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O trinómio Estética-Eficácia-Eficiência e novamente…. a intensidade

“Ataque e defesa

é uma coisa unida

separá-los é tristeza

leva a equipa a estar perdida.”

(Frade, 2014)

Mesmo após o extraordinário artigo do Pedro Bouças no website Lateral Esquerdo sobre a relação entre desempenho e rendimento, na sequência de algumas reacções, sentimos que a incompreensão sobre o tema teima em subsistir. Uma vez mais, talvez uma das grandes causas passe pela visão analítica da realidade que paira sobre o jogo. Desta vez separando desempenho de rendimento… eficiência de eficácia.

É verdade que como em grande parte das actividades, um jogador ou uma equipa podem ser eficazes em serem eficientes. No entanto, acreditamos que na nossa concepção de eficiência, ou seja, jogar bem, ou ainda por outras palavras, cumprir determinados comportamentos táctico-técnicos de qualidade de forma regular, conduzirá a uma eficácia também regular e por conseguinte… a um maior rendimento. No fundo, o jogar bem a que nos referimos será aquele que indo ao encontro das regras do jogo e das características da modalidade, aproximará as equipas do sucesso.

O autor (Amado, 2010) revela uma posição similar ao defender “que existem maneiras melhores de jogar do que outras, maneiras que garantam mais vezes o sucesso”. Amado esclarece que pensa “assim por uma razão simples, porque o Futebol é um jogo e, como qualquer jogo, possui um conjunto de regras que lhe limita as possibilidades. O jogo do galo, para dar o exemplo de um jogo simples, cujo conjunto de regras impõe limites óbvios, acaba invariavelmente empatado, sempre que jogado por dois jogadores minimamente conscientes das possibilidades ao seu dispor. Há jogos, obviamente, mais complexos (sendo o Futebol um caso evidente), jogos em que as possibilidades são muito maiores, mas, no limite, passa-se o mesmo. Todo o conjunto de regras fixo, que é aquilo em que consiste, por definição, qualquer jogo, é um “meio” ao qual se adaptam melhor os que possuírem as características mais adequadas ao conjunto de regras com que se define esse “meio”.”

Ainda (Amado, 2010) defende então que “toda a História do Futebol é uma história de evolução neste sentido. Não é lícito afirmar, apenas porque sempre houve, até aqui, maneiras melhores de se jogar o jogo do que maneiras anteriores, que continuem a haver, ad eternum, formas de melhorar que se oponham a formas anteriores. O Futebol constitui-se por um sistema rígido de regras (ao contrário do que acontece, por exemplo, em arte), e a tendência é, por isso, para que a evolução tenha um limite. De resto, nada disto implica, como é óbvio, que formas piores de jogar o jogo não possam vencer, pontualmente, formas melhores. Mas formas melhores ganharão mais vezes: e é esse o ponto de tudo isto”. Deste modo, (Sá, 2011), defende que a qualidade não tem a ver com a preferência por um estilo, ou por uma especialização num momento táctico do jogo. Se o Futebol tem 6 momentos, só se pode aspirar à excelência sendo forte em todos eles”. O autor reforça que “Futebol não se define pelo enfoque que se dá a um estilo, mas sim pela capacidade e coerência que as equipas apresentam em todos os momentos que o jogo tem”. O autor (Azevedo, 2011), baseando-se em Garganta (1997), parece reforçar esta ideia, pois a propósito da modelação do jogo das equipas, descreve que esta “pode ser utilizada para promover a identificação de relações entre os eventos de jogo e os factores que afluem para a efectividade das equipas, isto é, na configuração de padrões de jogo que estejam associados aos factores de sucesso e insucesso nas equipas”.

Desta forma, o autor (Barbosa, 2014) refere que “constatámos a existência de diferentes formas de interpretação do jogo e, como tal, de o jogar”. No entanto o autor coloca a questão: “a percepção entre “o jogar bem e o jogar mal” relaciona-se directamente com o resultado obtido? Assumamos a ambiguidade da questão: o que é jogar bem?” Sentimos assim que não só o espectador comum, como muitos treinadores, associam o “jogar bem” como uma preferência por um determinado estilo de jogo, portanto remetendo o jogo para a sua dimensão estética. Da mesma forma que este pensamento separa eficiência de eficácia, a estética surge assim também isolada, como algo que se pode optar por ter ou não, de forma a agradar os espectadores e tornar o jogo um bom ou mau espectáculo.

Esta interpretação do jogo como arte, torna-se então subjectiva e relativa à individualidade, cultura e preferência pessoal de cada indivíduo que observa o fenómeno. Nesta perspectiva, o “jogar bem” não é discutível. Torna-se uma preferência pessoal, como alguém que prefere uma pintura impressionista ao invés de outra expressionista. Não é esta a nossa abordagem ao jogo, portanto para nós jogar bem tem um significado muito mais objectivo: o jogo de qualidade, sendo esta qualidade a que aproxime a equipa dos objectivos do jogo: marcar golo e não sofrer. Portanto, remete-nos para a eficiência. Se depois essa qualidade agrada o espectador, será então uma consequência.

Ainda noutra perspectiva, recordando (Maciel, 2011), “o Professor Vítor Frade refere-se ao trinómio Estética-Eficácia-Eficiência como o cerne do jogar de qualidade. E de facto assim é, a articulação bem conseguida entre estes três aspectos é determinante, é da melhor ou pior consecução do mesmo que emerge respectivamente um jogar de maior ou menor qualidade. Conforme referi, no Futebol há claramente um objectivo claro, vencer, ser eficaz portanto, mas perseguir esse intento deve despertar em quem joga e em quem vê jogar um determinado impacto e essa é a dimensão estética que o jogar deve contemplar. Além disso todos estes aspectos devem ser alcançados tendo por base uma identidade própria, a dimensão da eficiência tem a ver com esse apego a uma intencionalidade capaz de se manifestar regularmente e de forma a dar resposta satisfatória aos problemas colocados pelo jogo. A concretização deste trinómio é bastante complexa e difícil também, porque por vezes a interferência sobre uma das dimensões poderá ter implicações muito significativas nas demais. E uma vez mais, a calibragem de tudo isso faz parte da mestria do treinador. Não obstante da necessidade de pontualmente o treinador ter de aferir para tornar bem sucedida esta relação, penso que o jogar de qualidade se expressa pela seguinte máxima do Professor Vitor Frade e resulta do equilíbrio, feito nos limites entre “máxima redundância (a nível macro – princípios de jogo) e máxima variabilidade (a nível micro – plano dos detalhes)”. Conseguir isto é aspirar à concretização do Futebol elevado á sublimidade, mas implica um equilíbrio altamente dinâmico entre atacar defender e passar de um para o outro, fazendo-o na fronteira do caos tanto a nível colectivo como individual, pois é isso que me vai permitir não perda de identidade pela “máxima redundância” e não perda de criatividade pela “máxima variabilidade” de manifestação e de concretização ao nível das diferentes escalas que compõem a equipa aquando da tentativa de materializar tal identidade. Se assim for, e não é nada fácil, as equipas serão dominadoras e controladores, e fundamentalmente organizadas, capazes de entusiasmar multidões e de vencer com maior regularidade”.

Esta interpretação estética do jogo vai ao encontro da nossa, do jogar de qualidade, posicionando-se aqui correlacionada com uma cultura táctica de jogo elevada, que compreenda que uma equipa “dominadora e controladora” estará mais perto de ganhar, e que esse jogo de qualidade, será dessa forma potencialmente mais vitorioso. Esta interpretação sugere assim que esta é uma visão transversal no Futebol. No entanto a realidade transmite-nos uma leitura diferente. Parece-nos que o espectador comum mostra-se entediado com o jogo de uma equipa com essas características, que controlando e dominando surge sempre mais próxima de ganhar, provavelmente por retirar alguma imprevisibilidade ao jogo. O Barcelona de Guardiola foi um bom exemplo. O FC Porto de Vítor Pereira era outro exemplo, que inclusive gerou críticas aos próprios adeptos apesar do seu trajecto vitorioso. Em sentido contrário, o campeonato Inglês, no qual as equipas apresentam muitas deficiências tácticas, proporcionando um maior caos nos jogos e consequentemente uma enorme imprevisibilidade, parece ir ao encontro da preferência da maioria dos espectadores.

O autor (Maciel, 2012), defendia que “a gestualidade implicada num jogar de qualidade implica uma grande versatilidade, fluidez e disponibilidade corpórea, o que geralmente não acontece. Por este motivo as equipas além de revelarem baixa rotatividade, independentemente de poderem ter carros de alta cilindrada, jogam também pelas adaptações biomecânicas associadas, com o travão de mão puxado, uma vez que a manifestação e vivenciação (em treino e competição) de um jogar em baixa rotação tem subjacente um padrão gestual contraproducente, robotizado, sem variabilidade de ritmos, de velocidades e de padrão gestual e por isso mesmo torna-se mais previsível, hipotecando assim a interacção bem sucedida da tríade EstéticaEficáciaEficiência“. Hoje contudo, reconhecendo-se o erro e talvez na ânsia de caminhar no sentido inverso, sentimos que se caiu no exagero oposto: excessiva “rotação”, aceleração permanente desses “carros de alta cilindrada”, uso raro do travão, conduzindo igualmente a esse jogar robotizado, sem variabilidade de ritmos, de velocidades e de padrão gestual e por isso mesmo torna-se mais previsível”. Tal como as nossa vidas o jogo tornou-se impaciente, tornou-se precipitado, tornou-se no fundo… pressa.

Sentimos que aqui residirá um futuro potencial problema no jogo. Será que a sua evolução táctica afastará o espectador tradicional do jogo? Porém, pensando em termos antropológicos, a preferência actual por um jogo mais rápido na perspectiva da execução e do deslocamento, tornando a intensidade física uma referência, estará influenciada quer em espectadores quer em muitos treinadores, por influências sociais de semelhantes características exercidas no plano geral das nossas vidas. Mesmo que de forma não linear, supondo que evoluiremos para uma sociedade diferente, que substituirá o fazer em quantidade e depressa pelo fazer com qualidade e no tempo certo, provavelmente a perspectiva sobre o jogo também se alterará. Desta forma, a preferência geral pelo estilo de jogo tenderá também a modificar-se no mesmo sentido. Mas esta é a grande dúvida que se apresenta. Se de facto caminhamos nessa direcção.

Assim, construir um modelo de jogo e por sua vez o “jogar” é, segundo Morcillo, citado por (Moreno, 2009), um tratado de Táctica, “fazendo coincidir a ordem com o caos, a estética com a eficácia, o talento com a responsabilidade”. Nós acrescentamos… e um acto de coragem, pois a opção pela qualidade de jogo implica enfrentar uma mentalidade bem diferente, que neste momento se institucionalizou no jogo.

“Onze sintonizados

p’las mesmas ideias,

com comportamentos diferenciados

se p’los morfociclos planeias,

Redundância e variabilidade

maximizados…

Fazendo emergir a identidade

e jogadores não amestrados.”

(Frade, 2014)