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Complicado, difícil e complexo. O exemplo das progressões do exercício B-3OD2A-1.

“a riqueza do Futebol é essa, na mesma proporção da complexidade que o constitui. Por isso é que ouvimos quem diga que o Futebol é simples, outros acham que é complicado mas os melhores dizem que é um fenómeno complexo. Porque reconhecem os problemas, sabem de MILHARES de formas para os resolver (de forma abstracta) mas também sabem que resolvê-los da forma ideal exige conhecimento, dedicação, precisão e inteligência”.

(Marisa Gomes, 2011)

Trata-se de uma confusão recorrente. Algo mais complexo não se torna obrigatoriamente mais complicado e difícil. Até porque algo “determinado” como complicado e / ou difícil, assim o é relativo ao conhecimento e interpretação do(s) observador(es). Por outro lado, apesar de também ser possível classificar complexidade à luz do conhecimento de cada indivíduo, esta também poderá ser entendida tendo em conta a forma como o universo está organizado, obviamente, algo que vai muito além do domínio e conhecimento do ser humano. Apesar de importante para a compreensão do todo, não é no significado lato de complexidade que se foca esta reflexão. O objectivo é algo muito mais específico, porém, também altamente complexo. O treino do Futebol.

“Quando os cientistas falam em sistemas complexos tal não significa que os sistemas são complicados na sua maneira formal. O termo “sistema complexo” foi adotado como um termo técnico específico, para definir os sistemas que têm tipicamente um grande número de peças ou componentes pequenos que interagem com as peças e os componentes próximos e similares. Estas interações locais conduzem frequentemente ao sistema que se organiza sem nenhum controlo hierárquico ou agente externo. Tais sistemas são entendidos como auto-organizantes, dinâmicos em constante mudança, não se afirmam como sistemas estáveis e equilibrados.”

(Vera Bighetti, 2008)

De forma a distinguirmos estes conceitos trazemos o exemplo do exercício B-3OD2A-1 do Programa de Treino. Não abordando a fundo a sua organização geral e reguladores de complexidade (tempo, espaço, número, regras, organização táctica), temos então o exercício na sua forma primária. Importa, no entanto, explicar que o próprio contém, durante a sua execução, uma regra progressiva automática ao nível do número de adversários em oposição à medida que a equipa atacante pontua. Esta regra estará presente nas 4 progressões gerais que o exercício propõe e são essas que vamos analisar. Mas trata-se de uma regra e não de uma progressão do exercício.

Na sua forma primária (também podemos chamar primeira progressão), o exercício estipula que para uma equipa pontuar, tem de realizar 10 passes no seu meio-campo. Nesse momento, apenas esse objectivo regulamentar permite às equipas obterem vantagem e estarem a vencer no exercício. Na segunda progressão já acrescenta uma regra. As equipas têm na mesma que realizar 10 passes, porém, pelo menos um deles tem de ser realizado no meio-campo adversário. 

Ora aqui começa o tema que pretendemos abordar. Mais uma regra, torna obrigatoriamente o exercício mais complexo. Mais varáveis, potencialmente mais acontecimentos a poderem suceder, mais coisas a analisar e assim maior complexidade na percepção, análise e decisão. E nesse momento, o exercício também se torna mais complicado na forma de pontuar para quem ataca, pois implica grande critério sobre o momento do passe no meio-campo adversário, possivelmente obrigando a equipa a atrair o adversário a determinada zona para depois explorar outra. Mas sendo um exercício de objectivo de Organização Defensiva, a nova regra torna também mais complicada a missão de quem defende. Esta obriga a equipa a ser mais criteriosa em quando e como pressionar de forma a não partir o seu bloco e permitir espaços atrás da primeira e segunda linha de pressão que têm que ser explorados pelo adversário.

A partir da terceira progressão, dada a introdução de novas regras, a complexidade continua a crescer, porém o mesmo não sucede de forma linear, para quem ataca e quem defende, com a dificuldade. Na terceira progressão, a equipa que defende e procura recuperar a bola tem uma segunda opção para pontuar, e que até acaba por ser mais valorizada: marcar golo na baliza adversária, o que potencia a articulação da Organização Defensiva com a Transição Ofensiva, nomeadamente ao nível da decisão sobre o Contra-ataque ou Valorização da posse de bola. Desde modo, como o exercício apresenta mais decisões a tomar e situações a resolver, cresce então em complexidade. Contudo, aumentam as formas de pontuar e obter vantagem passa a ser potencialmente mais fácil, o que também estimula ainda mais o objectivo do exercício: a Organização Defensiva e a recuperação da bola. Por outro lado, a equipa que se encontra em posse de bola no seu meio-campo passa a ter outras preocupações com a perda da bola, pois a Transição Ofensiva adversária passa a ser mais difícil de contrariar.

A quarta progressão traz uma terceira opção para pontuar, de ainda maior valorização pontual: a equipa em Organização Ofensiva em posse de bola no seu meio-campo, pode agora invadir o meio-campo adversário e finalizar nessa baliza. Uma vez mais… maior complexidade de escolhas, de variáveis, de acontecimentos que podem ocorrer. Mais hipóteses de pontuar e de maior valorização, situação potencialmente mais fácil para quem ataca. Porém, para o grande objectivo do exercício, torna-se cada vez mais difícil defender o que potenciará critério, inteligência, entrosamento, coesão, timing, entre outras qualidades fundamentais para equipa que procura recuperar a bola.

Portanto, ao fazer crescer a complexidade pretende-se a aproximação ao todo complexo que é o jogo de futebol, o que no fundo se torna o objectivo do treino do… jogo de futebol. 

“(a Periodização Táctica) aparece para permitir tratar fenómenos apercebidos complexos (jogo), ou seja, fenómenos que “a priori” se considera não poderem conhecer-se por decomposição analítica (Le Moigne, 1994). Esta desenvolveu-se precisamente para permitir uma passagem reflectida do complicado ao complexo, da previsibilidade certa à força de muito cálculo à imprevisibilidade essencial e todavia inteligível. É necessário uma modelização (periodização) que revele suficientemente a inteligibilidade dos fenómenos para que possa permitir a deliberação raciocinada, a invenção e a avaliação dos seus projectos de acção (Le Moigne, 1994)”.

(Carlos Carvalhal, 2002)

Exercício gratuito

Publicamos um novo exercício gratuito: “Impedir o último passe para diferentes objectivos“.

Desta vez trazemos uma adaptação de um exercício de um conhecido treinador português. O exercício original mostrou-se desde logo extremamente rico em comportamentos, porém, sentimos a necessidade de torná-lo mais específico a determinados objectivos e momentos de jogo.

Interpretando-lhe, dadas as suas condicionantes, uma grande propensão para o ataque à profundidade através do passe de ruptura para as costas da última linha da equipa que defende, foi nossa opção dirigi-lo principalmente para os momentos de Organização Defensiva, nomeadamente para a pressão permanente no portador da bolaposicionamento e alinhamento das linhas, concentração defensiva controlo da profundidade. Contudo, uma vez que o exercício reinicia-se com uma bola aleatória, procurando a articulação de sentido entre momentos de jogo, focamos também, para a equipa que não ganha essa primeira bola, a sua Transição Defensiva, particularmente o sub-momento de reacção à perda, no qual emergem os comportamentos de pressão imediata na bola fechar os espaços vitais à progressão adversária.

“É isto que faz a diferença. É perceber o momento em que a bola está sem pressão e está em condições de entrar na profundidade. Esse é que é o momento de controlar a profundidade. Porque antes disso tem de ser de redução da profundidade, tem de ser de ganho da bola, tem que ser de ataque à zona da bola para ganhar.”

Vítor Pereira (2016)

Acrescentamos que sendo um exercício rico em comportamentos, principalmente pela sua estrutura colectiva, é-lhe consequentemente conferido um nível de complexidade elevado, portanto será aconselhado no único dia do Morfociclo que poderá contemplar uma sessão de máxima exigência: a Quinta-Feira num ciclo competitivo de Domingo a Domingo. A este propósito, (Tamarit, 2013) esclarece que “trata-se de compreender que só existe uma sessão de treino de máxima exigência – Quinta-Feira, no Morfociclo Padrão do jogo de Domingo a Domingo, e que consequentemente deverá contemplar a aquisição num plano mais Macro. Nos outros dias chamados aquisitivos – Quarta-Feira e Sexta-Feira, dever-se-á contemplar a recuperação. Estes deverão incidir na melhoria individual, assim num plano mais Micro.”

” (…) aquilo que acontece é que a tua exigência baseia-se na concentração na perspectiva da organização e do grande princípio onde a complexidade solicitada ao jogador é muito maior como o número de comportamentos exigidos é superior. É onde tu, no fundo, procuras expressar a tua complexidade em termos de jogo. A complexidade total, digamos. É no fundo o dia onde fazes os treinos de grandes princípios.”

Rui Faria citado por (Sousa, 2007)

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