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Memórias do Futebol de Rua. O golo ao ângulo.

A infância e adolescência imprimiu-nos memórias incríveis. Num plano de imaginação e criatividade infindável, as brincadeiras e os jogos que realizávamos na rua tinham um poder fenomenal para nos fazer sonhar. O futebol, culturalmente o jogo de maior impacto na maioria das sociedades, absorvia muitas crianças nesses contextos, fazendo-as visualizar feitos incríveis no próprio jogo da rua. Porém, em paralelo, também um dia num grande estádio numa final de uma grande competição.

Mas essa imaginação levava-nos a sonhos concretos. Na galeria dos mais notáveis, tínhamos o golo em pontapé de bicicleta, o golo em em remate “de primeira”, a jogada em que driblávamos todos os adversários e marcávamos ou assistíamos, a intercepção imperial sobre a linha de golo, o desarme limpo em tackle a um adversário que se preparava para ficar isolado, o túnel perfeito, o drible que desorientava por completo o adversário, a defesa do guarda-redes completamente em voo que interceptava um remate extraordinariamente colocado, e claro está… o fenomenal golo ao ângulo da baliza. Indiscutivelmente um local místico do campo de futebol. Símbolo da perfeição, de lendas e de mitos.

O golo ao ângulo da baliza ou lá próximo, era até antecedido por uma sensação de sucesso na execução de quem rematava, imediatamente após a bola sair do seu pé. Era como que uma espécie de premonição do que estava para acontecer. E nesse caso, no mínimo a bola encontrava o poste ou a barra da baliza, o que não providenciando eficácia, seria na mesma espectacular.

Na rua, ou no jogo de rendimento, este golo lendário promove uma sensação de admiração e êxtase entre jogadores e adeptos, pois é visto como um momento de pura genialidade. Assim, é muitas vezes lembrado e revivido, tornando-se parte da história e da mitologia do jogo.

O contra-ataque, e… ou melhor… ou, o ataque rápido II

“Segundo Garganta (1997) e Castelo (2004) este Método de Jogo Ofensivo apresenta as características fundamentais que foram referidas para o Contra-Ataque. A diferença estabelece-se fundamentalmente no facto do contra-ataque procurar assegurar as condições mais favoráveis para preparar a fase de finalização antes da defesa contrária se organizar de forma efectiva. Enquanto que o Ataque Rápido terá de preparar a fase de finalização já com a equipa adversária organizada eficientemente no seu método defensivo.”

(José Lopes, 2007)

Como prometido na semana passada, hoje voltamos a falar do contra-ataque e de ataque rápido. Num artigo de 2019 abordámos o tema, explicando sob a nossa visão e sistematização do jogo, as diferenças entre ambos. Nesse momento escrevíamos:

“A relevância deste assunto, prende-se, para nós, com a confusão geral em que mergulhou, em trabalhos académicos e entre treinadores e jogadores, tal como o próprio tópico da discussão ilustra. Deste modo, o assunto assume especial importância uma vez que se trata de entendimento e conhecimento do jogo, portanto, questões fundamentais no papel do treinador.”

Como referido, tornou-se um lugar comum a associação, tantas vezes ouvida entre ataque rápido e contra-ataque, que acreditamos ter surgido de uma visão clássica do jogo, a qual apenas contemplava as “fases” ofensiva e defensiva, e os coorrespondentes métodos de jogo ofensivos disponíveis nos quais eram agrupados o “ataque organizado ou posicional”, o “ataque rápido” e o “contra-ataque”. Com a evolução para uma visão mais completa e complexa do jogo, contemplando quatro momentos de jogo, surgiu uma nova necessidade de organizar estas ideias. Foi o que procurámos fazer quando propusemos uma sistematização que ia além dos quatro momentos, contemplando então mais doze sub-momentos.

Porém, a mais simples e básica distinção entre ambos não foi sugerida por nós. Há muito que era transmitida nalgumas obras, Universidades e cursos de treinadores, por quem procurava pensar, enquadrar e justificar os diferentes comportamentos em jogo. O Contra-Ataque, como o próprio nome indica, pressupõe a recuperação da bola. Deste modo, tem obrigatoriamente de ser enquadrado no momento de Transição Ofensiva. E como surge imediatamente a seguir à perda de bola e desorganização defensiva de uma equipa e a recuperação de bola e procura de aproveitamento da desorganização defensiva adversária da outra, para nós, o Contra-Ataque continua a ser momento de Transição Ofensiva. Particularmente, um sub-momento, pois torna-se algo muito comum no jogo e uma forma altamente directa de chegar à finalização. Por outro lado, o ataque rápido, não pressupondo recuperação de bola, enquadra-se na Organização Ofensiva. Anteriormente como método, hoje, tendo em conta a evolução da visão sobre o jogo, como um princípio passível de ser adoptado para uma equipa passar do sub-momento de Construção para o sub-momento de Criação. Ou seja, à excepção de ataque à profundidade em jogo longo directo, só em raras situações que implicam tremendos erros defensivos adversários, é que um ataque rápido permitirá que uma situação passe de construção a finalização. Deste modo, enquanto princípio, tal como outros mais, a sua potenciação e utilização, estarão dependentes da ideia de jogo de cada treinador, ao contrário do Contra-Ataque, que enquanto sub-momento torna-se um comportamento transversal a praticamente todas as equipas.

Assim sendo, a situação que trazíamos na semana passada, enquadramos como ataque rápido porque surge em Organização Ofensiva, mais precisamente em Construção. Uma decisão permitida por um conjunto de princípios como a posse e circulação de bola, a atracção da pressão adversária que em conjunto com a profundidade provocada à última linha adversária por Haaland, Doku e Foden acabou por permitir espaço entre-linhas para o apoio frontal de Álvarez e o passe vertical de Ederson, que permitiram iniciar o ataque rápido.

Finalizando, trazemos mais dois exemplos que sucederam num jogo da selecção portuguesa de Sub17, e que possibilitaram mesmo dois golos. O jogo é de 21 de Novembro de 2023.

Na primeira situação, estamos então perante um ataque rápido, pois a equipa estava em Organização Ofensiva, sub-momento de Construção, mais especificamente num lançamento lateral ofensivo. A mobilidade que efectuou provocou espaço ao adversário no interior do seu bloco, e perante isto o lançamento tornou-se um passe vertical para o espaço entre-linhas, permitindo imediatamente à equipa ficar num ataque de 3×3+GR. Por outro lado isto reforça a nossa posição, a qual refuta as bolas paradas como um quinto momento do jogo. Isto porque se há bolas paradas ofensivas que nos permitem finalizar, outras criar situações de finalização, e outras ainda, como esta, que possibilitam passar do sub-momento de Construção para o de Criação. Estão portanto claramente integradas nos sub-momentos do jogo.

Na segunda situação, a equipa recupera a bola no seu meio-campo, logo, momento de Transição Ofensiva, consegue sair da pressão, possibilitando uma situação de contra-ataque, também de 3×3+GR.

Portanto, situações com alguma semelhança em espaço, tempo e número, e nos princípios que permitirão eficiência e eficácia à sua resolução. No entanto, antecedidas de momentos e comportamentos diferentes, o que acreditando na importância da Articulação de Sentido entre sub-momentos e entre momentos para que o todo tenha lógica e coerência, leve a que seja igualmente importante que o treino exija isto, e que a operacionalização de cada uma das situações parta então de contextos e princípios de jogo diferentes.

“Na transição defesa-ataque o objetivo fundamental é, caso existam condições para o efetuar, aproveitar a desorganização posicional do adversário e progredir em direção à baliza adversária, evitando ao máximo interrupções para criar, o mais rápido possível, situações de golo.”

(Carlos Queiroz, 1983)

O quinto momento do jogo? Quantidade não significa qualidade. E ainda… o exemplo do Futsal.

“(…) não será o instante após os lances de bola parada o momento de maior desorganização e instabilidade táctica nos jogos?”

(Filipe de Sá, 2012)

Diferentes visões e formas de pensar levam a diferentes interpretações da realidade, e consequentemente… do jogo de Futebol. Nada de novo. Perfeitamente normal e saudável porque potencialmente são colocadas questões e o debate surge. No “final do dia”, uma das melhores formas de promover evolução.

Deste modo, diferentes formas de entender o jogo conceberam diferentes modelos e sistematizações do mesmo. Uma das questões emergentes surge sobre o enquadramento das situações de bola parada. Nos respectivos quatro Momentos do Jogo? Ou serão elas, por si só, um quinto momento?

Em 2017 publicámos uma proposta que as integravam nos quatro Momentos do Jogo. Não por mero gosto pessoal, mas por coerência com determinada linha de pensamento. Um livre ofensivo, por exemplo, pode ser marcado rapidamente ainda em Transição Ofensiva quando o adversário ainda não recuperou a sua Organização Defensiva possibilitando a equipa que dele beneficia, contra-atacar. Mas pode também ser executado em Organização Ofensiva, caso a equipa defensora tenha recuperado a sua Organização Defensiva. Aprofundando este caso, o mesmo pode ainda estar enquadrado num sub-momento de Construção caso a situação não permita um último passe ou cruzamento para outro atacante (com interessante potencial de sucesso), num sub-momento de Criação caso exista essa possibilidade, ou de Finalização quando a situação permita o remate à baliza. No entanto, este enquadramento parece não ser justificação suficiente para integrar as situações de bola parada nos quatro Momentos do Jogo. Pode-se argumentar , por exemplo, que um quinto momento também possa ser subdividido dessa forma. Torna a perspectiva mais confusa e complicada (não confundir com complexa), mas pode.

A grande justificação para as situações de bola parada fazerem parte dos quatro Momentos do Jogo está na realidade, essa sim… complexa, do jogo. Ora, se um dos princípios basilares do pensamento complexo passa por uma visão holística do objecto de estudo, e que ao invés, a sua separação em partes fá-lo perder propriedades, então, se as situações de bola parada são na mesma… jogo, separá-las do restante jogo levará a disfunções, desarticulações e potenciais erros por desenquadramento do jogar da equipa nas necessidades reais desses momentos. Maior quantidade de Momentos do Jogo não significa maior qualidade da ideia que dele se tem.

“À medida que você tem o domínio da “totalidade” das coisas, passam todas essas coisas a ser preocupação para si!”

Vítor Frade citado por (Xavier Tamarit, 2013)

Por diversas vezes trouxemos o Princípio da Articulação de Sentido que se manifesta de múltiplas perspectivas no jogo e no seu treino. Neste caso referimo-nos à articulação de sentido entre os diferentes Momentos do Jogo. Hoje é praticamente unânime entre treinadores a fundamental importância da articulação entre os momentos ofensivos e defensivos, ou seja, a importância de se preparar a perda da bola quando se está a atacar e preparar o ganho da mesma enquanto se defende. Então será que as situações de bola parada também não devem contemplar esse provável futuro imediato? Certamente que sim e hoje, praticamente todos os treinadores, têm essa preocupação.

Sendo assim, deverão fazer parte de um dos quatro Momentos do Jogo, porque por exemplo, no caso de perda ou ganho da bola, a equipa tem seguidamente outro momento diferente do jogo para resolver. Desse modo, pode e deve, começar a resolvê-lo durante a bola parada. Por exemplo, através de determinados posicionamentos de alguns jogadores. A visão do quinto momento, é no fundo outra visão segmentada, analítica e artificial do jogo que se distancia da natureza do todo que o mesmo contempla.

“E estes equilíbrios passam por quando nós estamos a atacar num lance de bola parada, deixamos um ou dois jogadores fora da área para tentar criar superioridade numérica em função dos jogadores que estão na frente, isto significa que a equipa quer estar equilibrada, não só dos jogadores que estão dentro mas também nos espaços a preencher, porque nós quando temos a bola e quando vamos marcar um canto, podem acontecer algumas coisas… Pode acontecer golo evidentemente, mas também podemos perder a posse de bola, e nós temos que estar preparados para essa perda da bola. E esses equilíbrios, neste caso no processo ofensivo e no equilíbrio de transição defensiva são fundamentais.”

Carlos Carvalhal citado por (Pedro Bessa, 2009)

O segundo golo da República da Coreia contra Portugal começa precisamente na falta de consciência para esta articulação entre um momento de Organização Ofensiva, especificamente um canto ofensivo, com o momento seguinte de Transição Defensiva. Não temos acesso à Ideia nem ao Plano de Jogo, especialmente às bolas paradas, portanto não podemos nem é nosso objectivo apurar responsabilidades, muito menos individuais. Mas sim reforçar a fundamental importância de uma visão macro e pensamento complexo sobre o jogo, neste caso, quer ao nível da articulação de princípios / comportamentos, mas por outro lado, também ao nível do seu detalhe.

Num momento inicial, havia na nossa opinião, um equilíbrio defensivo razoável para defender uma eventual perda ou segunda bola proveniente do cruzamento. Cancelo mais perto da bola, William ao meio e Dalot mais atrás junto ao grande círculo, podendo-se questionar o seu afastamento dos companheiros por não haver na sua zona nenhum coreano e por assim perder a relação de cobertura aos companheiros mais próximos da bola. E havia ainda Bernardo, do lado contrário também fora da grande-área. Todos para apenas dois coreanos, muito baixos até. Son perto da bola e Hwang Hee-chan, que viria a marcar o golo, perto da marca de grande penalidade. Mas como não nos cansamos de repetir, a quantidade não significa qualidade. Neste situação, qualidade comportamental, mais especificamente, posicional.

Equilíbrio defensivo no canto para Portugal.

O problema é que Cancelo deslocou-se para junto da bola para possibilitar a marcação de um canto curto e os companheiros não ajustaram o seu posicionamento para rectificarem o equilíbrio defensivo e garantirem não só cobertura ofensiva / defensiva à zona da bola, como ocupar o espaço fora da grande área onde uma segunda bola proveniente de uma intercepção dos defensores teria mais probabilidade de surgir dada a orientação corporal dos mesmos na defesa do pontapé de canto. William ter-se deslocado para a zona onde anteriormente se encontrava Cancelo seria a solução mais lógica, com Bernardo a aproximar-se mais do eixo central do campo. Arriscando mais, outra alternativa seria aproximar Dalot, ocupando o espaço deixado livre por Cancelo.

Nenhuma das soluções, ou outra, sucedeu para garantir o equilíbrio defensivo. Surgiu a tal segunda bola naquele espaço e Son teve a possibilidade de receber enquadrado e conduzir o contra-ataque. Ou seja, por erros posicionais, não tivemos comportamentos fundamentais do primeiro sub-momento da transição defensiva, como pressionar imediatamente a bola, garantir contenção ao adversário com bola e cobertura defensiva à eventual contenção.

Depois, e evitando ir ao plano do detalhe, após a Recuperação Defensiva, podemos analisar um terceiro momento da Transição Defensiva. A Defesa do Contra-Ataque adversário. Ainda na Recuperação Defensiva, com Son em condução numa situação de 1×1 contra Dalot, o português, bem, recuou em contenção e temporizou, possibilitando a recuperação defensiva de mais companheiros. E desta forma permitiria também assegurar a cobertura defensiva do seu Guarda-Redes. No geral, neste Sub-Momento, o objectivo passa por conquistar uma relação numérica mais confortável para posteriormente resolver a situação. E tal objectivo foi conseguido. O problema, novamente, é que a quantidade não significa qualidade. E se o entrosamento e as relações comportamentais no campo não estiverem bem claras, mais jogadores em determinada situação, podem mesmo significar menos qualidade dada a relação / interferência que as partes fazem entre si, nesse todo circunstancial. O todo não é sempre mais que a soma das partes. O todo, é sim, diferente da soma das partes.

No Sub-Momento da Defesa do Contra-Ataque, em que os defensores devem travar e obrigar o atacante com bola a uma decisão, gerou-se confusão. Dalot, Palhinha (que podia ter decidido falta táctica antes) e William procuram garantir a contenção e eventual desarme. Tal gerou indefinição entre os três permitindo espaço e consequente, tempo, para Son, no timing certo, realizar o último passe para Hwang, que, perseguido por Bernardo, entretanto se juntou ao contra-ataque garantindo uma solução de ruptura para beneficiar do espaço entre os defensores e o Guarda-Redes português. O qual, perante a condição de Son, a sua linguagem corporal e a eminência de desmarcação de ruptura de Hwang, parece-nos muito distante dos companheiros.

Situação de 2×4+GR bem resolvida pelos coreanos, mas evidentemente mal pelos portugueses. Dada a natureza de oposição / cooperação do jogo será sempre assim em todas as situações? Provavelmente. Porém, sempre em doses diferentes de responsabilidade entre atacantes e defensores, tendo em conta o conhecimento do jogo que detêm e o entrosamento que manifestam.

Em situações similares, aumentar a probabilidade de êxito defensivo seria manter o mesmo jogador em contenção para não permitir o tal espaço e tempo ao atacante com bola. E os restantes defensores que consigam recuperar defensivamente garantirem uma linha de cobertura ao companheiro. Neste caso, com a bola mais próxima do corredor lateral, Palhinha, William e posteriormente Bernardo deviam estar em linha de cobertura por dentro. Caso o adversário com bola se situasse mais perto do eixo central do campo, a linha de cobertura deveria garantir cobertura a ambos os lados do defensor em contenção. Outros comportamentos adicionais a assegurar passariam pela linha de cobertura / última linha travar na linha limite da grande-área com a contenção à sua frente para forçar a decisão do atacante com bola, e não no melhor timing para si. Por outro lado, o Guarda-Redes assegurando uma maior agressividade sobre o espaço à sua frente, garantiria assim uma segunda cobertura defensiva, neste caso à última linha, de forma a antecipar o potencial último passe adversário. E mesmo que não conseguisse a intercepção, reduziria em muito o espaço e tempo de decisão e finalização ao atacante em ruptura. No plano do detalhe poderíamos falar em apoios, distâncias, indicadores de pressão para desarme, etc., mas ficamo-nos pelo plano dos grandes princípios.

Naturalmente, este conhecimento e entrosamento é alcançado mais rapidamente com treino. Treino, que escasseia num contexto de Selecção Nacional. Mas perguntamos, generalizando… mesmo no contexto dos clubes treina-se o suficiente ou sequer se treinam estas situações? No Futsal são comportamentos que se treinam ao detalhe e até à “exaustão”. É factual que nesse jogo são situações que sucedem em muito maior volume do que no Futebol, porém, os resultados são também mais dilatados. É possível que no Futebol, uma equipa seja apenas submetida uma única vez ao Sub-Momento de Defesa do Contra-Ataque ao longo de um jogo inteiro, e sem qualquer previsão da relação numérica aí encontrada. Porém, se a conseguir resolver com sucesso, poderá fazer toda a diferença no resultado final como sucedeu no República da Coreia x Portugal. Uma vez mais… quantidade não significa qualidade.

“Defender com poucos é uma arte, implica treino, coordenação e princípios, mas fundamentalmente todos perceberem o que deve ser feito, de forma a que quem chega mais rápido, seja ou não “defesa”, saiba o que está a fazer e o posicionamento correto a ocupar, consoante a bola, o colega e o adversário!”

(Ricardo Galeiras, 2018)

Organização Ofensiva [Subscrição Anual]

Publicamos o tema Organização Ofensiva. Importa transmitir que esta publicação, à imagem de outras futuras direcionadas para os outros três momentos de jogo, trará nesta primeira abordagem uma perspectiva eminentemente macro. Trata-se porém, de um tema muito vasto e com tanto potencial para explorar ao nível do detalhe, o que irá suceder no futuro. Deste modo, antecipamos, que a partir deste tema, traremos outros, sub-dividindo-o para esse efeito, nos seus três sub-momentos e a partir daí, a uma escala ainda mais micro, em princípios e sub-princípios.

Contudo, a abordagem que aqui fazemos, ainda que uma “fotografia” ao quadro geral do momento de Organização Ofensiva, tendo em conta o potencial do tema, acabou por necessariamente se tornar extensa e, na nossa opinião, um passo fundamental para compreender não só o momento em si, mas também o jogo no seu todo.

O tema Organização Ofensiva encontra-se enquadrado em:

Por outro lado este tema será constituído pelos seguintes capítulos:

  1. Enquadramento
  2. Um jogo “descerebrado”
  3. Desconstruir e compreender o momento de Organização Ofensiva
  4. Jogar… ofensivamente… “bem”
  5. A dinâmica – tempo, espaço, número e… qualidade
  6. Defender começa quando se ataca e… atacar… começa quando se defende
  7. Traços de qualidade ofensiva
  8. Máxima variabilidade para… máxima adaptabilidade
  9. Situações de bola parada ofensivas

Deixamos alguns excertos do tema Organização Ofensiva. Dada a extensão do tema, partilhamos aqui um pouco mais do que o habitual.

“Sem a bola, não podes vencer.”

(Johan Cruyff)

Parece-nos claro que a grande atracção que o Futebol traz aos seus entusiastas provém de acções elementares do jogo como o drible, o passe que rompe linhas, o último passe que coloca o atacante na cara do guarda-redes adversário, ou aquele seu “descendente”… o cruzamento perfeito que descobre um atacante livre para finalizar. Mas também a difícil recepção, o detalhe técnico invulgar, a simulação que engana toda a equipa adversária, a ideia divergente que ninguém esperava e trouxe sucesso à jogada, etc., etc… Ou ainda por outras um pouco mais complexas como a combinação, mobilidade e permutas entre jogadores, e até do ponto de vista colectivo, a dinâmica que algumas estruturas das equipas trazem ao espectador, jornalista e técnico, tal qual um bando de aves a voar numa sincronia perfeita. Porém, acima de tudo isto, claramente que se posicionam a finalização e o golo. Estes momentos são sem dúvida o epicentro do jogo de Futebol.

O denominador comum entre todas estas acções, manifesta-se em serem as que se enquadram no jogo ofensivo das equipas, independentemente se depois, em função de cada contexto de jogo, sucedam em Transição Ofensiva ou Organização Ofensiva. Por outro lado, sendo verdade que se tem assistido ao longo da evolução do jogo a uma crescente “espectacularidade”, mediatização e valorização das acções realizadas nos momentos defensivos, é no entanto, sem grande dúvida, o ataque e a expectativa em relação à forma como os jogadores dão uso à bola, os comportamentos que ainda promovem a maior atracção à maioria dos apaixonados pelo jogo.

(…)

Uma ausência de critério e intencionalidade, o tal jogo “descerebrado” transmite uma ideia de navegação à deriva que só por acidente, trará o sucesso desejado. Sucesso esse que perante tal enquadramento, será muito provavelmente pontual. Com naturalidade, esta era uma característica do jogo das equipas nos primórdios do Futebol, até que as experiências e a reflexão de jogadores e treinadores fizeram-no evoluir para o nível actual. Hoje, no jogo de nível superior, a grande maioria das equipas mostram intencionalidades e ideias, independentemente, depois, da sua maior ou menor qualidade. Que sublinhamos… qualidade essa… ditada pela regularidade da eficácia que tais ideias potenciam, em interacção com a qualidade individual dos jogadores. É sobre essas ideias que nos debruçamos, procurando a provável utopia do melhor caminho para chegar a um sucesso… regular. Mantendo também, sempre a consciência que tal caminho estará sempre em permanente construção e evolução.

(…)

Neste sentido, (José Laranjeira, 2009) conclui que assim é imperioso tornar o processo ofensivo mais objectivo e concretizador, conduzindo à criação de um maior número de oportunidades de golo e correspondente concretização“. Com um pensamento praticamente idêntico, (Pedro Bessa, 2009) também sublinha que “para todos que pretendem ver um Jogo revestido de qualidade e de espectacularidade, existe a necessidade de tornar o processo ofensivo mais objectivo e concretizador, para que se criem mais oportunidades de golo e se atinja uma maior eficácia em jogo (Luhtanen, 1993, cit. por Pereira, 2008)”. No mesmo sentido surge ainda (Pedro Barbosa, 2009), defendendo que perante “a raridade existente de golos num jogo, é provavelmente essencial que as equipas para ter sucesso, necessitem de possuir um processo ofensivo eficaz e eficiente (Yamanaka et al. 1988; Szwarc, 2007)”. Para tal, (José Laranjeira, 2009) acredita que só através da criação de desequilíbrios, por comportamentos individuais e colectivos, se consegue provocar surpresa no adversário“.

Se foi uma realidade, que a determinado momento do jogo a evolução da organização defensiva das equipas se sobrepôs ao investimento na organização ofensiva, por outro lado, como abordamos atrás, tem havido uma confusão entre eficácia, eficiência e estética. Muitas análises e avaliações do jogo, tendo em conta determinados contextos culturais, preferências pessoais e atracção por determinada estética de jogo, que muitas vezes, até está desfasada das próprias regras do jogo, tem levado a que determinadas ideias sejam defendidas e difundidas, mesmo estando pouco relacionadas com a eficiência, consequentemente com a eficácia, e portanto, com o sucesso. Porém, devemos compreender que tal realidade faz parte da evolução natural do jogo, tal como sucedeu, numa perspectiva mais macro, com a espécie humana. Torna-se então fundamental entender o jogo, os potenciais caminhos que geram aproximações à obtenção de sucesso no mesmo, e o consequente trajecto da sua evolução.

(…)

Mais tarde, procurando caracterizar de forma mais específica o momento ofensivo, no qual a equipa já se encontra organizada coletivamente para atacar, no estudo que realizou, (Júlio Garganta, 1997) defende que “no plano da organização ofensiva das equipas de Futebol, não obstante a natureza aleatória e diversificada das acções de jogo, é possível detectar vias e formas preferenciais de acção dos jogadores, expressas na forma como se comportam algumas variáveis e do modo como elas se agrupam para interagir. Ou seja, embora não exista um determinismo absoluto, a análise das sequências de jogo permite apurar regularidades e variações exibidas pelas equipas que exprimem uma lógica observável“. Deste modo, torna-se importante procurar “mapear” o jogo para que seja mais fácil a sua leitura, interpretação, análise, e posterior investimento no trabalho sobre determinadas “regiões” do mesmo.

(…)

Perante estas ideias propomos três sub-momentos para o momento de Organização Ofensiva: a Construção, a Criação e a Finalização com a seguinte lógica:

  1. Construção: quando ambas as equipas se encontram dentro da sua organização para atacar e defender e quando a bola se encontra fora do bloco da equipa que defende.
  2. Criação: quando a equipa que ataca consegue penetrar no bloco da equipa que defende e surge perante a última linha adversária ou a última linha e mais um médio em contenção. A excepção é quando a equipa que ataca procura um jogo mais directo, de ataque à profundidade, ou seja, de passe directo para o espaço entre a última linha de quem defende e o seu Guarda-Redes, o que acaba por se configurar como uma situação de último passe, independentemente do grau de dificuldade superior da acção. Neste sub-momento, integram-se também todas as situações de bola parada ofensivas que poderão permitir um último passe ou cruzamento e finalização. Devemos referir que compreendemos as opiniões que distinguem as situações de bola parada como um quinto momento do jogo, porém a nossa interpretação é que, independentemente do jogo estar parado ou em movimento, se uma equipa está organizada para defender essas situações e a outra para atacar, então estarão dentro da sua Organização Defensiva e Organização Ofensiva, respectivamente.
  3. Finalização: todas as acções que visam o momento final de ataque à baliza adversária, portanto, a acção individual ofensiva de remate, independentemente da superfície corporal envolvida. Aqui também se integram as situações de bola parada ofensivas que poderão permitir um remate directo à baliza. Importa ainda referir que a finalização pode até surgir quando a equipa que ataca tem pela frente todo o bloco adversário ou parte do mesmo. Contudo, se quem ataca conseguiu chegar ao remate, esses momentos de organização defensiva adversários falharam de alguma forma.

Organização Ofensiva – Sub-momentos do jogo.

(…)

Regressando a uma perspectiva macro do jogo, na opinião de (Lobo, 2007), citado por (Rodrigo Almeida, 2009), “uma das virtudes das Equipas que jogam bem é a capacidade de criar oportunidade de golo através de jogadas elaboradas”. No entanto, o mesmo autor, recorredo a (Castelo, 1994), também adverte que “há formas de organização incompletas sendo caracterizadas por todas as formas de processo ofensivo que não chegaram a zonas predominantes de finalização”. Por outro lado, (Júlio Garganta, 1997) refere que “Sledziewski & Ksionda (1983a) chamam também à atenção para situações que ocorrem durante um jogo de Futebol, nas quais uma equipa, encontrando-se momentaneamente em posse da bola, não manifesta a intenção de finalizar, nem de se aproximar da baliza adversária. Estes casos surgem, frequentemente, quando uma equipa pretende jogar para manter um resultado que lhe é favorável“. Assim, (Jorge Castelo, 1996) acrescenta que a equipa que “está em posse de bola, para além de poder concretizar o objectivo do jogo – o golo, poderá igualmente:

  • Controlar o ritmo específico do jogo, pois, em função do resultado (numérico) momentâneo é que se poderão contrapor acções técnico-tácticas que acelerem ou diminuam este ritmo;
  • Surpreender a equipa adversária através de mudanças contínuas de orientação das acções técnico-tácticas e atempadamente fazer uma ocupação racional do espaço de jogo em função dos objectivos tácticos da equipa;
  • Obrigar os adversários a passarem por longos períodos sem a posse da bola, levando-os a entrar em crise de raciocínio táctico e, consequentemente, a expô-los a respostas tácticas erradas em função das situações de jogo;
  • Recuperar fisicamente com o mínimo de risco.”

No vídeo, a Croácia decide utilizar a posse e circulação da bola para defender a vantagem nos minutos finais do jogo. Jorge Castelo acrescenta então, que “as equipas ao encontrarem-se em posse de bola, não significa que realizem qualquer acção ofensiva, verificando-se que a finalidade destas situações se resume à “perda de tempo”, “jogar para manter o resultado” ou “quebrar o ritmo ofensivo do adversário””.

No entanto, o autor, adverte que a posse da bola não é um fim em si e torna-se utópico, se não for conscientemente considerada como o primeiro passo indispensável no processo ofensivo, sendo condição “sine qua non” para a concretização dos seus objectivos fundamentais: a progressão / finalização e a manutenção da posse da bola“. Na mesma linha de pensamento surge (Faria, 2003) citado por (Abílio Ramos, 2005) ao defender que “é importante ter a posse de bola se ela tiver um objectivo claro como, por exemplo, atacar. Posse de bola por si só não tem significado absolutamente nenhum se não tiver um objectivo claro“. Também (José Pedro Loureiro, 2022) explica que “um dos exemplos mais recorrentes no futebol de hoje em dia é a posse de bola inconsequente: “muitas vezes, observa-se que a equipa (principalmente no início da fase ofensiva) fica empenhada em passar a bola, sem manifestar qualquer intenção de ataque à baliza adversária” (Araújo & Volossovitch, 2005). Ou seja, a ação de passar a bola enquanto fim, e não enquanto meio, viola o conceito de representatividade da tarefa. Fosse eu um apostador obsessivo e arriscaria todas as minhas fichas como o tiki-taka simplesmente aconteceu (emergiu), não se treinou (propriamente com esse intuito)!”

(…)

(…)

Porém, fundamentalmente as equipas têm de procurar um jogo de qualidade… ou seja… um “jogar bem“. Para tal, o traço principal desse jogo deverá ser o sucesso regular, tendo-se naturalmente em conta o contexto. Deste modo não há sucesso regular sem eficácia… regular. Uma eficácia regular só se atinge fazendo mais vezes bem as coisas, portanto, ao nível do posicionamento, decisão e execução. Falamos assim, da procura da eficiência. No domínio particular da Organização Ofensiva das equipas, o autor (Pedro Barbosa, 2009) sustenta então que as equipas terão que arranjar mecanismos e formas de atingir mais vezes a baliza adversária e se possível com grande eficácia. Esta situação solicita aos investigadores em Futebol a capacidade das suas análises abrangerem, não apenas, os momentos do golo, mas também a análise de todas as oportunidades criadas, de forma a tentar objectivar-se esse mesmo golo (Garganta, 1999; Yiannakos & Armatas, 2006)”.

(…)

Assim, (Rodrigo Almeida, 2009) chama a atenção para que a Objectividade subjacente salientada como uma Intencionalidade não pode ser confundida com “jogo directo”. Objectividade tem duas vias de acordo com o termo, a primeira via é a objectividade do jogo, i.e., destinar-se à baliza [o que leva a muitos ao jogo frenético e directo], jogo vertical, onde o meio campo assume um papel fundamental na recuperação das segundas bolas e no aproveitamento destas em espaços mais profundos (Pedro Sousa, 2009), a segunda via é a objectividade circunstancial, ou seja, ser objectivo, ser oportunista, não perder o momento porém acima de tudo ser experto, não perdendo o foco do principal sabendo que para onde ir e o que fazer. Camacho (2003a; cit. por Amieiro, 2005, p.60) colmata esta opinião ao referir que é preciso «saber-se jogar Futebol». E saber jogar bem não é só dominar a bola, driblar, chutar e marcar um golo. “Saber jogar é perceber o que a Equipa precisa em cada momento do jogo…”“. Na mesma linha, (Pedro Bouças, 2014) defende então que não pode existir um dualismo entre o jogo directo e indirecto. Dando um exemplo, para o autor, ser da boa tomada de decisão não é ser de posse ou de contra-ataque. É ser de posse quando o adversário está organizado e o espaço escasseia e é ser de contra-ataque quando há espaço e situação numérica para tal“. Na mesma linha de pensamento, também relacionando os momentos de Transição Ofensiva e Organização Ofensiva, (Tiago Margarido, 2015) sustenta que “quando não for possível aproveitar a desorganização posicional do adversário devemos ter a capacidade de realizar uma rápida circulação de bola e trocas posicionais eficazes com vista a criar uma forte dinâmica ofensiva de modo a desorganizar a equipa adversária e a criar situações de finalização”.

(…)

Estas ideias sobre a Organização Ofensiva das equipas reflectem uma enorme importância no pensamento relativamente à dimensão espaço. Deste modo, surgem de alguma forma influenciadas por Johan Cruyff e os seus mentores, que apontavam o espaço como elemento decisivo no jogo. O autor (Winner, 2000), descreve que Barry Hulshoff, companheiro de equipa de Cruyff na selecção holandesa de 1970, realatava que discutiam espaço o tempo todo. Cruyff falava muito sobre para onde os jogadores deveriam correr, onde deveriam permanecer e para onde não se deveriam mover. Sempre com a intenção de criar espaço e utilizar esse espaço“. Também o jogador espanhol (Juan Mata, 2016), citado por (Wikiquote, 2018), confessa que considera Cruyff “o pai ideológico do Futebol. Aquele que procura imitar em campo e aquele com quem procuro aprender quando, como espectador, assisto a um jogo. A inteligência na gestão da bola e dos espaços, a importância do talento sobre o físico e o entendimento do Futebol enquanto jogo de equipa, são conceitos que definitivamente eu abracei“.

(…)

A propósito do trabalho marcante de Helenio Herrera no Inter de Milão, e de acordo com (Ignacio Benedetti, 2021), quando lhe perguntavam pelo trabalho dos seus discípulos, ou pelo trabalho dos treinadores que procuravam replicar as suas ideias, o treinador franco-argentino declarava que não os entendia porque apenas haviam tentado copiar “as formas de defender, e não as formas de atacar a partir da forma como se defendia“. De acordo com o autor, este pensamento revela basear-se em aspectos “geográficos“, que se podem isolar, “como defende aquela equipa ou como ataca a outra equipa, porque nos deixamos levar pelas etiquetas. Este é um treinador defensivo e este é um treinador ofensivo”. Porém segundo o mesmo autor na realidade, os grandes treinadores não conceberam o jogo de forma isolada, de forma separada”, mas segundo uma visão global do jogo e da forma como o sentem. Reforçando a ideia, Benedetti acrescenta que “as equipas “defensivas” de Mourinho fizeram uma quantidade impressionante de golos. As equipas “defensivas” de Helenio Herrera fizeram um enorme número de golos. As equipas “ultra-ofensivas” de Guardiola foram equipas que evitaram que os seus adversários pudessem chegar à sua baliza. É aqui que o futebol se torna apaixonante porque nos leva a essa rebeldia de pensar e não nos deixar levar pela imediatez do dos meios de comunicação e de todos os que se querem postular como analistas do jogo, mas que na realidade apenas o pensam de forma superficial. O Futebol é um todo“.

(…)

Para (Vítor Frade, 2013), torna-se então fundamental compreender que “o que nos distingue das outras espécies é de facto… e nós chegamos a esta espécie e chegamos a ser o que somos pela criatividade. Contrariamente ao que se pensa, é a autoengendração que assegura que nós possamos superar as dificuldades, isto num sentido individual. O que acontece por isso, em termos de grupo, hoje fala-se na inteligência de massas, ou não sei o quê, ou da inteligência enxame, mas é de facto uma necessidade imprescindível, mesmo aí, a criatividade. Eu costumo dar uma metáfora que é assim: eles estão perante um tema, mas quem faz a redacção são eles e a redacção é condizente com o contexto, e com o momento, com a capacidade momentânea e muitas coisas, mas essa é deles! E essa muitas das vezes é à la long, e na continuidade da causalidade excepcional repercute-se numa melhoria, na melhoria da coordenação, da organização da própria equipa. Uma condição da existência das pessoas é serem criativas!“.

(…)

Também citado por (Pedro Bessa, 2009), outro treinador português, José Gomes, afirma que estas situações de jogo “podem ser aproveitados para tornar determinado momento de transição de uma ou de outra forma” (Anexo III)”. Assim, no pensamento do treinador, as situações de bola parada sãomomentos de jogo que são ofensivos e defensivos e que estão incluídos nestes” (Anexo III)”. Portanto, de acordo com (Pedro Bessa, 2009) para José Gomes, tal como de Carlos Carvalhal, as situações de bola parada estão incluídas “nos momentos ofensivos e defensivos, como todos os outros momentos destas fases, não fazendo sentido falar em momento alternativo de jogo”. Contudo, importa perceber que estas situações não estão apenas incluídas nos momentos de Organização. Como é facilmente entendível, por exemplo, um livre, lançamento lateral e até canto ou mesmo pontapé de baliza, nos quais a equipa que defende ainda não recuperou a sua Organização Defensiva, estará então no sub-momento Recuperação Defensiva da Transição Defensiva e quem ataca estará em condições de explorar o sub-momento contra-ataque da Transição Ofensiva. Se efectivamente o fará já será depois uma decisão a tomar.

(…)

“(…) não existe treinador que no seu íntimo não pretenda ser o “deus de Laplace” – conseguir prever com uma certeza infinitésimal a evolução do jogo, controlar esse sistema multivariável. Por isso, talvez ele preferisse substituir a variabilidade pela estereotipia na expectativa de que as atitudes dos seus jogadores fossem previstas e articuladas com a máxima certeza, de que as propriedades topológicas do movimento que eles manifestam fossem as menos variáveis. Ele deve, no entanto, aperceber-se que a máxima estereotipia, correspondendo à mínima variabilidade, corresponde, também, à mínima adaptabilidade…”

P. Cunha e Silva (1995) citado por (Júlio Garganta, 1997)

 

A saída de jogo do Guarda-Redes. Curta ou longa, ou aberta ou fechada? E eventuais tendências evolutivas. III

Noutra perspetiva, esta forma de resolver a saída de jogo do Guarda-Redes, transmitiu uma mensagem de coragem para dentro e para fora. Como um dia Matt Busby referiu, o Futebol tinha-se tornado “um jogo de medo”, e contribuições como a de Guardiola, do ponto de vista emocional, puxaram o jogo para outra dimensão e dessa forma, acabaram por influenciar terceiros. No entanto, analisar esta emocionalidade desligada de algumas razões organizativas descritas acima, estratégicas, ou mesmo de questões em torno do desgaste que o jogo, e que cada jogar, provocam… é um constante erro do pensamento cartesiano. Estamos perante a procura de uma eficiência… que é táctica… e que nessa perspectiva provocará reflexos que se manifestam do ponto de vista técnico, físico e psicológico. Tentar compreendê-la ou transmiti-la apenas do ponto de vista de uma destas dimensões, apresenta-se como perigosa para o Todo… Táctico. E essa foi talvez a principal razão para que esta acção de jogo, nomeadamente na sua expressão de “saída curta”, tenha sofrido más interpretações e deturpações nos últimos anos. Sendo assim, esta é também mais uma razão que nos leva a reflectir sobre o tema.

A saída de jogo do Guarda-Redes. Curta ou longa, ou aberta ou fechada? E eventuais tendências evolutivas.

https://www.facebook.com/watch/?v=265131551338423

Criação | Livre Indirecto + Último passe + Criatividade

“Tinha um treinador que dava muitas indicações: “Ó Simões, faz isto assim e assado.” Mas eu não sabia fazer aquilo daquela maneira, então pegava na bola e fazia à minha maneira. E ele lá dizia: “Pronto, assim também está bem!” A criatividade é assim. Por isso é que digo que conheço muitos jogadores que em muito contribuíram para fazer treinadores, isso sim.”
António Simões, citado por (Cabral, 2016)

A saída de jogo do Guarda-Redes. Curta ou longa, ou aberta ou fechada? E eventuais tendências evolutivas. II

Num artigo recente abordámos a situação de Saída de Jogo do Guarda-Redes. Perante a multiplicidade de situações possíveis, procurámos identificar e catalogar as diferentes soluções, tendo sempre consciência que a enorme complexidade do jogo não o permite fazer à totalidade das situações, e haverão sempre algumas, identificadas como casos especiais.

Por outro lado, abordámos também possíveis consequências da alteração da regra do pontapé de baliza neste tipo de situação de jogo. De forma pouco surpreendente, Guardiola já apresenta novas ideias, de forma a explorar as novas regras. Se para nós, a qualidade / intensidade da acção táctica dependerá de um todo complexo constituído pelo tempo, espaço, número e qualidade individual, neste momento, as novas possibilidades de acção sobre o espaço trazem consequências às outras dimensões da acção táctica, e portanto, novas possibilidades de atingir a eficiência e eficácia no jogo.

Creditos para Fúlbo.

A Juventus de Maurizio Sarri também está a realizar um percurso similar.
“Mesmo sob pressão há formas de sair a jogar. É preciso é entender como é que a pressão está a ser feita e preparar o antídoto.”
(Vítor Pereira, 2014)

A saída de jogo do Guarda-Redes. Curta ou longa, ou aberta ou fechada? E eventuais tendências evolutivas.

“O que ele terá sempre de fazer é ter calma, é não se precipitar. Porque se ele não está pressionado, então é como outro jogador qualquer noutra zona do campo. Calma, deixa-te estar. Porquê? Porque compete aos colegas movimentarem-se no sentido de proporcionarem um homem livre, uma solução de passe. Claro que nem sempre se decidiu bem, mas essas dinâmicas de movimentos permitem encontrar linhas de passe mais próximas, mais longe, mais à largura, mais dentro do adversário, mais às costas das defesas…”

(Miguel Cardoso, 2018)

As acções de jogo decorrentes da situação de saída de jogo do Guarda-Redes valorizam-se e vulgarizaram-se nos últimos anos. É certo que ao longo da história do jogo muitas equipas já faziam desse momento uma marca forte do seu jogar, no entanto parece-nos claro que o Barcelona de Guardiola, foi até hoje, a equipa da história do jogo que deu o maior impacto à acção. Isto porque tratou-se, naquele momento, de um fundamento importante no seu jogo uma vez que a “saída curta” permitia, entre outras coisas, desde logo, privilegiar o jogo curto e apoiado, manter a bola controlada, o bloco junto e uma consequente chegada, também junta, do mesmo à baliza adversária. O tal “viajar juntos” que Sampaoli descreveu. O autor (Amieiro, 2oo9) enalteceu na equipa “o modo como recusa cair na tentação do pontapé longo”. Por outro lado, na articulação de sentido que o jogo proporciona, esta coesão, trará reflexos aos momentos de jogo subsequentes. Na Transição Defensiva, a equipa irá desta forma garantir uma concentração defensiva que aumentará as probabilidades de sucesso numa eventual tentativa imediata de recuperação da bola. Ou então, no momento subsequente, perante a sua reorganização defensiva mais rápida e mais alta no campo, permitirá à equipa pressionar com todo o seu bloco, num posicionamento colectivo mais alto.

Noutra perspetiva, esta forma de resolver a saída de jogo do Guarda-Redes, transmitiu uma mensagem de coragem para dentro e para fora. Como um dia Matt Busby referiu, o Futebol tinha-se tornado “um jogo de medo”, e contribuições como a de Guardiola, do ponto de vista emocional, puxaram o jogo para outra dimensão e dessa forma, acabaram por influenciar terceiros. No entanto, analisar esta emocionalidade desligada de algumas razões organizativas descritas acima, estratégicas, ou mesmo de questões em torno do desgaste que o jogo, e que cada jogar, provocam… é um constante erro do pensamento cartesiano. Estamos perante a procura de uma eficiência… que é táctica… e que nessa perspectiva provocará reflexos que se manifestam do ponto de vista técnico, físico e psicológico. Tentar compreendê-la ou transmiti-la apenas do ponto de vista de uma destas dimensões, apresenta-se como perigosa para o Todo… Táctico. E essa foi talvez a principal razão para que esta acção de jogo, nomeadamente na sua expressão de “saída curta”, tenha sofrido más interpretações e deturpações nos últimos anos. Sendo assim, esta é também mais uma razão que nos leva a reflectir sobre o tema.

Do ponto de vista táctico, o autor (Amado, 2016) aponta que “os benefícios de sair a jogar não se esgotam na possibilidade de ligar o jogo, de manter a posse de bola ou de preparar um ataque. Sair a jogar é também a maneira mais segura de uma equipa se precaver contra a incerteza das segundas bolas. (…) Aliviar quando se está a ser pressionado parece uma decisão sensata, na medida em que se evita o risco inerente à circulação numa zona defensiva. Mas, na verdade, aliviar envolve sempre a insensatez de deixar o destino do lance entregue ao acaso”. Reflectindo sobre as probabilidades de sucesso das acções, parece-nos claro que o passe curto terá maior probabilidade de sucesso do que o longo, mesmo nas tais zonas que muitas pessoas consideram de “risco”. Nesta linha de pensamento surge também (Lumueno, 2018), defendendo que “o passe longo é um passe de execução mais difícil que o passe curto, assim como também é de receção mais difícil. E a dificuldade é ainda maior no caso de existirem adversários por perto. Ou seja, tudo isso resulta numa maior possibilidade de o adversário recuperar a bola”. E neste sentido, (Correia et al., 2014) expõem que “as equipas de topo tentam sempre que possível sair a jogar curto e há aquelas ainda que o fazem mesmo que o contexto não seja o mais favorável. A questão fundamental é que, em condições normais, uma saída curta oferece mais garantias da equipa manter a posse de bola comparativamente às saídas longas”.

O treinador português (Vítor Pereira, 2014), acredita que “mesmo sob pressão há formas de sair a jogar. É preciso é entender como é que a pressão está a ser feita e preparar o antídoto”. Neste enquadramento, a prioridade deverá então passar pelo passe curto, logicamente se existirem condições mínimas. Os autores (Correia et al., 2014) sublinham esta ideia, referindo que “a primeira preocupação de toda a equipa num pontapé de baliza a seu favor será sair a jogar curto, desde que estejam reunidas as condições para tal. O posicionamento do adversário é aqui 0 principal fator a ter em conta na decisão a tomar“. Essas condições mínimas serão determinadas então pelo Modelo da equipa. Sejamos claros, pelo Modelo e não pela Ideia. Sendo o Modelo, a Ideia mais o Contexto, ele expõe portanto a interacção do que foi construído pelo treino, com as qualidades individuais dos jogadores, com o seu momento emocional, com a forma como absorveram a ideia, com a dimensão estratégica, ou seja, pelo conhecimento do que o adversário poderá ou não fazer e a influência que isso terá nos recursos disponíveis, entre um universo de outras coisas mais ou menos influentes.

Exemplificando o domínio estratégico, os autores (Correia et al., 2014) explicam que este “poderá ter também influência na forma de executar um pontapé de baliza, ou seja, questões relacionadas com as características do adversário com quem iremos jogar poderá influenciar na opção ou opções a tomar. Exemplos: explorar as zonas onde se encontram os jogadores menos fortes no jogo aéreo da equipa adversária, realizando para lá o pontapé de baliza; tentar a superioridade numérica no local previsto para a queda da bola após a reposição pelo guarda-redes, aumentando as hipóteses de êxito na disputa do lance“. Os autores tocam ainda num tema ao qual regressaremos no futuro. A relação tempo-espaço-número parece-nos hoje curta na tomada de decisão ou para avaliá-la. A qualidade, como quarta dimensão, parece-nos fundamental na busca de uma melhor compreensão da complexidade da acção, de uma maior aproximação à realidade do jogo, e consequentemente ao sucesso.

Assim, procurando esse sucesso, o treinador português (Villas-Boas, 2009) defende ser possível sair a jogar curto do Guarda-Redes “desde que o treines e acredites nisso… acho que sim… acho que é possível… obviamente que, se tiveres um central que tem dificuldade ou que tecnicamente é limitado não o vais querer fazer, não queres arriscar, se tiveres centrais que estão confortáveis com a bola… acho que sim, que podes arriscar… acho que é uma coisa que deves fazer”. Mas (Correia et al., 2014) descrevem que “muitos treinadores definem muito bem o posicionamento dos seus jogadores para que o pontapé de baliza seja executado, mas não preparam a equipa corretamente, através de exercícios de treino, para o conjunto dos comportamentos e ações que é imprescindível ter para que a manutenção da posse de bola esteja assegurada”. O treinador (Miguel Cardoso, 2018), relata, que em conversa com o seu Guarda-Redes, “também disse ao Cássio: “Não há problema nenhum se tu entenderes que a bola deve ser longa. Se entenderes que a equipa está num momento em que não quer sair curto, ou porque não te deu linhas de passe ou porque o adversário está numa fase muito pressionante…”

“O que nós dizemos é: “Tens aqui, tens ali, tens acolá e acolá. Escolhe. O que tu escolheres para mim está bem feito”. Agora, ele teve foi a coragem, muitas vezes, de encontrar soluções que permitiram ter mais certeza, por regularidade, por tendência. Em 20 vezes, ele encontrou 18 soluções que teoricamente para quem vê de fora são de risco, mas para nós não eram risco, porque eram o que nós fazíamos. E tu perguntas assim: mas treinavam assim? Assim e pior: treinávamos com dez contra onze. Agora tiro um médio, tiro o Pelé. Agora tiro o Tarantini. Agora tiro o Geraldes. Agora tiro um ala. Agora tiro um lateral. Agora o Guedes. E fazia isto 20 vezes seguidas. E contra a equipa B, por exemplo, em que dizia: agora vocês pressionam o guarda-redes, agora não pressionam o guarda-redes, agora fazem parede ao guarda-redes daquele lado, agora ficam à espera. Isto é dar soluções em contextos de dificuldade acrescida e incorporar permanentemente o guarda-redes nos exercícios de treino. E depois há uma coisa fundamental: o que é que é tão importante assim que faz a diferença toda quando se quer jogar desta forma? Não se pode receber bolas de costas. É preciso estar de apoios abertos. É preciso o próprio Cássio permanentemente estar preparado para receber a bola, seja para o lado contrário ou para o mesmo lado, é preciso que os colegas se movimentem para que o guarda-redes tenha soluções.”

(Miguel Cardoso, 2018)

Forçar então a Ideia sem que o Modelo apresente condições de sucesso, parece-nos um erro, que actualmente se vê repetido por imensas equipas, nos mais diferentes níveis de jogo. Porque se procura passar uma coragem abstracta… e não uma coragem táctica. Portanto, perante diferentes ideais / soluções / recursos para este momento do jogo, e tendo então também em conta o Modelo, na maioria das situações as probabilidade de sucesso deverão levar a prioridades na decisão. Mas talvez… não sempre. Não será que uma acção de probabilidade de sucesso inferior, mas que o seu sucesso colocará um atacante em situação de Criação, ou mesmo de Finalização deva ser pontualmente, a decisão? Ou mesmo uma solução que não estava na Ideia inicial? Não representa também isto… criatividade, a qual tantas vezes é solicitada e declarada como fundamental no jogo?

Por outro lado, o tal “aliviar” é diferente de passar longo, mesmo que este passe encontre oposição na disputa da recepção dessa bola. Porque há uma intencionalidade nessa acção e é isso o que para nós representa um passe. Uma forma de comunicação específica do jogo de futebol. A sua eficácia, pode depois ser avaliada, mas não deixa de ser uma intenção de passe. E para que a eficácia global da acção aumente, o Modelo não tem apenas que oferecer a solução de passe longo e recepção, como deve precaver uma provável disputa e a forma de ganhar uma eventual segunda bola. E concordando novamente com Amado, o “alívio” não é para nós uma opção aceitável. No máximo é um último recurso, mas que pode ser interpretado como a ausência de soluções de uma equipa perante determinada situação de jogo, e sendo assim, um assumir de incompetência. Deste modo, se a situação de jogo assim o “pedir”, diferentes soluções de passe longo deverão constituir-se como recursos, logo, deverão também estar presentes no Modelo de Jogo da equipa. Neste sentido, o autor (Lumueno, 2018) defende que “a saída de bola longa tem como grande vantagem em caso de perda a equipa estar toda mais ou menos organizada, e mais longe da baliza que defende. Se a equipa trabalhar para essas ações de jogo, em caso de perda, os jogadores estarão mais próximos uns dos outros e por isso com menos espaço para o adversário penetrar por entre as suas linhas”.

Nesta fase, torna-se fundamental, esclarecer o que é para nós, a saída de jogo do Guarda-Redes. Para muitos, a mesma diz respeito exclusivamente a situação de bola parada, pontapé de baliza. Contudo, a reposição do Guarda-Redes, ou seja, o primeiro passe após este ter recolhido a bola e estar na sua posse com o jogo a decorrer, quer a bola seja proveniente de uma intercepção, quer de uma recepção de um passe de um colega, dada a sua semelhança, também entra para nós neste Princípio de Jogo. Naturalmente temos que ter em conta as diferenças que existem entre ambos, e equacionar possíveis ajustes. Até agora, grandes diferenças passavam pelo menor tempo de decisão e execução, fruto da possível imediata pressão do adversário na reposição do Guarda-Redes, portanto na situação em que a bola está jogável, e também pela influência da regra da não invasão da grande-área dos jogadores que atacam no pontapé de baliza, e ao invés, essa possibilidade na reposição do Guarda-Redes. Com a recente alteração da regra, as diferenças reduziram-se ainda mais.

Atrás, abordámos um termo que se vulgarizou: a saída de jogo do Guarda-Redes curta. A reflexão e a experiência que o jogo e o treino nos trouxe, mostram-nos que o termo está desajustado. Ou melhor, está incompleto. Isto porque muitas equipas posicionam-se para essa saída curta, e normalmente devido à oposição adversária, optam depois por um passe longo do Guarda-Redes, normalmente aéreo, por exemplo, na opção que tem sido mais comum, para os seus Defesas-Laterais. Mas nas mesmas circunstâncias já assistimos a um passe longo, aéreo ou rasteiro, do Guarda-Redes no corredor central, para um companheiro que se encontra livre, resultado da pressão alta adversária e do garantir profundidade da equipa atacante pelo(s) seus Avançado(s), atraindo desse modo a última linha adversária para perto de do(s) mesmo(s) e criando assim mais espaço entre-linhas.

Nos últimos anos, assistimos ainda, a uma tentativa de último passe do Guarda-Redes, neste caso, apenas na situação de pontapé de baliza dada a ausência da regra de fora-de-jogo nesse momento. A mesma já foi protagonizada com sucesso, num atacante que se posiciona no espaço entre a última linha adversária e o Guarda-Redes adversário, procurando dessa forma saltar do sub-momento de construção, imediatamente para o sub-momento de criação. Aqui trata-se de um passe longo aéreo realizado com a equipa aberta de forma a criar incerteza ao adversário, nos últimos anos celebrizado pelo Guarda-Redes Ederson, constando até que terá sido essa uma das razões que levou Guardiola a optar pela sua contratação. No fundo, como refere o autor (Bouças, 2017), a questão sobre o passe longo estará em “perceber como pressionam… Se vêm apertar com todos homem a homem, trazes médios todos para baixo também, e aumentas-lhes o espaço entre médios e defesas, para então colocares lá a bola. Já dizia o Pep, “é uma bola que se a ganhas, é muito boa”. Ou seja, nessa situação, sem dúvida que não só te estás a proteger, como até estás já a preparar ferir o oponente, quando colocas a bola por cima da pressão”.

E logo aqui… o próprio Guardiola, o tal que celebrizou a saída de jogo do Guarda-Redes curta, mostra-se à frente da maioria, procurando novas soluções e mais recursos para o seu jogo, demonstrando que se as equipas ficarem presas a uma saída de jogo, expressam outra forma de reducionismo. Mesmo que aumentar os recursos, seja “simplesmente” para aumentar a imprevisibilidade do seu Modelo, continuando no entanto, a dar preferência, ou prioridade, à saída de jogo do Guarda-Redes curta, pela convicção de que a natureza desse primeiro passe, conduzirá o jogar da equipa a uma maior eficácia. Por outro lado, a necessidade de sucesso nessa situação específica do jogo, não se esgota na própria situação. De acordo com os autores (Correia et al., 2014), “uma equipa que tenha problemas na reposição de bola em jogo a partir desta situação, poderá tornar-se numa equipa insegura”. A ideia encaixa de forma perfeita na visão do todo complexo que é o jogar.

Deste modo, já identificámos diferentes possibilidades na saída de jogo do Guarda-Redes. Se ela pode ser realizada com a equipa aberta, quer dizer que também pode ser realizada com a equipa fechada (e neste artigo nem procuraremos ir mais longe e equacionar um posicionamento misto, ou seja parcialmente fechado e aberto). Numa segunda variável, independentemente se a equipa se apresenta aberta ou fechada, o passe do Guarda-Redes pode ser curto ou longo. E finalmente pode ainda ser realizado em trajectória rasteira, ou aérea. Portanto podemos identificar:

Saída de Jogo do Guarda-Redes

Aberta

Saída de Jogo do Guarda-Redes Aberta em Passe Curto Rasteiro
Saída de Jogo do Guarda-Redes Aberta em Passe Curto Aéreo
Saída de Jogo do Guarda-Redes Aberta em Passe Longo Rasteiro
Saída de Jogo do Guarda-Redes Aberta em Passe Longo Aéreo

Saída de Jogo do Guarda-Redes

Fechada

Saída de Jogo do Guarda-Redes Fechada em Passe Curto Rasteiro
Saída de Jogo do Guarda-Redes Fechada em Passe Longo Aéreo

Assim, uma vez que a saída de jogo aberta, também pode ser realizada em passe longo, e sendo que neste âmbito, a decisão que causa maior impacto no tempo de reorganização da equipa, passará por estruturar um posicionamento inicial aberto ou fechado, sentimos que esse deverá ser o primeiro critério a ter em conta na sua definição e classificação. A partir daí, podemos encontrar as possíveis variações das mesmas e eventualmente novas soluções futuras.

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/2472653552753527/

Saída de Jogo do Guarda-Redes Aberta em Passe Curto Rasteiro

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/2123177647972575/

Saída de Jogo do GR Aberta em Passe Longo Rasteiro

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/331721524168705/

Saída de Jogo do GR Aberta em Passe Longo Aéreo

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/708977022855106/

Saída de Jogo do GR fechada em passe curto rasteiro + Saída de Jogo do GR Aberta em Passe Curto Aéreo

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/2759663874075745/

Saída de Jogo do GR fechada em passe Longo Aéreo

Para além das soluções identificadas no quadro e nos vídeos acima, outras possíveis conjugações teóricas, não nos parecem ter grande viabilidade no jogo. Porém, ressalvamos que com a alteração da regra do pontapé de baliza, podendo esta também influenciar a reposição do Guarda-Redes, poderão surgir novas soluções, por exemplo importadas do Futsal, entre as quais, mais situações de saídas de jogo do Guarda-Redes abertas em passe curto aéreo, uma vez que estas são raras no momento actual. Contudo, ilustrámos um exemplo deste, na dupla saída de Manuel Neuer e da Alemanha. E continuando nas possíveis alterações provocadas pela nova regra, poderemos ainda assistir à introdução de um quarto critério para caracterizar este princípio de jogo. A mobilidade. Sendo verdade que a mesma já se encontra parcialmente presente nalgumas soluções de saídas de jogo, não nos parece expressiva essas situações, tendo como comparação o que se faz no Futsal. Isto porque no Futsal, essa mobilidade na saída de jogo, realiza-se com a totalidade ou quase a totalidade dos jogadores de campo. No Futebol isso não fará sentido, mas o princípio de jogo talvez possa evoluir para soluções do género com a totalidade ou quase a totalidade dos atacantes que garantem as linhas de passe mais próximas do Guarda-Redes. O exemplo que trazemos não é o mais feliz equacionando o transfere que terá do Futsal para o Futebol, mas é apenas um exemplo que utiliza a mobilidade.

Finalmente… deixamos um último vídeo como forma de “provocação” e de sentirmos que, por muito completa e complexa que seja uma sistematização ou representação teórica, ela nunca reproduzirá de forma perfeita a totalidade da realidade. Neste contexto, a totalidade da realidade do jogo. É o problema do pensamento analítico e da matemática. Muitas vezes a mesma ignora o detalhe, a ligação, a evolução e o tal todo que é mais que a soma das partes. Se todas as situações anteriores, que representam quase a totalidade deste género de acções encaixam perfeitamente no momento de Organização Ofensiva, a que publicamos a fechar este artigo, pertencerá para nós, ao momento de Transição Ofensiva. O que é perfeitamente equacionável na nossa sistematização do jogo, porém distingue-se então de todas as outras. Relembramos a Transição Ofensiva que propomos:

“Se a equipa conseguiu sair com eficácia e rapidamente da zona de pressão, poderá encontrar espaço e / ou uma relação numérica com o adversário interessante para optar pelo contra-ataque.”

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/408416776555028/

Transição Ofensiva | Recação ao ganho + Contra-ataque | Saída de Jogo do GR fechada em passe Longo Aéreo

“Se nós formos fazer um estudo da quantidade de golos que ocorrem nos últimos 2 anos em Portugal, com a quantidade de bolas que saíram do Guarda-Redes para os Defesas-Centrais, se calhar é… 3000% a mais do que era nos anos anteriores. Porque agora identidade é toda a gente querer sair com os Guarda-Redes a jogar com os Defesas-Centrais, e às vezes não há condições para isso.”

(Silveira Ramos, 2019)

A natureza do jogo: o caos a desordem e incerteza III

“Para o detalhe não existe equação.”
(Vítor Frade, 2013)

A natureza do jogo: o caos a desordem e incerteza II

“(…) se o comportamento fosse determinado previamente a nível cognitivo, a adaptabilidade ao contexto seria impossível, uma vez que o contexto está em constante mudança.”
(Araújo, 2003), citado por (Campos, 2008)

Intensidade VI

“(…) o problema não é só do futebol, mas de uma sociedade em constante mudança, fruto de uma evolução tecnológica que promoveu o imediatismo como norma. A essência pela qual as coisas se faziam perdeu-se. No meu tempo tinha de passar por muitíssimo para ter dinheiro para comprar uma caderneta de futebol. Hoje, compram-se os cromos todos da caderneta de uma vez só, para despachar. Queremos tudo para ontem, sem percorrer o trajeto. A sociedade atual criou outro tipo de homem, e creio que somos atualmente mais filhos da sociedade do que dos nossos pais. Falta rua no jogar e bairro no viver.”
Juanma Lillo citado por (Cabral, 2016)

“Quero que a minha equipa regresse a esses tempos, mas é muito difícil. Os jogadores aceleram o jogo porque o público os obriga a isso. Atualmente, os adeptos não toleram um passe para trás, começam logo a assobiar. Já um alívio para as bancadas… festejam como se fosse um golo. É o contexto social.”
(Jorge Sampaoli, 2019)

“Um jogo constante de identificar o contexto, perceber o espaço, procurar as superioridades numéricas de forma pausada para nunca colocar em causa a posse. Depois de espaço e superioridade ganha, o click surgia e os criativos e velozes aceleravam na frente e criavam situações de golo em catadupa. No fundo, pausa, pausa, pausa, e aceleração depois de desequilibrio criado. Tal como deve ser! Ao invés de usar somente a velocidade para forçar o desequilibrio. Critério!”
(Pedro Bouças, 2017)

Construção pela primeira linha

“Dar protagonismo aos centrais é acreditar que eles são capazes de fazer algo mais, do que um passe de cinco metros para o craque que vem “buscar jogo”.”

(Bruno Fidalgo, 2016)

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