das equipas, hoje é usual que a análise de desempenho colectivo seja realizada em video, através de uma avaliação qualitativa tendo por referência a Ideia de Jogo a que a equipa técnica aponta. Depois, nalguns casos, são somadas à mesma avaliações individuais na mesma lógica. E nesse caso estas, ainda hoje, são muitas vezes reforçadas com dados estatísticos resultantes de dados quantitativos descontextualizados do todo… jogo da equipa e da sua interacção com os seus adversários. 

“Por muito que nos vendam estatísticas que queiram quantificar performances individuais, o jogo, o bom jogo, está completamente longe de poder ser interpretado ou quantificado por números que queiram trazer avaliações qualitativas.”

(Pedro Bouças, 2017)

Importa então clarificar já a nossa visão. Também questionamos as análises quantitativas que partem dessa base. No entanto, em 2018 desenvolvemos um modelo de análise que parte de uma análise em video, portanto de uma interpretação qualitativa do jogo e dos comportamentos da equipa ou jogador em função de uma Ideia de Jogo. Partindo daí podemos depois chegar a dados estatísticos quantitativos. Deste modo teremos quantidades e taxas de eficácia de acções qualitativas. Claro que será em função da nossa Ideia, da nossa interpretação do jogo, mas dessa forma será também altamente específica e útil ao trabalho a desenvolver posteriormente.

Exemplificando, se a equipa, por exemplo, em 10 acções de criação pelo corredor central conseguiu colocar 3 vezes jogadores em condições de finalização, chegamos a uma eficácia desse comportamento / princípio de 30%. Fazendo ele parte do sub-momento de criação, irá, numa escala superior ligar-se a outros números de acções de criação, totalizando determinado valor para esse sub-momento do jogo. Juntando esse valor aos obtidos em Construção e Finalização, chegaremos a outro número de escala ainda maior relativo ao total de comportamentos em Organização Ofensiva. Juntando os 4 momentos do jogo, teremos ainda uma eficácia decisional global.

Paralelamente podemos também avaliar o jogo na escala mais reduzida observável: ao nível da execução. Pegando no mesmo exemplo, se dessas 10 acções de criação pelo corredor central, as 3 bem sucedidas resultaram de 3 passes de qualidade, porém, se das 7 mal sucedidas, por exemplo, 2 delas foram bons passes mas foi o jogador que se desmarcou que falhou a desmarcação de ruptura ou noutro exemplo, foi-lhe assinalado fora-de-jogo claramente por erro desse jogador, teremos então no total 5 últimos passes de qualidade. Se das restantes 5 acções mal sucedidas, apenas 3 foram consequência de últimos passes falhamos, teremos então 5 passes de sucesso em 8 tentativas, resultando numa eficácia de 63%. Só para esse comportamento, porque ao mesmo se juntarão todas as acções de passe.

“Um dos processos utilizados na vertente táctica da análise de desempenho é a análise de jogo, que segundo Garganta (2001) é o termo mais utilizado para se referir ao estudo do jogo a partir da observação do comportamento dos jogadores, por englobar diferentes fases dos processos. De acordo com Carling, Williams e Reilly (2005) o processo de observação e análise do jogo deve possibilitar uma descrição do desempenho realizado em contexto de jogo, codificando acções individuais, grupais ou colectivas, de forma que sintetize informações relevantes e transforme, de maneira positiva, o processo de aprendizagem / treino. Geralmente, a informação é transmitida sob forma de feedback e utilizada para preparar para novas competições. A utilização de vídeos tem aparecido como uma ferramenta importante para fornecer feedback e modificar o comportamento dos atletas (GROOM & CUSHION, 2004). A análise de desempenho ganha uma grande importância uma vez que norteia a equipa técnica sobre os caminhos a serem seguidos após uma partida, ou seja, trazendo informações importantes para o planeamento dos treinos subsequentes ao jogo analisado.”

(Kaio Fonseca, 2018)

Tudo isto é naturalmente subjectivo à luz dos critérios de avaliação, relativos à especificidade da Ideia de Jogo adoptada e às orientações de análise do Treinador Principal. Depois, para além disso, subjectivo ao conhecimento do jogo, experiência, precisão e sensibilidade do analista. Mas tendo em conta a complexidade e imensidão de comportamentos no jogo não pode ser de outro modo. Claro que perante isto também não teremos como resultado uma análise limpa de erros, contudo acreditamos que se aproximará, não só da especificidade do jogo, mas principalmente da Especificidade do jogo de determinada equipa. Mas acima de tudo, às reais necessidades da equipa técnica e do trabalho a desenvolver. Desta forma, este trabalho permitirá formas de actuação e gestão também elas mais precisas.

Nesta lógica, o produto final são de facto, números, mas sobre a eficácia da equipa nos 4 momentos do jogo. De forma mais específica, nos 12 sub-momentos do jogo, e a partir daí nos diferentes comportamentos / princípios que categorizamos para cada sub-momento do jogo. Recordamos que na base desta metodologia de análise está a sistematização do jogo que propusemos no passado. A partir daí, se os recursos nos permitirem, podemos reduzir ainda mais a escala de análise. Não só em sub-princípios, requerendo para isso um ainda maior conhecimento do jogo do analista, mas como vimos atrás, avaliando paralelamente as acções ao  nível da execução sem procurar descontextualizá-las da sua lógica acontecimental na Ideia de Jogo, para eventualmente a partir daí poderem ser trabalhadas em fases específicas das sessões de treino ao longo do ciclo semanal. Isto naturalmente numa lógica de programação semanal e não anual, ou numa metodologia que permita esse ajuste de conteúdos em função de avaliação semanal. Porém, num processo que se baliza num plano mais macro, por exemplo, anual, uma avaliação continuada do desempenho de jogadores e equipas permitirá realizar ajustes no planeamento e programação do ciclo anual seguinte. Este processo, sentimos que tem sido um upgrade decisivo à nossa actuação no crescimento de uma equipa.

Referir-mo-nos até aqui, essencialmente à análise colectiva da equipa. Contudo, este modelo também pode ser aplicado a cada jogador à luz da sua actuação individual, tendo por base exactamente as mesmas acções e lógica estrutural de análise. Isto permitirá que a equipa técnica potencie o desenvolvimento individual, ou noutro contexto, que o jogador se consciencialize dos seus erros, lacunas e qualidades, e partir daí, preferencialmente no contexto do clube, mas caso o nível de rendimento em que actua não lhe permita essa possibilidade, que recorra a auxilio de técnicos especializados tendo por objectivo o seu crescimento individual.

Como exemplo, trazemos os jogos de preparação de Ángel Di María no seu regresso ao Benfica. Claro que sendo um período de preparação, os resultados deverão ser contextualizados e entendidos nesse enquadramento. Por outro lado, não estando dentro do processo e não possuindo um conhecimento maior desse mesmo enquadramento facilmente podemos cometer erros de análise por situações fora desse conhecimento, contudo, decisivas. Deste modo, abstemo-nos de tecer grandes conclusões ao desempenho do Argentino. Este trabalho serve principalmente como exemplo do potencial que esta ferramenta apresenta, nomeadamente utilizada no seio de uma equipa técnica ou como recurso extra solicitado pela mesma.

Mas nalguns breves pontos, identificámos os momentos de Transição Defensiva, nos quais Di María apresentou grandes dificuldades, nomeadamente no Sub-Momento de Recuperação Defensiva. Como referido, sendo o argentino um jogador que tem apresentado compromisso nos momentos defensivos das suas equipas, poderá ser o desgaste do actual período da época a principal razão para tal. Tanto que no plano colectivo foi também notória fadiga em toda a equipa, reflectindo-se a mesma na lucidez das decisões, velocidade de execução, criatividade e disponibilidade nos momentos de transição. Depois haverá também a necessidade de enquadrar a qualidade, as características e o nível de preparação de cada adversário. Regressando a Di María, as principais qualidades do Argentino estão intactas. Quer ao nível dos recursos que evidencia, quer em Transição e Organização Ofensiva, mostrando-se ainda particularmente preparado para a Ideia de Jogo de Roger Schmidt e nomeadamente ao papel ofensivo que terá, que poderá potenciar as suas qualidades pelos corredores laterais e central.

Importa referir que expomos apenas os dados decisionais globais, dos momentos e sub-momentos do jogo. E ainda os dados ao nível execução nas Acções Ofensivas e Defensivas. Os princípios, reservamos para técnicos ou clubes que demonstrem um interesse superior por este modelo de análise. Esta análise não contempla sub-princípios. Esse nível de detalhe remetemos para uma análise altamente específica de determinado(s) comportamento(s) de um jogador ou equipa. Por outro lado, para além da enorme utilidade à equipa técnica, este modelo também poderá ser adoptado pelos departamentos de Scouting, caso desejem dotar de um maior rigor e exactidão às análises individuais realizadas e eventuais jogadores alvos de contratação pelo clube. Os potenciais interessados nesta processo poderão contactar ricardo.ferreira.1978@gmail.com.

“É, portanto, nas tomadas de decisão e na interação com companheiros e adversários que se deve avaliar o desempenho individual e coletivo. A estatística ajuda a explicar alguma coisa, mas repito, não traduz o essencial. Hoje, é nisto que eu acredito. Amanhã, ficará o futebol nas mãos da inteligência artificial? Será o treinador, no futuro, substituído por um avatar? Um Cyber treinador, inteiramente cientifico-tecnológico? Tem a palavra a ciência e a tecnologia. E o homem. Recordando Thomas Huxley (biólogo, filósofo e um dos principais cientistas britânicos do século XIX), segundo o qual «a ciência é apenas senso comum treinado e organizado», talvez haja alguma esperança para os treinadores se prepararem para o avanço das máquinas!”

(Miguel Quaresma, 2021)

O quinto momento do jogo? Quantidade não significa qualidade. E ainda… o exemplo do Futsal.

“(…) não será o instante após os lances de bola parada o momento de maior desorganização e instabilidade táctica nos jogos?”

(Filipe de Sá, 2012)

Diferentes visões e formas de pensar levam a diferentes interpretações da realidade, e consequentemente… do jogo de Futebol. Nada de novo. Perfeitamente normal e saudável porque potencialmente são colocadas questões e o debate surge. No “final do dia”, uma das melhores formas de promover evolução.

Deste modo, diferentes formas de entender o jogo conceberam diferentes modelos e sistematizações do mesmo. Uma das questões emergentes surge sobre o enquadramento das situações de bola parada. Nos respectivos quatro Momentos do Jogo? Ou serão elas, por si só, um quinto momento?

Em 2017 publicámos uma proposta que as integravam nos quatro Momentos do Jogo. Não por mero gosto pessoal, mas por coerência com determinada linha de pensamento. Um livre ofensivo, por exemplo, pode ser marcado rapidamente ainda em Transição Ofensiva quando o adversário ainda não recuperou a sua Organização Defensiva possibilitando a equipa que dele beneficia, contra-atacar. Mas pode também ser executado em Organização Ofensiva, caso a equipa defensora tenha recuperado a sua Organização Defensiva. Aprofundando este caso, o mesmo pode ainda estar enquadrado num sub-momento de Construção caso a situação não permita um último passe ou cruzamento para outro atacante (com interessante potencial de sucesso), num sub-momento de Criação caso exista essa possibilidade, ou de Finalização quando a situação permita o remate à baliza. No entanto, este enquadramento parece não ser justificação suficiente para integrar as situações de bola parada nos quatro Momentos do Jogo. Pode-se argumentar , por exemplo, que um quinto momento também possa ser subdividido dessa forma. Torna a perspectiva mais confusa e complicada (não confundir com complexa), mas pode.

A grande justificação para as situações de bola parada fazerem parte dos quatro Momentos do Jogo está na realidade, essa sim… complexa, do jogo. Ora, se um dos princípios basilares do pensamento complexo passa por uma visão holística do objecto de estudo, e que ao invés, a sua separação em partes fá-lo perder propriedades, então, se as situações de bola parada são na mesma… jogo, separá-las do restante jogo levará a disfunções, desarticulações e potenciais erros por desenquadramento do jogar da equipa nas necessidades reais desses momentos. Maior quantidade de Momentos do Jogo não significa maior qualidade da ideia que dele se tem.

“À medida que você tem o domínio da “totalidade” das coisas, passam todas essas coisas a ser preocupação para si!”

Vítor Frade citado por (Xavier Tamarit, 2013)

Por diversas vezes trouxemos o Princípio da Articulação de Sentido que se manifesta de múltiplas perspectivas no jogo e no seu treino. Neste caso referimo-nos à articulação de sentido entre os diferentes Momentos do Jogo. Hoje é praticamente unânime entre treinadores a fundamental importância da articulação entre os momentos ofensivos e defensivos, ou seja, a importância de se preparar a perda da bola quando se está a atacar e preparar o ganho da mesma enquanto se defende. Então será que as situações de bola parada também não devem contemplar esse provável futuro imediato? Certamente que sim e hoje, praticamente todos os treinadores, têm essa preocupação.

Sendo assim, deverão fazer parte de um dos quatro Momentos do Jogo, porque por exemplo, no caso de perda ou ganho da bola, a equipa tem seguidamente outro momento diferente do jogo para resolver. Desse modo, pode e deve, começar a resolvê-lo durante a bola parada. Por exemplo, através de determinados posicionamentos de alguns jogadores. A visão do quinto momento, é no fundo outra visão segmentada, analítica e artificial do jogo que se distancia da natureza do todo que o mesmo contempla.

“E estes equilíbrios passam por quando nós estamos a atacar num lance de bola parada, deixamos um ou dois jogadores fora da área para tentar criar superioridade numérica em função dos jogadores que estão na frente, isto significa que a equipa quer estar equilibrada, não só dos jogadores que estão dentro mas também nos espaços a preencher, porque nós quando temos a bola e quando vamos marcar um canto, podem acontecer algumas coisas… Pode acontecer golo evidentemente, mas também podemos perder a posse de bola, e nós temos que estar preparados para essa perda da bola. E esses equilíbrios, neste caso no processo ofensivo e no equilíbrio de transição defensiva são fundamentais.”

Carlos Carvalhal citado por (Pedro Bessa, 2009)

O segundo golo da República da Coreia contra Portugal começa precisamente na falta de consciência para esta articulação entre um momento de Organização Ofensiva, especificamente um canto ofensivo, com o momento seguinte de Transição Defensiva. Não temos acesso à Ideia nem ao Plano de Jogo, especialmente às bolas paradas, portanto não podemos nem é nosso objectivo apurar responsabilidades, muito menos individuais. Mas sim reforçar a fundamental importância de uma visão macro e pensamento complexo sobre o jogo, neste caso, quer ao nível da articulação de princípios / comportamentos, mas por outro lado, também ao nível do seu detalhe.

Num momento inicial, havia na nossa opinião, um equilíbrio defensivo razoável para defender uma eventual perda ou segunda bola proveniente do cruzamento. Cancelo mais perto da bola, William ao meio e Dalot mais atrás junto ao grande círculo, podendo-se questionar o seu afastamento dos companheiros por não haver na sua zona nenhum coreano e por assim perder a relação de cobertura aos companheiros mais próximos da bola. E havia ainda Bernardo, do lado contrário também fora da grande-área. Todos para apenas dois coreanos, muito baixos até. Son perto da bola e Hwang Hee-chan, que viria a marcar o golo, perto da marca de grande penalidade. Mas como não nos cansamos de repetir, a quantidade não significa qualidade. Neste situação, qualidade comportamental, mais especificamente, posicional.

Equilíbrio defensivo no canto para Portugal.

O problema é que Cancelo deslocou-se para junto da bola para possibilitar a marcação de um canto curto e os companheiros não ajustaram o seu posicionamento para rectificarem o equilíbrio defensivo e garantirem não só cobertura ofensiva / defensiva à zona da bola, como ocupar o espaço fora da grande área onde uma segunda bola proveniente de uma intercepção dos defensores teria mais probabilidade de surgir dada a orientação corporal dos mesmos na defesa do pontapé de canto. William ter-se deslocado para a zona onde anteriormente se encontrava Cancelo seria a solução mais lógica, com Bernardo a aproximar-se mais do eixo central do campo. Arriscando mais, outra alternativa seria aproximar Dalot, ocupando o espaço deixado livre por Cancelo.

Nenhuma das soluções, ou outra, sucedeu para garantir o equilíbrio defensivo. Surgiu a tal segunda bola naquele espaço e Son teve a possibilidade de receber enquadrado e conduzir o contra-ataque. Ou seja, por erros posicionais, não tivemos comportamentos fundamentais do primeiro sub-momento da transição defensiva, como pressionar imediatamente a bola, garantir contenção ao adversário com bola e cobertura defensiva à eventual contenção.

Depois, e evitando ir ao plano do detalhe, após a Recuperação Defensiva, podemos analisar um terceiro momento da Transição Defensiva. A Defesa do Contra-Ataque adversário. Ainda na Recuperação Defensiva, com Son em condução numa situação de 1×1 contra Dalot, o português, bem, recuou em contenção e temporizou, possibilitando a recuperação defensiva de mais companheiros. E desta forma permitiria também assegurar a cobertura defensiva do seu Guarda-Redes. No geral, neste Sub-Momento, o objectivo passa por conquistar uma relação numérica mais confortável para posteriormente resolver a situação. E tal objectivo foi conseguido. O problema, novamente, é que a quantidade não significa qualidade. E se o entrosamento e as relações comportamentais no campo não estiverem bem claras, mais jogadores em determinada situação, podem mesmo significar menos qualidade dada a relação / interferência que as partes fazem entre si, nesse todo circunstancial. O todo não é sempre mais que a soma das partes. O todo, é sim, diferente da soma das partes.

No Sub-Momento da Defesa do Contra-Ataque, em que os defensores devem travar e obrigar o atacante com bola a uma decisão, gerou-se confusão. Dalot, Palhinha (que podia ter decidido falta táctica antes) e William procuram garantir a contenção e eventual desarme. Tal gerou indefinição entre os três permitindo espaço e consequente, tempo, para Son, no timing certo, realizar o último passe para Hwang, que, perseguido por Bernardo, entretanto se juntou ao contra-ataque garantindo uma solução de ruptura para beneficiar do espaço entre os defensores e o Guarda-Redes português. O qual, perante a condição de Son, a sua linguagem corporal e a eminência de desmarcação de ruptura de Hwang, parece-nos muito distante dos companheiros.

Situação de 2×4+GR bem resolvida pelos coreanos, mas evidentemente mal pelos portugueses. Dada a natureza de oposição / cooperação do jogo será sempre assim em todas as situações? Provavelmente. Porém, sempre em doses diferentes de responsabilidade entre atacantes e defensores, tendo em conta o conhecimento do jogo que detêm e o entrosamento que manifestam.

Em situações similares, aumentar a probabilidade de êxito defensivo seria manter o mesmo jogador em contenção para não permitir o tal espaço e tempo ao atacante com bola. E os restantes defensores que consigam recuperar defensivamente garantirem uma linha de cobertura ao companheiro. Neste caso, com a bola mais próxima do corredor lateral, Palhinha, William e posteriormente Bernardo deviam estar em linha de cobertura por dentro. Caso o adversário com bola se situasse mais perto do eixo central do campo, a linha de cobertura deveria garantir cobertura a ambos os lados do defensor em contenção. Outros comportamentos adicionais a assegurar passariam pela linha de cobertura / última linha travar na linha limite da grande-área com a contenção à sua frente para forçar a decisão do atacante com bola, e não no melhor timing para si. Por outro lado, o Guarda-Redes assegurando uma maior agressividade sobre o espaço à sua frente, garantiria assim uma segunda cobertura defensiva, neste caso à última linha, de forma a antecipar o potencial último passe adversário. E mesmo que não conseguisse a intercepção, reduziria em muito o espaço e tempo de decisão e finalização ao atacante em ruptura. No plano do detalhe poderíamos falar em apoios, distâncias, indicadores de pressão para desarme, etc., mas ficamo-nos pelo plano dos grandes princípios.

Naturalmente, este conhecimento e entrosamento é alcançado mais rapidamente com treino. Treino, que escasseia num contexto de Selecção Nacional. Mas perguntamos, generalizando… mesmo no contexto dos clubes treina-se o suficiente ou sequer se treinam estas situações? No Futsal são comportamentos que se treinam ao detalhe e até à “exaustão”. É factual que nesse jogo são situações que sucedem em muito maior volume do que no Futebol, porém, os resultados são também mais dilatados. É possível que no Futebol, uma equipa seja apenas submetida uma única vez ao Sub-Momento de Defesa do Contra-Ataque ao longo de um jogo inteiro, e sem qualquer previsão da relação numérica aí encontrada. Porém, se a conseguir resolver com sucesso, poderá fazer toda a diferença no resultado final como sucedeu no República da Coreia x Portugal. Uma vez mais… quantidade não significa qualidade.

“Defender com poucos é uma arte, implica treino, coordenação e princípios, mas fundamentalmente todos perceberem o que deve ser feito, de forma a que quem chega mais rápido, seja ou não “defesa”, saiba o que está a fazer e o posicionamento correto a ocupar, consoante a bola, o colega e o adversário!”

(Ricardo Galeiras, 2018)

Organização Ofensiva [Subscrição Anual]

Publicamos o tema Organização Ofensiva. Importa transmitir que esta publicação, à imagem de outras futuras direcionadas para os outros três momentos de jogo, trará nesta primeira abordagem uma perspectiva eminentemente macro. Trata-se porém, de um tema muito vasto e com tanto potencial para explorar ao nível do detalhe, o que irá suceder no futuro. Deste modo, antecipamos, que a partir deste tema, traremos outros, sub-dividindo-o para esse efeito, nos seus três sub-momentos e a partir daí, a uma escala ainda mais micro, em princípios e sub-princípios.

Contudo, a abordagem que aqui fazemos, ainda que uma “fotografia” ao quadro geral do momento de Organização Ofensiva, tendo em conta o potencial do tema, acabou por necessariamente se tornar extensa e, na nossa opinião, um passo fundamental para compreender não só o momento em si, mas também o jogo no seu todo.

O tema Organização Ofensiva encontra-se enquadrado em:

Por outro lado este tema será constituído pelos seguintes capítulos:

  1. Enquadramento
  2. Um jogo “descerebrado”
  3. Desconstruir e compreender o momento de Organização Ofensiva
  4. Jogar… ofensivamente… “bem”
  5. A dinâmica – tempo, espaço, número e… qualidade
  6. Defender começa quando se ataca e… atacar… começa quando se defende
  7. Traços de qualidade ofensiva
  8. Máxima variabilidade para… máxima adaptabilidade
  9. Situações de bola parada ofensivas

Deixamos alguns excertos do tema Organização Ofensiva. Dada a extensão do tema, partilhamos aqui um pouco mais do que o habitual.

“Sem a bola, não podes vencer.”

(Johan Cruyff)

Parece-nos claro que a grande atracção que o Futebol traz aos seus entusiastas provém de acções elementares do jogo como o drible, o passe que rompe linhas, o último passe que coloca o atacante na cara do guarda-redes adversário, ou aquele seu “descendente”… o cruzamento perfeito que descobre um atacante livre para finalizar. Mas também a difícil recepção, o detalhe técnico invulgar, a simulação que engana toda a equipa adversária, a ideia divergente que ninguém esperava e trouxe sucesso à jogada, etc., etc… Ou ainda por outras um pouco mais complexas como a combinação, mobilidade e permutas entre jogadores, e até do ponto de vista colectivo, a dinâmica que algumas estruturas das equipas trazem ao espectador, jornalista e técnico, tal qual um bando de aves a voar numa sincronia perfeita. Porém, acima de tudo isto, claramente que se posicionam a finalização e o golo. Estes momentos são sem dúvida o epicentro do jogo de Futebol.

O denominador comum entre todas estas acções, manifesta-se em serem as que se enquadram no jogo ofensivo das equipas, independentemente se depois, em função de cada contexto de jogo, sucedam em Transição Ofensiva ou Organização Ofensiva. Por outro lado, sendo verdade que se tem assistido ao longo da evolução do jogo a uma crescente “espectacularidade”, mediatização e valorização das acções realizadas nos momentos defensivos, é no entanto, sem grande dúvida, o ataque e a expectativa em relação à forma como os jogadores dão uso à bola, os comportamentos que ainda promovem a maior atracção à maioria dos apaixonados pelo jogo.

(…)

Uma ausência de critério e intencionalidade, o tal jogo “descerebrado” transmite uma ideia de navegação à deriva que só por acidente, trará o sucesso desejado. Sucesso esse que perante tal enquadramento, será muito provavelmente pontual. Com naturalidade, esta era uma característica do jogo das equipas nos primórdios do Futebol, até que as experiências e a reflexão de jogadores e treinadores fizeram-no evoluir para o nível actual. Hoje, no jogo de nível superior, a grande maioria das equipas mostram intencionalidades e ideias, independentemente, depois, da sua maior ou menor qualidade. Que sublinhamos… qualidade essa… ditada pela regularidade da eficácia que tais ideias potenciam, em interacção com a qualidade individual dos jogadores. É sobre essas ideias que nos debruçamos, procurando a provável utopia do melhor caminho para chegar a um sucesso… regular. Mantendo também, sempre a consciência que tal caminho estará sempre em permanente construção e evolução.

(…)

Neste sentido, (José Laranjeira, 2009) conclui que assim é imperioso tornar o processo ofensivo mais objectivo e concretizador, conduzindo à criação de um maior número de oportunidades de golo e correspondente concretização“. Com um pensamento praticamente idêntico, (Pedro Bessa, 2009) também sublinha que “para todos que pretendem ver um Jogo revestido de qualidade e de espectacularidade, existe a necessidade de tornar o processo ofensivo mais objectivo e concretizador, para que se criem mais oportunidades de golo e se atinja uma maior eficácia em jogo (Luhtanen, 1993, cit. por Pereira, 2008)”. No mesmo sentido surge ainda (Pedro Barbosa, 2009), defendendo que perante “a raridade existente de golos num jogo, é provavelmente essencial que as equipas para ter sucesso, necessitem de possuir um processo ofensivo eficaz e eficiente (Yamanaka et al. 1988; Szwarc, 2007)”. Para tal, (José Laranjeira, 2009) acredita que só através da criação de desequilíbrios, por comportamentos individuais e colectivos, se consegue provocar surpresa no adversário“.

Se foi uma realidade, que a determinado momento do jogo a evolução da organização defensiva das equipas se sobrepôs ao investimento na organização ofensiva, por outro lado, como abordamos atrás, tem havido uma confusão entre eficácia, eficiência e estética. Muitas análises e avaliações do jogo, tendo em conta determinados contextos culturais, preferências pessoais e atracção por determinada estética de jogo, que muitas vezes, até está desfasada das próprias regras do jogo, tem levado a que determinadas ideias sejam defendidas e difundidas, mesmo estando pouco relacionadas com a eficiência, consequentemente com a eficácia, e portanto, com o sucesso. Porém, devemos compreender que tal realidade faz parte da evolução natural do jogo, tal como sucedeu, numa perspectiva mais macro, com a espécie humana. Torna-se então fundamental entender o jogo, os potenciais caminhos que geram aproximações à obtenção de sucesso no mesmo, e o consequente trajecto da sua evolução.

(…)

Mais tarde, procurando caracterizar de forma mais específica o momento ofensivo, no qual a equipa já se encontra organizada coletivamente para atacar, no estudo que realizou, (Júlio Garganta, 1997) defende que “no plano da organização ofensiva das equipas de Futebol, não obstante a natureza aleatória e diversificada das acções de jogo, é possível detectar vias e formas preferenciais de acção dos jogadores, expressas na forma como se comportam algumas variáveis e do modo como elas se agrupam para interagir. Ou seja, embora não exista um determinismo absoluto, a análise das sequências de jogo permite apurar regularidades e variações exibidas pelas equipas que exprimem uma lógica observável“. Deste modo, torna-se importante procurar “mapear” o jogo para que seja mais fácil a sua leitura, interpretação, análise, e posterior investimento no trabalho sobre determinadas “regiões” do mesmo.

(…)

Perante estas ideias propomos três sub-momentos para o momento de Organização Ofensiva: a Construção, a Criação e a Finalização com a seguinte lógica:

  1. Construção: quando ambas as equipas se encontram dentro da sua organização para atacar e defender e quando a bola se encontra fora do bloco da equipa que defende.
  2. Criação: quando a equipa que ataca consegue penetrar no bloco da equipa que defende e surge perante a última linha adversária ou a última linha e mais um médio em contenção. A excepção é quando a equipa que ataca procura um jogo mais directo, de ataque à profundidade, ou seja, de passe directo para o espaço entre a última linha de quem defende e o seu Guarda-Redes, o que acaba por se configurar como uma situação de último passe, independentemente do grau de dificuldade superior da acção. Neste sub-momento, integram-se também todas as situações de bola parada ofensivas que poderão permitir um último passe ou cruzamento e finalização. Devemos referir que compreendemos as opiniões que distinguem as situações de bola parada como um quinto momento do jogo, porém a nossa interpretação é que, independentemente do jogo estar parado ou em movimento, se uma equipa está organizada para defender essas situações e a outra para atacar, então estarão dentro da sua Organização Defensiva e Organização Ofensiva, respectivamente.
  3. Finalização: todas as acções que visam o momento final de ataque à baliza adversária, portanto, a acção individual ofensiva de remate, independentemente da superfície corporal envolvida. Aqui também se integram as situações de bola parada ofensivas que poderão permitir um remate directo à baliza. Importa ainda referir que a finalização pode até surgir quando a equipa que ataca tem pela frente todo o bloco adversário ou parte do mesmo. Contudo, se quem ataca conseguiu chegar ao remate, esses momentos de organização defensiva adversários falharam de alguma forma.

Organização Ofensiva – Sub-momentos do jogo.

(…)

Regressando a uma perspectiva macro do jogo, na opinião de (Lobo, 2007), citado por (Rodrigo Almeida, 2009), “uma das virtudes das Equipas que jogam bem é a capacidade de criar oportunidade de golo através de jogadas elaboradas”. No entanto, o mesmo autor, recorredo a (Castelo, 1994), também adverte que “há formas de organização incompletas sendo caracterizadas por todas as formas de processo ofensivo que não chegaram a zonas predominantes de finalização”. Por outro lado, (Júlio Garganta, 1997) refere que “Sledziewski & Ksionda (1983a) chamam também à atenção para situações que ocorrem durante um jogo de Futebol, nas quais uma equipa, encontrando-se momentaneamente em posse da bola, não manifesta a intenção de finalizar, nem de se aproximar da baliza adversária. Estes casos surgem, frequentemente, quando uma equipa pretende jogar para manter um resultado que lhe é favorável“. Assim, (Jorge Castelo, 1996) acrescenta que a equipa que “está em posse de bola, para além de poder concretizar o objectivo do jogo – o golo, poderá igualmente:

  • Controlar o ritmo específico do jogo, pois, em função do resultado (numérico) momentâneo é que se poderão contrapor acções técnico-tácticas que acelerem ou diminuam este ritmo;
  • Surpreender a equipa adversária através de mudanças contínuas de orientação das acções técnico-tácticas e atempadamente fazer uma ocupação racional do espaço de jogo em função dos objectivos tácticos da equipa;
  • Obrigar os adversários a passarem por longos períodos sem a posse da bola, levando-os a entrar em crise de raciocínio táctico e, consequentemente, a expô-los a respostas tácticas erradas em função das situações de jogo;
  • Recuperar fisicamente com o mínimo de risco.”

No vídeo, a Croácia decide utilizar a posse e circulação da bola para defender a vantagem nos minutos finais do jogo. Jorge Castelo acrescenta então, que “as equipas ao encontrarem-se em posse de bola, não significa que realizem qualquer acção ofensiva, verificando-se que a finalidade destas situações se resume à “perda de tempo”, “jogar para manter o resultado” ou “quebrar o ritmo ofensivo do adversário””.

No entanto, o autor, adverte que a posse da bola não é um fim em si e torna-se utópico, se não for conscientemente considerada como o primeiro passo indispensável no processo ofensivo, sendo condição “sine qua non” para a concretização dos seus objectivos fundamentais: a progressão / finalização e a manutenção da posse da bola“. Na mesma linha de pensamento surge (Faria, 2003) citado por (Abílio Ramos, 2005) ao defender que “é importante ter a posse de bola se ela tiver um objectivo claro como, por exemplo, atacar. Posse de bola por si só não tem significado absolutamente nenhum se não tiver um objectivo claro“. Também (José Pedro Loureiro, 2022) explica que “um dos exemplos mais recorrentes no futebol de hoje em dia é a posse de bola inconsequente: “muitas vezes, observa-se que a equipa (principalmente no início da fase ofensiva) fica empenhada em passar a bola, sem manifestar qualquer intenção de ataque à baliza adversária” (Araújo & Volossovitch, 2005). Ou seja, a ação de passar a bola enquanto fim, e não enquanto meio, viola o conceito de representatividade da tarefa. Fosse eu um apostador obsessivo e arriscaria todas as minhas fichas como o tiki-taka simplesmente aconteceu (emergiu), não se treinou (propriamente com esse intuito)!”

(…)

(…)

Porém, fundamentalmente as equipas têm de procurar um jogo de qualidade… ou seja… um “jogar bem“. Para tal, o traço principal desse jogo deverá ser o sucesso regular, tendo-se naturalmente em conta o contexto. Deste modo não há sucesso regular sem eficácia… regular. Uma eficácia regular só se atinge fazendo mais vezes bem as coisas, portanto, ao nível do posicionamento, decisão e execução. Falamos assim, da procura da eficiência. No domínio particular da Organização Ofensiva das equipas, o autor (Pedro Barbosa, 2009) sustenta então que as equipas terão que arranjar mecanismos e formas de atingir mais vezes a baliza adversária e se possível com grande eficácia. Esta situação solicita aos investigadores em Futebol a capacidade das suas análises abrangerem, não apenas, os momentos do golo, mas também a análise de todas as oportunidades criadas, de forma a tentar objectivar-se esse mesmo golo (Garganta, 1999; Yiannakos & Armatas, 2006)”.

(…)

Assim, (Rodrigo Almeida, 2009) chama a atenção para que a Objectividade subjacente salientada como uma Intencionalidade não pode ser confundida com “jogo directo”. Objectividade tem duas vias de acordo com o termo, a primeira via é a objectividade do jogo, i.e., destinar-se à baliza [o que leva a muitos ao jogo frenético e directo], jogo vertical, onde o meio campo assume um papel fundamental na recuperação das segundas bolas e no aproveitamento destas em espaços mais profundos (Pedro Sousa, 2009), a segunda via é a objectividade circunstancial, ou seja, ser objectivo, ser oportunista, não perder o momento porém acima de tudo ser experto, não perdendo o foco do principal sabendo que para onde ir e o que fazer. Camacho (2003a; cit. por Amieiro, 2005, p.60) colmata esta opinião ao referir que é preciso «saber-se jogar Futebol». E saber jogar bem não é só dominar a bola, driblar, chutar e marcar um golo. “Saber jogar é perceber o que a Equipa precisa em cada momento do jogo…”“. Na mesma linha, (Pedro Bouças, 2014) defende então que não pode existir um dualismo entre o jogo directo e indirecto. Dando um exemplo, para o autor, ser da boa tomada de decisão não é ser de posse ou de contra-ataque. É ser de posse quando o adversário está organizado e o espaço escasseia e é ser de contra-ataque quando há espaço e situação numérica para tal“. Na mesma linha de pensamento, também relacionando os momentos de Transição Ofensiva e Organização Ofensiva, (Tiago Margarido, 2015) sustenta que “quando não for possível aproveitar a desorganização posicional do adversário devemos ter a capacidade de realizar uma rápida circulação de bola e trocas posicionais eficazes com vista a criar uma forte dinâmica ofensiva de modo a desorganizar a equipa adversária e a criar situações de finalização”.

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Estas ideias sobre a Organização Ofensiva das equipas reflectem uma enorme importância no pensamento relativamente à dimensão espaço. Deste modo, surgem de alguma forma influenciadas por Johan Cruyff e os seus mentores, que apontavam o espaço como elemento decisivo no jogo. O autor (Winner, 2000), descreve que Barry Hulshoff, companheiro de equipa de Cruyff na selecção holandesa de 1970, realatava que discutiam espaço o tempo todo. Cruyff falava muito sobre para onde os jogadores deveriam correr, onde deveriam permanecer e para onde não se deveriam mover. Sempre com a intenção de criar espaço e utilizar esse espaço“. Também o jogador espanhol (Juan Mata, 2016), citado por (Wikiquote, 2018), confessa que considera Cruyff “o pai ideológico do Futebol. Aquele que procura imitar em campo e aquele com quem procuro aprender quando, como espectador, assisto a um jogo. A inteligência na gestão da bola e dos espaços, a importância do talento sobre o físico e o entendimento do Futebol enquanto jogo de equipa, são conceitos que definitivamente eu abracei“.

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A propósito do trabalho marcante de Helenio Herrera no Inter de Milão, e de acordo com (Ignacio Benedetti, 2021), quando lhe perguntavam pelo trabalho dos seus discípulos, ou pelo trabalho dos treinadores que procuravam replicar as suas ideias, o treinador franco-argentino declarava que não os entendia porque apenas haviam tentado copiar “as formas de defender, e não as formas de atacar a partir da forma como se defendia“. De acordo com o autor, este pensamento revela basear-se em aspectos “geográficos“, que se podem isolar, “como defende aquela equipa ou como ataca a outra equipa, porque nos deixamos levar pelas etiquetas. Este é um treinador defensivo e este é um treinador ofensivo”. Porém segundo o mesmo autor na realidade, os grandes treinadores não conceberam o jogo de forma isolada, de forma separada”, mas segundo uma visão global do jogo e da forma como o sentem. Reforçando a ideia, Benedetti acrescenta que “as equipas “defensivas” de Mourinho fizeram uma quantidade impressionante de golos. As equipas “defensivas” de Helenio Herrera fizeram um enorme número de golos. As equipas “ultra-ofensivas” de Guardiola foram equipas que evitaram que os seus adversários pudessem chegar à sua baliza. É aqui que o futebol se torna apaixonante porque nos leva a essa rebeldia de pensar e não nos deixar levar pela imediatez do dos meios de comunicação e de todos os que se querem postular como analistas do jogo, mas que na realidade apenas o pensam de forma superficial. O Futebol é um todo“.

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Para (Vítor Frade, 2013), torna-se então fundamental compreender que “o que nos distingue das outras espécies é de facto… e nós chegamos a esta espécie e chegamos a ser o que somos pela criatividade. Contrariamente ao que se pensa, é a autoengendração que assegura que nós possamos superar as dificuldades, isto num sentido individual. O que acontece por isso, em termos de grupo, hoje fala-se na inteligência de massas, ou não sei o quê, ou da inteligência enxame, mas é de facto uma necessidade imprescindível, mesmo aí, a criatividade. Eu costumo dar uma metáfora que é assim: eles estão perante um tema, mas quem faz a redacção são eles e a redacção é condizente com o contexto, e com o momento, com a capacidade momentânea e muitas coisas, mas essa é deles! E essa muitas das vezes é à la long, e na continuidade da causalidade excepcional repercute-se numa melhoria, na melhoria da coordenação, da organização da própria equipa. Uma condição da existência das pessoas é serem criativas!“.

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Também citado por (Pedro Bessa, 2009), outro treinador português, José Gomes, afirma que estas situações de jogo “podem ser aproveitados para tornar determinado momento de transição de uma ou de outra forma” (Anexo III)”. Assim, no pensamento do treinador, as situações de bola parada sãomomentos de jogo que são ofensivos e defensivos e que estão incluídos nestes” (Anexo III)”. Portanto, de acordo com (Pedro Bessa, 2009) para José Gomes, tal como de Carlos Carvalhal, as situações de bola parada estão incluídas “nos momentos ofensivos e defensivos, como todos os outros momentos destas fases, não fazendo sentido falar em momento alternativo de jogo”. Contudo, importa perceber que estas situações não estão apenas incluídas nos momentos de Organização. Como é facilmente entendível, por exemplo, um livre, lançamento lateral e até canto ou mesmo pontapé de baliza, nos quais a equipa que defende ainda não recuperou a sua Organização Defensiva, estará então no sub-momento Recuperação Defensiva da Transição Defensiva e quem ataca estará em condições de explorar o sub-momento contra-ataque da Transição Ofensiva. Se efectivamente o fará já será depois uma decisão a tomar.

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“(…) não existe treinador que no seu íntimo não pretenda ser o “deus de Laplace” – conseguir prever com uma certeza infinitésimal a evolução do jogo, controlar esse sistema multivariável. Por isso, talvez ele preferisse substituir a variabilidade pela estereotipia na expectativa de que as atitudes dos seus jogadores fossem previstas e articuladas com a máxima certeza, de que as propriedades topológicas do movimento que eles manifestam fossem as menos variáveis. Ele deve, no entanto, aperceber-se que a máxima estereotipia, correspondendo à mínima variabilidade, corresponde, também, à mínima adaptabilidade…”

P. Cunha e Silva (1995) citado por (Júlio Garganta, 1997)

 

O contra-ataque, e… ou melhor… ou, o ataque rápido

“Algumas pessoas satisfazem-se com o que já sabem, é como se seu conhecimento coubesse numa piscina. Dão algumas braçadas para um lado, outras braçadas para o outro, agarram-se às bordas e tocam o fundo com os pés: sentem-se seguras nessa amplitude restrita. Mas nada como mergulhar num mar do conhecimento sem fim, onde não há limites, a profundidade é oceânica e a ideia é nadar sem chegar à terra firme, simplesmente manter-se em movimento. Cansa, mas também revitaliza.”

Martha Medeiros, citada por (Casarin, et al., 2013)

O tema não é novo. Noutros artigos já abordámos superficialmente o assunto e já tencionávamos explorá-lo no futuro com outra profundidade. Uma discussão de âmbito internacional, que se iniciou no twitter de um treinador alemão e que passou para um forúm levou-nos a fazê-lo neste momento. Naturalmente, é-nos impossível e também não é objectivo do projecto abordar todas as discussões interessantes sobre futebol que vão acontecendo na televisão ou internet. A relevância deste assunto, prende-se, para nós, com a confusão geral em que mergulhou, em trabalhos académicos e entre treinadores e jogadores, tal como o próprio tópico da discussão ilustra. Deste modo, o assunto assume especial importância uma vez que se trata de entendimento e conhecimento do jogo, portanto, questões fundamentais no papel do treinador.

A situação de jogo passou-se no jogo Magdeburg x Holstein Kiel da segunda divisão alemã. A discussão gerou-se sobre se a situação de jogo configurava uma situação de contra-ataque ou não. Para mais, porque segundo o autor do tweet, o próprio treinador do Magdeburg a descreveu como um contra-ataque.

É ainda recorrente, um treinador, jogador, ou analista referir “contra-ataque e ataque rápido”, a propósito de uma só situação de jogo, como se ambas as expressões descrevessem o mesmo. Se fosse esse o caso, uma delas seria redundante.

A confusão poderá resultar do entendimento clássico do jogo, também transmitido nos cursos de treinadores de Futebol e nas aulas de Futebol da maioria das Universidades, o qual contemplava apenas dois momentos (fases), a ofensiva, e a defensiva. Consequentemente, sugeriam-se métodos de jogo para cada um dos momentos. De uma forma geral, no momento (fase) defensiva surgiam por exemplo a “defesa individual”, a “defesa mista” e a “defesa zona”. No momento (fase) ofensivo, o “ataque organizado ou posicional”, o “ataque rápido” e o “contra-ataque”. O autor (Castelo, 1994), explica que um método de jogo “exprime a forma geral de organização das acções dos jogadores tanto no Ataque como na Defesa estabelecendo princípios de circulação e de colaboração no seio de um dispositivo de base (sistema de jogo) previamente estabelecido”.

A questão, é que não se compreendendo o jogo e as diferenças entre os vários métodos, tende-se a procurar um entendimento simples de algo que na realidade não o é. Assim, sendo a velocidade das acções um traço comum e evidente entre as situações de contra-ataque e de ataque rápido, vão-se colocando, ambas, muitas vezes no mesmo “saco”. Um exemplo foram vários trabalhos académicos realizados em torno deste tema, que também seguiram o mesmo entendimento, colocando o contra-ataque e o ataque rápido logo após a recuperação da bola e distinguindo-os, por exemplo, através de critérios quantitativos como tempo de duração e número de passes realizados. Se por um lado, dados quantitativos possam levar a uma leitura e interpretação redutora da realidade, por outro, o maior problema desta distinção é que está principalmente focada em acções da própria equipa, quando estamos perante um jogo, que enquanto tal, sustenta-se na interacção entre duas equipas, e sendo assim, a decisão de como atacar passará muito pela forma como o adversário se encontra em determinado momento do jogo.

E devemos acrescentar que a questão não passa pelo entendimento que cada um de nós tem destes conceitos. Portanto, nada melhor que percebermos o léxico utilizado para identificar os dois métodos. Se um contra-ataque pressupõe uma acção “contrária ao ataque”, é fácil entender que o mesmo surge, inevitavelmente, após recuperação da bola ao ataque adversário. Por outro lado, ataque rápido, indica-nos uma situação em que, durante o ataque, portanto durante o momento ofensivo, a equipa deu velocidade ao seu jogo com o objectivo de chegar rapidamente a uma situação de finalização.

A evolução do entendimento do jogo para o ciclo dos quatro momentos, o qual adoptamos, vem clarificar esta questão. Assim, no domínio teórico, com o aparecimento dos momentos de transição, os dois métodos separam-se automaticamente, surgindo o contra-ataque no momento de transição ofensiva e o ataque-rápido no momento organização ofensiva. Contudo, esta teorização do jogo tem obrigatoriamente fundamento na prática. Como já referimos no passado, surgiu-nos como necessidade prático-teórica, a evolução da sistematização do jogo, sendo a clarificação destes conceitos, um bom exemplo desta necessidade.

A nossa perspectiva integra o contra-ataque como um sub-momento, opcional, da transição ofensiva. Opcional, porque, após o sempre presente sub-momento “reacção ao ganho”, ou seja o momento da recuperação de bola, a equipa pode decidir por contra-atacar ou valorizar / manter a posse de bola e entrar em organização ofensiva. O contra-ataque, antecedido então por recuperação da bola, surge quando a equipa procura atacar a baliza adversária, dada uma configuração de jogo favorável em espaço e / ou número. De forma a aproveitar as circunstâncias vantajosas, naturalmente que a equipa tem de ser rápida nas suas acções.

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/357574801751102/

As equipas escolhidas para ilustrar as diferentes situações não foram inocentes. Sento o Manchester City de Pep Guardiola, muitas vezes catalogada como uma equipa de posse, a verdade é que sempre que o jogo lhe fornece um contexto para contra-atacar, a equipa fá-lo com uma qualidade incrível. Nesta situação de Transição Ofensiva, apesar do muito tempo entre a recuperação e o contra-ataque, a equipa adversária optou por permanecer no sub-momento, reacção à perda da bola, procurando recuperá-la nesse timing, assim, não se reorganizou para defender e acabou por permitir espaços de circulação e penetração para o City chegar à tal situação favorável de espaço, e neste caso, também número, para desenvolver o contra-ataque.

O ataque rápido surge-nos, para nós, como um meio / recurso / método, no sub-momento de criação da organização ofensiva. Não sendo antecedido de recuperação de bola, caso contrário, seria o mesmo que o contra-ataque, o ataque rápido surge, quando, no momento de organização ofensiva, a equipa, encontra, por mérito em construção ou demérito adversário em impedir essa construção, uma condição favorável em espaço e / ou número para criar uma situação de finalização. Pelas mesmas razões que o contra-ataque, também nesta situação a equipa também tem que ser rápida nas suas acções.

Análise de (Pedro Bouças, 2017) no Lateral Esquerdo.

O Liverpool de Jürgen Klopp, também muitas vezes catalogada de uma equipa de contra-ataque, chega nas duas situações ilustradas, em Organização Ofensiva, precisamente em construção pela sua primeira linha, a um espaço entre-linhas onde encontrou a tal condição favorável em espaço e / ou número para criar duas situações de finalização.

Ambos os comportamentos constituem-se também como invariantes, ou seja, surgem no jogo, independentemente das ideias desenvolvidas por cada equipa. São no fundo um exemplo de fractais que o jogo de Futebol produz. A sua proporção, no número de vezes em que ocorrem, é que em função dessas ideias, se torna diferente de equipa para equipa.

E podem ainda, em cada caso concreto, ser avaliadas do ponto de vista da sua eficiência, eficácia e mesmo estética. Portanto, se um ataque-rápido, ou um contra-ataque foi decidido de forma inteligente, ou então se os mesmos se identificam como erros de decisão, possivelmente influenciados por uma vertigem cultural, muitas vezes quase permanente, para a velocidade das acções, independentemente da configuração do jogo. Porém, por outro lado, vai surgindo cada vez mais, o exemplo oposto. Equipas tão obcecadas com uma suposta cultura de posse de bola, que muitas vezes, e excluímos desta leitura determinados momentos estratégicos nos jogo, estando perante condições favoráveis para decidir um contra-ataque ou um ataque rápido, decidem, de forma pouco inteligente manter a posse e circulação da bola.

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/328786711315222/

A situação discutida, como o video identifica, coloca o Holstein Kiel, após ganhar o jogo aéreo de uma bola proveniente do Guarda-Redes adversário, num primeiro momento da Transição Ofensiva, assim, em reacção ao ganho da bola. Após sair da zona de pressão, a equipa não tem possibilidade de decidir o contra-ataque e opta pela valorização da posse de bola, tanto, que acaba mesmo a circulá-la pelo seu Guarda-Redes, surgindo assim, tempo e espaço para o adversário se reorganizar para defender. A equipa entra então em Organização Ofensiva. Perante a pressão alta adversária, o Guarda-Redes, optando por um passe longo no corredor lateral, acaba por conseguir chegar ao jogo entre-linhas e propiciar à equipa, a tal condição favorável em espaço e / ou número para criar uma situação de finalização. É o que sucede: a equipa dá velocidade ao seu jogo, chegando à profundidade e ao golo. Nestas circunstâncias, a partir do momento em que a bola entra entre-linhas, num atacante enquadrado com a baliza adversária, é portanto uma situação de ataque rápido.

Insistimos que não estamos perante um “tão só” problema de terminologia e muito menos de semântica. Entender o jogo é a base para entender o seu treino e a base para transmitir qualquer ideia a uma equipa. Paralelamente, a organização dos exercícios de treino, ou a análise de jogo, são outros bons exemplos da sua pertinência.

“(…) mesmo no jogo mais rápido há trabalho de casa, e há inteligência. Porque ser inteligente é explorar a forma mais rápida de chegar à baliza adversária em boas condições. A grande questão, é que na maioria das vezes, lá chegar com boas condições demora demasiado e exige mais elaboração e paciência. Quando não é o caso, tudo óptimo em relação a quem faz rápido, e com boas probabilidades de sucesso.”

(Pedro Bouças, 2018)