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Cultura de jogo III. “Atrás não se brinca”.

“Atrás não se brinca”. Um dos tantos lugares comuns que fazem parte da cultura de jogo tradicional. Mas na realidade, brinca-se. Brinca-se por todo o campo, porque o futebol, é antes de tudo o resto… prazer… divertimento. A expressão pode no entanto querer identificar zonas, sectores, funções, nas quais os “riscos” das consequências da perda da bola, podem ser mais elevados. Contudo, à imagem da saída curta do Guarda-Redes, tudo depende do contexto. Das ideias… ou qualidade colectiva, da qualidade individual e dos adversários. Assim, uma vez mais não há uma receita. Existem diferentes decisões, perante diferentes contextos.

Johan Cruyff, no momento mais importante até à data do seu país no Futebol – a final do campeonato do Mundo de 1974 na Alemanha, decidiu, logo após o pontapé de saída da sua equipa, na primeira posse de bola que a sua equipa dispunha, enquanto “último homem” da sua equipa, driblar e penetrar no bloco adversário até à grande-área, acabando por sofrer grande penalidade. O penálti, convertido por Neeskens, viria a garantir o primeiro golo do encontro para a Holanda. Cruyff assim o decidiu dada a sua qualidade individual e a mobilidade que a sua equipa protagonizava, que arrastou as marcações individuais alemãs. Decidiu-o em função do contexto, ignorando os preconceitos vigentes, e influenciado pela sua conhecida irreverência.

Quase 50 anos depois, no mesmo país, Frenkie de Jong, aos 20 anos, provavelmente influenciado pelas mesmas ideias de jogo que ainda pairam no Ajax de Amesterdão, apresenta a mesma cultura de jogo. Sem receio, conduz, fixa, dribla e penetra sistematicamente a primeira linha de pressão adversária. Derruba, novamente, preconceitos enraizados na nossa cultura.

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/1958054910890433/

Segundo video realizado por ty.

O website (Tactic Zone, 2013), cita Josep Guardiola no tempo de treinador do F. C. de Barcelona, que aconselha:gastem dinheiro com os defesas, sobretudo com os centrais!” e justifica: “pode parecer paradoxal, uma equipa com um futebol ofensivo, de posse, de muitos golos e tem que investir em defesas? Claro, é onde tudo começa. Se defesas (e Guarda-Redes dizemos nós) não conseguem construir, todo este conceito se complica e o jogo já não será o mesmo. Nas minhas ideias o Guarda-Redes e defesas centrais são os primeiros avançados. E um central ter a capacidade de construir não é ter boa capacidade técnica. Tem que ter um grande entendimento do jogo ofensivo e ser muito bom na capacidade de decisão. Por isso, é tão difícil encontrar centrais para este tipo de jogo. Por isso, o Barcelona opta muitas vezes por colocar médios na posição de defesa central”.

O autor (Bouças, 2013), sustenta que “ter jogadores capazes de desequilibrar ofensivamente logo desde trás no primeiro momento da construção será cada vez mais decisivo. Feliz de quem pode contar com defesas centrais para desbloquear situações e adversários.  Em equipas que passem demasiado tempo no momento de organização ofensiva, defesas centrais com tamanha qualidade ofensiva são tão importantes para se chegar ao golo, quanto os avançados. É que o jogo começa demasiadas vezes desde trás, e passa garantidamente, mais vezes nos pés dos centrais que nos de qualquer outro jogador”.

“Johan Cruyff dizia: o mais importante no Futebol é que os melhores jogadores sejam os defesas. Se estás com a bola, consegues jogar; se não, não fazes nada. Johan diz que a bola equilibra uma equipa. Se perde a bola, a equipa se desequilibra; se perde pouco, consegue manter o equilíbrio.”

(Gonzalez, 2012)

Drible Vírgula

Organização Ofensiva | Acções individuais ofensivas | Drible + Vírgula | Marco Asensio 2018

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/1923344647694793/

Drible Cruyff turn

Organização Ofensiva | Acções individuais ofensivas | Drible + Cruyff turn | João Carvalho 2017

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/1907697845926140/

Momentos e Sub-Momentos do jogo… uma proposta

Como prometido no passado, publicamos a nossa interpretação do jogo de futebol e proposta para a sua sistematização.

Em primeiro lugar poder-se-á questionar a relevância de sistematizar o jogo de e interpretá-lo teoricamente. Apesar do próprio jogo mostrar caminhos e promover a auto-aprendizagem, potenciar essa aprendizagem com outras ferramentas, é para nós fundamental, nomeadamente no papel de treinador. Neste sentido, um modelo simples que explique os momentos do jogo e a sua ligação, garantirá uma enorme ajuda à compreensão do jogo e ao seu ensino aos jogadores.

Isto, independentemente da idade e nível de jogo em que trabalhamos, uma vez que vão surgindo diversos exemplos de alto e baixo conhecimento do jogo em todos os escalões etários e níveis competitivos. Porém, o jogador não se constitui como o único destinatário deste trabalho. Todos os que gostam do jogo, e desejam compreender um pouco mais a sua complexidade e dinâmica, acreditamos que vão encontrar nesta sistematização um caminho acessível.

Para o próprio treinador, não só permite, a partir daqui, uma organização mais complexa das suas ideias de jogo (princípios, comportamentos, acções, etc.) dentro de cada sub-momento do jogo, como também lhe permite categorizar exercícios de treino face à interpretação da sua dominância. Consequentemente, esta proposta, possibilita ainda ao treinador ou ao analista catalogar videos de acções de jogo da sua equipa ou de terceiras de forma acessível. Este tem sido um trabalho que temos desenvolvido, o qual já nos possibilitou uma biblioteca que ultrapassou o milhar de vídeos, e que entre outros objectivos, servirá para ilustrar os comportamentos de jogo defendidos no tema do nosso projecto, a publicar futuramente – Ideia de Jogo.

A sistematização do jogo de Futebol já leva uma considerável história. Desde o momento em que outras modalidades contribuíram para o desenvolvimento da teorização do jogo, destacando-se os trabalhos de Friedrich Mahlo,  Leon Teodorescu e Jean-Grancis Grehaigne, passando pelo contributo fundamental em Portugal de Carlos Queiroz e Jesualdo Ferreira, quando em 1983 apresentaram uma proposta de sistematização do jogo de Futebol, à actual visão do jogo sob quatro momentos fundamentais: Organização Ofensiva, Transição Defensiva, Organização Defensiva e Transição Ofensiva, que entretanto se generalizou.

Momentos do jogo

A nossa proposta surge, não só de uma necessidade de desconstruir os momentos de organização para que sejam mais facilmente entendidos e treinados, como principalmente explicar os momentos de transição, os quais, apesar de actualmente aceites e reconhecidos pela sua importância capital no jogo, geram no entanto, ainda muitas dúvidas e por vezes interpretações erradas.

Explicando-a concretamente, a partir dos quatro grandes momentos de jogo, criámos três sub-momentos para cada um deles. Nos momentos de Organização, sentimos que a proposta de Queiroz e Jesualdo continua a garantir resposta para as necessidade desses momentos do jogo. No entanto, necessitámos de distingui-los de forma mais objectiva, uma vez que nos fomos apercebendo de visões muito díspares do que seriam a construção, criação, finalização e em oposição, o impedir a construção, impedir a criação e impedir a finalização.

Assim, no momento de Organização Ofensiva, identificado pela cor verde, entendemos os três sub-momentos:

  1. Construção: quando ambas as equipas se encontram dentro da sua organização para atacar e defender e quando a bola se encontra fora do bloco da equipa que defende.
  2. Criação: quando a equipa que ataca consegue penetrar no bloco da equipa que defende e surge perante a última linha adversária ou a última linha e mais um médio em contenção. A excepção é quando a equipa que ataca procura um jogo mais directo, de ataque à profundidade, ou seja, de passe directo para o espaço entre a última linha de quem defende e o seu Guarda-Redes, o que acaba por se configurar como uma situação de último passe, independentemente do grau de dificuldade superior da acção. Neste sub-momento, integram-se também todas as situações de bola parada ofensivas que poderão permitir um último passe ou cruzamento e finalização. Devemos referir que compreendemos as opiniões que distinguem as situações de bola parada como um quinto momento do jogo, porém a nossa interpretação é que, independentemente do jogo estar parado ou em movimento, se uma equipa está organizada para defender essas situações e a outra para atacar, então estarão dentro da sua Organização Defensiva e Organização Ofensiva, respectivamente.
  3. Finalização: todas as acções que visam o momento final de ataque à baliza adversária, portanto, a acção individual ofensiva de remate, independentemente da superfície corporal envolvida. Aqui também se integram as situações de bola parada ofensivas que poderão permitir um remate directo à baliza. Importa ainda referir que a finalização pode até surgir quando a equipa que ataca tem pela frente todo o bloco adversário ou parte do mesmo. Contudo, se quem ataca conseguiu chegar ao remate, esses momentos de organização defensiva adversários falharam de alguma forma.

Em oposição o momento de Organização Defensiva, identificado pela cor vermelha, sub-divide-se em três sub-momentos que irão procurar garantir oposição aos anteriores comportamentos ofensivos:

  1. Impedir a construção: os momentos em que a equipa que defende procura não permitir a entrada da bola no interior do seu bloco. Os comportamentos de pressing, quer seja alto, médio ou baixo, são um bom exemplo para este sub-momento defensivo.
  2. Impedir a criação: quando a equipa que defende não consegue impedir que a bola entre no interior do seu bloco e a sua última linha é a penúltima barreira entre si e a sua baliza. Ou então as acções que visem impedir ou interceptar um passe longo e directo para o espaço entre a última linha da equipa e o seu Guarda-Redes.
  3. Impedir a finalização: quando toda a equipa, menos o Guarda-Redes, foi ultrapassada. Portanto, contrapondo ao sub-momento ofensivo de Finalização, aqui, a última barreira é o Guarda-Redes e os seus comportamentos de defesa da baliza.

Esta proposta de distinção entre os momentos de construção e criação, parece-nos altamente pertinente. Durante muito tempo apercebemo-nos que muitos autores e treinadores identificavam estes sub-momentos / fases pelo espaço do campo onde as equipas atacavam e defendiam. Essa interpretação parece-nos errada, uma vez que uma equipa pode estar em construção junto à sua área ou perto da área adversária, pois nos dois casos, perante por exemplo adversários que respectivamente defendam com o seu bloco, posicionado alto ou baixo no campo, poderá estar com todos os jogadores adversários ainda por bater. Por outro lado, uma equipa que posicione a sua última linha alta no campo, um momento de ruptura ou último passe de quem ataca pode surgir ainda no meio-campo de quem ataca. Deste modo, a correlação dos sub-momentos ofensivos e defensivos com espaços no campo está para nós desfasada da realidade que é o jogo. Então, a relação entre as duas equipas, e se quem defende ainda está usar toda a sua organização defensiva ou apenas parte da equipa, e se ao contrário, quem ataca ainda tem duas / três linhas adversárias para ultrapassar ou apenas uma, parece-nos uma visão mais aproximada da interacção e realidade dinâmica que o jogo promove, e assim um melhor caminho para distinguir esses sub-momentos ofensivos e defensivos do jogo.

Mas será nos momentos de transição que a nossa proposta pretende ir mais longe. Independentemente da interpretação dos sub-momentos / fases, da Organização Ofensiva e Defensiva, já Carlos Queiroz e Jesualdo Ferreira procuraram sistematizar essas estruturas complexas do jogo. Há cerca de 15 anos atrás, com a difusão e aceitação dos momentos de transição, surgiram então mais dois momentos do jogo para compreender. Neste âmbito tem surgido alguma confusão de conceitos, e simultaneamente sentimos a necessidade de interpretar a Transição Defensiva e a Transição Ofensiva de forma a encaixar-lhes comportamentos e acções, para posteriormente explicar a sua lógica aos jogadores e trabalhá-los pelo Modelo de Jogo que cada treinador idealiza. Neste sentido, sentimos ainda a necessidade de lhes atribuirmos uma lógica sequencial teórica, tal como sucede nos dois momentos de Organização.

Desta forma, para o momento de Transição Defensiva, para nós representado pela cor amarela, propomos os três sub-momentos:

  1. Reacção à perda da bola: os instantes, ainda no centro de jogo, imediatos à perda da bola. Os comportamentos defensivos a adoptar nessa situação. Para a maioria dos treinadores, o objectivo fundamental será não só tentar de imediato a recuperação da bola, mas não permitir ao adversário a possibilidade de contra-atacar. Portanto, impossibiltá-lo ou atrasá-lo em sair com a bola dessa zona de pressão e procurar espaços para desenvolver o contra-ataque.
  2. Recuperação defensiva: na tal lógica sequencial, se o adversário conseguiu sair da zona de pressão, independentemente dos jogadores fora do centro de jogo (primeira zona de pressão) já deverem está a fechar a equipa e a recuperar o seu posicionamento defensivo, neste sub-momento, torna-se ainda mais importante a recuperação do máximo número de jogadores, contemplados pela organização defensiva da equipa, para trás da linha da bola. Alguns poderão até estar a compensar companheiros, mas a urgência é não permitir espaço nem número vantajoso ao adversário para desenvolver situações de contra-ataque. A própria falta táctica pode ser contemplada neste sub-momento do jogo.
  3. Defesa do contra-ataque: se ambos os sub-momentos anteriores da transição defensiva falharam, então, antes das acções de defesa da baliza do Guarda-Redes, a equipa tem ainda a possibilidade de defender o contra-ataque adversário. Perante relações numéricas diferentes, poderão ser adoptados comportamentos que poderão reduzir as possibilidades de sucesso de quem ataca. Tal como, em oposição, o contra-ataque, estas são situações muito trabalhadas no Futsal, dada a quantidade de situações deste género que surgem nesse jogo. Porém, se no Futebol elas não só surgem, como são decisivas nos desfechos dos jogos, porque não devem também ser alvo de treino?

Em oposição ao momento de Transição Defensiva, surge então o momento de Transição Ofensiva, para nós representado pela cor azul, e ao qual propomos três sub-momentos:

  1. Reacção ao ganho da bola: em oposição à reacção à perda da bola, surgem neste sub-momento os comportamentos e acções de quem recuperou a bola, e a procura de sair da primeira zona de pressão adversária. Seja ela realizada por um jogador ou por mais. Se possível, alcançá-la no sentido da baliza adversária, porém, em muitos momentos, esses espaços encontram-se fechados e portanto será necessário garantir outras soluções e uma boa decisão do jogador com bola. A eficácia na reação ao ganho da bola e na saída da zona de pressão influenciará os sub-momentos seguintes da transição ofensiva, que aqui, provavelmente, já não surgem numa lógica sequencial, mas sim como alternativas de decisão.
  2. Contra-ataque: se a equipa conseguiu sair com eficácia e rapidamente da zona de pressão, poderá encontrar espaço e / ou uma relação numérica com o adversário interessante para optar pelo contra-ataque. Nesse caso, é nosso entender que deverá explorá-lo na larga maioria das situações, procurando as suas vantagens, pois parece-nos mais difícil ultrapassar uma boa organização defensiva adversária. As excepções irão surgir por influência da dimensão estratégica. Neste caso, por exemplo, quando uma equipa se encontra com uma vantagem mínima no resultado ou numa eliminatória, está a poucos minutos do final do jogo, e não lhe interessa explorar uma situação de contra-ataque, que em caso de insucesso irá, provavelmente, lhe retirar na resposta do adversário alguns jogadores da sua organização defensiva, e mais importante, porque privilegiando a posse de bola, não só poderá descansará com bola, como retirará a possibilidade de atacar ao adversário.
  3. Valorização da posse de bola: se após a saída da zona de pressão a equipa não encontrar espaço e / ou uma relação numérica interessante para atacar a baliza adversária, deverá evitar a decisão de contra-atacar numa situação desvantajosa e possivelmente perder a bola. Ao invés, deve assim garantir a sua posse, ganhando tempo para se reorganizar para atacar, procurando esse momento seguinte do jogo para criar desequilíbrios na organização adversária.

Pelas ideias apresentadas, propomos a seguinte representação gráfica dos momentos e sub-momentos do jogo:

Momentos e Sub-Momentos do jogo.

Interpretando o jogo desta forma, para nós não faz sentido catalogar uma equipa como “uma equipa de contra-ataque” ou uma “equipa de ataque organizado“. Todas as equipas têm de saber jogar em todos os momentos e sub-momentos, para que possam responder às necessidades circunstanciais que o jogo lhes vai apresentando. Contudo, partindo deste modelo, cada treinador, acreditando nas suas ideias, procurando uma adaptação à qualidade, cultura e características individuais dos jogadores com quem irá trabalhar, poderá desenvolver o jogo idealizado, de forma a responder a estes momentos e sub-momentos, o que consequentemente potenciará o seu jogo para mais ou menos tempo nalguns destes momentos e sub-momentos. Assim, procurando ir aos extremos, acreditando num jogo curto e apoiado ou longo e directo, na defesa zona ou na defesa individual, todas as ideias podem ser concebidas a partir deste modelo.

Sentimos ainda que a nossa proposta não se esgota no jogo de Futebol e que poderá ter transfer para outros desportos colectivos, nomeadamente os com características de invasão do meio-campo adversário.

Deixamos ainda um video que procura ilustrar diferentes comportamentos, identificando os momentos e sub-momentos do jogo propostos:

 

“O risco é não arriscar”

 

“Há um género de pessoas que, em dívida para com uma tradição que os ensinou a respeitar certas leis caducas, não conseguiram nunca perceber, não obstante as lições catalãs e bávaras dos últimos anos, as verdadeiras vantagens que há em procurar sair a jogar desde trás. As mesmas pessoas podem até acreditar que sair a jogar compensa de facto o risco quando os defesas conseguem suplantar a primeira zona de pressão adversária, e podem até reconhecer que a equipa que a isso se propõe acaba por beneficiar desse risco depois de superar esse obstáculo inicial. Não obstante, parece-lhes sempre demasiado arriscado. Na opinião dessas pessoas, o risco de sair a jogar sob pressão é sempre mais elevado do que os eventuais benefícios disso, pelo que, em tais casos, é sempre mais prudente aliviar a bola do que insistir em circulá-la até que estejam criadas as condições para ligar o jogo. Aquilo que não percebem é que os benefícios de sair a jogar não se esgotam na possibilidade de ligar o jogo, de manter a posse de bola ou de preparar um ataque. Sair a jogar é também a maneira mais segura de uma equipa se precaver contra a incerteza das segundas bolas. (…) Aliviar quando se está a ser pressionado parece uma decisão sensata, na medida em que se evita o risco inerente à circulação numa zona defensiva. Mas, na verdade, aliviar envolve sempre a insensatez de deixar o destino do lance entregue ao acaso.”

Nuno Amado, 2016

 

“O maior risco é não arriscar.”

Mark Zuckerberg

Drible | Túnel de sola

Organização Ofensiva | Acções individuais ofensivas | Drible + Túnel de sola | Rodrigo Soares 2017

Compensação. Um comportamento individual que garante uma qualidade colectiva.

Trazemos hoje um comportamento táctico, que sendo um detalhe para muitos, na realidade a sua importância é tremenda em todos os momentos do jogo, pela forma como procura garantir a sua natureza inquebrantável e colectiva. Como tal escolhemos uma situação em que o comportamento em causa surge em organização ofensiva e defensiva, ilustrando a sua importância no jogar da equipa.

Neste excerto de jogo, primeiro em Organização Ofensiva, Otamendi procura conduzir em construção. Depois de soltar a bola, ficando num espaço mais avançado aos seus companheiros de sector, indica a Touré o espaço a ocupar de forma a garantir a sua compensação e apoio interior a Stones, entretanto em posse. Ainda no momento ofensivo, após mobilidade e trocas posicionais dos jogadores mais avançados, Sané, originalmente Médio-Esquerdo, encontra-se no corredor central. Na perda de bola do City, Sané reage de imediato percebendo logo o espaço a fechar, compensando aqui De Bruyne. Será ele, por estar no espaço certo na relação com o resto da equipa, quem irá recuperar a bola. No momento final e após nova transição, a equipa regressa à sua estrutura inicial, com o corredor central a ser ocupado por Touré, De Bruyne e David Silva.

Para (Gomes, 2015), as compensações ou também conhecidas como permutas “são acções efectuadas pelos defesas para cobrir e ocupar espaços e assumir funções de outros companheiros envolvidos momentaneamente na realização de outras funções”. Para o autor, pretende-se com estas acções:

  • “Assegurar a ocupação racional do terreno de jogo;
  • Conferir segurança defensiva;
  • Assegurar a repartição equilibrada do esforço dos jogadores.”

Se bem que a interpretação anterior, provavelmente a mais comum, relaciona a compensação com o momento defensivo, segundo (Leitão, 2010), a mesma é “uma readequação posicional e/ou de operação, que permita, sob o ponto de vista organizacional, manter o equilíbrio da equipa (seja para estruturar o espaço de jogo, seja para fazer valer uma regra de acção)”. Portanto esta ideia é válida para todos os momentos do jogo.

Por outro lado, compensar significa não só promover uma ocupação racional do espaço de jogo, procurando contribuir para a qualidade de cada um dos momentos de organização, mas também antecipar os momentos seguintes, mantendo a equipa equilibrada ora defensiva, ora ofensivamente. O autor (Maciel, 2011) defende que este é “um aspecto também muito importante, e que passa pela coerência e pelo respeito pela inteireza inquebrantável que o jogar deve manifestar de modo a que se expresse de forma fluída, dinâmica, ou seja que revele ao nível da matriz conceptual articulação de sentido com um determinado sentido”.

Podemos ir mais longe e destacar a compensação como um dos comportamentos que defendem um jogo que é colectivo e que por inerência, tem de ser solidário. Quer a defender, quer a atacar. É também uma consequência de uma maior mobilidade que os jogadores ganharam dentro dos modelos, surgindo assim como um tendência evolutiva. O treinador português (Jesus, 2009), vai ao encontro desta ideia, ao referir que “vai ser esse o grande segredo e evolução do Futebol no futuro, em todo o mundo: Vários jogadores com capacidade para actuarem em várias posições.

“O padrão da estrutura aparente

é p’ro século vinte e dois

a face oculta das interacções não mente

p’ra imaginar o que virá depois.”

(Frade, 2014)

Organização Ofensiva + Transição Defensiva | Reação à perda + Recuperação defensiva + Defesa do contra-ataque | ERRO | Equilíbrio defensivo no ataque + Contenção da progressão adversária + Defesa individual

Esta publicação, como outras futuras do mesmo género, terão o propósito de ilustrar situações de jogo. Na nossa visão do jogo, quer pela positiva, quer pela negativa. Num próximo artigo explicaremos a catalogação, que coincide com o título do artigo.

Coragem… Específica II

Deixámos propositadamente o som dos comentários. Jornalistas, adeptos, pais, dirigentes, na sua grande maioria transmitem uma enorme falta de coragem na forma como sentem e pensam o jogo. Isto obviamente tem consequências em quem o treina e em quem o joga, porque o “nadar contra a maré” não é fácil. Neste contexto, devemos aplaudir uma equipa de escalão inferior, que a jogar no campo do campeão nacional e líder da primeira liga, a perder 3-0, procura a qualidade no seu jogo.

Há pouco tempo, num artigo publicado no Lateral Esquerdo, Nuno Amado ia na mesma direcção: “há um género de pessoas que, em dívida para com uma tradição que os ensinou a respeitar certas leis caducas, não conseguiram nunca perceber, não obstante as lições catalãs e bávaras dos últimos anos, as verdadeiras vantagens que há em procurar sair a jogar desde trás. As mesmas pessoas podem até acreditar que sair a jogar compensa de facto o risco quando os defesas conseguem suplantar a primeira zona de pressão adversária, e podem até reconhecer que a equipa que a isso se propõe acaba por beneficiar desse risco depois de superar esse obstáculo inicial. Não obstante, parece-lhes sempre demasiado arriscado.”

De acordo com (Manna, 2009), “sair jogando é dar prioridade ao passe desde o início da construção de jogo. O pontapé de baliza ou a participação dos defesas na construção ofensiva torna-se fundamental. Uma perda de bola na zona dos defesas centrais pode ser terrível. Todos evitam realizar o que Pep dá prioridade. Riscos que permitem, facilitar o ciclo de jogo, no qual Pep irá sempre tentar construir desde a sua baliza”. Guardiola sublinha que saindo a jogar bem, podemos chegar ao alvo jogando bem, ao contrário de um mau início de construção que torna tudo mais difícil e aleatório. E lembra que se o primeiro passe é bom, tudo é mais fácil a seguir.

Dois passes que fazem a diferença… táctica

Dois passes que fazem a diferença... táctica - Cruzamento de Eliseu

Trazemos duas situações que têm em comum uma acção técnica: o passe. Mas será que devemos descrever estas acções como técnicas? Não se entendermos a técnica de forma analítica, idealizando uma qualidade que pode viver isolada das demais, materializada naquela visão tradicional do jogador “bom executante”. O passe, demasiadas vezes associado exclusivamente ao domínio da execução, é, como todas as outras acções do jogo, influenciado decisivamente por outras qualidades. Podemos pensar no passe do ponto de vista biomecânico pela forma como o jogador contacta fisicamente com a bola, imprimindo-lhe trajectória e força. Podemos também pensar no passe do ponto de vista psicológico. Quando Pablo Aimar assistiu de “letra” David Suazo, Ronaldinho Gaúcho assistiu de costas Giuly (sim, um passe com as costas) ou Ibrahimovic de calcanhar assistiu Lavezzi, revelou em todos eles um estado emocional acima do normal. Podemos ainda pensar no passe do ponto de vista social, e na comunicação que envolve. Não a comunicação tradicional, a qual Vítor Frade descreve de forma curiosa:

“”Pede, pede…

Pede a bola”,

é gritaria que fede

inibindo até quem tem tola.”

(Frade, 2014)

Mas de uma comunicação, talvez a mais específica do jogo de Futebol. Isto porque estamos perante uma acção de jogo que envolve uma relação entre emissor e receptor, preferencialmente não verbal. Por um lado, num primeiro momento numa comunicação corporal que transmite a disponibilidade para um jogador receber a bola do seu companheiro, por outro e num segundo momento, na bola enquanto mensagem, sendo o seu conteúdo as características do passe, o seu destino, e por vezes até a forma de resolver o problema seguinte, quando falamos do passe orientado, daquele que sugere, ou seja, aquele que indica uma decisão a tomar a seguir. Porém, o que determina a qualidade do passe é a interacção de tudo isto e muito mais, que se constitui numa (supra)dimensão táctica do passe, expressa pela decisão e execução a si acopladas e respectivo sucesso.

Assim, nas duas situações em causa destacamos dois passes, ambos decisivos no seu desfecho. Passes de características diferentes mas determinados por uma qualidade fundamental, a consciência no jogo, portanto a dimensão táctica.

O primeiro, em sub-momento ofensivo de construção, mostrando uma prévia inteligência colectiva na procura do espaço de progressão, e depois pela forma vertical como rompe o bloco adversário e coloca imediatamente a equipa numa situação favorável de criação.

“Tem que se jogar à largura, com paciência, até se encontrar o espaço entre-linhas, o espaço para meter o passe vertical e para acelerar o jogo.”

Vítor Pereira

O segundo, no sub-momento ofensivo de criação, caindo na muitas vezes “zona nublosa” do cruzamento, no fundo um passe horizontal para finalização, no qual a leitura da situação, como a imagem que ilustra este artigo mostra, foi decisiva. Leitura tantas vezes desvalorizada nos cruzamentos, até pelo jogador que, através dela, aqui obtém sucesso.

Da euforia à depressão, e o que realmente importa

Já referimos noutros momentos que não tem sido objectivo deste espaço a análise específica a equipas e jogadores. Contudo, por ter gerado variadas opiniões, por se tratar da Selecção Portuguesa que tantos sentimentos agrega, mas acima de tudo pelos diferentes acontecimentos que o jogo nos trouxe, decidimos apresentar uma reflexão sobre o jogo Portugal x Islândia do Euro 2016. Essencialmente procuraremos uma análise colectiva do jogo, porém esta levará eventualmente a leituras individuais.

Emocionalmente, e perante a euforia vivida nas últimas semanas, o desfecho do jogo traz-nos, culturalmente, um regresso antecipado do histórico “fado luso”, que nos transporta da euforia à depressão num ápice. Porém, sem nunca descurar as emoções e os sentimentos que fazem deste jogo um fenómeno mundial, procuramos aqui uma visão mais racional dos acontecimentos, e pese o potencial paradoxo, não racionalista, analítica ou quantitativa, mas complexa e qualitativa.

Seria natural, perante o mediatismo, a grande expectativa criada e também por alguns jogadores que se estreavam em grandes competições de selecções, que a equipa apresentasse alguma ansiedade nos primeiros minutos do jogo. Neste primeiro jogo, e perante um adversário, ao qual se antecipava um comportamento iminentemente defensivo e reactivo, seria uma boa opção estratégica a conservação da bola e a segurança nas acções nesses primeiros momentos do jogo. Mesmo que essa posse não contesse grande agressividade ofensiva, consumada na penetração do bloco adversário. Ultrapassando essa ansiedade inicial, ganhando confiança no jogo e encostando o adversário à sua área, seria então o momento para procurar essa penetração e a chegada a situações de finalização. A este propósito, comentando o jogo, o ex-jogador português Simão Sabrosa explicou que nesses “minutos iniciais, eu lembro-me quando jogava, eram sempre complicados, o mais importante era nós termos contacto com a bola, e aquilo que os jogadores precisam de fazer, é ter contacto com a bola, para poderem ganhar confiança. A confiança vem quando temos a bola no pé, por isso é que os Avançados vêm muitas vezes ao meio-campo só para tocarem na bola.” 

Portugal atrasou essa segurança e a conquista dessa confiança, o que levou a que a posse de bola fosse mais dividida no início do jogo e perante o jogo directo adversário também se jogou em mais espaço. Como consequência, a Islândia aproximou-se mais vezes da baliza Portuguesa, principalmente decorrentes desse jogo directo, no seu momento de transição ofensiva, mas também das suas bolas paradas, e nalguns momentos, no contra-ataque. Num desses contra-ataques conseguiram mesmo uma oportunidade clara de golo que surge de uma recepção falhada de João Mário, resultando numa perda de bola anormal, explicada provavelmente pela ansiedade acima referida. Depois, Pepe, na impetuosidade do seu jogo procura a intercepção em vez da contenção, é ultrapassado, conseguindo a Islândia uma situação de 2×2+GR. Nesta situação Danilo erra na contenção e defesa do espaço, pois dá o espaço interior ao adversário com bola, permitindo-lhe uma finalização mais fácil.

Através do seu jogo directo, a Islândia esteve naturalmente mais forte na discussão do jogo aéreo. Damos exemplos de situações em que a Islândia ganhou consecutivamente essas acções. Problemas evidentes para Portugal na discussão da primeira bola, mas também no ganho da segunda bola, várias vezes por não ser garantida a concentração espacial para essa conquista.

Se numa fase posterior do jogo, Portugal conseguiu mais posse e controlo da bola, portanto um domínio em construção, daqui raramente evoluiu para um domínio em criação, ou seja, pela obtenção de sucessivas entradas no bloco adversário e consequente criação de situações de finalização, preferencialmente mais simples. Desta forma, para chegar à baliza adversária, recorreu iminentemente aos corredores laterais e aos cruzamentos, muitas vezes de espaços anteriores à grande área. Noutra situação conseguiu ainda uma oportunidade num passe longo directo para as costas da última linha aversária. Em todas estas situações, à partida mais fáceis de anular, a Islândia revelou, no entanto, dificuldades em defender os cruzamentos, que apesar de fortes na discussão das primeiras bolas aéreas, revelaram debilidades posicionais fruto das referências individuais que principalmente os seus Defesas-Centrais apresentaram. A sua última linha revelou ainda dificuldades no controlo da profundidade. Tudo isto apesar da Islândia ter conseguido reduzir o espaço de jogo pela proximidade das suas linhas em Organização Defensiva, garantindo assim, pelo menos, o cumprimento do princípio fundamental do jogo nesse momento… “garantir superioridade numérica” (no centro do jogo).

“Tivemos mobilidade e dinâmica, mas faltaram dois aspectos: a aceleração no momento em que ganhávamos o espaço e a definição no cruzamento. No cruzamento, insistimos muitas vezes no cruzamento por alto, é verdade que nesse aspecto conseguimos duas grandes oportunidades, uma pelo Nani e outra pelo Cristiano que não concretizámos.”

Fernando Santos, na conferência de imprensa após o jogo Portugal x Islândia, 14 de Junho de 2016.

“Na minha perspectiva, numa equipa que se quer assumir e quer ganhar o jogo, tivemos muitos jogadores fora da estrutura da equipa da Islândia. Quando eu digo fora da estrutura é jogarmos contra uma equipa montada em 4:4:2, em que fora da estrutura é tudo o que acontece à volta da equipa adversária e nós tivemos muitos jogadores à volta da Islândia. Nós conseguimos circular a bola, mas à volta da sua estrutura, mas raramente conseguimos entrar com muito perigo por dentro da estrutura. E porque é que não entrámos por dentro da estrutura? Porque João Moutinho veio pegar muito no jogo fora dessa estrutura. Fora da estrutura já estava o Danilo que estava entalado no meio dos Avançados adversários. Os dois Defesas-Centrais entraram pouco em condução pela estrutura adversária. E quando assim é, se já estavámos a falar de dois Centrais, de um Médio-Defensivo e mais um Médio, já é muita gente a jogar contra onze adversários que se encontram atrás da linha da bola, e assim torna-se mais difícil. O que poderia ser feito? Creio que João Moutinho poderia ter jogado numa linha mais avançada, ou seja, dentro da estrutura adversária e os Defesas-Centrais podiam ter assumido a construção. Temos que fazer mais isto para nos assumirmos como uma equipa que quer ganhar. E perdemos muito tempo com isto. Quando o conseguimos fazer, como é que o fizémos? Infelizmente fizémo-lo muito espaçadamente. Começámos a confundir aquele alinhamento dos quatro médios da Islândia, fundamentalmente com o avanço do Vieirinha, não tanto do Rafael Guerreiro na primeira parte, mais do Vieirinha, que estava sozinho no corredor, com o Médio, João Mário numa zona mais interior, e a partir daí, desfazendo o alinhamento dos quatro Médios, nós conseguimos começar a criar dificuldades à equipa da Islândia, aliás o nosso golo de Portugal é numa situação deste género”.

Carlos Carvalhal, no programa Euro 2016 de 14 de Junho, RTP3, 2016

Carlos Carvalhal explicou e as situações anteriores assim o demonstram. Entrada no bloco adversário e situações de finalização para os pés no corredor central. Contudo, foram situações raras.

Se a Islândia chegou poucas vezes à baliza Portuguesa, nos momentos em que o fez, foi perigosa, por ter chegado a situações favoráveis de finalização. Isto sucedeu pelas características Islandesas, nomeadamente a sua agressividade ofensiva, mas principalmente derivadas de problemas defensivos patentes na selecção Portuguesa, essencialmente ao nível do posicionamento e da decisão. Isto levou também a problemas de articulação intra-sectoriais, como foi claro no golo da Islândia. Se na nossa forma de pensar este jogo, não há espaço para um jogo prioritáriamente individual assente numa responsabilização individual, quer nos momentos defensivos, quer nos ofensivos, então a Defesa Individual não encontra, para nós, espaço na evolução que o Futebol viveu. A justificação desta posição levaria-nos a um trabalho mais aprofundado, que ficará para outro momento. Deixamos no entanto este pensamento:

“Uma casa estava guardada por dois cães, ao ser assaltada um dos ladrões chamou a atenção dos cães e logo estes “atacaram” o ladrão e perseguiram-no abandonando a casa, o outro ladrão entrou nela sem dificuldade. Numa outra casa que tinha dois cães “guardiões”, os ladrões utilizaram a mesma estratégia, os cães mostraram-se na mesma agressivos mas não largaram a porta da casa…”

César Luis Menotti

Esta situação, mostrou uma vez mais, os problemas e consequentes erros decorrentes desta forma de “pensar” o jogo das equipas. O próximo video descreve a nossa leitura da situação, contudo reforçamos que defender o espaço e não o adversário, é para nós atacar defendendo, jogar em acção e não em reacção, no fundo… é antecipar o futuro. Sobre tudo isto aconselhamos um livro já com 11 anos, revolucionário do ponto de vista teórico, que justifica esta visão do jogo.

Defesa à Zona no Futebol, Nuno Amieiro, 2005.

Defesa à Zona no Futebol, Nuno Amieiro, 2005.

“Há uma marcação individual que origina toda esta descoordenação. Porque se o comportamento fosse zonal, era uma situação facilmente resolvida não só pelo Pepe como pelo Vieirinha. Mas como a opção, não sei se opção, é muito difícil para nós estarmos a dizer que isto é uma opção da própria filosofia de jogo da equipa ou não, porque eu não sei, porque nós não sabemos o que o seleccionador quer, ou o que o treinador quer neste tipo de situações, mas aconselhava-se uma situação zonal.

(…)

Nós vemos aqui, o Pepe com uma referência individual sobre o ponta-de-lança, o Vieirinha sobre o outro, depois há um arrastamento, depois fica o outro sozinho. Se eles tivessem um comportamento zonal de um alinhamento em função da linha da bola, ou da linha do último defesa, esta bola era uma situação facilmente controlável por estes dois jogadores”.
Carlos Carvalhal, no programa Euro 2016 de 14 de Junho, RTP3, 2016
“Não se viram muitos cruzamentos, mas não se viu isto acontecer mais vezes”.
Marco Silva, no programa Euro 2016 de 14 de Junho, RTP3, 2016
“O que estará pensado será um posicionamento zonal, portanto é o Pepe que se acaba por deixar ir muito na ligação directa na marcação ao Sigþórsson, mas só o seleccionador sabe verdadeiramente o que pede aos jogadores para fazerem num momento destes. Teóricamente, se Pepe está já alinhado à frente do Vieirinha, isto não tinha acontecido.  (…) Depois Vieirinha tenta trocar com o Pepe, tenta trocar de homem, mas o Pepe já não percebe.”
Carlos Daniel, no programa Euro 2016 de 14 de Junho, RTP3, 2016

Numa derradeira leitura da situação do golo da Islândia, pode-se dizer que a metade esquerda da Defesa portuguesa defendeu à zona, de forma colectiva, e a metade direita defendeu de forma individual. Na última situação ilustrada no video, onde na prática, independentemente que poder ter acontecido de forma acidental, a Defesa acaba por apresentar um um posicionamento razoável sobre o espaço e sobre a zona mais perigosa para o adversário obter uma finalização de cruzamento, acaba por interceptar essa bola. E isto é o que significa antecipar o futuro.

Com o golo do empate da Islândia, a ansiedade regressou, consequentemente a equipa procurou chegar à baliza adversária de forma mais apressada, recorrendo cada vez mais aos espaços exteriores e aos corredores laterais, às variações longas de corredor, acumulando mais perdas e maior desgaste decorrente dos momentos de transição. As substituições, que procuraram transmitir maior ofensividade à equipa, potenciaram no entanto cada vez mais o jogo exterior e a progressão por fora do bloco adversário, ao serem acrescentados aos Defesas-Laterais dois Extremos praticamente sempre em largura máxima, o que intensificou os cruzamentos, aos quais os Islandeses foram respondendo com cada vez maior confiança. Atacando por fora do bloco Islandês, fez-lhe crecer o conforto e a segurança na sua organização defensiva. Um antigo profissional do Futsal, dizia que nessa modalidade era muito importante que no momento ofensivo, as equipas “tocassem ao meio”, o que significava precisamente que jogadores recebessem entre-linhas, portanto uma procura da construção dentro do bloco adversário. Segundo ele, isso provocaria desconforto e insegurança nos defensores, para além das situações em que essa acção conseguia colocar um atacante enquadrado no corredor central com a baliza, com os companheiros e respectivas soluções de último ou penúltimo passe e o(s) último(s) defensor(es). Dadas as grandes semelhanças entre as duas modalidades, no Futebol passa-se exactamente o mesmo.

“Adversário fechado no seu meio-campo: “Temos que ter muita paciência, como aconteceu ontem no jogo da Espanha, a Espanha manteve sempre a forma de jogar, não mudou em nada, e nós temos muita qualidade e teremos que fazê-lo da mesma maneira. Não nos podemos precipitar.”

Simão Sabrosa, Transmissão Portugal x Islândia, Sporttv, 2016

 Numa derradeira análise global, não esteve tudo errado nos momentos ofensivos da equipa portuguesa, e após o jogo de estreia, sentimos haver espaço para fazer crescer a organização ofensiva da equipa Portuguesa e rectificar estas questões. Como referimos atrás se Portugal foi dominate em construção, necessita agora de se tornar dominante em criação. O problema maior reside mesmo no momento defensivo, pois o que mais uma vez este jogo provou, é que subsistem, em jogadores de equipas de topo no Futebol mundial, referências individuais e consequentemente comportamentos defensivos individuais. E quanto a isto, perante a cultura, idade, estatuto, mentalidade, inexistência de tempo e provavelmente de abertura para desmontar estes hábitos, a selecção apresenta problemas graves nos seus momentos defensivos.

Finalmente, ainda para mais perante os erros cometidos, responder às provocações do treinador adversário, é decididamente algo que realmente NÃO importa, por muitas razões, mas também por retirar concentração ao que realmente importa.