A “posse de bola” e os números
O autor desta opinião, e o seu nível de conhecimento, não são importantes para o caso. O conteúdo, como milhões de outros, também poderia não ser. Torna-se relevante, para nós, porque é um género de opinião que tende a generalizar-se, consoante… os resultados. Agora, no passado e com certeza, no futuro.
Se o que influencia este género de opinião são preferências por uma “estética” de jogo diferente, a crença em ideias menos pacientes e mais directas no momento ofensivo, ou até a hostilização das equipas que se tornam dominadoras no jogo e a consequente menor imprevisibilidade e emocionalidade que isso traz ao espectador, não podemos saber. O que sabemos é que defendê-la com premissas, para nós, tão irrelevantes como as apresentadas, são autênticos atestados de ignorância… no mínimo… táctica. É também por isto que é extremamente difícil construir uma equipa que assente a sua qualidade de jogo, não na posse bola… mas na qualidade da sua posse de bola. Pegando no exemplo do Barcelona de Guardiola, a autora (Gomes, 2012) sustenta que a sua qualidade na posse “só é possível quando realmente se gosta muito da bola e faz com que o valor da bola seja superior à precipitação do adepto, à pressa do adversário e à ânsia em fazer a bola andar pelos espaços em disputas”.
Estamos perante mais um bom exemplo, no qual, os números e a estatística na análise do jogo, continuam, como tantas outras áreas, impregnadas pelo pensamento mecânico e analítico. Impregnada, e não completamente irrelevante, porque a estatística, aliada ao conhecimento do jogo, nomeadamente na identificação de regularidades comportamentais, pode ter um papel útil ao treinador, ajudando-o no construção do jogo que idealiza para a equipa. Por exemplo, num artigo anterior, defendemos que a perda de bola será um dado estatístico no jogo, muito interessante.
Não é difícil entender que uma média elevada de posse de bola não é sinal de controlo do jogo, portanto, de qualidade de jogo. O controlo do jogo pode ser obtido de diferentes formas, em função de diferentes ideias, crenças e consequentemente, formas de jogar. Recordamos as equipas italianas, na década de 90, que naquele momento da evolução do jogo, o controlavam os jogos de forma exímia pela sua Organização Defensiva e Transição Ofensiva, e emocionalmente sentiam-se extremamente confortáveis nessas ideias. Portanto, claramente abdicando de possuírem a bola na maior parte do tempo de jogo. Porém, hoje, ter qualidade no momento ofensivo, tornou-se impreterível. Assim, possuir a bola, mas fora do bloco adversário, portanto, estar a maior parte do tempo na Fase I do momento ofensivo, chegando poucas vezes à Fase II e praticamente nunca à Fase III com certeza que não ameaçará o adversário, aumentando-lhe o conforto e a confiança. Uma excepção, poderá ser fazê-lo, perante uma equipa que, precisamente e, devemos dizer, perigosamente, as suas ideias passam apenas pelo momento ofensivo do jogo e assim se desorganiza quando não a tem. No resto dos casos, ter mais posse de bola não significa, por si só, ser-se melhor no jogo. É um dos passos nesse propósito, o segundo é saber… o que fazer com ela. Johan Cruyff, citado por (Amieiro, 2009), explica que “ter a bola não significa tê-la e pronto. Há que saber o que fazer com ela. Quando eu digo que enquanto nós temos a bola o adversário não a tem e, portanto, não pode marcar, o que quero dizer é que nós mandamos e temos a iniciativa do jogo. E como tenho a bola, eles têm que a tentar roubar e, com isso, consigo criar espaço”. Também para o treinador português (Luís Castro, 2017), “a posse de bola não é um objectivo, é uma consequência… do meu jogo”.
Portanto, circular a bola pela primeira linha, mesmo que já no meio-campo adversário, sem ideias, mobilidade, mudanças de velocidade, agressividade e criatividade, é totalmente diferente do que tê-la, com essas qualidades todas, e conseguir ainda penetrar diversas vezes no interior do bloco adversário e / ou ameaçando também, com critério e regularidade, a sua profundidade. Este segundo cenário, consequentemente, levará a equipa a poder criar situações de finalização, não permitindo que a equipa adversária esteja tranquila, confiante, portanto, emocionalmente estável no jogo.
Todavia, num segundo pensamento sobre os dados apresentados, seria para nós muito mais interessante perceber quem é que treinava, num dos maiores clubes desse país, os jogadores mais influentes no jogo da Espanha, campeã do mundo em 2010, e da Alemanha, campeã do mundo em 2014. E perceber, depois disso, o declínio do seu jogo. Por outro lado, podemos também tentar compreender a forma como Pep Guardiola está a influenciar a cultura inglesa. Depois, se pensarmos ainda no papel decisivo que o trabalho de José Mourinho no F. C. do Porto teve, na qualidade de jogo e no rendimento da selecção Portuguesa no Europeu de 2004, e noutros exemplos similares, também podemos questionar que margem de intervenção e que papel terá um seleccionador / treinador nacional.
“Por muito que nos vendam estatísticas que queiram quantificar performances individuais, o jogo, o bom jogo, está completamente longe de poder ser interpretado ou quantificado por números que queiram trazer avaliações qualitativas. Porque não se pode quantificar a qualidade do que mais importa! As decisões!”
Pedro Bouças, 2017
“Odeio o “tiki-taka”. A posse de bola é apenas um método para organizar a equipa e desmontar o adversário…”
Pep Guardiola, 2014
“De Guardiola
p’ro Barcelona e selecção espanhola
do Bayern à selecção d’Alemanha,
e Guardiola sempre ganha
continuando a revolucionar,
o jogar…
Quem gosta de jogar à bola
Quem gosta de ir ver jogar,
Só pode reconhecer em Guardiola
O melhor p’ra tudo isto melhorar.”
(Frade, 2014)