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Início de trabalho numa nova equipa

Publicamos um novo sub-tema na área Metodologia.No âmbito do planeamento abordamos o Início de trabalho numa nova equipa.

“não é a mesma coisa treinar uma equipa que ganhou tudo na ultima época e treinar outra que não ganhou nada, porque para um treinador que chega numa equipa que ganhou tudo jogando de determinada forma, porque é que os jogadores irão querer seguir por um caminho diferente com outro treinador? Porque é que o Del Neri se foi embora quando veio para o FC Porto?! Tinha estado cá o Mourinho, tinham ganho tudo, campeões europeus e não sei quê, e eram os mesmos jogadores e então eles próprios… cá está, o modelo de jogo é tudo… eles estavam contrariados e «rejeitavam» e por isso nem começou o campeonato. Eles até tiravam os paralelepípedos das rampas com a quantidade de repetições que faziam! E os jogadores entre eles diziam assim, “então, nós ganhamos tudo e não precisámos de andar a fazer isto, nunca fomos para ginásios, era só bola, que é aquilo que a gente gosta e éramos melhores que os outros e ganhámos, e agora vamos ter que fazer estas merdas?! É evidente que estava tudo com cara de azedo até que a coisa partiu e o presidente teve que mandar o homem embora. E ele não tem prestigio?! Não tem curriculum? Não tem feito coisas?! Agora se calhar, tendo em conta uma questão que você me colocou, chegou aqui e «qual é esta cultura, alto lá que eu aqui se calhar com estes gajos… então como é e se calhar até sou eu que estou enganado ou se calhar, não, vamos «conflituar»… Percebe?!”

Vítor Frade, em entrevista a (Xavier Tamarit 2013)

A entrevista de Kökçü, mas em… bom. Bruno Fernandes exemplifica.

“As premissas são fundamentais para uma equipa ganhadora: primeiro está a equipa, depois a equipa e só depois… a equipa; nenhum jogador está acima do colectivo; o aproveitamento do talento individual faz todo o sentido, desde que este beneficie o colectivo; os jogadores são todos diferentes, contribuem para o colectivo de forma diferenciada mas esse contributo visa sempre os interesses colectivos; a organização colectiva é o pilar fundamental no sucesso.”

(Carlos Carvalhal, 2010)

Na polémica recente entrevista de Orkun Kökçü, a qual para já lhe valeu por decisão de Roger Schmidt a ausência da convocatória no último jogo, o jogador turco procurava manifestar alguns sentimentos e opiniões sobre as funções que tem desempenhado na actual equipa do Benfica. Muito haveria a reflectir sobre tudo isto, desde a liderança, a coesão e o entrosamento da equipa e a sua involução perante o desempenho que mostrou em grande parte da época passada, a intenção prévia – a Ideia e o que de facto se passa – o Modelo, as reais funções de alguns jogadores, as diferenças culturais entre o campeonato holandês e o português, entre outra infinidade de temas que nos são visíveis. No entanto, haverão muitos mais que ficam para lá do que nos é possível observar, e sendo uma equipa um sistema complexo, qualquer deles pode ter sido decisivo para que o actual contexto e desfecho tenha sido este. Deste modo, uma opinião sólida sobre o problema Kökçü parece-nos muito arriscada e com grande potencial de falibilidade.

Porém, num plano geral, incontornáveis tornam-se o conteúdo e a forma como a entrevista foi dada, uma vez que não nos parece que o problema tenha sido a tradução. E não o timing como várias vezes já foi referido. Até porque damos o exemplo de outra entrevista de timing idêntico, em que toca no contexto de uma equipa que apresenta ainda menor rendimento e simultaneamente maior investimento. No entanto, nesse caso as ideias são passadas de forma clara e respeitosa perante a liderança do seu treinador e clube. Mas a maior coincidência serão mesmo os actuais papéis e características idênticas dos dois jogadores nas respectivas equipas. Pese a relatividade da comparação. Referimo-nos à entrevista de Bruno Fernandes, publicada nestes dias no jornal A Bola.

À pergunta de Luís Mateus sobre o actual papel de Bruno Fernandes como Avançado, por vezes sozinho até, o jogador portugês refere:

não é a falso 9. Não faço esses movimentos. Os que faço não são de um falso 9 porque não estou muito habituado. Tento ao máximo fazer aqueles movimentos que o treinador quer. Ele também me pede para baixar, porque as minhas qualidades não são de estar ali na última linha e lutar com os centrais, embora possa e tente fazê-lo ao máximo quando é preciso e a equipa necessita. Já joguei, no entanto, sobretudo na época passada com o mister Ten Hag, mais baixo. Inclusive, contra o Everton, joguei a 6 e ainda acho que foi dos jogos mais completos que fiz, a todos os níveis. A nível do passe, da organização de jogo, defensivo, táctico… Tenho um pouco na minha cabeça que vou acabar a carreira mais para trás, porque toda a gente que aí começou e passou para 10 acabou por recuar no campo no final. É uma posição de que gosto, jogar mais baixo, mais de frente para o jogo. Com bola, facilita muito o meu jogo porque tenho uma visão mais ampla do jogo e ideal para aquilo que falámos do último passe… que pode, por vezes, sair de mais baixo no terreno. O jogo com o Everton foi aquele em que mais ocasiões de golo criei mesmo jogando mais baixo e não jogando como 10.”

(Bruno Fernandes, 2024)

Sublinhamos o elogio a Bruno Fernandes. Já no passado, em várias entrevistas, mostrou na esfera do consciente a riqueza do seu conhecimento do jogo. O tal saber sobre o saber jogar, o apetite pelo conhecimento e a importância que dá a tudo isso para se tornar melhor jogador e contribuir para uma melhor equipa. No final da entrevista acaba por referir isso mesmo. E independentemente de abordar o actual jogo do Manchester United, o seu papel e as suas características, fê-lo sem desrespeitar a liderança do seu treinador.

Com a evolução que o jogo e os jogadores manifestaram, actualmente não é admissível esperar e exigir dos jogadores total silêncio sobre a visão dos seus papéis, respectivas equipas, expectativas, ideias e até evolução do jogo. Se no passado eram alvo de crítica pela ausência, precisamente, de pensamento crítico, hoje, a condenação do mesmo não será coerente, nem será esse o caminho para a evolução das equipas e do jogo. Aliás, era precisamente esse o elogio que o selecionador português realizava num excerto de uma entrevista que publicámos há alguns dias atrás relativamente ao que encontrou no jogador português. E tal como Bruno Fernandes o demonstra.

Desta forma, neste momento o desafio é colocado à liderança de treinadores e clubes. Contudo, não no sentido da autocracia e autoritarismo. Mas sim pela construção de uma liderança pela competência, pelo exemplo, integrada, servidora, transformacional, mas claro, justa e assertiva. Até porque, também de acordo com diversos treinadores e autores, cremos que será nesse tipo de relação e contexto que será não só possível retirar o máximo potencial dos jogadores, mas também proporcionar o ambiente ideal para que emerja a criatividade. E que eduque e balize, o conhecimento e a comunicação dos jogadores com o exterior, até porque daí também se podem recolher dividendos. Hoje um jogador também é mais valorizado quando demonstra o conhecimento que por exemplo Bruno Fernandes demonstra. Uma vez mais, estamos perante um sistema complexo, onde em qualquer dimensão podemos acrescentar ou subtrair, tendo em conta a meta que almejamos: o rendimento.

“A geração que está, e quando digo geração estou a pensar nos que têm 17 e 39 anos, é formada por jogadores com cultura táctica tão grande que quando falam é uau! É incrível. Têm uma linguagem, conhecimento e uma mentalidade completamente diferente.”

(Vítor Matos, 2024)

Agora, algo que dificilmente retrocederá será a evolução que, o contexto geral e os jogadores em particular registaram. Não são por acaso as palavras de Roberto Martínez e não será também por acaso o actual sucesso do jogador português no panorama do Futebol Mundial e consequentemente a riqueza de qualidade individual que a nossa selecção neste momento dispõe. E sublinhamos: perante um país pequeno do ponto de vista populacional, dos seus recursos e com vários problemas e desafios sociais pela frente.

“A nossa matéria-prima é aquilo que temos entre as orelhas.”

(Agostinho da Silva)

“perhaps the most delightful example in the pre-internet era of a manager communicating in this way came from Brian Clough”

“perhaps the most delightful example in the pre-internet era of a manager communicating in this way came from Brian Clough at Nottingham Forest. He had noticed more bad language than ever coming from the home supporters. One day, arriving for a home game, the supporters were greeted by a hand-written sign: ‘Gentlemen. No swearing, please. Brian.’ The swearing is reputed to have stopped almost the same day. In the intense relationship between manager and fans, simple messages can have a massive impact.”

(Mike Carson, 2013)

Competência do treinador [Subscrição Anual]

“A sorte é quando a competência encontra a oportunidade.”

(Elmer Letterman)

 

 

Publicamos um novo tema. Desta vez publicamos sobre a Competência do Treinador. Por vezes algo pouco claro e abstracto, aqui procuraremos identificar o que de facto traz competência a um Treinador de Futebol.

O tema Competência do Treinador, no nosso trabalho, situa-se em:

Este tema é constituído pelos seguintes capítulos:

  1. A sorte na competência ou… a competência na sorte?
  2. Uma missão concreta, porém… desafiadora
  3. Compreender a tão aclamada… competência
  4. As qualidades que alicerçam a competência
  5. A competência enquanto um todo complexo
  6. A competência, o rendimento e o resultado
  7. A competência e a comunicação

Deixamos alguns excertos do tema Competência do Treinador.

Perante tal complexidade do fenómeno, engana-se redondamente aquele que pensa que a função do treinador de Futebol é básica e simples, como por vezes assistimos nos meios de comunicação social. Em determinada fase da evolução do jogo, estava mesmo difundida a ideia errada de que o treinador era apenas uma mera peça na “engrenagem” da equipa, dependendo o seu trabalho de forma quase exclusiva da qualidade dos seus jogadores, e que podia facilmente ser substituído por outro seu par. Os autores (Jordi Urbea, et al., 2012), descrevem que “Pep Guardiola e o Barça, e Mourinho e o Real Madrid deram importância ao que representou Helenio Herrera relativamente à forma de influenciar e revolucionar o mundo dos bancos de suplentes. Não foram os únicos, mas a sua projecção mediática ajudou a que hoje já não se olhe para um técnico como uma pessoa que fala em público e coloca onze jogadores em campo. Não. Agora entendemos que os mesmos jogadores alcançam resultados diferentes com treinadores diferentes. Teria o Barcelona ganho seis títulos na mesma época sem Guardiola? Teria o FC Porto sido capaz de ganhar a Liga dos Campeões sem Mourinho? Teria a Espanha ganho o Mundial sem Vicente del Bosque? Ou o Europeu sem Luis Aragonés? Não, seguramente que não”. Assim, ao longo de várias décadas, acentuando-se nos últimos anos, assistimos a lideranças técnicas de enorme sucesso que transformaram equipas, até aí sem sem grandes resultados desportivos, em equipas históricas, sublinhando assim a importância do treinador no Futebol.

(…)

Neste sentido, os autores (Maria Brandão, et al., 2009) referem que “alguns autores (Brandão & Valdés, 2005) complementam, afirmando que treinar desportistas requer um planeamento meticuloso, criativo, reflexivo, com uma filosofia sólida, amor pelo desporto e ser capaz de conhecer as diferentes características psicológicas e comportamentais dos membros do grupo. Em suma, o treinador é o ponto de equilíbrio entre dois tipos de unidades, a organização ou clube a qual deve cumprir as suas exigências em termos de produção e rendimento e, os atletas, os quais precisa de influenciar e motivar, assegurando-se de que as suas necessidades e aspirações são atingidas e de que estão satisfeitos com a sua participação na equipa ou organização (Cruz & Gomes, 1996). Deste ponto de vista, fica claro, que é preciso que o treinador ou líder seja sensível, não só às exigências da tarefa, mas também às pessoas envolvidas”. Os mesmos autores, acrescentam ainda que “estudos realizados por pesquisadores da The Ohio State University, nos Estados Unidos da América, sobre o comportamento do líder bem-sucedido perante o seu comportamento, apontam que os líderes mais eficientes são aqueles que propiciam a manutenção e realização dos objetivos comuns de sua equipa de trabalho nas duas dimensões comportamentais de liderança: execução de tarefas e relações sociais (Simões, 1994; Simões et al., 1993)”. O treinador Gérard Houllier em (UEFA.com, 2012), explica que “para nos tornarmos médicos temos que tirar o respectivo curso. Para se ser um professor é preciso treinar. Para se ser engenheiro é preciso treinar. Ser treinador é um trabalho à parte. É preciso treinar e gerir a nossa equipa e também é preciso treinar o staff técnico que está por detrás da equipa, o staff técnico e o staff médico, por vezes até a equipa administrativa ou de análise de jogos. Um treinador é um gestor, um líder e um treinador no terreno de jogo”.

(…)

Um jornalista não identificado, aponta ao autor (Nuno Pinho, 2009), existirem três dimensões que me parecem vitais:

  • conhecimento do jogo nas múltiplas acepções,
  • o domínio do treino em vista ao modo mais eficaz de reproduzir as suas consequências no jogo e
  • capacidade para liderar, na qual tem lugar decisivo a capacidade de comunicar (para dentro e fora do grupo).

Esta é uma visão na qual nos revemos, não só pelo conteúdo de cada dimensão, mas antes ainda pelo próprio conceito “dimensão“. Procurando ir mais fundo, no domínio da função do Treinador, portanto no domínio da sua competência, podemos então destacar três grandes áreas. Uma composta pelo auto-conhecimento e domínio de si próprio em usufruto das «relações humanas» que estabelece com a equipa e com o seu meio envolvente, as quais se constituem nas suas relações de Liderança. Outra, composta pelo Conhecimento do Jogo que possui, a sua sistemática, história e contexto cultural. Todo este conhecimento para convergir numa Ideia de Jogo rica, que traga à equipa organização, mas que simultaneamente não a torne mecânica e incapaz de dar resposta à aleatoriedade e caoticidade do jogo. Por outro lado, uma Ideia, que tenha também em conta a sua adaptação ao tal “espaço” / contexto e “tempo” / evolução do jogo. Por último, uma outra composta pelo conhecimento e desenvolvimento de uma Metodologia, portanto, uma forma rentável de trabalhar nas sessões de treino, para que a equipa e todas as suas sub-estruturas, adquiram a Ideia / Organização / forma de jogar. Tudo isto, para que um derradeiro objectivo se concretize: “jogar bem”, e que o mesmo se manifeste com regularidade. Assim, em concordância com estas ideias, enquadramos:

  • As relações humanas no contexto da gestão de Equipas, Empresas e outras organizações similares, na dimensão: Liderança;
  • A forma como, uma equipa técnica, transmite ideias à equipa e desenvolve todo o trabalho técnico no clube, na dimensão: Metodologia;
  • O conhecimento da modalidade, dos seus contextos culturais e fundamentalmente do próprio jogo. Conhecimento esse que consubstancie uma organização teórica do jogo para a equipa, ou seja, uma concepção táctica-estratégica que procure aproximar a equipa do sucesso, na dimensão: Conhecimento do Jogo.

(…)

“(…) a competência do treinador exprime-se pela capacidade de encontrar uma forma racional de organização do treino numa situação real e traduzi-la num programa concreto (Verchoshanskij, 2001c).”

(Jorge Braz, 2006)

(…)

Dimensões da intervenção do treinador e Modelo de Jogo.

(…)

Assim sendo, torna-se importante clarificar que a competência é algo mais, ou melhor, anterior ao resultado desportivo. E que rendimento pode não significar resultado. Não só o resultado do processo de um treinador é naturalmente dependente do contexto, ou seja, dependente da qualidade dos jogadores e da estrutura envolvente, como também é influenciado por condições externas ao processo, praticamente impossíveis de controlar pelo Treinador. O melhor exemplo será a qualidade dos adversários. Ninguém compete sozinho. Por outro lado, o próprio resultado é relativo. Diferentes equipas e mesmo clubes, terão certamente objectivos mais ou menos diferentes entre si. Não existem duas realidades exactamente iguais.

(…)

“[Um bom treinador] é em primeiro lugar, um gestor de conhecimento. Tem de se dizer isto, porque nós vivemos na sociedade do conhecimento. Uma pessoa que saiba organizar e organizar-se. Se sabe que vai treinar pessoas e não objectos, deve organizar-se mais para dirigir do que para comandar. Quem dirige põe os outros a pensar com ele, quem comanda normalmente não ouve os outros e quem ouve os outros aprende muito com eles. O treinador é especialista em humanidade.”

(Manuel Sérgio, 2017)

Avaliação da competência de um treinador II

“Toda a diferença está na concepção de quem enaltece o supérfluo e não o essencial: o esforço só faz sentido quando se joga verdadeiramente; o músculo só conta se o cérebro estiver a funcionar; a velocidade só tem importância se quem a utiliza souber travar, tal como a coragem só serve de arma enquanto houver gente com medo.”

(Rui Dias, 2002)

Um regresso de… Mourinho

José Mourinho disfruta nos seus duelos dialéticos com eles. Gosta de controlar a cena, não se importa que só se fale dele e considera que assim blinda os jogadores e lhes retira pressão.”

(Roncero, 2010)

“ (…) assim como os génios Picasso, Dali, Miró inventaram novas linguagens plásticas, também o meu amigo inventou a linguagem onde os seus jogadores se transformam na expressão corporal do génio do seu treinador. E desta forma nasce a compreensão de uma inesperada cultura Táctica, a consciência de um grupo, a certeza de uma solidariedade… inabaláveis!”

(Sérgio, 2010), em carta aberta a José Mourinho

Duas leituras de 2010 sobre José Mourinho, no auge do sucesso. Será que podemos daqui aferir que, do ponto de vista do jogo, faz falta o Mourinho… feliz? E o que lhe traz essa felicidade? E estará ele consciente do caminho para a obter?

Filme

Filme - Arrival (2016)

Com naturalidade, a primeira questão será que ligação um filme, eminentemente de ficção científica, tem com o futebol? A resposta está desde logo na essência do argumento e na perspectiva de que existe uma relação entre tudo. De que a realidade, ou melhor, a realidade de cada um de nós, é toldada pela interacção de uma infinidade de fenómenos, muitos dos quais, provavelmente mesmo a maior parte, que não compreendemos dado o nosso momento evolutivo. Tempo, espaço, linguagem, sentimentos. Arrival procura portanto explorar a complexidade de forma incrivelmente profunda.

Edgar Morin, um dos principais pensadores da complexidade, citado pela (Wikipédia, 2012) descreve que “à primeira vista, a complexidade (complexus: o que é tecido em conjunto) é um tecido de constituintes heterogéneos inseparavelmente associados: coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. Na segunda abordagem, a complexidade é efectivamente o tecido de acontecimentos, acções, interacções, retroacções, determinações, acasos, que constituem o nosso mundo fenomenal. Mas então a complexidade apresenta-se com os traços inquietantes da confusão, do inextricável, da desordem, da ambiguidade, da incerteza… Daí a necessidade, para o conhecimento, de pôr ordem nos fenómenos ao rejeitar a desordem, de afastar o incerto, isto é, de seleccionar os elementos de ordem e de certeza, de retirar a ambiguidade, de clarificar, de distinguir, de hierarquizar… Mas tais operações, necessárias à inteligibilidade, correm o risco de a tornar cega se eliminarem os outros caracteres do complexus; e efectivamente, como o indiquei, elas tornam-nos cegos”. A ideia de que o futebol, à sua dimensão, pela infinidade de interações que promove, constitui-se como um fenómeno que representa essa complexidade, parece-nos hoje clara. Ideia que durante muito tempo, e ainda hoje, é repelida pela natural dificuldade na sua compreensão, consequência da forma como foi construída a nossa consciência. Coincidentemente, este será um tema que abordaremos em breve.

No mesmo plano, das múltiplas ideias que o filme aborda, a perspectiva que deixa sobre a comunicação e a linguagem parece-nos muito interessante pensando no futebol, genética, influência do meio, pensamento divergente e talento. Fomos educados, aprendemos e crescemos sob perspectivas lineares e redutoras da realidade. Consequentemente, o nosso pensamento e consciência, seguem a mesma linha. Assim, na abordagem do filme, as linguagens comuns são também elas construções desse pensamento linear e condicionam a nossa forma de pensar. Uma linguagem complexa, como a imaginada no argumento, fazendo interagir diferentes fenómenos e valências, estimularia o nosso cérebro, levando-o a outra percepção da realidade. Uma consciência guiada por sentimentos, superando as barreiras do espaço e do tempo seria com certeza um passo mais à frente na nossa evolução.

Esta ideia lembrou-nos uma parte de uma das apresentações de Sir Ken Robinson. Quando demonstra que à nascença todas as crianças têm uma enorme apetência para o pensamento divergente, e que a sua aquisição cultural, vai progressivamente condicionando negativamente e subtraindo esta qualidade.

As implicações desta ideia no futebol são tremendas. Para já deixamos ao “pensamento divergente” de cada um de vocês, o seu desenvolvimento. No entanto, lembramos a eterna questão sobre influência genética e influência do meio no talento. A perspectiva que o filme traz e o pensamento de Robinson empurram-nos cada vez mais para o papel decisivo do meio no desenvolvimento do talento no jovem praticante de futebol, nomeadamente naquele que está a ter os primeiros contactos com o jogo. Ideia reforçada pela nossa convicção na importância do papel da decisão e criatividade no jogo e sobre a qualidade de execução na sua profunda ligação à decisão e a diferentes estados emocionais. Esta perspectiva refuta assim a codificação genética das competências técnicas, assumindo-as portanto como uma construção cultural.

“Cada vez maior o convencimento de que os conceitos de que normalmente nos servimos para conceber a «REALIDADE» estão mutilados e conduzem a acções inevitavelmente mutiladoras.”

(Frade, 1985)

Mário Wilson

Faleceu ontem Mário Wilson. A alcunha “Capitão” subentende desde logo o reconhecimento da sua liderança. Diversos relatos transmitem que a mesma acompanhou-o de jogador a treinador. O ex-jogador e treinador Carlos Manuel em (SportTV, 2016) confirma esta qualidade ao explicar que Mário Wilson tinha “liderança em todos os sítios por onde passou. (…) A alcunha vem da Académica onde já o tratavam por capitão. (…) Ele era realmente uma pessoa extremamente afável e com uma liderança enorme. Era um líder nato”. Talvez a melhor homenagem a Mário Wilson esteja no facto de estar entre os treinadores que marcaram o futebol pelos valores humanos que transportava. Toni, citado em (Record, 2016), transmite isso mesmo referindo que era “um um homem bom, uma figura incontornável do desporto português. Um treinador que marcou os jogadores que treinou e que se vai embora. O seu “filho branco” verga-se perante aquele que foi o seu segundo pai“. João Vieira Pinto citado em (Record, 2016) segue a mesma linha elogiosa ao referir que “todos nós temos de fazer uma vénia ao ‘capitão’. De facto, onde o ‘capitão’ estava presente havia força, sabedoria e paz. Quando estávamos ao pé dele sentíamos isso tudo. (…) do ‘mister’ Mário Wilson vou ficar com muitas e boas, porque foi uma pessoa que me marcou imenso. Ganhei uma Taça de Portugal com ele, fiz questão de festejar com ele, porque quando havia turbulência e ele aparecia as pessoas ficavam mais calmas. Era um grande homem, era um ótimo treinador e foi uma pessoa que me marcou imenso”. João Vieira Pinto não tem problemas em assumir que com Mário Wilson teve uma relação de quase de pai para filho“.

Mário Wilson - Mário Wilson e Toni

Com certeza pelas mesmas qualidades, Mário Wilson era também elogiado pelos seus discursos. Alguns foram mesmo públicos, mas ex-jogadores referem que as suas palavras nos balneários tocavam-lhes intensamente. Pedro Henriques em (SportTV, 2016) descreveu que “talvez tenha sido o único homem do futebol que me tenha empolgado com um discurso. Tinha essa capacidade. Tinha uma oratória fantástica, pelo timbre, pela voz e do bater da mão tradicional e característico nele. (…) Um homem fantástico”. Mas Pedro Henriques salienta acima de tudo a autenticidade de Mário Wilson. O ex-jogador defende que “é muito difícil encontrar alguém com disponibilidade para ouvir, ainda para mais no futebol que muitas vezes os discursos são tão ocos e é tudo mais do mesmo. É tudo dito com interesse e com segundas intenções. Aquilo é que eram de facto discursos. (…) O que ele dizia causava impacto”.

Se temos dificuldade em diferenciar a importância das, para nós, três dimensões da intervenção do treinador: Liderança, Metodologia de Treino e Modelo de Jogo (explicação desta visão aqui), sentimos que pela condição humana e a consequente importância das relações, nomeadamente num jogo colectivo, que a Liderança pode marcar uma maior diferença em muitos momentos e contextos. Manuel Sérgio defende que a condição humana deveria ser o objeto primeiro de todo o ensino. Procurando ir mais longe, dentro da Liderança, e como iremos no futuro publicar, dentro das “Qualidades do Líder”, sentimos ainda que os “Valores Humanos” são de basilar importância. Será em cima deles que tudo o resto se edificará. Se estes forem frágeis”, todo o edíficio materializado na qualidade do trabalho do treinador, tenderá a ruir. Tendo em conta a grande evolução que o Futebol viveu, com naturalidade Mário Wilson poderia até estar longe do actual conhecimento metodológico e táctico, porém, baseando-nos na multiplicidade de relatos que nos chegam, em Liderança e principalmente, em termos humanos, todos teríamos a aprender com ele.

Mário Wilson - Mário Wilson e João Vieira Pinto

Manuel Sérgio sobre a comunicação

Apresentação de Jorge Jesus na Faculdade de Motricidade Humana de 11 de Março de 2013, na íntegra em:

http://www.youtube.com/watch?v=JgY_mTD9HR4

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