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“O atleta é um todo”

“(…) acontece uma variedade de reacções humanas ao mesmo tipo de factores e de situações porque não é reacção o que propriamente se dá, mas, antes, uma acção – e esta é iniciada intencionalmente por um todo que, de todo, jamais o é da mesma forma que o todo de outro: é o todo que enforma as partes e não estas que determinam aquele.”

(Neto, 2012), sobre o “todo” do Futebol – a Táctica

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/1892730540756204/

A opinião é dada por, Gabriel Mendes, Coordenador Técnico da Federação Portuguesa de Ciclismo. A visão sobre o rendimento e o treino sofreu uma clara ruptura epsistemológica. Deixou de se ver o jogador, ciclista, atleta, etc., como um somatório de capacidades para ser interpretado do ponto de vista das suas acções, enquadradas num todo complexo. Se o pensamento Cartesiano começa a abandonar as modalidade individuais, as quais, apresentam uma estrutura de rendimento menos complexa, então é urgente irradicá-lo por completo dos desportos colectivos.

Neste contexto, em 2003, o professor Silveira Ramos defendia que ““o Futebol pode ser decomposto nas suas partes constituintes – técnica, táctica, física, psíquica, social, das leis de jogo, etc.” ou “então pode ser decomposto em – acções individuais e colectivas – considerando que cada uma delas é constituída em termos técnicos, tácticos, físicos, psíquicos, sociais, etc.” E concluía… “ao procedermos à análise das capacidades dos jogadores e da equipa, com o sentido de conhecermos melhor cada uma delas, corremos, como já foi referido, o risco de “isolar” determinados aspectos, criando teoricamente capacidades isoladas, que nas acções do jogo têm um significado mais amplo e menos repartido. Qualquer capacidade que se considere isoladamente, manifesta-se sempre pelos comportamentos do jogador no desempenho das tarefas em jogo, sendo esses comportamentos expressos de forma global e não através de uma única capacidade, ou grupo de capacidades. Cada acção desenvolvida em jogo, é consequência de diversos factores, mesmo que algum, ou alguns sejam mais evidentes à nossa observação”.

“A motricidade

do jogar, no jogo

a de qualidade…

Implica o indivíduo todo!

(Frade, 2014)

Critério

Neste artigo abordamos a necessidade do critério no Futebol. Sendo também uma das qualidades da tomada de decisão de dirigentes e treinadores, aparece aqui, essencialmente associada à explicação do rendimento do jogador de futebol. Assim, procuramos através de diversos autores, as suas perspectivas sobre o tema.

“É incrível a harmonia que pode pôr, numa equipa inteira, alguém que movimenta a bola com precisão, com critério, com a indiscutível autoridade do talento.”

“(…) Pirlo, outro jogador de aparência frágil que se agiganta com a bola. Fazendo girar a equipa em seu redor, falhou o seu primeiro passe ao vigésimo minuto do segundo tempo.”

Jorge Valdado sobre os jogadores Diego e Pirlo, citado por (Gomes, 2009)

Na opinião de (Sá, 2011), é habitual juntar à “”intensidade” outra palavra ouvida recentemente, a “paciência”. Intensidade, no sentido que se pretende aqui dar ao termo, é sempre positiva. Implica concentração, e reactividade de pensamento. Paciência, não. Paciência é um condimento, e não o prato principal, pode ser positiva, se for colocada em cima de qualidade e intensidade, mas pode ser negativa, se não o for. Pessoalmente, prefiro a expressão “critério“, que é menos dogmática e mais aberta à especificidade do jogo. “intensidade” e “critério””.

De acordo com (Garganta, 2001) “a palavra critério provém do termo grego – krino – que significa separar. Os critérios funcionam como padrões que nos permitem identificar, seleccionar e avaliar as coisas (Marina, 1997). Em ciência os critérios funcionam, a um tempo, como peneira ou separadores e como aglutinadores de sentido, o que faz com que se apresentem como algo paradoxal”. Segundo o professor de Neurociência português António Damásio citado por (Carvalho, 2006), onde existe uma necessidade de ordem, haverá uma necessidade de decisão, deverá exisitir um critério para se tomar essa decisão”. Na opinião da treinadora Marisa Gomes, em entrevista a (Rocha, 2008) o critério “dá a selectividade. Dá a orientação das escolhas para o lado eficiente. E este lado eficiente é o lado valorizável. E o eficiente valorativo é o nós estarmos a jogar e sabermos que para ganharmos temos de jogar daquela forma. E que não é a questão de ser bonito ou feio. Não. É a questão de que é assim que se joga. É assim que somos eficazes”.

O autor (Cardoso, 2006)  descreve que “existem jogadores que são reconhecidos pela sua assertividade táctica, pelo seu critério decisional”, para Cardoso é uma capacidade “de errar pouco nas decisões”.  A treinadora Marisa Gomes citada por (Montenegro, 2008) explica que ter critério é ser selectivo. Assim, o autor (Bouças, 2013) sustenta que o “critério é a melhor resposta para cada situação que se enfrenta. Quando ambas as respostas são igualmente boas, diferencia os jogadores a velocidade a que as dão”. Valdano, citado por (Amieiro, 2009), defende “que para dirigir o jogo, como para dirigir uma equipa, como para dirigir um clube, antes da experiência faz falta critério”. De acordo com (Sienosiain, 2009) o treinador argentino Marcelo Bielsa admira jogadores que decidam o jogo com objectividade e critério. Segundo o técnico argentino, “o futebolista deve ter raciocíonio, ser inteligente, ter capacidade interpretativa de cada um dos momentos do jogo. A inteligência deles não deve ser obrigatoriamente a inteligência cultural”. Ainda assim, (Sienosiain, 2009) descreve que Bielsa também “aprecia os jogadores que, fora do campo, decidam a sua vida com critério, porque crê que os que vivem sob essa lógica também o farão no futebol. Se pensar já é difícil, fazê-lo correndo é ainda mais difícil”. Por outro lado, (Cerqueira, 2009) evidencia que o critério também surge no comportamento sem bola. Segundo o autor, analisando um determinado modelo de jogo, um “sub-sub-princípio parecia promover regularmente trocas posicionais entre jogadores e movimentações com critério e sentido posicional para que se garantisse o «timing» certo de resposta ao passe realizado para concluírem as jogadas”.

O jogador argentino Fernando Redondo marcou o futebol pela sua qualidade técnica, mas principalmente pela qualidade das suas decisões.

O jogador argentino Fernando Redondo marcou o futebol pela qualidade das suas decisões.

 Dando um exemplo, e não sendo logicamente uma relação linear, (Bouças, 2012) descreve que um jogador que remate muito, poderá manifestar pouco critério na sua tomada de decisão e na procura de soluções de finalização melhores para a equipa. Segundo o autor, nestes casos estão aqueles “que ainda crêem que o jogo está mais nos pés que na cabeça”. Neste contexto, para (João Paulo, 2013) em comentário a (Bouças, 2013), “jogar com critério rodeado de gente que joga aleatóriamente é complicado…” Este problema surge muitas vezes quando o jogo de uma equipa está demasiado mecanizado, faltando-lhe assim capacidade adaptativa a novas circunstâncias e portanto à realidade complexa e caótica que o jogo contempla. Assim, quando o comportamento cai fora de determinado padrão que os jogadores mecanizam, estes deixam de saber como agir. Nestes casos, a treinadora Marisa Gomes citada por (Montenegro, 2008) defende que os jogadores não têm sensibilidade nem critério.” Marisa Gomes justifica que “cada vez que uma equipa ou um jogador tem comportamentos mecanizados, estão a negar a sua capacidade de ajustamento, a dele e a dos colegas. E um treinador que faça jogadores assim, primeiro está a tirar o critério de realização dos jogadores, e portanto, é ele o “cérebro” da equipa. Mas é um cérebro que não joga. Isto não é jogo, jogo enquanto dinâmica emergente e adaptativa”. Percebemos assim que, apesar de por necessidade evidente o critério de resolução de cada situação de jogo estar condicionado a uma lógica de resolução colectiva definida pelo modelo de jogo, deverá por outro lado ter abertura suficiente para permitir uma resposta inteligente do jogador em resposta adaptativa a novos contextos e permitir ainda que da sua criatividade surjam novas solução de sucesso.

Numa prespectiva mais simplista, jogar com critério é decidir bem, é portanto, jogar bem. Porém podemos analisar o critério sob duas perspectivas. Uma mais geral, procurando um “jogar bem” no cumprimento dos princípios fundamentais e específicos do jogo de futebol descritos em (Queirós, et al., 1982), entendimento esse que deverá ser comum à generalidade das equipas e outro, de maior especificidade, relativo a cada ideia / modelo de jogo. Assim, segundo (Lobo, 2006) “o jogador é livre para agir, mas não pode agir livremente. A sua liberdade acaba quando choca com a ordem colectiva superior que rege o «jogar colectivo». Os princípios de jogo são, assim, as balizas e os limites dessa liberdade. Se não forem mecânicos, standardizados e permanentemente repetidos eles dão critério à liberdade e ao talento individual que, de outra forma, estaria desenquadrado, não teria ordem e sairia fora do conceito colectivo do «jogar», tornando-se inócuo e até subversivo em relação aos tais princípios de jogo”. Esta visão é partilhada por (Cardoso, 2006) ao referir que a táctica deve ter/ser uma referência e um critério, tornando-se específica de uma forma de jogar”. Fernando Cardoso explica que “deverá existir um critério que valorize mais umas interacções em detrimento de outras, para que a solução encontrada se situe dentro de uma determinada lógica colectiva. Os jogadores terão de possuir um afinador/critério que distinga a informação e a hierarquize num formato de leitura mais acessível num curto espaço de tempo. Entre esse turbilhão de informação que se encontra no envolvimento, o jogador deverá encontrar uma solução que faça parte de um projecto colectivo de jogo, com uma determinada lógica”. Nesta lógica, o o autor (Moutinho, 1991) citado por (Silva, 2006) acredita ser importante a análise do jogo de forma a “identificar e compreender os princípios estruturais do jogo, os critérios de eficácia de rendimento individual e colectivo, e a adequação dos modelos de preparação”, isto porque a definição de objectivos, no quadro do planeamento do treino desportivo decorre, obrigatoriamente, dos critérios de referência para o êxito na modalidade em causa. Desta forma, João Carlos Pereira em entrevista a (Pereira, 2006) defende que “a equipa para jogar bem tem de ter um guião com directrizes muito bem claras e definidas e, toda a gente tem que entender os princípios e os critérios bem definidos e, a partir daí, andamos à volta disso”.

De forma geral, o autor (Rodrigues, 2009), descreve que “nos tempos que correm parece tornar-se muito comum ouvir que um futebolista de qualidade deve passar por ter a bola e sabê-la usar com critério”. O autor reforça que “assim, mais que a posse de bola a utilização criteriosa desta ganha especial relevo nos vários momentos do jogo”. Recorrendo a exemplos específicos, tentar a progressão em situação de 2×4+GR é na maioria dos casos uma má decisão, independentemente do modelo de jogo da equipa. Por outro lado, na situação inversa (4×2+GR), será uma boa decisão acelerar a progressão, atacando rápido, procurando a criação de uma situação de finalização, mesmo que o modelo da equipa assente em grande posse e circulação da bola. Caso a situação seja bem resolvida pelos atacantes, as probabilidades de sucesso da segunda situação serão muito superiores às da primeira, na qual o risco de perda da bola é demasiado alto. Por outro lado, noutro exemplo simples e abordando o critério específico a um modelo de jogo, na marcação do pontapé de baliza um guarda-redes de uma determinada equipa decidirá bem pela saída curta dados os apoios garantidos através do posicionamento dos seus companheiros, pois assim tornam elevada a probabilidade de sucesso de uma sequente progressão, enquanto para outra equipa esse critério não será tão ajustado uma vez que concentra muitos jogadores junto ao meio-campo, e faltarão depois opções para o segundo e terceiro passe.

Deste modo, na óptica da tomada de decisão sob um referencial colectivo que um modelo de jogo propõe, torna-se fundamental para o treinador a definição clara desse modelo para que surjam critérios de êxito às decisões dos jogadores. Sendo o critério de êxito uma ferramenta usual na Educação Física, muitas vezes associado à execução motora, pode também ser aplicado nos Desportos Colectivos, de forma a direcionar os comportamentos dos jogadores em jogo, num determinado sentido que um modelo de jogo aponta.

Assim, (Carlos, 2005) conclui que “o sucesso de quem dirige uma equipa em relação ao insucesso de outros é que os primeiros evidenciam maior capacidade para levar os seus atletas a decidirem, fazendo uso da sua percepção e análise das situações momentâneas do jogo e não das tomadas de decisão de quem está de fora, neste caso o treinador. Treinar exige conduzir o jogador à independência futura, consubstanciada num critério colectivo, a que eu chamo EQUIPA”.

 “(…) com a bola buscava a baliza adversária, tocando-a com paciência e critério, até encontrar o momento e o lugar para acelerar e agredir. Se o adversário cometesse um erro posicional, descobriram-no em cinco toques, se o rival não se deixava distrair, voltavam a começar as vezes que fossem necessárias da única  maneira que se conhece: tocavam a bola para trás e tentavam por outro sector”.

Jorge Valdano sobre a equipa do Ajax de Johan Cruyff, citado por (Soares, 2009)