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Filme

Filme - Arrival (2016)

Com naturalidade, a primeira questão será que ligação um filme, eminentemente de ficção científica, tem com o futebol? A resposta está desde logo na essência do argumento e na perspectiva de que existe uma relação entre tudo. De que a realidade, ou melhor, a realidade de cada um de nós, é toldada pela interacção de uma infinidade de fenómenos, muitos dos quais, provavelmente mesmo a maior parte, que não compreendemos dado o nosso momento evolutivo. Tempo, espaço, linguagem, sentimentos. Arrival procura portanto explorar a complexidade de forma incrivelmente profunda.

Edgar Morin, um dos principais pensadores da complexidade, citado pela (Wikipédia, 2012) descreve que “à primeira vista, a complexidade (complexus: o que é tecido em conjunto) é um tecido de constituintes heterogéneos inseparavelmente associados: coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. Na segunda abordagem, a complexidade é efectivamente o tecido de acontecimentos, acções, interacções, retroacções, determinações, acasos, que constituem o nosso mundo fenomenal. Mas então a complexidade apresenta-se com os traços inquietantes da confusão, do inextricável, da desordem, da ambiguidade, da incerteza… Daí a necessidade, para o conhecimento, de pôr ordem nos fenómenos ao rejeitar a desordem, de afastar o incerto, isto é, de seleccionar os elementos de ordem e de certeza, de retirar a ambiguidade, de clarificar, de distinguir, de hierarquizar… Mas tais operações, necessárias à inteligibilidade, correm o risco de a tornar cega se eliminarem os outros caracteres do complexus; e efectivamente, como o indiquei, elas tornam-nos cegos”. A ideia de que o futebol, à sua dimensão, pela infinidade de interações que promove, constitui-se como um fenómeno que representa essa complexidade, parece-nos hoje clara. Ideia que durante muito tempo, e ainda hoje, é repelida pela natural dificuldade na sua compreensão, consequência da forma como foi construída a nossa consciência. Coincidentemente, este será um tema que abordaremos em breve.

No mesmo plano, das múltiplas ideias que o filme aborda, a perspectiva que deixa sobre a comunicação e a linguagem parece-nos muito interessante pensando no futebol, genética, influência do meio, pensamento divergente e talento. Fomos educados, aprendemos e crescemos sob perspectivas lineares e redutoras da realidade. Consequentemente, o nosso pensamento e consciência, seguem a mesma linha. Assim, na abordagem do filme, as linguagens comuns são também elas construções desse pensamento linear e condicionam a nossa forma de pensar. Uma linguagem complexa, como a imaginada no argumento, fazendo interagir diferentes fenómenos e valências, estimularia o nosso cérebro, levando-o a outra percepção da realidade. Uma consciência guiada por sentimentos, superando as barreiras do espaço e do tempo seria com certeza um passo mais à frente na nossa evolução.

Esta ideia lembrou-nos uma parte de uma das apresentações de Sir Ken Robinson. Quando demonstra que à nascença todas as crianças têm uma enorme apetência para o pensamento divergente, e que a sua aquisição cultural, vai progressivamente condicionando negativamente e subtraindo esta qualidade.

As implicações desta ideia no futebol são tremendas. Para já deixamos ao “pensamento divergente” de cada um de vocês, o seu desenvolvimento. No entanto, lembramos a eterna questão sobre influência genética e influência do meio no talento. A perspectiva que o filme traz e o pensamento de Robinson empurram-nos cada vez mais para o papel decisivo do meio no desenvolvimento do talento no jovem praticante de futebol, nomeadamente naquele que está a ter os primeiros contactos com o jogo. Ideia reforçada pela nossa convicção na importância do papel da decisão e criatividade no jogo e sobre a qualidade de execução na sua profunda ligação à decisão e a diferentes estados emocionais. Esta perspectiva refuta assim a codificação genética das competências técnicas, assumindo-as portanto como uma construção cultural.

“Cada vez maior o convencimento de que os conceitos de que normalmente nos servimos para conceber a «REALIDADE» estão mutilados e conduzem a acções inevitavelmente mutiladoras.”

(Frade, 1985)