“Algumas pessoas satisfazem-se com o que já sabem, é como se seu conhecimento coubesse numa piscina. Dão algumas braçadas para um lado, outras braçadas para o outro, agarram-se às bordas e tocam o fundo com os pés: sentem-se seguras nessa amplitude restrita. Mas nada como mergulhar num mar do conhecimento sem fim, onde não há limites, a profundidade é oceânica e a ideia é nadar sem chegar à terra firme, simplesmente manter-se em movimento. Cansa, mas também revitaliza.”
Martha Medeiros, citada por (Casarin, et al., 2013)
O tema não é novo. Noutros artigos já abordámos superficialmente o assunto e já tencionávamos explorá-lo no futuro com outra profundidade. Uma discussão de âmbito internacional, que se iniciou no twitter de um treinador alemão e que passou para um forúm levou-nos a fazê-lo neste momento. Naturalmente, é-nos impossível e também não é objectivo do projecto abordar todas as discussões interessantes sobre futebol que vão acontecendo na televisão ou internet. A relevância deste assunto, prende-se, para nós, com a confusão geral em que mergulhou, em trabalhos académicos e entre treinadores e jogadores, tal como o próprio tópico da discussão ilustra. Deste modo, o assunto assume especial importância uma vez que se trata de entendimento e conhecimento do jogo, portanto, questões fundamentais no papel do treinador.
A situação de jogo passou-se no jogo Magdeburg x Holstein Kiel da segunda divisão alemã. A discussão gerou-se sobre se a situação de jogo configurava uma situação de contra-ataque ou não. Para mais, porque segundo o autor do tweet, o próprio treinador do Magdeburg a descreveu como um contra-ataque.
É ainda recorrente, um treinador, jogador, ou analista referir “contra-ataque e ataque rápido”, a propósito de uma só situação de jogo, como se ambas as expressões descrevessem o mesmo. Se fosse esse o caso, uma delas seria redundante.
A confusão poderá resultar do entendimento clássico do jogo, também transmitido nos cursos de treinadores de Futebol e nas aulas de Futebol da maioria das Universidades, o qual contemplava apenas dois momentos (fases), a ofensiva, e a defensiva. Consequentemente, sugeriam-se métodos de jogo para cada um dos momentos. De uma forma geral, no momento (fase) defensiva surgiam por exemplo a “defesa individual”, a “defesa mista” e a “defesa zona”. No momento (fase) ofensivo, o “ataque organizado ou posicional”, o “ataque rápido” e o “contra-ataque”. O autor (Castelo, 1994), explica que um método de jogo “exprime a forma geral de organização das acções dos jogadores tanto no Ataque como na Defesa estabelecendo princípios de circulação e de colaboração no seio de um dispositivo de base (sistema de jogo) previamente estabelecido”.
A questão, é que não se compreendendo o jogo e as diferenças entre os vários métodos, tende-se a procurar um entendimento simples de algo que na realidade não o é. Assim, sendo a velocidade das acções um traço comum e evidente entre as situações de contra-ataque e de ataque rápido, vão-se colocando, ambas, muitas vezes no mesmo “saco”. Um exemplo foram vários trabalhos académicos realizados em torno deste tema, que também seguiram o mesmo entendimento, colocando o contra-ataque e o ataque rápido logo após a recuperação da bola e distinguindo-os, por exemplo, através de critérios quantitativos como tempo de duração e número de passes realizados. Se por um lado, dados quantitativos possam levar a uma leitura e interpretação redutora da realidade, por outro, o maior problema desta distinção é que está principalmente focada em acções da própria equipa, quando estamos perante um jogo, que enquanto tal, sustenta-se na interacção entre duas equipas, e sendo assim, a decisão de como atacar passará muito pela forma como o adversário se encontra em determinado momento do jogo.
E devemos acrescentar que a questão não passa pelo entendimento que cada um de nós tem destes conceitos. Portanto, nada melhor que percebermos o léxico utilizado para identificar os dois métodos. Se um contra-ataque pressupõe uma acção “contrária ao ataque”, é fácil entender que o mesmo surge, inevitavelmente, após recuperação da bola ao ataque adversário. Por outro lado, ataque rápido, indica-nos uma situação em que, durante o ataque, portanto durante o momento ofensivo, a equipa deu velocidade ao seu jogo com o objectivo de chegar rapidamente a uma situação de finalização.
A evolução do entendimento do jogo para o ciclo dos quatro momentos, o qual adoptamos, vem clarificar esta questão. Assim, no domínio teórico, com o aparecimento dos momentos de transição, os dois métodos separam-se automaticamente, surgindo o contra-ataque no momento de transição ofensiva e o ataque-rápido no momento organização ofensiva. Contudo, esta teorização do jogo tem obrigatoriamente fundamento na prática. Como já referimos no passado, surgiu-nos como necessidade prático-teórica, a evolução da sistematização do jogo, sendo a clarificação destes conceitos, um bom exemplo desta necessidade.
A nossa perspectiva integra o contra-ataque como um sub-momento, opcional, da transição ofensiva. Opcional, porque, após o sempre presente sub-momento “reacção ao ganho”, ou seja o momento da recuperação de bola, a equipa pode decidir por contra-atacar ou valorizar / manter a posse de bola e entrar em organização ofensiva. O contra-ataque, antecedido então por recuperação da bola, surge quando a equipa procura atacar a baliza adversária, dada uma configuração de jogo favorável em espaço e / ou número. De forma a aproveitar as circunstâncias vantajosas, naturalmente que a equipa tem de ser rápida nas suas acções.
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As equipas escolhidas para ilustrar as diferentes situações não foram inocentes. Sento o Manchester City de Pep Guardiola, muitas vezes catalogada como uma equipa de posse, a verdade é que sempre que o jogo lhe fornece um contexto para contra-atacar, a equipa fá-lo com uma qualidade incrível. Nesta situação de Transição Ofensiva, apesar do muito tempo entre a recuperação e o contra-ataque, a equipa adversária optou por permanecer no sub-momento, reacção à perda da bola, procurando recuperá-la nesse timing, assim, não se reorganizou para defender e acabou por permitir espaços de circulação e penetração para o City chegar à tal situação favorável de espaço, e neste caso, também número, para desenvolver o contra-ataque.
O ataque rápido surge-nos, para nós, como um meio / recurso / método, no sub-momento de criação da organização ofensiva. Não sendo antecedido de recuperação de bola, caso contrário, seria o mesmo que o contra-ataque, o ataque rápido surge, quando, no momento de organização ofensiva, a equipa, encontra, por mérito em construção ou demérito adversário em impedir essa construção, uma condição favorável em espaço e / ou número para criar uma situação de finalização. Pelas mesmas razões que o contra-ataque, também nesta situação a equipa também tem que ser rápida nas suas acções.
Análise de (Pedro Bouças, 2017) no Lateral Esquerdo.
O Liverpool de Jürgen Klopp, também muitas vezes catalogada de uma equipa de contra-ataque, chega nas duas situações ilustradas, em Organização Ofensiva, precisamente em construção pela sua primeira linha, a um espaço entre-linhas onde encontrou a tal condição favorável em espaço e / ou número para criar duas situações de finalização.
Ambos os comportamentos constituem-se também como invariantes, ou seja, surgem no jogo, independentemente das ideias desenvolvidas por cada equipa. São no fundo um exemplo de fractais que o jogo de Futebol produz. A sua proporção, no número de vezes em que ocorrem, é que em função dessas ideias, se torna diferente de equipa para equipa.
E podem ainda, em cada caso concreto, ser avaliadas do ponto de vista da sua eficiência, eficácia e mesmo estética. Portanto, se um ataque-rápido, ou um contra-ataque foi decidido de forma inteligente, ou então se os mesmos se identificam como erros de decisão, possivelmente influenciados por uma vertigem cultural, muitas vezes quase permanente, para a velocidade das acções, independentemente da configuração do jogo. Porém, por outro lado, vai surgindo cada vez mais, o exemplo oposto. Equipas tão obcecadas com uma suposta cultura de posse de bola, que muitas vezes, e excluímos desta leitura determinados momentos estratégicos nos jogo, estando perante condições favoráveis para decidir um contra-ataque ou um ataque rápido, decidem, de forma pouco inteligente manter a posse e circulação da bola.
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A situação discutida, como o video identifica, coloca o Holstein Kiel, após ganhar o jogo aéreo de uma bola proveniente do Guarda-Redes adversário, num primeiro momento da Transição Ofensiva, assim, em reacção ao ganho da bola. Após sair da zona de pressão, a equipa não tem possibilidade de decidir o contra-ataque e opta pela valorização da posse de bola, tanto, que acaba mesmo a circulá-la pelo seu Guarda-Redes, surgindo assim, tempo e espaço para o adversário se reorganizar para defender. A equipa entra então em Organização Ofensiva. Perante a pressão alta adversária, o Guarda-Redes, optando por um passe longo no corredor lateral, acaba por conseguir chegar ao jogo entre-linhas e propiciar à equipa, a tal condição favorável em espaço e / ou número para criar uma situação de finalização. É o que sucede: a equipa dá velocidade ao seu jogo, chegando à profundidade e ao golo. Nestas circunstâncias, a partir do momento em que a bola entra entre-linhas, num atacante enquadrado com a baliza adversária, é portanto uma situação de ataque rápido.
Insistimos que não estamos perante um “tão só” problema de terminologia e muito menos de semântica. Entender o jogo é a base para entender o seu treino e a base para transmitir qualquer ideia a uma equipa. Paralelamente, a organização dos exercícios de treino, ou a análise de jogo, são outros bons exemplos da sua pertinência.
“(…) mesmo no jogo mais rápido há trabalho de casa, e há inteligência. Porque ser inteligente é explorar a forma mais rápida de chegar à baliza adversária em boas condições. A grande questão, é que na maioria das vezes, lá chegar com boas condições demora demasiado e exige mais elaboração e paciência. Quando não é o caso, tudo óptimo em relação a quem faz rápido, e com boas probabilidades de sucesso.”
(Pedro Bouças, 2018)