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“eu tenho que parir é o contexto, não os comportamentos”

Flexibilidade e adaptabilidade do Programa de Treino

“Os exercícios apenas são potencialmente específicos”

Guilherme Oliveira, citado por (Esteves, 2010)

Continuamos a explorar o Programa de Treino que temos vindo a desenvolver, aprofundando a flexibilidade do mesmo.

Sublinhamos que o Programa não é dirigido a nenhuma Ideia de Jogo Específica. Porém, será ele exequível para todas as Ideias? Essa foi uma das nossas preocupações e intenções, mas lançamos um verdadeiro desafio à criatividade. Será possível criar uma Ideia de Jogo que não seja operacionalizável desta forma? Caso afirmativo, por outro lado, será um óptimo tónico à evolução do trabalho realizado.

À imagem de um Microciclo ou Morfociclo padrão, no qual a preocupação seja transmitir uma Ideia de Jogo à equipa, enquadrando uma série pressupostos para que a “óptima” aquisição deva acontecer, por sua vez o Programa enquadra um ciclo mais alargado (quatro semanas), nas quais são abordadas todas as dimensões da Ideia de Jogo da equipa.

Se a Ideia de Jogo (o projecto do treinador) é o ponto de partida e o Modelo de Jogo (o jogar propriamente dito da equipa) o ponto de chegada, o Programa será um dos veículos, através dos quais podemos fazer esse trajecto. Cremos nós, e esse foi o principal objectivo na sua elaboração, com grande eficiência e eficácia.

No passado texto escrevemos o seguinte sobre o tema:

“Também procurámos que o Programa fosse, por um lado, suficientemente fechado para se conseguir um razoável controlo do processo de aquisição e repetição num plano macro, por outro, que também fosse suficientemente aberto para poder ser implementado com diferentes Ideias de Jogo, diferentes níveis competitivos e ainda diferentes escalões etários.”

Para tal, usámos a Sistematização do Jogo que desenvolvemos no passado, para definir diferentes escalas de actuação. Os momentos, os sub-momentos, os princípios, os sub-princípios e as acções individuais.

Relativamente aos momentos, temos uma sessão por semana direccionada para cada um deles. Quanto aos sub-momentos, procurámos dar maior volume aos que surgem mais vezes no jogo. Por exemplo, em relação à Transição Defensiva é facilmente perceptível que as equipas passam mais tempo na Reação à perda e menos na Defesa do contra-ataque, logo, será lógico dar maior propensão a um sub-momento que pode até evitar que a equipa não tenha que defender um contra-ataque adversário.

Em relação aos princípios, tratam-se de ideias comuns a todas as equipas. No mesmo enquadramento, Transição Defensiva, sub-momento de Reação à perda, damos o exemplo da “Pressão imediata na bola”. É algo que todas as equipas procuram. Se é para procurar recuperar imediatamente a bola ou apenas para conter, não permitindo o contra-ataque adversário e procurar garantir a reorganização defensiva da equipa, isso será território específico da Ideia de Jogo de cada treinador. Como exemplo de sub-princípio, “Referências de pressão”, ou seja, em que circunstâncias a equipa passa da contenção à pressão para recuperar a bola, ou se simplesmente não o faz nunca. Importa referir que os sub-princípios são comuns a diferentes princípios. O exemplo que acabámos de dar confere isso, pois “Referências de pressão” estará também presente noutros sub-momentos do jogo, nomeadamente nos de Organização Defensiva.

O mesmo sucede com as Acções Individuais. Neste caso, defensivas, e damos o exemplo da “Posição de base”, através da qual o defensor procura orientar-se, posicionar-se, adoptar determinada postura corporal, etc., para, da forma mais eficiente possível, passar da contenção à eventual pressão com objectivo de recuperar a bola.

Ora bem, nesta lógica, o Programa define o quando (momentos e sub-momentos do jogo) e o quê (princípios, sub-princípios e acções individuais). Contudo, não define o como e porquê, ficando esse domínio contemplado na Ideia de Jogo Específica de cada treinador.

Deste modo, o Programa também se torna ajustável a cada nível de jogo. Se, por exemplo, o nível é o da Etapa de Iniciação do Futebol de Formação, a Ideia (extremamente simples, reduzida, necessariamente aberta e ampla) e a intervenção do treinador deverão ter determinado carácter. O que não implica que não hajam conteúdos programados, tal como sucede nos programas nacionais do ensino básico. De uma forma geral, abordados de forma mais elementar e muitas vezes apenas usando um exercício / jogo simples como estímulo ao conteúdo desejado, e sem grande intervenção do treinador. Noutro exemplo, se o Programa é aplicado no Futebol de Rendimento Profissional, o detalhe, a exigência, o plano estratégico, etc., deverão estar contemplados através da Ideia de Jogo, conteúdos e da actuação do treinador em cada exercício. Mesmo que não haja intervenção do treinador no exercício. Isso deve ser deliberado e fruto de um pensamento estratégico e operativo naquele contexto específico. Não porque o nível de intervenção pressupõe isso.

Haverá sempre uma questão pertinente no nível de Rendimento. Se o Programa engloba quatro semanas, dado que uma não será suficiente para se atingir todas as dimensões do jogo da equipa na propensão desejada, então, atendendo à eventual necessidade de investimento na dimensão estratégica em função do próximo jogo, essa semana do Programa poderá não atingir em volume de forma satisfatória determinado sub-momento do jogo e / ou da forma desejada (espaço do campo onde determinados princípios se desejam trabalhar). Neste caso, a manipulação do exercício, nomeadamente na sua operacionalização, torna-se decisiva.

Não modificando conteúdos, ao longo da semana o treinador vai encontrar momentos e sub-momentos contrários aos objectivos estratégicos que persegue. Nesses momentos, pode usar o contra-exercício, ou seja, os objectivos inversos aos do Programa em determinado exercício para intervir e tornar-se o protagonista maior no foco e, possivelmente feedback, que pretende. Por exemplo, na semana C do Programa, no exercício C-3OO2B:

Os objectivos, sub-momentos da Organização Ofensiva, são a Criação e Finalização, e ainda com ligação à Reacção à perda na Transição Defensiva. O exercício é passado no meio-campo adversário.

Se, em função do próximo adversário, o treinador tem a preocupação de preparar determinado(s) princípio(s) da Organização Defensiva, sub-momento, Impedir a Criação em bloco médio ou baixo, poderá escolher este e eventualmente outro(s) exercício(s) para garantir essa intervenção. Nesta semana do programa, para além deste, surgem mais 5 exercícios em que pode atingir, ou no objectivo principal, ou no contra-exercício, este propósito. Assim, no enquadramento da equipa técnica e definição de tarefas no treino, poderá trocar o seu papel, inicialmente no objectivo principal, com outro treinador responsável pela equipa / grupo de jogadores que se encontram no objectivo inverso. Ou seja, trocar a sua intervenção para a equipa que, com maior propensão no exercício em causa, defende e transita ofensivamente no exercício. Deste modo, o programa não perde os objectivos iniciais e a estimulação sistemática de determinadas ideias. Simultaneamente o treinador encontra o espaço e o momento para dar mais ênfase a determinada preocupação e objectivo estratégico.

Estamos, e não nos cansamos de repetir, perante um processo altamente complexo. O Programa de Treino, torna-se para nós um caminho muito interessante para o treinador ter um satisfatório controlo sobre o jogo da sua equipa. No caso particular do Futebol de Rendimento, controlo sobre a dimensão da sua Ideia de Jogo e também sobre a dimensão estratégica.

“Treinar deve implicar

que a percepção cumpra sua função

não é a de memorizar, mas de percepcionar

a complexidade do jogo na complexificação.

Resultante…

De cada instante

duma e outra equipa na acção.”

(Vítor Frade, 2014)