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Exercício A-3OO2A

Adicionamos aos conteúdos Saber Sobre o Saber Treinar, especificamente ao Programa de Treino, a apresentação do Exercício A-3OO2A. Como referido, no Programa de Treino, o exercício Exercício A-3OO2A situa-se no primeiro Ciclo Semanal (A) dos quatro que o compõem, terceira sessão de treino (-3), objectivo de Organização Ofensiva (OO), segunda parte da sessão (2) e exercício (A) dessa parte. Exercício que tem por objectivos os sub-momentos de Construção, Criação e Reação à perda (articulação com a Transição Defensiva) e os princípios de Equilíbrio defensivo em construção, Saída de jogo do GR, Decisão pelo ataque rápido, Construção pela primeira linha, Construção no corredor central, Construção no corredor lateral.

“Estas formas modificadas de jogo procuram no entanto preservar os seus ingredientes específicos, apelando à utilização das habilidades em situações-problema. Pela redução do número de jogadores envolvidos, pela restrição das zonas de acção, inclusive pela delimitação do quadro de possibilidades, podemos estabelecer um contexto que simplifique a leitura das situações, sem que no entanto se prescreva de forma estereotipada o que os alunos terão de fazer (Mertens & Musch, 1990; Graça, 1998; Duarte, 2004).”

(Ricardo Duarte et. al., 2006)

O contra-ataque, e… ou melhor… ou, o ataque rápido

“Algumas pessoas satisfazem-se com o que já sabem, é como se seu conhecimento coubesse numa piscina. Dão algumas braçadas para um lado, outras braçadas para o outro, agarram-se às bordas e tocam o fundo com os pés: sentem-se seguras nessa amplitude restrita. Mas nada como mergulhar num mar do conhecimento sem fim, onde não há limites, a profundidade é oceânica e a ideia é nadar sem chegar à terra firme, simplesmente manter-se em movimento. Cansa, mas também revitaliza.”

Martha Medeiros, citada por (Casarin, et al., 2013)

O tema não é novo. Noutros artigos já abordámos superficialmente o assunto e já tencionávamos explorá-lo no futuro com outra profundidade. Uma discussão de âmbito internacional, que se iniciou no twitter de um treinador alemão e que passou para um forúm levou-nos a fazê-lo neste momento. Naturalmente, é-nos impossível e também não é objectivo do projecto abordar todas as discussões interessantes sobre futebol que vão acontecendo na televisão ou internet. A relevância deste assunto, prende-se, para nós, com a confusão geral em que mergulhou, em trabalhos académicos e entre treinadores e jogadores, tal como o próprio tópico da discussão ilustra. Deste modo, o assunto assume especial importância uma vez que se trata de entendimento e conhecimento do jogo, portanto, questões fundamentais no papel do treinador.

A situação de jogo passou-se no jogo Magdeburg x Holstein Kiel da segunda divisão alemã. A discussão gerou-se sobre se a situação de jogo configurava uma situação de contra-ataque ou não. Para mais, porque segundo o autor do tweet, o próprio treinador do Magdeburg a descreveu como um contra-ataque.

É ainda recorrente, um treinador, jogador, ou analista referir “contra-ataque e ataque rápido”, a propósito de uma só situação de jogo, como se ambas as expressões descrevessem o mesmo. Se fosse esse o caso, uma delas seria redundante.

A confusão poderá resultar do entendimento clássico do jogo, também transmitido nos cursos de treinadores de Futebol e nas aulas de Futebol da maioria das Universidades, o qual contemplava apenas dois momentos (fases), a ofensiva, e a defensiva. Consequentemente, sugeriam-se métodos de jogo para cada um dos momentos. De uma forma geral, no momento (fase) defensiva surgiam por exemplo a “defesa individual”, a “defesa mista” e a “defesa zona”. No momento (fase) ofensivo, o “ataque organizado ou posicional”, o “ataque rápido” e o “contra-ataque”. O autor (Castelo, 1994), explica que um método de jogo “exprime a forma geral de organização das acções dos jogadores tanto no Ataque como na Defesa estabelecendo princípios de circulação e de colaboração no seio de um dispositivo de base (sistema de jogo) previamente estabelecido”.

A questão, é que não se compreendendo o jogo e as diferenças entre os vários métodos, tende-se a procurar um entendimento simples de algo que na realidade não o é. Assim, sendo a velocidade das acções um traço comum e evidente entre as situações de contra-ataque e de ataque rápido, vão-se colocando, ambas, muitas vezes no mesmo “saco”. Um exemplo foram vários trabalhos académicos realizados em torno deste tema, que também seguiram o mesmo entendimento, colocando o contra-ataque e o ataque rápido logo após a recuperação da bola e distinguindo-os, por exemplo, através de critérios quantitativos como tempo de duração e número de passes realizados. Se por um lado, dados quantitativos possam levar a uma leitura e interpretação redutora da realidade, por outro, o maior problema desta distinção é que está principalmente focada em acções da própria equipa, quando estamos perante um jogo, que enquanto tal, sustenta-se na interacção entre duas equipas, e sendo assim, a decisão de como atacar passará muito pela forma como o adversário se encontra em determinado momento do jogo.

E devemos acrescentar que a questão não passa pelo entendimento que cada um de nós tem destes conceitos. Portanto, nada melhor que percebermos o léxico utilizado para identificar os dois métodos. Se um contra-ataque pressupõe uma acção “contrária ao ataque”, é fácil entender que o mesmo surge, inevitavelmente, após recuperação da bola ao ataque adversário. Por outro lado, ataque rápido, indica-nos uma situação em que, durante o ataque, portanto durante o momento ofensivo, a equipa deu velocidade ao seu jogo com o objectivo de chegar rapidamente a uma situação de finalização.

A evolução do entendimento do jogo para o ciclo dos quatro momentos, o qual adoptamos, vem clarificar esta questão. Assim, no domínio teórico, com o aparecimento dos momentos de transição, os dois métodos separam-se automaticamente, surgindo o contra-ataque no momento de transição ofensiva e o ataque-rápido no momento organização ofensiva. Contudo, esta teorização do jogo tem obrigatoriamente fundamento na prática. Como já referimos no passado, surgiu-nos como necessidade prático-teórica, a evolução da sistematização do jogo, sendo a clarificação destes conceitos, um bom exemplo desta necessidade.

A nossa perspectiva integra o contra-ataque como um sub-momento, opcional, da transição ofensiva. Opcional, porque, após o sempre presente sub-momento “reacção ao ganho”, ou seja o momento da recuperação de bola, a equipa pode decidir por contra-atacar ou valorizar / manter a posse de bola e entrar em organização ofensiva. O contra-ataque, antecedido então por recuperação da bola, surge quando a equipa procura atacar a baliza adversária, dada uma configuração de jogo favorável em espaço e / ou número. De forma a aproveitar as circunstâncias vantajosas, naturalmente que a equipa tem de ser rápida nas suas acções.

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/357574801751102/

As equipas escolhidas para ilustrar as diferentes situações não foram inocentes. Sento o Manchester City de Pep Guardiola, muitas vezes catalogada como uma equipa de posse, a verdade é que sempre que o jogo lhe fornece um contexto para contra-atacar, a equipa fá-lo com uma qualidade incrível. Nesta situação de Transição Ofensiva, apesar do muito tempo entre a recuperação e o contra-ataque, a equipa adversária optou por permanecer no sub-momento, reacção à perda da bola, procurando recuperá-la nesse timing, assim, não se reorganizou para defender e acabou por permitir espaços de circulação e penetração para o City chegar à tal situação favorável de espaço, e neste caso, também número, para desenvolver o contra-ataque.

O ataque rápido surge-nos, para nós, como um meio / recurso / método, no sub-momento de criação da organização ofensiva. Não sendo antecedido de recuperação de bola, caso contrário, seria o mesmo que o contra-ataque, o ataque rápido surge, quando, no momento de organização ofensiva, a equipa, encontra, por mérito em construção ou demérito adversário em impedir essa construção, uma condição favorável em espaço e / ou número para criar uma situação de finalização. Pelas mesmas razões que o contra-ataque, também nesta situação a equipa também tem que ser rápida nas suas acções.

Análise de (Pedro Bouças, 2017) no Lateral Esquerdo.

O Liverpool de Jürgen Klopp, também muitas vezes catalogada de uma equipa de contra-ataque, chega nas duas situações ilustradas, em Organização Ofensiva, precisamente em construção pela sua primeira linha, a um espaço entre-linhas onde encontrou a tal condição favorável em espaço e / ou número para criar duas situações de finalização.

Ambos os comportamentos constituem-se também como invariantes, ou seja, surgem no jogo, independentemente das ideias desenvolvidas por cada equipa. São no fundo um exemplo de fractais que o jogo de Futebol produz. A sua proporção, no número de vezes em que ocorrem, é que em função dessas ideias, se torna diferente de equipa para equipa.

E podem ainda, em cada caso concreto, ser avaliadas do ponto de vista da sua eficiência, eficácia e mesmo estética. Portanto, se um ataque-rápido, ou um contra-ataque foi decidido de forma inteligente, ou então se os mesmos se identificam como erros de decisão, possivelmente influenciados por uma vertigem cultural, muitas vezes quase permanente, para a velocidade das acções, independentemente da configuração do jogo. Porém, por outro lado, vai surgindo cada vez mais, o exemplo oposto. Equipas tão obcecadas com uma suposta cultura de posse de bola, que muitas vezes, e excluímos desta leitura determinados momentos estratégicos nos jogo, estando perante condições favoráveis para decidir um contra-ataque ou um ataque rápido, decidem, de forma pouco inteligente manter a posse e circulação da bola.

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/328786711315222/

A situação discutida, como o video identifica, coloca o Holstein Kiel, após ganhar o jogo aéreo de uma bola proveniente do Guarda-Redes adversário, num primeiro momento da Transição Ofensiva, assim, em reacção ao ganho da bola. Após sair da zona de pressão, a equipa não tem possibilidade de decidir o contra-ataque e opta pela valorização da posse de bola, tanto, que acaba mesmo a circulá-la pelo seu Guarda-Redes, surgindo assim, tempo e espaço para o adversário se reorganizar para defender. A equipa entra então em Organização Ofensiva. Perante a pressão alta adversária, o Guarda-Redes, optando por um passe longo no corredor lateral, acaba por conseguir chegar ao jogo entre-linhas e propiciar à equipa, a tal condição favorável em espaço e / ou número para criar uma situação de finalização. É o que sucede: a equipa dá velocidade ao seu jogo, chegando à profundidade e ao golo. Nestas circunstâncias, a partir do momento em que a bola entra entre-linhas, num atacante enquadrado com a baliza adversária, é portanto uma situação de ataque rápido.

Insistimos que não estamos perante um “tão só” problema de terminologia e muito menos de semântica. Entender o jogo é a base para entender o seu treino e a base para transmitir qualquer ideia a uma equipa. Paralelamente, a organização dos exercícios de treino, ou a análise de jogo, são outros bons exemplos da sua pertinência.

“(…) mesmo no jogo mais rápido há trabalho de casa, e há inteligência. Porque ser inteligente é explorar a forma mais rápida de chegar à baliza adversária em boas condições. A grande questão, é que na maioria das vezes, lá chegar com boas condições demora demasiado e exige mais elaboração e paciência. Quando não é o caso, tudo óptimo em relação a quem faz rápido, e com boas probabilidades de sucesso.”

(Pedro Bouças, 2018)

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