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Drible | Simulação + Túnel

“Ser mais rápido e mais forte não garante sucesso na hora em que o pé toca na bola.”
(Pedro Bouças, 2015) a propósito de Cristiano Ronaldo

O lendário pontapé de bicicleta e o lendário… Cristiano Ronaldo II

Dois dias após o nosso artigo sobre o golo histórico de Cristiano Ronaldo, o genial Ricardo Araújo Pereira partilhou a mesma opinião e sentimento.

“(…) o nome foi a única vantagem com que Cristiano Ronaldo nasceu. É um nome que indica ao seu proprietário a carreira que deve seguir. Um nome psicotécnico: um arquitecto Cristiano Ronaldo sabe que nunca vencerá o Pritzker, e um engenheiro Cristiano Ronaldo nunca será quadro de topo da Mota-Engil – a menos que tenha sido ministro das Obras Públicas, mas infelizmente o cargo de ministro também está vedado a Cristianos Ronaldos, como é óbvio. Não, assim que um miúdo recebe o nome de Cristiano Ronaldo, pode começar a engraxar as chuteiras: já sabe que vai ser jogador de futebol.

Foi a única vantagem com que Cristiano Ronaldo nasceu. Tudo o resto foi conseguido por ele. É por isso que, ao contrário do que parece ser a opinião geral, considero que Cristiano Ronaldo é modesto e casto. Modesto e casto, digo bem. E justifico: Ronaldo nasceu, há 26 anos, num lugarejo esquecido da Madeira. À custa exclusivamente do seu esforço, conseguiu ser considerado o melhor do mundo no seu ofício. É isso que faz dele modesto. No lugar dele, tendo feito os sacrifícios que ele fez e obtido o que ele obteve, eu teria mandado fazer um cartaz, todo em néon, com os dizeres “Eu sou o grande Cristiano Ronaldo” e uma seta fluorescente a apontar para mim, pendurava-o ao pescoço e não saía de casa sem ele. Que ele, de vez em quando, dê uma entrevista em que arrisca um tímido elogio a si mesmo, para mim, é sinal de humildade.”

Ricardo Araújo Pereira, 2011

O lendário pontapé de bicicleta e o lendário… Cristiano Ronaldo

“(percebi que ia ser o melhor avançado) porque tinha desenvolvido desde baixo tudo o que era preciso. Revelava capacidade de finalização extraordinária, tanto com o pé direito como com o pé esquerdo ou com a cabeça. Tinha drible, remate, enganava adversários, tinha poder atlético no choque. Naquela geração não tínhamos mais nenhum assim como avançado, como ponta-de-lança.”

Francisco Silveira Ramos, 2017

Quantos de nós… na nossa infância… rebobinaram vezes sem conta a cassete de VHS, no momento em que Pelé, no filme Fuga para a vitória“, marca de pontapé de bicicleta aos nazis? Eternizando o momento e sonhando um dia reproduzi-lo no campo da nossa escola? Não sabemos se Ronaldo foi um deles, mas a realidade é que materializou o sonho de qualquer criança fascinada pelo jogo. No nosso imaginário, marcar de pontapé de bicicleta era o derradeiro degrau que imortalizava a lenda. Fosse durante a 2ª Guerra Mundial, na nossa rua, no clube da cidade ou na Liga dos Campeões. Aquele momento… tal como no filme… em que o jogo e a competição passavam para segundo plano, a Arte assumia o papel principal e os adversários nos aplaudiam de pé.

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/2018805774815346/

Segundo a (Wikipédia, 2018), “na maioria dos idiomas, a manobra recebe um nome similar aos movimentos do ciclismo e da tesoura, devido à plasticidade da acrobacia. A sua complexidade e seu uso incomum nas partidas de futebol fazem com que a bicicleta seja uma das mais célebres habilidades avançadas do desporto. (…) O remate de bicicleta já foi reproduzido em diversas obras de arte, bem como em esculturas, filmes, propagandas e na literatura.” Deste modo, entre tantos outros feitos, Cristiano Ronaldo sublinhou a sua imortalidade. Desta vez com talvez a acção individual mais célebre do jogo.

Crescemos e fomos educados sob constante avaliação. Nos jogos e brincadeiras com os amigos, na escola, no desporto, na vida profissional e até sentimental. É portanto natural, que tenhamos a tendência para procurar distinguir os melhores nas mais diferentes actividades. No Futebol, torna-se até fundamental, se estamos no domínio da escolha de um plantel ou de um onze, por exemplo. Contudo, a permanente discussão e comparação entre Cristiano Ronaldo e Lionel Messi, sendo sempre possível, perde sentido. Tendo em conta a sua individualidade, naturalmente terão qualidades similares e tantas outras diferentes. Até se pode tornar interessante discutir a influência de ambos nos diferentes sub-momentos de jogo das suas equipas. Porém, ambos atingiram uma tal dimensão qualitativa, que a discussão sobre a sua importância no jogo das suas equipas, e até na história do jogo deixou de fazer sentido. Ambos entrariam em qualquer equipa da história do Futebol.

Deste modo, à luz do trinómio Estética-Eficácia-Eficiência Ronaldo e Messi figuram entre os melhores da história nas dimensões Eficácia e Eficiência. Como a dimensão Estética, referida no artigo sobre o tema, torna-se “subjectiva e relativa à individualidade, cultura e preferência pessoal de cada indivíduo”… então Ronaldo e Messi são incomparáveis… podem ser uma preferência pessoal, mas no fundo o que importa é que ascenderam ao estatuto de lendários e estão no panteão dos deuses do Futebol.

Nos seus traços e evolução vivenciada, o autor (Lumueno, 2013), acredita que Cristiano Ronaldo “é o jogador mais completo do mundo no momento de finalização. É um fora de série pela eficácia que demonstra nos momentos de decisão. É um tremendo jogador”. O treinador português Fernando Valente, em entrevista também a (Lumueno, 2015), descreve que “Ronaldo formatou, à base de “hard work”, o seu corpo para se tornar uma máquina de execução técnica que lhe permite estar a um nível altíssimo na execução e antecipação de situações de finalização…” Também neste contexto, (Bouças, 2015) acrescenta que “ainda que Ronaldo seja de facto um monstro físico, é ser um monstro de execução técnica que o separa do comum dos mortais. Quantos outros futebolistas não são tão ou mais rápidos, não têm tanta ou mais força, ou não são mais ágeis que o prodígio português? A forma persistente como trabalha fisicamente para ser cada vez melhor é louvável. Mas, quantos não o farão em igual proporção? Ronaldo fisicamente é tudo o que se diz. Mas e como tão bem referiu Fernando Valente é por se ter tornado uma máquina de execução técnica que tem o sucesso que tem. Que marca a infinidade de golos que marca. É na excelência do seu gesto técnico, sobretudo a finalizar (e com qualquer superfície de contacto com que toca a bola!!) que Ronaldo é absolutamente estratosférico! Foi no evoluír do seu gesto técnico a finalizar que atingiu e atinge marcas outrora impensáveis. E não no incrementar das suas capacidades físicas. Ser mais rápido e mais forte não garante sucesso na hora em que o pé toca na bola”.

Aquele que é um dos melhores finalizadores de toda a história do futebol mundial, porque antecipa espaços, porque percebe antes de todos onde a bola vai cair, porque é um animal de movimentos na grande área, e acima de tudo porque coloca em cima da forma como “adivinha” um gesto técnico seja a rematar ou a cabecear como muito pouco visto antes na história do jogo, entendeu oportunamente o espaço que poderia encontrar para ficar como um jogador marcante, recordado até daqui por cem anos.

Pedro Bouças, 2017

Um Real engano

“(…) o trabalho sobre a análise do jogo tem-se focado, predominantemente, no uso de descrições simples e associações entre variáveis, levando à investigação do fenómeno sem considerar os aspetos dos sistemas complexos, dinâmicos e interativos, que poderão caracterizar melhor o rendimento num jogo de futebol.”

Hugo Sarmento citado por Luís Cristóvão, 2017

Tem sido constante o ataque ao rendimento de Karim Benzema pela escassez de golos marcados do jogador Francês. O próprio Cristiano Ronaldo também tem sido alvo de criticas similares dado o menor número de golos marcados na presente época desportiva.

“Esta é uma crise sem precedentes dos habituais goleadores do Real Madrid nos últimos anos. Na mesma altura da época passada, Ronaldo e Benzema somavam 12 golos no campeonato. Em 2014/15 já tinham apontado 27 golos no mesmo número de jogos. Agora estão ao nível dos piores da Europa e longe dos melhores. Neymar e Cavani, do PSG, somam 22, enquanto Suárez e Messi, do Barcelona, já marcaram 17.”

“Ronaldo e Benzema são a pior dupla da Europa”

“Quando Ronaldo não se encontra na melhor forma é fácil perceber a má forma do Real Madrid à frente das balizas. No entanto, a seca de golos de CR7 não pode ser o único motivo que explica o mau momento pelo qual passa a equipa de Zidane. (…) Mais que Ronaldo, Benzema está a ser obliterado pelas críticas à maneira como pouco tem contribuído com golos para a equipa. O francês não está a acertar com a baliza e quando o faz, não consegue dar seguimento com boas exibições. Sendo um dos principais elementos da badalada BBC, Benzema tem apenas seis golos marcados esta temporada, o que para um avançado do Real Madrid é um número fraco. O avançado já leva 22 partidas disputadas e conta com apenas três assistências.”

“Um Real Madrid que está em crise e já não consegue disfarçar”

Porém, os que procuram explicar o menor rendimento colectivo do Real Madrid por um fragmento da realidade ignoram outros números. O facto é que o Real Madrid, colectivamente, é a quinta equipa com mais golos marcados na Europa.

Equipas mais goleadoras da Europa – 26 de Fevereiro de 2018 (SportTV, 2018)

Portanto, se os golos marcados pela equipa não são a explicação para o seu menor rendimento global, não serão com certeza os golos, nem as assistências, do ponto de vista individual. O objectivo do artigo não é procurar a explicação para o momento do Real Madrid. Pela análise ao seu jogo, é um exercício sempre interessante, mas difícil. Pior ainda se tivermos em conta a complexidade que envolve a dinâmica de uma equipa de futebol. O dia-a-dia, o treino, o plano individual, as relações internas, externas, etc. O propósito é, uma vez mais, sublinhar como o pensamento reducionista está sempre presente na forma como observamos a realidade. Se tivermos em conta a proposta por nós apresentada, o jogo de futebol acontece em 12 sub-momentos.

Momentos e Sub-Momentos do jogo.

A finalização da equipa só está presente em dois deles, assim como a “assistência”. No que toca ao que é visível no campo, não estarão possíveis explicações para o rendimento do Real Madrid nos outros 10 sub-momentos? E será que os jogadores criticados, não serão importantes noutros sub-momentos do jogo? Por se posicionarem na maior parte do tempo de jogo mais perto da baliza adversária, têm obrigatoriamente que ser os melhores marcadores da equipa?

Parece-nos clara a resposta à última questão. Depende da forma de jogar da equipa. Se a mesma proporcionar situações de finalização a esses jogadores e os mesmos falharem-nas sistematicamente, logicamente que isso é um dado negativo do ponto de vista individual. Porém se a mesma os usar como “um meio para chegar a”, então a crítica individual é absurda. Não tendo oportunidades para marcar, não poderão com certeza somar golos. Voltando ao contexto particular do Real Madrid, talvez Benzema e Ronaldo não estejam no melhor momento no que toca à sua eficácia. Porém, não estarão, mais do que nunca, a dar uma maior importância ao jogo colectivo da equipa? Pelo menos no momento ofensivo? A própria decisão, no passado fim-de-semana, de Cristiano Ronaldo ceder a marcação de uma grande penalidade a Benzema talvez reflicta isso mesmo. E não se tratou de uma assistência. Mas de uma preocupação com o outro. A tal relação interna. O próprio José Mourinho, em 2011, quando treinou o Real Madrid descrevia assim Benzema:

“Karim está a trabalhar mais do que nunca, sobretudo na fase defensiva, e é um jogador nada egoísta e que faz jogar a equipa.”

José Mourinho, 2011, citado por João Paulo Godinho, 2011

Segundo o autor (Amado, 2010), “o Futebol é tudo menos um jogo simples e um avançado tem mais para fazer em campo do que ser o elemento mais avançado de uma equipa. O Futebol, jogado como um todo, não pode estar refém de jogadores com funções específicas; uma equipa, para fazer golos, não pode estar refém do seu atleta mais adiantado. Tem de ser capaz de tornar complexo o seu jogar a ponto de ser absolutamente indiferente quem faz ou não faz os golos”. O avançado espanhol, Fernando Torres, citado por (Bouças, 2012), a propósito do seu papel na selecção espanhola, descreve que “é preciso ter paciência. É complicado jogar. Deves fixar o central, é um papel secundário, porém é o melhor para a equipa. É um luxo jogar nesta selecção. Aqui pode acontecer que te contenhas mais na partida e não faças golos, mas é o melhor para a equipa. Há dias que pensas: “Que partida fiz! Oxalá jogue assim sempre.” E ouves críticas por todos os lados. E no dia em que estás lento, mal e erras, mas marcas dois golos, aplaudem-te. Aprendi a viver com isto.” Pedro Bouças sustenta que estamos numa era em que perceber o futebol é muito mais complexo que o que na realidade parece. Há onze jogadores, e todos devem ser responsáveis por tudo dentro do campo. Uns dias ganhas notoriedade, noutros parece que o jogo te passa ao lado. Há é que decidir bem a cada instante. Se assim for, a equipa estará sempre mais próxima do sucesso”.

Na sua obra, Edgar Morin, explica que “a palavra compreender vem do latim, “compreendere”, que quer dizer: colocar junto todos os elementos de explicação, ou seja, não ter somente um elemento de explicação, mas diversos. Mas a compreensão humana vai além disso, porque, na realidade, ela comporta uma parte de empatia e identificação. O que faz com que se compreenda alguém que chora, por exemplo, não é analisar as lágrimas no microscópio, mas saber o significado da dor, da emoção. Por isso, é preciso compreender a compaixão, que significa sofrer junto. É isto que permite a verdadeira comunicação humana. A grande inimiga da compreensão é a falta de preocupação em ensiná-la. Na realidade, isto está-se a agravar, já que o individualismo ganha um espaço cada vez maior. Estamos a viver numa sociedade individualista, que favorece o sentido de responsabilidade individual, que desenvolve o egocentrismo, o egoísmo e que, consequentemente, alimenta a autojustificação e a rejeição ao próximo. A redução do outro, a visão unilateral e a falta de percepção sobre a complexidade humana são os grandes empecilhos da compreensão. Outro aspecto da incompreensão é a indiferença. (…) Por isso, é importante este quarto ponto: compreender não só os outros como a si mesmo, a necessidade de se auto-examinar, de analisar a autojustificação, pois o mundo está cada vez mais devastado pela incompreensão, que é o câncer do relacionamento entre os seres humanos.”

“Mourinho dizia-me: Tranquilo, não precisas de marcar golos para ser o homem do jogo.”

Didier Drogba citado por (Bouças, 2013)

“Pergunto-me por exemplo, quantos não serão os “dados” existentes à cerca da pergunta seguinte: Quais são, os elementos estruturais de todo o jogo de futebol? A estrutura de acção não é mecânica, no entanto, o saber compartimentado do “nosso” futebol segregou já demasiadas previsões especializadas. Deve continuar o “futebol”, a deixar-se cegar pelo erudito reducionismo? Para nós, a formulação de MODELOS DE INTELIGIBILIDADE afastados da FRAGMENTARIDADE DOMINANTE, e ajustados à natureza complexa do objecto empírico, parece-nos de premente necessidade.”

Vítor Frade, 1990, no seu projecto de tese de doutoramento, em 1990

“Sem equipa

nenhum jogador cresce,

mas só boa equipa fica

se ser bom jogador acontece.”

(Frade, 2014)

Cristiano Ronaldo

“Ser um atleta excepcional, ou até genial, é sem dúvida distinguir-se, pelos primores técnicos, pela inteligência táctica e pelo alto rendimento, em relação aos demais colegas de equipa, mas é também estar essencialmente em relação com todos eles. Fora desta dialéctica de distinção e integração, o atleta excepcional não se compreende. A autonomia do singular não constitui um dado absoluto, dado que assim se lançaria ao esquecimento a plurideterminação do real”.

(Manuel Sérgio, 1991) citado por (Neto, 2012)

“Eu não quero só ganhar, eu também quero sentir!”

(Klopp, 2013)