“O carácter não é um dom, é uma vitória”

A frase que intitula o artigo é de Ivor Griffith e encaixa naquelas que deveriam ser as verdadeiras vitórias do desporto de formação. Ao invés, semanalmente assistimos a uma deterioração dos valores e consequentemente dos comportamentos de todos os agentes desportivos. Num enquadramento em que a vitória na competição é o mais importante, onde vale tudo para atingi-la, e onde também se assiste a uma incrível normalização violência verbal, não é então para nós surpresa que a escalada para a violência física, protagonizada nas situações sucedidas recentemente nos vários níveis do jogo, suceda.

Também semanalmente, num programa raro na televisão portuguesa tendo em conta os temas abordados, são sublinhados os problemas, as causas e por vezes até são apontadas algumas soluções. Várias vezes da boca de um homem que percebe verdadeiramente o que é liderar e da responsabilidade que a função carrega. Não é difícil perceber onde está a raiz do problema, mas Tomaz Morais, com a ajuda dos companheiros de programa, explicam. Sendo verdade, que pelas funções que ocupam, existem uns mais culpados que outros, como Tomaz Morais sublinha, todos somos culpados.

Somos todos culpados e deixamos um exemplo. Antevemos que muitos dos que se calhar até concordam com esta visão e criticam os outros múltiplos programas da televisão portuguesa que fomentam estes problemas, mas que ainda assim despendem horas da sua semana garantindo-lhes audiência, não gastem onze minutos com o vídeo acima, e no fundo com o tema mais importante de todos.

“A liderança ética deve prevalecer.”

Tomaz Morais

“Tudo aquilo o que aprendi sobre a moral dos homens, aprendi-o nos campos, jogando futebol.”

Albert Camus

Os homens também choram

Porque são homens que jogam e que assumem as decisões. Portanto, antes de todos os outros, são eles que sentem.

“O próximo marco eu!”

Alex Ferguson, após quatro penaltis falhados pelo Manchester United.

Um copo meio vazio, ou demasiado cheio?

“Desmontar os absurdos que condicionam o nosso pensamento e nos acompanham, disfarçados de tópicos, preconceitos, ideais pré-concebidas, clichés, falsos paradigmas, lugares comuns e demais formas de pensamento não é tarefa fácil.”

Mateo, J; y Valle J. citados por (Moreno, 2009)

Já tocámos no assunto no passado, num artigo em que abordámos a fraca formação que o dirigente desportivo neste momento apresenta, tendo em conta o poder de decisão que carrega e subjacente responsabilidade. Porém, não é o único agente desportivo, que de uma forma geral, se apresenta nesta situação. No Futebol de Formação os pais, tendo em conta que a sua grande maioria são de áreas profissionais muito distintas, são com naturalidade outro exemplo. No Futebol Profissional, os agentes desportivos, juntam-se ao grupo. Salvaguardamos, claro, vários exemplos em todas estas funções, que começam a caminhar noutro sentido.

Colocamos ainda, num patamar idêntico ao dos dirigentes, pelo poder que manifestam e que pode até influenciar o desempenho das equipas, muitos jornalistas e “comentadores” desportivos. Profissionais, que para nós, deveriam fazer da investigação um dos seus grandes bastiões, apresentam tantas vezes um desconhecimento gritante do jogo, do treino e até da própria liderança. O argumento de apenas se deverem preocupar com o que a maioria dos espectadores procuram no jogo é deveras redutor. Na nossa opinião o jornalista e o “comentador” desportivo são, tal como os jogadores, treinadores, árbitros, etc., agentes que têm a oportunidade de mudar o jogo e a sua envolvência para melhor. Assim, desperdiçar essa condição é menosprezar a sua própria actividade e importância.

A situação já foi difundida amplamente, mas não podemos perder a oportunidade de elogiar treinadores como Luís Castro, que perante um contexto de tanta adversidade às ideias de qualidade (para nós aquelas que aproximam as equipas do sucesso), resistem, mantém-se corajosos e confiantes no seu pensamento. Luís Castro explicou claramente, a sua forma de pensar o jogo, justificando-a como forma de procurar garantir o tal trinómio estética-eficácia-eficiência, procurando portanto colocar a sua equipa mais perto do controlo do jogo e da vitória. O “pragmatismo” específico do Futebol é isto. Hoje insiste-se num pragmatismo abstracto, que ninguém sabe explicar exactamente o que é, a não ser no “ganhar”, e a verdade é que este pensamento também se estende a muitos outros treinadores. Mas nesta situação, a incompreensão do jornalista pelo discurso de Luís Castro é confrangedora.

Mas perante este cenário, se constatamos um baixo nível de conhecimento, transversal à maioria dos agentes desportivos, não estaremos então a ver a questão pela perspectiva errada?

Também. Porque por outro lado, é evidente a enorme a evolução que o jogo, o treino e a liderança das equipas registaram, resultado da qualidade que muitos treinadores portugueses hoje apresentam, colocando-os no top mundial. Simultaneamente, em todos os níveis do jogo muitos outros crescem, nas ideias e na experiência e preparam-se para mais uma vaga, quem sabe ainda melhor. Facto, valorizado ainda, pela menor dimensão do país, no número de praticantes e de equipas, comparativamente com muitos outros. Também não é assunto novo neste espaço, pois ainda noutro artigo recente, trazíamos o professor Silveira Ramos elogiando o treinador português, pelo seu conhecimento do jogo e pensamento estratégico. Hoje, em vários pontos do mundo o treinador português é visto como sinónimo de qualidade. Constitui-se como mais um “produto” português de enorme sucesso.

Perante isto, provavelmente foram os treinadores que evoluíram tremendamente, o que não teve paralelo nos outros agentes desportivos. Ou seja, não são os outros agentes que estão muito atrás, até porque o seu nível de conhecimento é idêntico noutros países, são é vários os treinadores portugueses que estão muito à frente…

“O treinador não é um resultado, mas é uma competência que tem de ser avaliada.”

(Lobo, 2014)

“Os treinadores não são bons porque ganham. Antes, ganham porque são bons.”

(Bouças, 2010)

Coragem… Específica II

Deixámos propositadamente o som dos comentários. Jornalistas, adeptos, pais, dirigentes, na sua grande maioria transmitem uma enorme falta de coragem na forma como sentem e pensam o jogo. Isto obviamente tem consequências em quem o treina e em quem o joga, porque o “nadar contra a maré” não é fácil. Neste contexto, devemos aplaudir uma equipa de escalão inferior, que a jogar no campo do campeão nacional e líder da primeira liga, a perder 3-0, procura a qualidade no seu jogo.

Há pouco tempo, num artigo publicado no Lateral Esquerdo, Nuno Amado ia na mesma direcção: “há um género de pessoas que, em dívida para com uma tradição que os ensinou a respeitar certas leis caducas, não conseguiram nunca perceber, não obstante as lições catalãs e bávaras dos últimos anos, as verdadeiras vantagens que há em procurar sair a jogar desde trás. As mesmas pessoas podem até acreditar que sair a jogar compensa de facto o risco quando os defesas conseguem suplantar a primeira zona de pressão adversária, e podem até reconhecer que a equipa que a isso se propõe acaba por beneficiar desse risco depois de superar esse obstáculo inicial. Não obstante, parece-lhes sempre demasiado arriscado.”

De acordo com (Manna, 2009), “sair jogando é dar prioridade ao passe desde o início da construção de jogo. O pontapé de baliza ou a participação dos defesas na construção ofensiva torna-se fundamental. Uma perda de bola na zona dos defesas centrais pode ser terrível. Todos evitam realizar o que Pep dá prioridade. Riscos que permitem, facilitar o ciclo de jogo, no qual Pep irá sempre tentar construir desde a sua baliza”. Guardiola sublinha que saindo a jogar bem, podemos chegar ao alvo jogando bem, ao contrário de um mau início de construção que torna tudo mais difícil e aleatório. E lembra que se o primeiro passe é bom, tudo é mais fácil a seguir.

Um regresso de… Mourinho

José Mourinho disfruta nos seus duelos dialéticos com eles. Gosta de controlar a cena, não se importa que só se fale dele e considera que assim blinda os jogadores e lhes retira pressão.”

(Roncero, 2010)

“ (…) assim como os génios Picasso, Dali, Miró inventaram novas linguagens plásticas, também o meu amigo inventou a linguagem onde os seus jogadores se transformam na expressão corporal do génio do seu treinador. E desta forma nasce a compreensão de uma inesperada cultura Táctica, a consciência de um grupo, a certeza de uma solidariedade… inabaláveis!”

(Sérgio, 2010), em carta aberta a José Mourinho

Duas leituras de 2010 sobre José Mourinho, no auge do sucesso. Será que podemos daqui aferir que, do ponto de vista do jogo, faz falta o Mourinho… feliz? E o que lhe traz essa felicidade? E estará ele consciente do caminho para a obter?

Valores Humanos V e a “formação”… do dirigente desportivo

O ex-selecionador nacional de Rugby, Tomaz Morais, sempre com intervenções interessantes na dimensão Liderança, toca em dois temas fundamentais no desporto, nomeadamente no desporto de formação. No primeiro, os valores humanos, ao qual temos dado grande relevância neste espaço, dada a nossa convicção da sua importância basilar em todo e qualquer processo educativo, e o segundo, também consequência do primeiro, sobre a formação do dirigente desportivo.

Esta é uma questão que nos assola, igualmente pela importância capital que tem numa estrutura desportiva. Pensando no caso do Futebol, e em particular do contexto português, hoje presenciamos uma evolução exponencial da qualidade dos treinadores, desde a formação até ao futebol profissional, e também por consequência disso, da quantidade e qualidade dos praticantes. A exigência pela formação dos treinadores, a competitividade dentro da classe e a difusão por diferentes meios de novos conhecimentos e ideias foram causas para esta evolução. Contudo, se pensarmos estruturalmente, numa hierarquia de decisão, encontramos hoje o maior défice de conhecimento, formação e preparação no topo dessa hierarquia, portanto, em quem toma as decisões mais importantes e consequentemente tem o poder para influenciar mais pessoas. Tomaz Morais, toca precisamente nesse ponto.

Valores Humanos IV

Como já referido antes, não sendo objectivo deste espaço o destaque individual a jogadores e treinadores que se mantêm em actividade, isto pela visão colectiva que temos do jogo, existirão porém sempre excepções, às quais não devemos fugir. E com toda a justiça. Maior importância ganham, se por motivos de natureza humana, pois como já salientámos por diversas vezes, são para nós os alicerces de tudo o resto. O caso em questão é valorizado ainda pelo contexto não profissional em que se insere, contexto esse muitas vezes não abordado nestes espaços.

Conhecendo o homem e o trabalho de Filipe Martins, não foi surpresa para nós o que sucedeu hoje na Taça de Portugal. Num tempo em que a dimensão liderança surge hiper valorizada, acumulam-se os exemplos de lideranças premeditadas e artificiais, que muitas vezes têm grande impacto nos momentos de sucesso, mas que facilmente se desmoronam perante o insucesso. A sua liderança, construída sobre respeito, autenticidade, ambição, e como até refere no vídeo, crescendo de forma progressiva, garantiram-lhe solidez e o respeito de todos. Não é só no futebol profissional que teremos exemplos a seguir.

Mário Wilson

Faleceu ontem Mário Wilson. A alcunha “Capitão” subentende desde logo o reconhecimento da sua liderança. Diversos relatos transmitem que a mesma acompanhou-o de jogador a treinador. O ex-jogador e treinador Carlos Manuel em (SportTV, 2016) confirma esta qualidade ao explicar que Mário Wilson tinha “liderança em todos os sítios por onde passou. (…) A alcunha vem da Académica onde já o tratavam por capitão. (…) Ele era realmente uma pessoa extremamente afável e com uma liderança enorme. Era um líder nato”. Talvez a melhor homenagem a Mário Wilson esteja no facto de estar entre os treinadores que marcaram o futebol pelos valores humanos que transportava. Toni, citado em (Record, 2016), transmite isso mesmo referindo que era “um um homem bom, uma figura incontornável do desporto português. Um treinador que marcou os jogadores que treinou e que se vai embora. O seu “filho branco” verga-se perante aquele que foi o seu segundo pai“. João Vieira Pinto citado em (Record, 2016) segue a mesma linha elogiosa ao referir que “todos nós temos de fazer uma vénia ao ‘capitão’. De facto, onde o ‘capitão’ estava presente havia força, sabedoria e paz. Quando estávamos ao pé dele sentíamos isso tudo. (…) do ‘mister’ Mário Wilson vou ficar com muitas e boas, porque foi uma pessoa que me marcou imenso. Ganhei uma Taça de Portugal com ele, fiz questão de festejar com ele, porque quando havia turbulência e ele aparecia as pessoas ficavam mais calmas. Era um grande homem, era um ótimo treinador e foi uma pessoa que me marcou imenso”. João Vieira Pinto não tem problemas em assumir que com Mário Wilson teve uma relação de quase de pai para filho“.

Mário Wilson - Mário Wilson e Toni

Com certeza pelas mesmas qualidades, Mário Wilson era também elogiado pelos seus discursos. Alguns foram mesmo públicos, mas ex-jogadores referem que as suas palavras nos balneários tocavam-lhes intensamente. Pedro Henriques em (SportTV, 2016) descreveu que “talvez tenha sido o único homem do futebol que me tenha empolgado com um discurso. Tinha essa capacidade. Tinha uma oratória fantástica, pelo timbre, pela voz e do bater da mão tradicional e característico nele. (…) Um homem fantástico”. Mas Pedro Henriques salienta acima de tudo a autenticidade de Mário Wilson. O ex-jogador defende que “é muito difícil encontrar alguém com disponibilidade para ouvir, ainda para mais no futebol que muitas vezes os discursos são tão ocos e é tudo mais do mesmo. É tudo dito com interesse e com segundas intenções. Aquilo é que eram de facto discursos. (…) O que ele dizia causava impacto”.

Se temos dificuldade em diferenciar a importância das, para nós, três dimensões da intervenção do treinador: Liderança, Metodologia de Treino e Modelo de Jogo (explicação desta visão aqui), sentimos que pela condição humana e a consequente importância das relações, nomeadamente num jogo colectivo, que a Liderança pode marcar uma maior diferença em muitos momentos e contextos. Manuel Sérgio defende que a condição humana deveria ser o objeto primeiro de todo o ensino. Procurando ir mais longe, dentro da Liderança, e como iremos no futuro publicar, dentro das “Qualidades do Líder”, sentimos ainda que os “Valores Humanos” são de basilar importância. Será em cima deles que tudo o resto se edificará. Se estes forem frágeis”, todo o edíficio materializado na qualidade do trabalho do treinador, tenderá a ruir. Tendo em conta a grande evolução que o Futebol viveu, com naturalidade Mário Wilson poderia até estar longe do actual conhecimento metodológico e táctico, porém, baseando-nos na multiplicidade de relatos que nos chegam, em Liderança e principalmente, em termos humanos, todos teríamos a aprender com ele.

Mário Wilson - Mário Wilson e João Vieira Pinto

Um novo começo

Euro 2016 – «O Filme» – Tomás Rondão & Telmo Esteves 2016.

Seria para nós incontornável, até como forma de celebrar esta nova etapa do projecto Saber Sobre o Saber Treinar, que o primeiro artigo do blog deste novo site abordasse o recente êxito da Selecção Portuguesa no Campeonato da Europa. Após a ressaca emocional, na qual um pouco por todo o lado se produziram textos e videos marcantes, abordamos aqui também o momento histórico vivido. Sendo um objectivo deste projecto evitar fronteiras, subsistem no entanto naturais diferenças culturais entre os muitos povos que têm contribuído para a história deste jogo, tornando-se as mesmas oportunidade de reflexão. Não nos esquecemos ainda das nossas origens, as mesmas de um povo que apesar de pouco numeroso, habituou o mundo a grandes feitos, e origens essas que são também o berço de muitas das ideias aqui estudadas e desenvolvidas.

Neste sentido, sentimos que essas raízes foram os alicerces do sucesso da equipa portuguesa, e recuando na história do país, recordamos outros momentos tão ou mais marcantes que este que agora vivemos. Se for possível resumir tudo isso numa palavra, talvez esta seja, superação. Reforçada por uma criatividade sem paralelo que possibilita  a este povo a resolução dos problemas mais difíceis, no entanto, só essa superação permite que um país pequeno, em muitas situações perante escassos recursos, consiga realizar feitos à partida impossíveis. Se os Descobrimentos foram provavelmente o derradeiro exemplo de conquista que Portugal proporcionou ao mundo, a história do desporto português e em particular do futebol, encontra-se rica em feitos notáveis. Muitos não significaram títulos, mas constituíram desempenhos que colocaram selecções e clubes entre a elite do futebol mundial, facto que muitos apontam como presentemente inigualável para a maioria das áreas de actividade do país. Será que tem de ser mesmo assim? De qualquer forma, independentemente dos diferentes contextos, este acumular de conquistas, fez crescer a auto-confiança, a experiência e potenciou futuras gerações. A vitória da selecção Portuguesa no Euro 2016 é por um lado uma consequência de todo o trajecto realizado até aqui, e por outro, um enorme catalisador para o futuro.

Falando concretamente do jogo da equipa, não procuramos uma análise estética do mesmo, que entre adeptos é geralmente atribuído ao espectáculo que as equipas proporcionam. Também porque, tal qual uma obra de arte, este será sempre discutível perante os valores, sensibilidade e cultura de cada espectador. Esse não é nosso foco, até porque no futebol, a noção de espectáculo apresenta-se nesta fase da sua evolução  muito associada à intermitência da organização das equipas, e consequentemente à ausência de controlo do jogo pelas mesmas. Este contexto resulta em mais oportunidades de golo e assim, provavelmente, em maior número de golos, o que é imediatamente associado a essa ideia mais difundida de espectáculo. Portanto, se aqui procuramos e idealizamos uma forma de jogar futebol, coerente com as suas regras e contexto, que nos permita uma aproximação ao rendimento, isso não está directamente relacionado com o espectáculo que eventualmente pode ou não proporcionar à maioria das pessoas. Neste âmbito, o da forma de jogar, temos que dizer que a selecção portuguesa, apesar de ter apresentado abordagens ao jogo diferentes ao longo da competição, manteve-se nalguns momentos afastada das ideias que procuramos. Porém, isso não significa que o seu trajecto e a sua conquista não tenham sido meritórias, e que não tenha demonstrado outras qualidades exemplares. O contexto, tornou-se uma vez mais decisivo. Procuramos porém compreender, de todas as dimensões do seu desempenho, o que nos pode aproximar do sucesso mais vezes, e retirar daí experiência para o futuro.

Assim, e apesar das análises a desempenhos “mentais” serem por nós muitas vezes relativizadas dada a sua incrível complexidade, torna-se para nós evidente que a mentalidade demonstrada pela equipa portuguesa, expressa pela ambição na procura da superação foi sem dúvida algo em evidência.

Ainda na face visível do desempenho, o jogo da equipa, observou-se um crescimento táctico ao longo da competição. Abordámos aqui o primeiro jogo da equipa portuguesa, fundamentalmente pelos erros basilares de organização defensiva apresentados, e a realidade é que a equipa evoluiu e ultrapassou algumas dessas deficiências até ao final do campeonato. Naquele contexto competitivo isso foi para nós decisivo, e se isso não tivesse acontecido, mesmo não defrontando as equipas mais fortes do torneio, Portugal dificilmente teria chegado à final. O que importa sublinhar é que esta equipa mostrou-nos a todos que tudo é possível partindo de uma dimensão mental fortíssima. Como grande grande exemplo individual, temos Éder Lopes, que mostrou e transmitiu, que mesmo num momento em que praticamente ninguém do lado de fora da equipa acreditava na sua qualidade, foi mesmo possível ser decisivo no desfecho final da competição. Deste modo, mais do que táctica, organização ou cultura de jogo, este foi um momento que expôs qualidades a um povo que vivia acreditando que não as possuía. Tornou-se acima de tudo uma oportunidade para um novo começo. A oportunidade para uma cultura construir em cima das suas qualidades e conhecimentos ímpares, uma mentalidade que já não se satisfaz com o “quase”. Provou-se ser mesmo possível o derradeiro sucesso e assistiu-se no fundo, a uma mudança cultural no Futebol Português.

Mais recentemente, nos Jogos Olímpicos, Telma Monteiro reforçou esta ideia após a medalha conquistada:

Telma Monteiro, 2016.

Este momento surge então como uma enorme oportunidade para potenciar a mentalidade de todos os que actuam no Futebol, mas não só. Neste espaço é também nossa missão passar a convicção que as razões que levam os portugueses a tudo isto são bem mais profundas que o fenómeno desportivo. Tal como o poeta e filósofo Agostinho da Silva disse, “a nossa matéria-prima é o que temos entre as orelhas”.

Neste enquadramento, acreditamos que há muito que Portugal apresenta escolas de pensamento e ideias sobre o jogo e o treino mundialmente revolucionárias. Apesar de alargamos a nossa investigação a muitas mais culturas, não nos é indiferente o enorme contributo que os portugueses têm garantido ao Futebol, através de jogadores, treinadores e autores que ficarão para a história como referências no jogo. Acreditamos ainda que actualmente, também influenciada pelo sucesso de algumas dessas figuras, vivemos um momento ímpar de interesse sobre o papel do treinador, o que tem gerado enorme debate de ideias, nomeadamente na internet, que se constituiu como um suporte decisivo nesta evolução. Neste movimento, constatamos que proliferam pessoas, cada vez mais novas, a pensar e a discutir o jogo e isto só poderá resultar em evolução, melhores treinadores, melhores equipas e melhores jogadores. Como explicado desde a sua génese, este projecto procura contribuir também nessa missão. E este novo website irá proporcionar meios para tal.

É então oportunidade para um novo começo. No futebol português e neste projecto.

Qualidade Colectiva II

Não tínhamos intenção de publicar novos artigos nesta fase do projecto Saber Sobre o Saber Treinar, uma vez que, e avançamos já a notícia, nos preparamos para lançar um novo website. É também por esta razão que este espaço não tem sido actualizado com maior regularidade.
 
No entanto, pareceu-nos mais do que justo terminar esta primeira etapa com um tema que foi um dos grandes alicerces deste projecto e das ideias que o alimentam: a qualidade colectiva. É simultâneamente uma homenagem a um treinador que independentemente da qualidade e do estatuto dos jogadores que dispõe, apresenta regularmente ideias de qualidade, o que no âmbito de uma selecção nacional é ainda mais díficil, não só pela constituição de uma equipa de jogadores provenientes de diferentes contextos e culturas, como principalmente pela escassez de tempo para treinar. Apresenta ainda uma liderança diferente, calma mas próxima, aparentemente forte e influênciada por valores que aplaudimos. Falamos de Rui Jorge.
 
Após todas as contrariedades, chamemos assim, na constituição da selecção olímpica Portuguesa era natural que a expectativa em torno da mesma fosse baixa. Contudo, com vários jogadores que não foram primeira nem segunda escolha, Rui Jorge apresentou o mesmo discurso de sempre, a mesma mentalidade e as mesmas ideias. Como tal, independentemente da qualidade individual, no primeiro jogo do torneio a equipa apresentou organização, coesão, ambição, coragem e criatividade… no fundo, qualidade colectiva. Como já o tinha feito no passado, noutras competições, com outros jogadores. E logo contra uma selecção Argentina, onde a qualidade individual por norma abunda. 
 
Que fique claro, que independentemente do estatuto dos jogadores, também existe qualidade individual na selecção portuguesa, até porque um conceito não vive sem o outro. Aliás, facto no qual também se deve reflectir, porque se era uma ideia difundida que a geração de Figo, Rui Costa, Paulo Sousa, etc, era um “desvio padrão”, olhando mais para trás e vendo também o momento actual das equipas portuguesas, sentimos não haver falta de qualidade individual. Porém crescemos na mentalidade, organização e sentido colectivo do jogo e isso tem feito toda a diferença.
 
Assim, o que faz a diferença no jogo português é a qualidade colectiva, explícita na equipa de Rui Jorge, a qual este projecto acredita ser decisiva no jogo de futebol. Também o autor (Neto, 2014) acredita que a “a essência do jogo está na nobre alegoria que é viver e fundamenta-se no seu carácter lúdico transposto para um patamar cultural indispensável na formação de uma sociedade projectada para uma vida universal total, sendo o rastilho que promove o despertar para uma inteligência colectiva, subjacente a uma exigente adaptação às múltiplas situações, tão rigorosas quão simples, que a prática deste belo jogo impõe”.
 

“É processo

aquisição,

adaptabilidade

p’ro sucesso

vir então…

Sem ansiedade,

a construção

do ser equipa

cada um nela participa,

e de igual modo identifica

o macro referencial…

Critério colectivo

sem inibição do individual

tendo a subjectividade consigo,

é primordial…”

(Frade, 2014)

 
Sobre a selecção A Portuguesa? É um tema que fica guardado para o lançamento do novo website.
 
Despedimo-nos então deste espaço, agradecendo a todos os que seguem este projecto, e com a promessa de brevemente o fazer evoluir.

Filme

The Damned United (2009)

The Damned United (2009)

“The story of the controversial Brian Clough’s 44-day reign as the coach of the English football club Leeds United.” http://www.imdb.com/title/tt1226271/

Free the Kids II

O jornal Expresso publicou um artigo, contendo várias opiniões sobre o “ensino doméstico” enquanto alternativa ao tradicional ensino escolar.

http://expresso.sapo.pt/sociedade/2016-03-13-Viver-e-aprender-sem-ir-a-escola

Após publicarmos o video sobre a eventual ameaça à “liberdade” que as crianças vivem na sociedade actual em www.sabersobreosabertreinar.com/2016/03/free-kids.html, este artigo reforça o problema. No mínimo devemos reflectir sobre algumas ideias que descrevem a aprendizagem de crianças na ausência do meio escolar.””Até aí, Simone tinha aptidão para as letras (começou a escrever as primeiras linhas aos 3 anos). Com as aulas, que nem eram diárias, a mãe começou a reparar que a menina parecia estar a ganhar “relutância” a algo que gostava. “Quando me pergunta qual é aquela letra eu não vou negar a resposta à criança… Eles começam e nós apoiamos. Ela começou a escrever coisas muito interessantes com letras maiúsculas de ouvido. Ouvia, juntava e escrevia“.”

““A nível emocional são muito seguros de si e têm uma auto estima muito boa, são muito sinceros, espontâneos e nada envergonhados. Não pensam que têm de fazer as coisas para agradar aos outros, para fazer boa figura ou porque vão ser avaliados. Conhecem os seus próprios limites e param quando sentem que os estão a ultrapassar, sem para isso necessitarem de castigos, ameaças ou coerção”, conta a antiga professora. Timo “devora livros”. Por dia lê pelo menos dois. Agnes acredita que talvez o gosto pela leitura não fosse tanto, se o filho andasse na escola. “Aprendem muita coisa. Talvez os outros também aprendam, mas aprendem pela repetição e memorização, por medo de más notas e pela pressão de pais e professores. No ensino doméstico, as crianças têm a possibilidade de aprender por motivação intrínseca. A maioria das crianças da idade deles não gostam e ler”, acrescenta.”

“Lá para as 6h da manhã, os miúdos já estão a pé. Acordam cedo e cheios de “inspiração e vontade de fazer mil e uma coisas”. Passeiam pelo rio e o mato. Trepam às árvores e mergulham nas águas. Em casa, “brincam muito, constroem legos e ajudam na horta”. Um dia na vida de Timo e David não tem espaços em branco. Na aldeia, já todos sabem que os dois andam sempre por perto. “Eles veem a vida real: nos correios são eles que põem os selos e no café vão ter com a padeira para ver como se faz o pão, ajudam o moleiro a fazer a farinha… São muito amados e mimados por toda a gente, pois são os únicos que andam por lá enquanto todos os outros estão fechados na escola”. Agnes não prende os filhos e garante que se alguma vez lhe pedirem para irem à escola, irão. Mas por agora nem Timo nem David parecem interessados. “Coitados dos outros meninos, estão ali o dia todo presos, sem poderem fazer o que querem”, dizem os irmãos. “Dizem-me que quando crescerem querem ser exploradores multifacetados, o que na realidade já são. Exploram o mundo real diariamente, em todas as suas vertentes”, conta a mãe.”Noutro artigo, o matemático Edward Frenkel alinha-se na mesma perspectiva. Segundo ele, “muita gente tem uma relação traumática com a Matemática. Uma das razões tem a ver com o facto de o ensino da Matemática, tal como é feito na grande maioria das escolas, dar demasiado ênfase à resposta. Em vez de se encorajar os nossos alunos a serem curiosos e a procurarem a resposta, nós exigimos que eles a dêem. O ensino baseia-se quase exclusivamente em testes e em ver em quem é mais rápido a encontrar a resposta. E muitos sentem-se embaraçados e inferiores porque não conseguem fazê-lo. Essa dor fica. Até podem depois não se lembrar do incidente concreto, mas o trauma ficou lá”. Este testemunho reforça ainda a ideia transmitida no nosso artigo sobre a intensidade, particularmente o caminho educativo e consequentemente social que estamos a adoptar, no qual se coloca em causa a autonomia, a criatividade, a inteligência e a individualidade em troca da mecanização, da rapidez não pensada, da estandardização.Agravando tudo isto, temos ainda o crescente comportamento negativo de muitos pais…