Qualidade de execução ou de decisão? E a Intensidade.

Este golo marcado por Nicolás Gaitán levanta uma questão colocada muitas vezes quando se procura identificar e descrever a qualidade de um determinado jogador. Nesta e em situações similares, foi prontamente elogiada a “qualidade técnica” do argentino, portanto a sua qualidade de execução.

Em primeiro lugar é fundamental entender, que tal como noutro qualquer fenómeno complexo a relação entre táctica e técnica, ou seja, entre decisão e execução, é permanente e interactiva. Elas não existem separadas na acção de jogo, e afirmá-lo é incorrer no mesmo erro epistemológico que dividiu o treino nos diferentes “factores”, é no fundo também errar como Descartes, quando postulou o dualismo corpo / mente. Assim, um jogador que apresenta qualidade, deve-a às duas dimensões e sua interacção. Importa ainda acrescentar que são qualidades estruturadas também pelas dimensões físicas e mentais do indivíduo em causa. Porém, em algumas acções é perceptível a prevalência de uma delas no seu sucesso.

Neste caso, é fácil perceber que Nicolás Gaitán não protagonizou nenhuma acção técnica de difícil execução. Recebe de forma orientada para a baliza com um pequeno toque, e perante a oposição de dois defensores e do guarda-redes dá mais quatro pequenos toques, tirando todos do caminho, finalizando no 6º toque, num “passe” para a baliza. Talvez as acções técnicas mais complexas tenham sido a simulação na recepção e uma pequena simulação de finalização no meio da acção. Aqui, o que fez a diferença foi o timing de cada toque na bola e de cada gesto motor, portanto, as sucessivas decisões perante o envolvimento. Segundo (Bouças, 2012), jogadores fortes na tomada de decisão são, por exemplo, “jogadores que não se precipitam” e que sabem definir com exactidão o timing das suas acções, e que percebem os momentos em que devem segurar e esperar, ou progredir e investir”.

Recordando um texto da autora e treinadora Marisa Gomes de 2011, “as relações e interAcções dos jogadores têm lugar num instante que é vital. A passagem contínua e invariável do tempo faz com que cada instante tenha uma singularidade que comporta em si a dinâmica que podemos fazer do tempo. Obviamente que falamos da temporalidade do tempo, aquela que nos permite fazer dele uma arte. O tempo de jogo refere-se ao tempo regulamentar. A temporalidade refere-se àquilo que queremos fazer com o decorrer do mesmo”. Segundo a autora, “ter capacidade para interagir tendo em conta as circunstâncias é que torna os seus intervenientes artistas. Sobretudo se isso convergir para aquilo que se pretende. Adequar as escolhas é aquilo que se reconhece nos melhores jogadores e nas melhores equipas. Aceder a essa capacidade exige um trabalho dirigido, concentrado e objectivo para aquilo que se pretende. Deste modo vamos sentindo que as escolhas se fazem nos instantes apesar de serem projectadas por aquilo que foram as vivências anteriores. Então, jogar é manusear os instantes preenchendo-os com um sentido, através das intencionalidades que se expressam nos movimentos. De forma espontânea, os melhores adoram jogar para o poder fazer. Antecipam, simulam, escondem, provocam e Sobredeterminam o seguimento das circunstâncias. A qualidade do tempo ganha assim UM sentido que não se desenvolve sempre do mesmo modo. Concorrer para a qualidade fundamental dos jogadores é educá-los desde muito cedo para isso. Desde quando? Desde sempre!”.

Johan Cruyff, citado por (Grove, 2015) terá defendido que “técnica não é conseguir dar 1000 toques na bola. Com treino qualquer um consegue fazer isso. Depois poderá trabalhar no circo. Técnica é passar a bola ao primeiro toque, com a velocidade certa, e para o pé certo do companheiro de equipa.” Apenas preferimos qualidade individual” ao invés de “técnica” e trocamos“ao primeiro toque”, por no momento certo“…

Esta reflexão leva-nos a uma segunda questão, a qual está hoje na “moda”: a Intensidade. A mesma foi sempre associada à qualidade das acções, porém tem sido também, insistentemente associada ao rápido deslocamento, à velocidade de execução, ao pressing, à agressividade física, etc., portando uma Intensidade alicerçada na visão física do jogo. Contudo, se o pensamento complexo leva-nos a uma interpretação e visão multidimensional do jogo e do treino, por arrasto, conceitos como a Intensidade necessitam também de uma nova abordagem, igualmente multidimensional.

Na situação aqui ilustrada, impondo a tal “intensidade físico-técnica”, Gaitán precipitaria a sua acção para uma rápida finalização ou drible, não descobrindo, como o fez, a melhor decisão. Decisão essa que incluiu temporizações em que simplesmente não executou, mas que aumentou a probabilidade de êxito na conclusão da acção. Portanto, não ter agido, naquele envolvimento, revelou-se melhor do que fazer muito ou do que fazer rápido. Deste modo, mantendo a Intensidade associada à qualidade das acções, porém enquadrando-a numa visão complexa do rendimento, Intensidade poderá ser nalguns casos, não se deslocar e executar? Sim, se ao contrário de fazer muito e depressa, for entendida como fazer o necessário para fazer bem.

Iremos em breve, abordar de forma mais profunda a Intensidade.

“Temporizar é muito importante. Para mim é funtamental. Decidir bem.”

(Vítor Pereira, 2014)

Saber sobre o saber treinar II

Reforçamos que este espaço não procura avaliar competências, sejam elas individuais ou colectivas, mas consolidar e construir conhecimento. Inevitavelmente que para isso procuramos compreender como os melhores jogam ou trabalham. Ser melhor será para muitos, relativo, pois dependerá do conhecimento e perspectiva com que se analisa. No entanto, quando se trabalha melhor, está-se sempre mais próximo do rendimento. Sendo o Futebol um jogo, o rendimento, portanto, vencer, será sempre o destino. Aqui, uma vez mais, procuramos o(s) caminho(s) para atingir esse destino.

Jorge Jesus é um bom exemplo para nós, principalmente pelas suas ideias e consequente desempenho das suas equipas, mas também porque já passou por diferentes clubes. No passado, trabalhando noutro clube, trouxemos uma sua palestra na Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa sobre as suas ideias e trabalho. Pareceu-nos pertinente, pelas ideias, mas também pela contínua qualidade do seu trabalho, agora noutro clube, trazer algumas declarações em entrevistas recentes.

Jornalista: Tem noção também que tudo isto é um pouco contingente até aquele minuto 92. Se calhar o desfecho da história era diferente. Ou seja todo um trabalho bem feito poderia ter ido por água abaixo?

Vítor Pereira: Mas o trabalho estava lá. O que é que isso mudaria? Mudaria o titulo, mas o trabalho estava lá.”

(Vítor Pereira, 2014)

“Mais vale dizer coisas certas com as palavras erradas do que que dizer coisas erradas com as palavras certas”.

(Manuel Sérgio, 2013)

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“Não há um bom treinador sem bons jogadores e não há uma boa equipa sem um bom treinador.”

(Jesus, 2015)

“Os treinadores portugueses, são actualmente os melhores treinadores do mundo, são os que têm mais conhecimento em todas as áreas que definem o crescimento de uma equipa de Futebol, e portanto se tiveres a possibilidade de trabalhar numa equipa que tem condições financeiras para teres isto tudo, eles têm muito mais facilidade de ganhar esses títulos que qualquer outro treinador do mundo. Tirando o Pep Guardiola porque também penso que é um pouco parecido com os treinadores portugueses”.

(Jesus, 2015)

“Óbvio que ganhar títulos é importante, mas não é tudo. O que me interessa é que, a certa altura, os meus jogadores me digam: “Treinador, você ajudou-nos e tornou-nos melhores jogadores. Aprendemos muito consigo””

(Guardiola, 2013)

Ensino, Individualidade, Criatividade…

Antigamente, sobravam tempo, espaço e oportunidades para as crianças jogarem longe das regras dos adultos. Nesses espaços não havia limite de toques ou caminhos proibidos. Muito menos caminhos obrigatórios.

Paulo Sousa

Animação adaptada de uma palestra dada na RSA por Sir Ken Robinson.

“Jogar de forma destruturada, em espaço livre, com reduzida supervisão é o berço de qualquer criança. Para que a próxima geração cresça saudável, equilibrada e apta para beneficiar da sua educação, devemos assegurar que as crianças vão para a rua jogar”.

Sue Palmer, escritora e especialista em crianças, citada por (Cooper, 2007)

A Descoberta Guiada surge na mesma linha do método psicogenético, um ideal educativo criado por Lauro de Oliveira Lima, estruturado a partir das descobertas científicas de Piaget. Este método defende que “O professor não ensina; ajuda ao aluno a aprender”. Segundo (Bello, 1995), “professor deve deixar de lado sua postura de “professor-informador” para assumir a postura de “professor-orientador“, assim como um “técnico de Futebol”, que organiza a equipa em campo. A discussão entre todos é a didáctica fundamental”, e citando (Lima, 1972), “trabalho, deixando de ser manual para ser intelectual, deixando de ser individual para ser grupal, deixando de ser linha de produção (linear) para ser uma decisão (circular), transformar-se-á em discussão”. Assim sendo, o “indivíduo irá aprender através de actividades planeadas pelo professor como, por exemplo, pesquisas, leituras, passeios, etc., sempre orientados pelo professor. Atentando-se que estas actividades são sempre grupais para que todos possam educar a todos, construindo o conhecimento na interacção entre eles”. Bello fundamenta a necessidade deste método de ensino com a imprevisibilidade que o futuro nos traz, portanto há que preparar o indivíduo para resolver situações-problema. Bello explica através de um exemplo prático, citado pelo professor Lauro de Oliveira Lima: “as criança estavam utilizando o escorrega com perfeição, subindo pela escada e descendo pelo escorrega. O professor Lauro sugeriu que a professora estimulasse o inverso: subir pelo escorrega e descer pela escada. Com esta atitude a professora estará incentivando a criança a se superar, a sair daquele estágio em que se encontra para alcançar um outro nível de complexidade de desenvolvimento. Se as crianças estavam cumprindo a tarefa de subir pela escada e descer pelo escorrega com perfeição, elas estavam acomodadas naquele nível de desenvolvimento. Quando a professora sugere uma tarefa de complexidade superior ela está ajudando as crianças a assimilar um novo nível de equilíbrio”. Com este exemplo, Bello expõe que “a professora poderia “mostrar como se faz” para as crianças, o que não teria nenhum valor no esforço de conquista da nova aprendizagem a ser enfrentada pelos alunos. Portanto, a aula expositiva (conhecida no jargão pedagógico como “aula de salivação”) é incompatível com o esforço para inventar que deveria estar sendo empreendido pelos alunos. Para Lauro de Oliveira Lima todo desenvolvimento requer esforço para que se possa construir estruturas ou estratégias de comportamento cada vez mais complexas”. José Bello vai mais longe e sustenta que “a aula expositiva torna-se então quase um “anti-estímulo” à criatividade ou uma ofensa contra o aluno, já que pressupõe uma incapacidade de interpretação e leitura de mundo por parte dele. O surgimento do livro condenou a aula expositiva à morte”. O treinador (Mourinho, 2009), corroborando a aprendizagem através da dinâmica de grupo ao invés da aula expositiva, explica que, em conversa com ex-colegas universitários, “no outro dia, quando falámos lá no ISEF, chegámos à conclusão que aprendemos muito mais entre nós e nos intervalos entre as aulas”. Num programa televisivo não identificado, o psiquiatra português Daniel Sampaio reforça esta ideia através das mudanças sociais e tecnológicas das últimas décadas. Segundo Sampaio, até aos anos 80/90 as crianças cresciam perante fontes de informação limitadas e essencialmente expositivas como eram por exemplo, os poucos canais de televisão disponíveis. Após a revolução tecnológica que a Internet, os computadores, os tablets, os próprios telefones, a televisão por cabo e a sua enorme oferta trouxeram, as crianças tornaram a descoberta do conhecimento um processo de enorme interactividade. Porém, Daniel Sampaio explica que os métodos de ensino não acompanharam esta evolução e consequentemente tornou-se muito difícil manter crianças concentradas em aulas de uma ou duas horas nas quais o professor debita o conhecimento e o aluno interage e descobre pouco.

“O treinador é importantíssimo por todos os conhecimentos que poderá transmitir. Mas se fizer mal as coisas, será mais interessante juntar as crianças e deixá-las organizar a sua própria actividade. Verá que se dividirão por duas equipas e jogando descobrirão o caminho.”

(Bouças, 2013)

Livro – “Fora de Jogo” o Tempo Todo

Brilhante!

“Vítor Frade dispensa apresentações. Criador do conceito de Periodização Tática, há muito que é procurado por todo o tipo de gentes do futebol. Nunca aceitou os desafios que lhe foram sendo lançados para escrever um livro, mas há muito que se dedicou ao exercício de passar para quadras – mais de seis mil – muitos dos seus pensamentos e reflexões sobre o jogo, a conceção de treino e a metodologia da Periodização Tática.

Este livro apresenta cerca de 500 dessas quadras. Para que todos os interessados possam a elas ter acesso de uma forma simples e direta. E passem a conhecer, com maior profundidade, a perspetiva da Periodização Tática segundo Vítor Frade, o seu criador.

Coordenação e seleção das quadras: Marisa Silva, Isabel Osório e José Ferreirinha Tavares.”

"FORA DE JOGO" O TEMPO TODO - Vítor Frade 2014

“FORA DE JOGO” O TEMPO TODO – Vítor Frade 2014

“Não ser cientista
foi o meu sonho
p’ra ir atrás de outra conquista
deu um trabalho medonho
fazendo com que o meu fado
se cantasse em qualquer lado,
abandonei o discurso
no combate ao sermão e pregação
p’ra ir atrás do percurso
e deste vir exemplo p’ra canção
sem me querer desanimado
por não me ouvir mais cantado
centrei-me no que gostava
uma só problemática
que consistente se afirmava
como periodização táctica
e no terreno
fazer o pleno.
Devia portanto interessar-te
o que virá entretanto por aí
e se conseguirás safar-te
no que exigirá de ti…
Não é com certeza pouco…
Se pensas o contrário, estás louco!”
(Frade, 2014)
“A insanidade
domina
não sendo um problema de idade
leva p’ra baixo, não p’ra cima.
Se o que te mobiliza
não é a procura de um tacho
e entendes a deriva
mesmo sem transportares o facho
mergulha bem fundo
no treinar e no jogar
p’ra poderes fundamentar!”
(Frade, 2014)
“Fazendo-se crença
é inclusão
é equipa
na fluidez e não tensa
é coesão
feita de individualidades
que espevita
a interacção das subjectividades,
interindependências
da empatia
que a equipa intensifica
e cria
no enfrentar das exigências,
autro-eco-hetero dinamizado
e “especificado”
o todo maior que a soma das partes,
é o emergir do táctico organizado
p’ra ganhar sem que te fartes.”
(Frade, 2014)

Livro

um saber sobre o saber fazer... - Carlos Carvalhal 2014

um saber sobre o saber fazer… – Carlos Carvalhal 2014

Curiosamente, “um saber sobre o saber fazer…”

Formação e Metodologia

“Muitas vezes há jovens treinadores que saem das universidades para o terreno e têm muitas dificuldades em expressar qualquer tipo de conhecimento e por em prática uma metodologia. E é engraçado que ele diz ter uma metodologia sua no Futebol, e isso é muito importante. A maior parte dos treinadores não têm metodologia e essa é que é a grande verdade e aí tenho que enaltecer e realçar a entrevista do Jorge Jesus, porque hoje em dia o que se faz e eu vejo muito isso, por estar cem por cento ligado ao desporto, são cópias puras e duras e depois as pessoas acabam por esbarrar na falta de aplicabilidade que essas cópias que querem fazer têm no dia-a-dia, e Jorge Jesus toca com o dedo na ferida. É uma reflexão que todos aqueles que formam treinadores têm que fazer, porque o treino, como Jesus também diz, é uma área cientifica e não é qualquer pessoa que pode ser treinador ao contrário do que está vulgarizado na nossa sociedade”.

O ex-seleccionador de Rugby e professor universitário Tomaz Morais, no programa MaisFutebol de 30 de Maio de 2014, sobre a entrevista de Jorge Jesus à BenficaTV de 29 de Maio de 2014

Velocidade

Andrés Iniesta

“A dimensão velocidade é confundida no futebol. Muitas vezes, como adeptos, admiramos um jogo com bola numa baliza, bola na outra baliza, bola numa área, bola na outra área, com oportunidades constantes. Isso para mim é desorganização. Essa é a minha opinião. Como treinador, se vir que a minha equipa cria muitas situações de golo, mas também permite muitas situações de golo, não posso ficar feliz. Não posso ficar feliz porque do ponto de vista defensivo não é competente. Ou mesmo do ponto de vista ofensivo, quando a equipa tem bola e depois permite muitas situações de golo ao adversário, é porque não está bem posicionada, não está equilibrada, não consegue ter bola, não está preparada para o momento de a perder, portanto isso para mim é desorganização. Agora compreendo como adepto, se calhar, é bonito estarmo-nos sempre a levantar do banco para aplaudir bola cá, bola lá, oportunidade de golo cá, oportunidade de golo lá.”

(Vítor Pereira, programa MaisFutebol, edição de 9 de Maio de 2014)

“A transição ofensiva agressiva vai um bocado de encontro ao pânico e a velocidade do Futebol actual, há pressão em torno dos treinadores de vencer, há pouca capacidade de pensar, como falávamos há bocado dos jogadores, há o sentido de urgência que o jogo actual tem…é tudo pânico, é tudo velocidade… e transmite um bocado a ideia do que é a sociedade actual… portanto, acho que no jogo tu encontras esse tipo de traços, portanto a transição agressiva e objectiva tu acabas por encontra-la mais vezes por isso mesmo… porque a pressão de vitória ou a pressão de um resultado sobre o treinador é decisiva e realmente é um momento onde tu podes ter grandes probabilidades de sucesso… porque realmente se for bem-feita é quando encontras o adversário desorganizado.”

(André Villas-Boas, 2009)

Saber sobre o saber treinar

“As pessoas riram-se muito quando Jesus disse que tinha inventado uma ciência, fartaram-se de rir disso, e é uma estupidez porque uma ciência é um corpo organizado de conhecimentos, e portanto o que o Jorge Jesus fez foi isso de facto. Ele tem, provavelmente até tomou apontamentos e armazenou, um conjunto sistematizado de conhecimentos sobre uma determinada matéria e que põe em prática com óptimos resultados, coisa que boa parte dos cientistas não se pode gabar.”

Ricardo Araújo Pereira

Fadiga central

O autor (Carvalhal, 2010), questiona se existe “apenas cansaço físico? A maioria das vezes o intervalo temporal entre jogos cumpre os limites “fisiológicos “ … Vejo com atenção alguns jogos, vivencio esta realidade, e constato que muitas vezes as equipas correm até demais, lutam, são intensas, no entanto falham muitos passes e por vezes perdem organização… como explicar tudo isto?” Segundo (Sampaio, 2013), “quando estudamos, quando lemos um livro, quando escrevermos um artigo, quando temos um trabalho de enorme concentração, mesmo realizando a tarefa sentados, no final estamos cansados. Deste modo, entendendo que um jogador para jogar futebol necessita de concentração de decisões, de pensamento simultaneamente com execução (físico) o entendimento do desgaste ou cansaço de um jogador não pode ser só entendido como uma recuperação física (muscular) mas também mental (cérebro e sistema nervoso central)”. Também de acordo com (Carvalhal, 2010), “é indescritível o cansaço que um treinador sente no final de um jogo! Mas como explicá-lo? Não andou muito, não correu, não teve uma relevante exigência física… estão certamente a pensar como eu… fadiga mental! É muito importante tomar consciência que tal como a fadiga física (sistema nervoso periférico), também existe a mental (sistema nervoso central) e ambas se fazem sentir no nosso organismo durante, e principalmente depois de um jogo.”

Critério

Neste artigo abordamos a necessidade do critério no Futebol. Sendo também uma das qualidades da tomada de decisão de dirigentes e treinadores, aparece aqui, essencialmente associada à explicação do rendimento do jogador de futebol. Assim, procuramos através de diversos autores, as suas perspectivas sobre o tema.

“É incrível a harmonia que pode pôr, numa equipa inteira, alguém que movimenta a bola com precisão, com critério, com a indiscutível autoridade do talento.”

“(…) Pirlo, outro jogador de aparência frágil que se agiganta com a bola. Fazendo girar a equipa em seu redor, falhou o seu primeiro passe ao vigésimo minuto do segundo tempo.”

Jorge Valdado sobre os jogadores Diego e Pirlo, citado por (Gomes, 2009)

Na opinião de (Sá, 2011), é habitual juntar à “”intensidade” outra palavra ouvida recentemente, a “paciência”. Intensidade, no sentido que se pretende aqui dar ao termo, é sempre positiva. Implica concentração, e reactividade de pensamento. Paciência, não. Paciência é um condimento, e não o prato principal, pode ser positiva, se for colocada em cima de qualidade e intensidade, mas pode ser negativa, se não o for. Pessoalmente, prefiro a expressão “critério“, que é menos dogmática e mais aberta à especificidade do jogo. “intensidade” e “critério””.

De acordo com (Garganta, 2001) “a palavra critério provém do termo grego – krino – que significa separar. Os critérios funcionam como padrões que nos permitem identificar, seleccionar e avaliar as coisas (Marina, 1997). Em ciência os critérios funcionam, a um tempo, como peneira ou separadores e como aglutinadores de sentido, o que faz com que se apresentem como algo paradoxal”. Segundo o professor de Neurociência português António Damásio citado por (Carvalho, 2006), onde existe uma necessidade de ordem, haverá uma necessidade de decisão, deverá exisitir um critério para se tomar essa decisão”. Na opinião da treinadora Marisa Gomes, em entrevista a (Rocha, 2008) o critério “dá a selectividade. Dá a orientação das escolhas para o lado eficiente. E este lado eficiente é o lado valorizável. E o eficiente valorativo é o nós estarmos a jogar e sabermos que para ganharmos temos de jogar daquela forma. E que não é a questão de ser bonito ou feio. Não. É a questão de que é assim que se joga. É assim que somos eficazes”.

O autor (Cardoso, 2006)  descreve que “existem jogadores que são reconhecidos pela sua assertividade táctica, pelo seu critério decisional”, para Cardoso é uma capacidade “de errar pouco nas decisões”.  A treinadora Marisa Gomes citada por (Montenegro, 2008) explica que ter critério é ser selectivo. Assim, o autor (Bouças, 2013) sustenta que o “critério é a melhor resposta para cada situação que se enfrenta. Quando ambas as respostas são igualmente boas, diferencia os jogadores a velocidade a que as dão”. Valdano, citado por (Amieiro, 2009), defende “que para dirigir o jogo, como para dirigir uma equipa, como para dirigir um clube, antes da experiência faz falta critério”. De acordo com (Sienosiain, 2009) o treinador argentino Marcelo Bielsa admira jogadores que decidam o jogo com objectividade e critério. Segundo o técnico argentino, “o futebolista deve ter raciocíonio, ser inteligente, ter capacidade interpretativa de cada um dos momentos do jogo. A inteligência deles não deve ser obrigatoriamente a inteligência cultural”. Ainda assim, (Sienosiain, 2009) descreve que Bielsa também “aprecia os jogadores que, fora do campo, decidam a sua vida com critério, porque crê que os que vivem sob essa lógica também o farão no futebol. Se pensar já é difícil, fazê-lo correndo é ainda mais difícil”. Por outro lado, (Cerqueira, 2009) evidencia que o critério também surge no comportamento sem bola. Segundo o autor, analisando um determinado modelo de jogo, um “sub-sub-princípio parecia promover regularmente trocas posicionais entre jogadores e movimentações com critério e sentido posicional para que se garantisse o «timing» certo de resposta ao passe realizado para concluírem as jogadas”.

O jogador argentino Fernando Redondo marcou o futebol pela sua qualidade técnica, mas principalmente pela qualidade das suas decisões.

O jogador argentino Fernando Redondo marcou o futebol pela qualidade das suas decisões.

 Dando um exemplo, e não sendo logicamente uma relação linear, (Bouças, 2012) descreve que um jogador que remate muito, poderá manifestar pouco critério na sua tomada de decisão e na procura de soluções de finalização melhores para a equipa. Segundo o autor, nestes casos estão aqueles “que ainda crêem que o jogo está mais nos pés que na cabeça”. Neste contexto, para (João Paulo, 2013) em comentário a (Bouças, 2013), “jogar com critério rodeado de gente que joga aleatóriamente é complicado…” Este problema surge muitas vezes quando o jogo de uma equipa está demasiado mecanizado, faltando-lhe assim capacidade adaptativa a novas circunstâncias e portanto à realidade complexa e caótica que o jogo contempla. Assim, quando o comportamento cai fora de determinado padrão que os jogadores mecanizam, estes deixam de saber como agir. Nestes casos, a treinadora Marisa Gomes citada por (Montenegro, 2008) defende que os jogadores não têm sensibilidade nem critério.” Marisa Gomes justifica que “cada vez que uma equipa ou um jogador tem comportamentos mecanizados, estão a negar a sua capacidade de ajustamento, a dele e a dos colegas. E um treinador que faça jogadores assim, primeiro está a tirar o critério de realização dos jogadores, e portanto, é ele o “cérebro” da equipa. Mas é um cérebro que não joga. Isto não é jogo, jogo enquanto dinâmica emergente e adaptativa”. Percebemos assim que, apesar de por necessidade evidente o critério de resolução de cada situação de jogo estar condicionado a uma lógica de resolução colectiva definida pelo modelo de jogo, deverá por outro lado ter abertura suficiente para permitir uma resposta inteligente do jogador em resposta adaptativa a novos contextos e permitir ainda que da sua criatividade surjam novas solução de sucesso.

Numa prespectiva mais simplista, jogar com critério é decidir bem, é portanto, jogar bem. Porém podemos analisar o critério sob duas perspectivas. Uma mais geral, procurando um “jogar bem” no cumprimento dos princípios fundamentais e específicos do jogo de futebol descritos em (Queirós, et al., 1982), entendimento esse que deverá ser comum à generalidade das equipas e outro, de maior especificidade, relativo a cada ideia / modelo de jogo. Assim, segundo (Lobo, 2006) “o jogador é livre para agir, mas não pode agir livremente. A sua liberdade acaba quando choca com a ordem colectiva superior que rege o «jogar colectivo». Os princípios de jogo são, assim, as balizas e os limites dessa liberdade. Se não forem mecânicos, standardizados e permanentemente repetidos eles dão critério à liberdade e ao talento individual que, de outra forma, estaria desenquadrado, não teria ordem e sairia fora do conceito colectivo do «jogar», tornando-se inócuo e até subversivo em relação aos tais princípios de jogo”. Esta visão é partilhada por (Cardoso, 2006) ao referir que a táctica deve ter/ser uma referência e um critério, tornando-se específica de uma forma de jogar”. Fernando Cardoso explica que “deverá existir um critério que valorize mais umas interacções em detrimento de outras, para que a solução encontrada se situe dentro de uma determinada lógica colectiva. Os jogadores terão de possuir um afinador/critério que distinga a informação e a hierarquize num formato de leitura mais acessível num curto espaço de tempo. Entre esse turbilhão de informação que se encontra no envolvimento, o jogador deverá encontrar uma solução que faça parte de um projecto colectivo de jogo, com uma determinada lógica”. Nesta lógica, o o autor (Moutinho, 1991) citado por (Silva, 2006) acredita ser importante a análise do jogo de forma a “identificar e compreender os princípios estruturais do jogo, os critérios de eficácia de rendimento individual e colectivo, e a adequação dos modelos de preparação”, isto porque a definição de objectivos, no quadro do planeamento do treino desportivo decorre, obrigatoriamente, dos critérios de referência para o êxito na modalidade em causa. Desta forma, João Carlos Pereira em entrevista a (Pereira, 2006) defende que “a equipa para jogar bem tem de ter um guião com directrizes muito bem claras e definidas e, toda a gente tem que entender os princípios e os critérios bem definidos e, a partir daí, andamos à volta disso”.

De forma geral, o autor (Rodrigues, 2009), descreve que “nos tempos que correm parece tornar-se muito comum ouvir que um futebolista de qualidade deve passar por ter a bola e sabê-la usar com critério”. O autor reforça que “assim, mais que a posse de bola a utilização criteriosa desta ganha especial relevo nos vários momentos do jogo”. Recorrendo a exemplos específicos, tentar a progressão em situação de 2×4+GR é na maioria dos casos uma má decisão, independentemente do modelo de jogo da equipa. Por outro lado, na situação inversa (4×2+GR), será uma boa decisão acelerar a progressão, atacando rápido, procurando a criação de uma situação de finalização, mesmo que o modelo da equipa assente em grande posse e circulação da bola. Caso a situação seja bem resolvida pelos atacantes, as probabilidades de sucesso da segunda situação serão muito superiores às da primeira, na qual o risco de perda da bola é demasiado alto. Por outro lado, noutro exemplo simples e abordando o critério específico a um modelo de jogo, na marcação do pontapé de baliza um guarda-redes de uma determinada equipa decidirá bem pela saída curta dados os apoios garantidos através do posicionamento dos seus companheiros, pois assim tornam elevada a probabilidade de sucesso de uma sequente progressão, enquanto para outra equipa esse critério não será tão ajustado uma vez que concentra muitos jogadores junto ao meio-campo, e faltarão depois opções para o segundo e terceiro passe.

Deste modo, na óptica da tomada de decisão sob um referencial colectivo que um modelo de jogo propõe, torna-se fundamental para o treinador a definição clara desse modelo para que surjam critérios de êxito às decisões dos jogadores. Sendo o critério de êxito uma ferramenta usual na Educação Física, muitas vezes associado à execução motora, pode também ser aplicado nos Desportos Colectivos, de forma a direcionar os comportamentos dos jogadores em jogo, num determinado sentido que um modelo de jogo aponta.

Assim, (Carlos, 2005) conclui que “o sucesso de quem dirige uma equipa em relação ao insucesso de outros é que os primeiros evidenciam maior capacidade para levar os seus atletas a decidirem, fazendo uso da sua percepção e análise das situações momentâneas do jogo e não das tomadas de decisão de quem está de fora, neste caso o treinador. Treinar exige conduzir o jogador à independência futura, consubstanciada num critério colectivo, a que eu chamo EQUIPA”.

 “(…) com a bola buscava a baliza adversária, tocando-a com paciência e critério, até encontrar o momento e o lugar para acelerar e agredir. Se o adversário cometesse um erro posicional, descobriram-no em cinco toques, se o rival não se deixava distrair, voltavam a começar as vezes que fossem necessárias da única  maneira que se conhece: tocavam a bola para trás e tentavam por outro sector”.

Jorge Valdano sobre a equipa do Ajax de Johan Cruyff, citado por (Soares, 2009)

Livro

Periodización Táctica vs Periodización Táctica, Xavier Tamarit, 2013

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Livro

Observar para ganhar, Nuno Ventura, 2013

Observar para ganhar, Nuno Ventura, 2013