Futebol Português

Futebol Português

“A nossa matéria-prima é aquilo que temos entre as orelhas.”

Agostinho da Silva

Segundo o ex-seleccionador nacional de Rubby (Morais, 2014), em Portugal “temos muito, muito, espírito de clube. Mais do que espírito desportivo e mais ainda que cultura desportiva”. Também o autor (Neto, 2012), descreve que “em Portugal os adeptos que vão aos estádios só lá vão para testemunhar a vitória do seu clube – uma vitória sentida como vital para cada um. Daí a  veemência condenatória da actuação dos árbitros.” José Neto acrescenta ainda que em Portugal o Futebol é predominantemente vivido “como drama – e para sofrer desgostos é preferível ficar em casa: “Intensamente vivido em quase todas as áreas e espaços sociais, menos onde seria suposto fazê-lo com maior facilidade e impacto: nos estádios” (João Nuno Coelho, Nina Clara Tiesler, “O paradoxo do jogo português: a omnipresença do futebol e ausência de espectadores nos estádios”, Análise Social, nº 179, pg. 523)”.

Na opinião de Sérgio Figueiredo em (Morais, 2006), “é verdade que os portugueses são uns pessimistas natos. Uns pessimistas compulsivos. E convocam esse pessimismo tanto para as questões mais essenciais, como para as circunstâncias mais simples do dia-a-dia”. O autor reforça que “se em Portugal não se sabe ganhar, também não se sabe perder”. Porém destaca: “no desporto como nos negócios, há portugueses que vingam, que se destacam, que se afirmam entre os melhores. Individualmente é mais comum. Difícil é que isso aconteça em equipa”. Também na opinião de (Morais, 2006), Portugal “não cresce por culpa do “individualismo, da inveja e do pensamento negativo de quem nos lidera”. Isabel Vaz, em (Lourenço, 2010) descreve que o estereótipo português: “não gostamos de vencedores, fomos educados a venerar a mediania e a nivelar por baixo como sinal de democracia”. Neste sentido, o autor (Sérgio, 2012) descreve que “em Portugal não é a mesma coisa ser treinador de Futebol ou treinador de Basquetebol… as pressões são outras”.

A propósito deste traço que subsiste na cultura portuguesa, (Amado, 2011), explica, noutro contexto, que “somos um povo mais conservador, damos demasiada importância ao “respeitinho” e temos ainda o vício salazarento de achar que há agentes soberanos, nas mais diversas áreas, que estão acima do diálogo e não precisam de justificar as suas decisões de modo racional. Obedecer caladinho e servilmente a um árbitro só porque é árbitro não faz sentido nenhum. O diálogo, a argumentação, a contestação, o protesto, fazem parte da vida pública e deveriam, a bem daquilo que é o jogo que melhor representa, nos dias que correm, a nossa sociedade, fazer parte desse jogo. Não é isso que se vê. Mais depressa um árbitro penaliza um jogador por discordar dele do que por ter uma entrada em que põe em risco a integridade física de um adversário. Isto não faz sentido nenhum. Esse árbitro parece preferir ser juiz de carácter do que juiz do jogo, ou seja, parece ter mais facilidade em exercer o poder que o estatuto de árbitro lhe concede quando esse exercício não depende de uma decisão técnica, o que é – convenhamos – absurdo. Isto é autoritário e politicamente primitivo. Faz parte de uma mentalidade ancestral que deveria estar arrumada nos livros de História, mas que sobrevive pela transmissão, de geração para geração, dos mais enraizados valores patriarcais”. Amado vai mais longe e sustenta que “o Futebol português, como aliás o rochedo à beira-mar plantado que é o país, continua a resistir à invasão da modernidade como pode, com um instinto de auto-preservação cuja natureza consiste em manter uma distinção hierárquica bem definida, dentro da qual aquele que tem o poder deve exercê-lo sem prestar contas do seu exercício. As nossas principais características, enquanto povo, continuam a ser o “bairrismo”, a defesa da paróquia de cada um, a família enquanto pilar social. Não somos uma nação moderna, nem existe em Portugal um sentido democrático assaz relevante. Aliás, somos uma democracia apenas institucionalmente, apenas porque temos a liberdade de eleger, por sufrágio universal, aqueles que queremos que nos representem. No que diz respeito a valores morais e a competências políticas, continuamos uma nação feudal; cada um tem por interesse único o modo como os interesses alheios beneficiam ou prejudicam os seus interesses privados. A população sente-se insatisfeita com o estado de coisas a que o país chegou e vai a correr às urnas votar em massa na conservação e na austeridade, de modo a poder preservar o feudo de cada um. Não está em causa, obviamente, a opção de voto de cada pessoa, mas a tendência das massas e a incompreensão colectiva do que é exigido, na verdade, pela responsabilidade democrática. As pessoas revoltam-se hoje contra a classe política como se revoltariam contra o monárquico que nos regesse, caso isto fosse uma monarquia; revoltam-se contra os soberanos quando se deveriam revoltar contra a ideia de soberania. O que está mal não é a classe política, nem os políticos; o que está mal e deveria ser combatido é a relação de soberania, subordinativa e hierárquica, entre quem representa e quem é representado. No actual sistema político, exercemos praticamente um único direito democrático, o de ir, de quatro em quatro anos, conceder poderes de decisão sobre tudo o que nos diz respeito a meia-dúzia de pessoas cujas ideias mal conhecemos. O nosso único sentido democrático, no intervalo que é cada legislatura, é insurgirmo-nos contra aqueles que elegemos anteriormente, é manifestarmo-nos contra a classe que nos governa, é fazer greves, é falar mal por falar mal. Tudo isso são idiotices sindicais e disparates das barata-tontas que somos. No fundo, somos como jogadores de Futebol que não aceitam uma decisão do árbitro, mas com a agravante de que, ao contrário do jogador de Futebol, que joga um jogo que não tem regulação democrática, estando por isso sujeito à arbitrariedade das regras que elementos exteriores ao jogo estipulam, nós estamos a jogar um jogo em cuja regulação podemos exercer um determinado papel”.

Por outro lado, para (Morais, 2006), os portugueses têm “a tendência para vacilar nos momentos decisivos. Deixamo-nos pressionar, desconcentramo-nos e tornamo-nos indisciplinados”. O ex-jogador português e actual treinador Paulo Sousa, citado por (Ferreira, 2014), defende que perante o insucesso, com as nossas características culturais “podemos entrar em depressões. Mas a História ensina-nos que o povo português sempre teve capacidade para ultrapassar os problemas. Temos de ser positivos mas muitas vezes, frente às dificuldades, não temos a capacidade necessária para o ser”.

Também no mesmo sentido, o autor (Ferreira, 2014), acha “que os portugueses, quando estão em grupo, quando têm que se enfrentar a outro grupo, por norma, entram com pensamentos negativos! Não confiam o suficiente em si próprios! É uma forma de estar na sociedade…somos simpáticos, bons anfitriões, acolhemos muito bem quem vem de fora…e é um pouco esta a postura que temos quando nos enfrentamos a outros adversários…” Nesta linha de pensamento, ainda Paulo Sousa, citado por (Ferreira, 2014), sente que “Portugal tem muita qualidade e que, muitas vezes, somos nós portugueses quem faz de nós próprios mais pequenos. Nós, treinadores portugueses, jogadores e não só, somos muito melhores do que, em geral, pensamos”. 

Em comentário ao seu próprio artigo, (Bouças, 2012) sustenta que “em Portugal sempre houve essa do frete de ir treinar. Mas isso quando o treino era só chutar umas bolas e não se fazia nada dirigido para o que se pretendia no jogo. Enfim, era encher chouriços com uma bola. Acredito que isto se passe na maioria dos clubes em Portugal, mas é um grande atestado de incompetencia a muitos treinadores. Mais ou pelo menos tanto quanto que o mau profissionalismo dos jogadores.” Para (Bouças, 2012), “em Portugal, haver quem se relacione entre si dentro do campo, de forma definida e treinada já é um upgrade grande em relação a demasiados colegas de profissão. Acredite que ainda há equipas na segunda divisão portuguesa a treinar combinações ofensivas sem oposição na fase principal do treino”. O autor (Bouças, 2011), sustenta que “no Futebol português, onde raras são as equipas com capacidade para sair a jogar quando pressionadas no seu meio campo defensivo, ter alguém muito forte no ataque à bola pelo ar para disputar a primeira bola, ajuda imenso a manter a equipa subida”. Ainda (Bouças, 2011), “os golos que se marcam na Liga Portuguesa no momento de organização ofensiva são pouquíssimos. Essencialmente, porque para além de ser o momento mais difícil para chegar ao golo, pela inferioridade numérica,  há também uma incapacidade ofensiva gritante da generalidade das equipas da nossa Liga”.

No entano (Bouças, 2013) ressalva excepções, na sequência do trabalho daqueles que são melhores treinadores portugueses. Em 2013, qualifica a qualidade de jogo colectiva de Porto e Benfica de “nível mundial”. Para o autor, o sucesso europeu dos dois clubes não tem maior continuidade pela “menor qualidade técnica, e de decisão e criatividade nas individualidades comparativamente com os grandes da Europa” e, acima de tudo, pelo estímulo. Segundo Bouças, mais forte será quem mais e maiores estímulos enfrentar. Quantos jogos desta exigência competitiva (sem espaço para jogar, um segundo mais tarde, um metro mais ao lado, e o jogo está perdido) enfrentam FC Porto e SL Benfica a cada ano? Na presente temporada apenas Celtic (na forma como retirou espaço de jogo ao adversário) e Barcelona tinham colocado semelhantes dificuldades aos lisboetas, e Paris SG e Braga aos nortenhos. Quando chega a hora de competir contra jogadores/equipas que estão habituados a níveis de concentração altíssimos todo o ano, fim de semana após fim de semana, é natural que quebre por quem enfrenta menor competitividade ano após ano. O que para uns será um esforço maior (mental/concentração/velocidade a reagir às diversas situações) por um jogo diferente, para outros será uma espécie de “just another day at the office”.”

Paulo Sousa, citado por (Ferreira, 2014), justifica esta opinião com o facto de nesse momento encontrarem-se seis treinadores portugueses na Liga dos Campeões: “é extraordinário e isso só confirma o que disse, que temos qualidade e estamos preparados. Claro que há fatores que determinarão os resultados que cada um deles irá obter mas isso não porá em dúvida a competência de todos eles que, com o tempo, irá sendo cada vez maior”. Assim, segundo Jorge Jesus, citado por (Braz, 2009) e abordando os melhores, “os treinadores portugueses são dos melhores do mundo, ao nível dos holandeses e dos italianos”. O treinador português (Jesus, 2013), reforça esta ideia, colocando os treinadores “à frente dos outros, mas que estão a frente é garantido. Todos querem aprender connosco”. Para (Ramos, 2015), o treinador português encontra-se à frente de colegas de outros países, pois para o autor, há décadas que perspectiva o treino de uma forma mais global, mais holística, contrariando a divisão das dimensões do rendimento protagonizada pela maioria das outras culturas futebolísticas. Porém, para tal, o autor defende que foi preciso errar, foi preciso “trilhar o caminho”, foi necessário inovar, e também aí o treinador português foi corajoso e pioneiro. O autor (Lobo, 2010), parece subscrever esta ideia ao defender que “tacticamente, o treinador português é dos mais inteligentes do mundo. Domina o treino e a leitura de jogo. É multicultural, sem complexos de ouvir outras escolas mas, ao mesmo tempo, tem um orgulho pessoal que não o deixa converter-se, pelo que, no fim, impõe a sua filosofia”. Lobo, acrescenta que o treinador português, “prova, como diz Capello que “o melhor treinador é o maior dos ladrões”. Aprende em todos os sítios e com todos os outros técnicos, mas, no fim, aproveitando tudo, mete a suas ideias e cria uma filosofia própria global. O Futebol português, não duvidem, sempre esteve cheio de grandes “ladrões””. O autor (Pinheiro, 2013) destaca três pontos que fortes no treinador português:

  • “Trabalho realizado em ambiente de adversidade. O autor refere que “treinador português está acostumado a trabalhar com poucos recursos, tanto ao nível humano quanto ao material. Vejamos o exemplo de algumas equipas fantásticas que se alicerçam em jogadores “aparentemente” normais, mas que com grande rigor e organização conseguem resultados fantásticos;
  • Formação académica. Para Valter Pinheiro, “o advento de técnicos com formação em Educação Física trouxe ao futebol maior rigor e cientificidade;
  • Capacidade de adaptação. Finalmente o autor sublinha “a capacidade “camaleónica” do treinador português, capaz de se adaptar a contextos difíceis e muitas vezes hostis. Já se tornou normal ver equipas com muitos meses de salários em atraso que em campo revelam uma motivação feroz. Em muitas destas situações o treinador assume-se como a pedra angular que congrega a união da equipa.”

Num âmbito geral, (Xavier, 2014), e de acordo com um levantamento que fez do futebol português e da forma como “as equipas são formatas, e é cíclico, é sistémico que as equipas são trabalhadas em 4:3:3. Triângulo invertido ou não, 1 + 2 ou 2 + 1, este é basicamente o sistema que está instalado no futebol português”.

Uma investigação do Observatório de Jogadores Profissionais de Futebol concluiu que em 2010 que “os clubes da Liga portuguesa de Futebol são os que menos jogadores aproveitam para as formações principais”. Segundo o estudo “apenas 6,4 por cento dos jogadores dos emblemas lusos alinharam nos respectivos clubes pelo menos três anos, entre os 15 e os 21 anos. Este é um valor muito abaixo da média europeia – quase um em cada quatro jogadores fizeram a formação no clube actual (23,33 por cento). Entre os 36 campeonatos estudados pelo O.J.P.F., os clubes da Islândia (50) e da Estónia (41) são os que mais jogadores promovem às equipas principais. Nas cinco principais ligas, apenas a francesa e a espanhola superam a média europeia, com 25,8 e 24,2 por cento de jogadores promovidos da formação, respectivamente, superando largamente as competições de Alemanha (19), Inglaterra (16,2) e Itália (8,9). Os clubes portugueses são os mais renitentes da Europa a lançar jovens defesas, apenas 3,3 por cento, e médios, só 8,0 por cento, enquanto os italianos lideram nos guarda-redes (13,3) e os turcos nos avançados (3,9), posições em que o aproveitamento luso não é muito melhor: 14 por cento nos guardiões e 4,1 por cento nos atacantes. No sentido oposto, os holandeses são os que mais apostam em médios (28,1) e avançados (20,6) da formação, enquanto os franceses destacam-se nos guarda-redes (36,2) e os espanhóis nos defesas (25,9).” Ao nível dos clubes, comprova-se que o Sporting é “a quinta equipa da Europa com mais jogadores colocados noutros clubes incluídos no estudo (39), menos cinco do que os ucranianos do Dínamo de Kiev, que lideram este “ranking”, que coloca o FC Porto no 19.º posto (24)”. Muitas opiniões convergem na redução do número de equipas presentes na primeira liga de Futebol. As razões passam pela fraca competitividade e incapacidade orçamental de alguns clubes. No entanto, para (Ramos, 2004), o caminho deve ser o oposto, o do alargamento. Mesmo que os orçamentos tivessem de ser mais reduzidos, a principal razão apontada seria no sentido de alargar o espaço competitivo a mais jogadores portugueses de qualidade que se encontram em equipas de divisões inferiores ou mesmo para os melhores juniores na sua transição para o Futebol de rendimento. Desta forma, todos estes jogadores poderiam competir e evoluir com os melhores, propiciando-se o crescimento das suas competências, melhorando assim o seu patamar de rendimento, e consequentemente, na globalidade, todo o Futebol português.

Segundo o treinador português Fernando Valente, em entrevista a (Lumueno, 2015), “os jogadores em Portugal não percebem o jogo, porque não sabem interpretar e aplicar os Princípios do Jogo”. Ainda assim, segundo (Matos, 2014), dois rankings da FIFA indicam que Portugal é o 70º país no número de jogadores que praticam futebol e o 5º nos resultados. Segundo o ex-jogador “alguma coisa se faz bem em Portugal na formação…” Porém, será mesmo que o potencial e qualidade do jogador português justifica-se pelo trabalho na generalidade do Futebol de Formação?

Na opinião de (Neto, 2012), Portugal “é dos poucos países que rivalizam com o Brasil no que concerne à produção de jogadores com capacidade de improvisação, com elevado espírito de jogo ofensivo, capacidade técnica elevada e improvisação. A pouca objectividade e algumas características do individualismo não destroem a espectularidade do criativo e do imaginativo”. Uma justificação para o facto, segundo (Lobo, 2002) citado por (Neto, 2012), o Futebol português ter sido “fortemente influenciado pela miscigenação, resultante da inclusão de jogadores das ex-colónias. O Futebol português “tem cheiro de África e do Brasil sul-americano, o toque, o bailado à brasileira, como gostavam de referir os analistas”, caracterizando-se pela dominância dos aspectos técnicos, pelo passe curto, a desmarcação constante, e pelo improviso dos jogadores”.

No entanto, na opinião do autor (Silva, 2013), em Portugal “o futebol de rua está a desaparecer e, com ele, as boas memórias de todos os que têm mais de 25 anos. A melhoria de condições nos clubes desportivos (longe vão os tempos em que o CAC fez furor em Lisboa com um dos primeiros sintéticos) teve também um efeito nefasto e o “laboratório” português tem-se limitado a repetir a mesma fórmula de incutir o colectivo, reprimindo a qualidade individual que possa existir. Não sou o primeiro a falar da falta que o futebol de rua faz a Portugal (e não só, porque a tendência é mundial), não serei o último. Mas junto-me ao coro de treinadores e comentadores que já perceberam as consequências revolucionárias que a tendência provocará. De uma forma ou de outra, ficaremos cada vez mais longe da alcunha de “Brasil da Europa” e mais próximo da “Itália da Península Ibérica”. A qualidade individual permitia-nos ser brasileiros, a mentalidade portuguesa jamais nos deixará ser verdadeiramente italianos”.

Na opinião de (Sá, 2011), “Brasil e Portugal são países irmãos em muitos pontos culturais, mas estão em pólos opostos no que respeita à forma como lidam com craques em final de carreira. No Brasil, há uma valorização várias vezes desmesurada desse tipo de jogadores. Em Portugal, ao contrário, o bilhete de identidade é mesmo sinónimo de preconceito na opinião que é tida sobre o valor desportivo dos jogadores”.