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A Ideia de Jogo no Programa de Treino

“É importante que os conteúdos a desenvolver nos diferentes dias da semana estejam inter-relacionados, sendo reforçados a cada dia através de situações diferentes, quer estruturalmente, quer na sua complexidade, facilitando as aquisições por parte dos jogadores.”

(Vítor Gouveia, 2023)

Abordámos recentemente a adaptabilidade e flexibilidade do Programa de Treino que propomos em função de diferentes Ideias de Jogo. Propriamente, o propósito do mesmo não foi servir em Especificidade determinada Ideia de Jogo, mas sim múltiplas. Referimo-nos à programação, à escala dos conteúdos e forma como estes estão construídos e distribuídos. E na maioria dos casos, mesmo os próprios exercícios.

Podemos dar dois exemplos sem aprofundar muito as sessões e respectivos exercícios. Tal ficará para as páginas respectivas que estamos a publicar. Esta explicação procurará ideias simples mas dispares, para que a explicação seja mais clara. Um treinador que defina na sua Ideia em Organização Ofensiva numa Construção e Criação num jogo mais directo e em defesa individual em Organização Defensiva, e outro que deseje que a sua equipa ataque de forma mais curta e apoiada no momento ofensivo e numa defesa zona, ou seja, colectiva, no momento defensivo.

Vamos tomar como exemplo a semana A do Programa. Primeiro treino da semana, Transição Ofensiva como grande objectivo. Exercícios de Reação ao ganho, decisão sobre a entrada no sub-momento de Contra-ataque ou Valorização da posse de bola e seu desenvolvimento. Conteúdos, para nós, transversais a todas as ideias de jogo. Desenvolve-se ainda um situação de jogo colectiva de compensação para os jogadores menos utilizados. Aí, liberdade para o treinador prescrever ideias, corrigir coisas e experimentar.

No segundo dia, Transição Defensiva. Exercícios de Reação à perda, Recuperação defensiva para a sua estrutura defensiva e Defesa do contra-ataque, serão desta forma geral, também transversais a todas as ideias. Todas dependem destes sub-momentos para terem qualidade e sucesso.

Terceiro dia, Organização Ofensiva. Exercícios de Acções individuais ofensivas reforçam, na dimensão individual, todas as ideias. Posteriormente situações de Construção, Criação e Finalização em diferentes escalas estruturais e espaciais, porém com margem para saída do Guarda-Redes curta ou longa, uma posterior construção mais curta ou longa, privilegiando o corredor central e lateral, como também em sub-momento de Criação. Todos articulados com a Transição Defensiva. Uma vez mais, espaço nos exercícios para a Especificidade.

Quarto dia, Organização Defensiva. Um exercício de objectivo diferente, velocidade e coordenação gerais, outro que apele à coesão, competitividade e Acções individuais defensivas. Posteriormente situações de Impedir a construção, Impedir a criação e Impedir a finalização. Espaço para diferentes ideias defensivas, métodos defensivos, diferentes estruturas e diferentes profundidades de posicionamento do bloco. Em bloco alto, médio ou baixo. Independentemente da Ideia de Jogo do treinador dar privilegiar uma dessas opções, cremos ser importante dominar todas elas. Diferentes contextos, diferentes situações de jogo, diferentes necessidades. Uma equipa pode defender em bloco baixo com qualidade, mas algum jogo irá estar em desvantagem. E se nesse caso o adversário optar por um maior privilégio à posse e a “defender com bola”, a equipa terá a necessidade de subir o bloco e tornar a sua pressão mais alta e mais agressiva.

Quinto dia, dia anterior à competição, situações de team-building em regime técnico, coordenativo e velocidade. Posteriormente situações de consolidação / estratégicas onde o treinador terá espaço para tais ajustamentos.

Depois poderão existir diferenças nos princípios ou no detalhe das acções individuais. Se, por exemplo, o treinador deseja valorizar mais a posse, se procura forçar mais o Contra-ataque e o privilégio pelo passe vertical, mesmo que mais longo, tal será principalmente através de um eventual condicionamento do detalhe do exercício e através do feedback e apresentação da Ideia. O mesmo sucede com as acções individuais. Haverá espaço para as mesmas nas 4 semanas do Programa, porém, dependendo do escalão e da Ideia, o treinador poderá privilegiar determinadas variantes das ações. Por exemplo, mais passe longo em detrimento do curto. Ou noutro exemplo, que o desarme seja mais estimulado quando em contenção e com o adversário enquadrado, e menos quando este ainda se encontra de costas para a baliza.

O próprio Programa propõe diferentes variantes para cada exercício (que vão sendo publicados semanalmente) que servindo de variações e progressões dos objectivos macro, permitem também dar espaço de escolha ao treinador de forma a adequar com maior precisão a Ideia ao exercício.

“No que diz respeito à tarefa de planear, o treinador terá que fixar objectivos, seleccionar conteúdos de treino e definir a melhor metodologia a implementar para concretizar os objectivos definidos.”

(Jorge Braz, 2006)

Flexibilidade e adaptabilidade do Programa de Treino

“Os exercícios apenas são potencialmente específicos”

Guilherme Oliveira, citado por (Esteves, 2010)

Continuamos a explorar o Programa de Treino que temos vindo a desenvolver, aprofundando a flexibilidade do mesmo.

Sublinhamos que o Programa não é dirigido a nenhuma Ideia de Jogo Específica. Porém, será ele exequível para todas as Ideias? Essa foi uma das nossas preocupações e intenções, mas lançamos um verdadeiro desafio à criatividade. Será possível criar uma Ideia de Jogo que não seja operacionalizável desta forma? Caso afirmativo, por outro lado, será um óptimo tónico à evolução do trabalho realizado.

À imagem de um Microciclo ou Morfociclo padrão, no qual a preocupação seja transmitir uma Ideia de Jogo à equipa, enquadrando uma série pressupostos para que a “óptima” aquisição deva acontecer, por sua vez o Programa enquadra um ciclo mais alargado (quatro semanas), nas quais são abordadas todas as dimensões da Ideia de Jogo da equipa.

Se a Ideia de Jogo (o projecto do treinador) é o ponto de partida e o Modelo de Jogo (o jogar propriamente dito da equipa) o ponto de chegada, o Programa será um dos veículos, através dos quais podemos fazer esse trajecto. Cremos nós, e esse foi o principal objectivo na sua elaboração, com grande eficiência e eficácia.

No passado texto escrevemos o seguinte sobre o tema:

“Também procurámos que o Programa fosse, por um lado, suficientemente fechado para se conseguir um razoável controlo do processo de aquisição e repetição num plano macro, por outro, que também fosse suficientemente aberto para poder ser implementado com diferentes Ideias de Jogo, diferentes níveis competitivos e ainda diferentes escalões etários.”

Para tal, usámos a Sistematização do Jogo que desenvolvemos no passado, para definir diferentes escalas de actuação. Os momentos, os sub-momentos, os princípios, os sub-princípios e as acções individuais.

Relativamente aos momentos, temos uma sessão por semana direccionada para cada um deles. Quanto aos sub-momentos, procurámos dar maior volume aos que surgem mais vezes no jogo. Por exemplo, em relação à Transição Defensiva é facilmente perceptível que as equipas passam mais tempo na Reação à perda e menos na Defesa do contra-ataque, logo, será lógico dar maior propensão a um sub-momento que pode até evitar que a equipa não tenha que defender um contra-ataque adversário.

Em relação aos princípios, tratam-se de ideias comuns a todas as equipas. No mesmo enquadramento, Transição Defensiva, sub-momento de Reação à perda, damos o exemplo da “Pressão imediata na bola”. É algo que todas as equipas procuram. Se é para procurar recuperar imediatamente a bola ou apenas para conter, não permitindo o contra-ataque adversário e procurar garantir a reorganização defensiva da equipa, isso será território específico da Ideia de Jogo de cada treinador. Como exemplo de sub-princípio, “Referências de pressão”, ou seja, em que circunstâncias a equipa passa da contenção à pressão para recuperar a bola, ou se simplesmente não o faz nunca. Importa referir que os sub-princípios são comuns a diferentes princípios. O exemplo que acabámos de dar confere isso, pois “Referências de pressão” estará também presente noutros sub-momentos do jogo, nomeadamente nos de Organização Defensiva.

O mesmo sucede com as Acções Individuais. Neste caso, defensivas, e damos o exemplo da “Posição de base”, através da qual o defensor procura orientar-se, posicionar-se, adoptar determinada postura corporal, etc., para, da forma mais eficiente possível, passar da contenção à eventual pressão com objectivo de recuperar a bola.

Ora bem, nesta lógica, o Programa define o quando (momentos e sub-momentos do jogo) e o quê (princípios, sub-princípios e acções individuais). Contudo, não define o como e porquê, ficando esse domínio contemplado na Ideia de Jogo Específica de cada treinador.

Deste modo, o Programa também se torna ajustável a cada nível de jogo. Se, por exemplo, o nível é o da Etapa de Iniciação do Futebol de Formação, a Ideia (extremamente simples, reduzida, necessariamente aberta e ampla) e a intervenção do treinador deverão ter determinado carácter. O que não implica que não hajam conteúdos programados, tal como sucede nos programas nacionais do ensino básico. De uma forma geral, abordados de forma mais elementar e muitas vezes apenas usando um exercício / jogo simples como estímulo ao conteúdo desejado, e sem grande intervenção do treinador. Noutro exemplo, se o Programa é aplicado no Futebol de Rendimento Profissional, o detalhe, a exigência, o plano estratégico, etc., deverão estar contemplados através da Ideia de Jogo, conteúdos e da actuação do treinador em cada exercício. Mesmo que não haja intervenção do treinador no exercício. Isso deve ser deliberado e fruto de um pensamento estratégico e operativo naquele contexto específico. Não porque o nível de intervenção pressupõe isso.

Haverá sempre uma questão pertinente no nível de Rendimento. Se o Programa engloba quatro semanas, dado que uma não será suficiente para se atingir todas as dimensões do jogo da equipa na propensão desejada, então, atendendo à eventual necessidade de investimento na dimensão estratégica em função do próximo jogo, essa semana do Programa poderá não atingir em volume de forma satisfatória determinado sub-momento do jogo e / ou da forma desejada (espaço do campo onde determinados princípios se desejam trabalhar). Neste caso, a manipulação do exercício, nomeadamente na sua operacionalização, torna-se decisiva.

Não modificando conteúdos, ao longo da semana o treinador vai encontrar momentos e sub-momentos contrários aos objectivos estratégicos que persegue. Nesses momentos, pode usar o contra-exercício, ou seja, os objectivos inversos aos do Programa em determinado exercício para intervir e tornar-se o protagonista maior no foco e, possivelmente feedback, que pretende. Por exemplo, na semana C do Programa, no exercício C-3OO2B:

Os objectivos, sub-momentos da Organização Ofensiva, são a Criação e Finalização, e ainda com ligação à Reacção à perda na Transição Defensiva. O exercício é passado no meio-campo adversário.

Se, em função do próximo adversário, o treinador tem a preocupação de preparar determinado(s) princípio(s) da Organização Defensiva, sub-momento, Impedir a Criação em bloco médio ou baixo, poderá escolher este e eventualmente outro(s) exercício(s) para garantir essa intervenção. Nesta semana do programa, para além deste, surgem mais 5 exercícios em que pode atingir, ou no objectivo principal, ou no contra-exercício, este propósito. Assim, no enquadramento da equipa técnica e definição de tarefas no treino, poderá trocar o seu papel, inicialmente no objectivo principal, com outro treinador responsável pela equipa / grupo de jogadores que se encontram no objectivo inverso. Ou seja, trocar a sua intervenção para a equipa que, com maior propensão no exercício em causa, defende e transita ofensivamente no exercício. Deste modo, o programa não perde os objectivos iniciais e a estimulação sistemática de determinadas ideias. Simultaneamente o treinador encontra o espaço e o momento para dar mais ênfase a determinada preocupação e objectivo estratégico.

Estamos, e não nos cansamos de repetir, perante um processo altamente complexo. O Programa de Treino, torna-se para nós um caminho muito interessante para o treinador ter um satisfatório controlo sobre o jogo da sua equipa. No caso particular do Futebol de Rendimento, controlo sobre a dimensão da sua Ideia de Jogo e também sobre a dimensão estratégica.

“Treinar deve implicar

que a percepção cumpra sua função

não é a de memorizar, mas de percepcionar

a complexidade do jogo na complexificação.

Resultante…

De cada instante

duma e outra equipa na acção.”

(Vítor Frade, 2014)

Programa de Treino

“Independentemente das metas a que se propõe cada equipa no início de cada época desportiva, terá que existir um trabalho programado, que oriente o processo de treino desde o seu começo até ao final.”

(José Mourinho, 2001)

Iremos em breve iniciar a publicação de uma nova parte do nosso trabalho, intimamente ligada ao “todo” que vamos progressivamente construindo. A sua publicação será progressiva, exercício a exercício, objectivos e com várias variantes, até ficar completa a estrutura do Programa, ou seja, o ciclo das 4 semanas.

O Programa de Treino torna-se um desafio e uma descendência do conhecimento e experiência obtidas na investigação que vamos realizando paralelamente à intervenção directa no treino. Estas experiências trouxeram questões e fizeram crescer determinadas necessidades metodológicas visando a eficiência e eficácia do processo.

Deste modo, propomos um Programa de Treino que se constitui numa programação hierarquizada e sistematizada de temas (Momentos do Jogo), sub-temas (Sub-Momentos do Jogo) e Princípios. Procurando também atingir um nível mais profundo de operacionalização, acrescentamos ainda um conjunto de variantes para cada exercício proposto pelo Programa.

Naturalmente usámos a Sistematização do Jogo que desenvolvemos em 2015 e que continua a servir-nos no presente para mapear o jogo e a partir daí garantir vários propósitos ao processo de organização de informação, análise, planeamento e ensino / treino. Também procurámos que o Programa fosse, por um lado, suficientemente fechado para se conseguir um razoável controlo do processo de aquisição e repetição num plano macro, por outro, que também fosse suficientemente aberto para poder ser implementado com diferentes Ideias de Jogo, diferentes níveis competitivos e ainda diferentes escalões etários. Nesta lógica, no âmbito da Ideia de Jogo, será num plano mais micro que se ditarão as diferenças no contexto de cada equipa que adopte este Programa, o que não quer dizer que desse modo estas diferenças sejam menos impactantes do que uma mudança no plano macro (Organização dos Momentos, Sub-Momentos e Grandes Princípios). Recordamos que estamos perante um sistema complexo de extrema sensibilidade às condições iniciais, e como tal, tais diferenças poderão ditar Modelos de Jogo muito diferentes entre si.

“Devemos, por isso, ter em atenção os perigos de treinar só a olhar para o próximo jogo. Recentemente, um treinador partilhava comigo a dificuldade dessa gestão. Imaginem que preparamos a semana toda para enfrentar uma linha de 5 e, durante 3 semanas seguidas, vamos enfrentar linhas de 5. No final dessas 3 semanas, provavelmente, haverá coisas importantes que se podem perder. Coisas que se relacionam com outro tipo de problemas. Por isso, entendo que ao longo de todas as semanas é preciso ir cuidando do todo, para que não arrisquemos empobrecer partes importantes.”

“Fazer muita coisa com qualidade é difícil. É difícil apresentar diversidade de comportamentos bem trabalhados. Mas não é impossível. É preciso tempo, qualidade de treino e qualidade nos intervenientes. Mas teremos de estar sempre conscientes que não podemos treinar tudo. Não podemos ter tudo na nossa forma de jogar, pelo menos para quem acredita na força do pormenor. Para haver padrão tem de haver repetição e entendimento. Isso leva tempo. Temos então de escolher muito bem o que treinar e a quantidade de coisas em que queremos ser fortes. Podemos ter maior variabilidade mas menor pormenor ou ter mais pormenor e menor variabilidade. O que não podemos é ter tudo.”

(Bruno Fidalgo, 2022)

Procurando dar um exemplo, no Programa proposto, o exercício:

B-2OO2A

Semana: B

Sessão de Treino: -2

Tema / Momento do Jogo: Organização Ofensiva

Parte da Sessão de Treino: 2

Exercício: A

O tema da sessão, Momento de Organização Ofensiva estará neste exercício ligado ao momento seguinte, a Transição Defensiva, cumprindo assim o Princípio Metodológico da Articulação de Sentido. Neste enquadramento, e realizando “zoom” no exercício, este terá como sub-temas (Sub-Momentos) a Construção + Criação + Reação à perda, e ainda de forma mais específica, os Princípios o Equilíbrio defensivo em construção + Saída de jogo do GR + Decisão pelo ataque rápido + Construção pela primeira linha + Construção pelo corredor lateral. Assim, se todas as equipas terão, ao longo do jogo, que passar obrigatoriamente por estes e restantes Sub-Momentos, estes grandes Princípios também se situam na mesma lógica.

“a beleza desta forma de pensar o treino, é que no mesmo exercício nós treinamos muitas coisas e é difícil explicar o objectivo de cada exercício, já que ele é muito rico”

(José Mourinho, 2010)

Por uma via ou por outra, ou seja, através dos “comos”, os jogadores terão que saber ler, decidir e executar os diferentes Momentos, Sub-Momentos e Princípios de Jogo. Especificamente relativamente aos últimos, todas as equipas deverão cumpri-los não só para jogar bem, e em alguns casos mesmo, simplesmente para poderem… jogar, como é o caso da Saída de jogo do GR. Agora, se a equipa sai de forma aberta ou fechada, curta ou longa e de que forma(s) específica(s) (que posicionamentos?, que decisões?), o “como”, já estará dependente da Ideia específica de cada treinador. E em função do nível de liberdade permitido pela Ideia (a concepção), se este este assim o entender, da criatividade e aporte que cada jogador, tendo conta a bagagem que possui (a qualidade) possa acrescentar ao Modelo (o real). No mesmo exemplo, o mesmo sucede com o Equilíbrio defensivo em construção e de que forma ele é garantido. Também a Decisão pelo ataque rápido e em que circunstâncias a equipa deve (ou simplesmente não deve) decidir acelerar a progressão e tornar-se mais vertical e agressiva na procura de chegar ao Sub-momento de Criação ou mesmo à baliza adversária se existir essa possibilidade. No mesmo sentido, de que forma, e que variantes adopta na Construção pela primeira linha, podendo, por exemplo, o objectivo ser chegar ao espaço entre-linhas e ao Sub-Momento de Criação, ou então atacar imediatamente a profundidade (o espaço entre a última linha adversária e o seu GR) em passes mais longos verticais saltando assim o momento de Criação para se chegar de imediato à Finalização, ou ainda procurar a variabilidade e explorar ambas as soluções. E finalmente que posicionamentos e decisões se pretendem para a Construção pelo corredor lateral, se é desejada por exemplo em combinações curtas, se em passes mais longos, que variabilidade, se é garantida mobilidade e trocas posicionais e quais as circunstâncias para a equipa o fazer, se procura atrair o adversário fora, para depois procurar a progressão por dentro ou variar o corredor lateral, etc, etc.

Como vemos, emergem ilimitadas possibilidades de configurar a equipa de acordo com a Ideia e até ligá-la ao plano estratégico num contexto de rendimento ou próximo. Podemos então afirmar que as diferenças de equipa para equipa não se situarão no que fazer, mas sim no como o fazer.

“(…) os «exercícios», em si mesmos, têm pouco valor. Têm unicamente informação potencial. A ênfase que eu coloco nisto e naquilo enquanto o «exercício» acontece, o modo como eu ligo isto com aquilo e a articulação entre «exercícios», são os aspectos mais importantes e os mais difíceis de dominar. E dependem exclusivamente do treinador. Por isso é que eu digo que os «exercícios» nunca são novos. Têm de estar sempre relacionados uns com os outros.”

(Vítor Frade, 1998) citado por (Nuno Amieiro, 2009)

Perante este cenário percebe-se que se trata de um desafio extremamente ambicioso e complexo, principalmente se o programa deseja ser transversal a todos os escalões etários. Contudo, acreditamos que tal seja exequível tendo em conta as ideias que vamos abordando e a especificidade do processo que idealizamos. Compreendendo simultaneamente que o exercício de treino é o elemento básico e decisivo na intervenção do treinador. Desta forma, em idades mais baixas, adotando os exercícios propostos pelo programa ou criando novos de menor complexidade, ajustando e cortando também conteúdos em função do escalão etário e tendo em conta o desejável volume de treino nessas etapas de desenvolvimento, o objectivo parece-nos alcançável. Por outro lado, nesse género de processo, serão também importantes, e em função da dimensão do Projecto de Formação, a criação de outras actividades complementares, que garantam outra riqueza e multilateralidade à formação do jovem jogador. Será um outro desafio que o nosso projecto poderá abordar no futuro.

Diversos autores e treinadores, tendo em conta o entendimento que têm do processo, defendem o trabalho semanal através de um Microciclo ou Morfociclo padrão. Independentemente do entendimento e da consequente terminologia, a grande maioria, na actual fase de desenvolvimento do Treino de Futebol, concorda com a importância da sistematização do processo, pelo menos a este nível. Tal terá sucedido, consequência da necessidade de cumprir pilares fundamentais do processo adaptativo, como é exemplo a necessidade de recuperação aos estímulos obtidos. Seja a recuperação decorrente do último jogo disputado, da última sessão de treino, ou do último exercício. Também porque diferentes estímulos pressupõem diferentes períodos de recuperação, não só do ponto de vista físico-energético como também nervoso. Como temos vindo a defender, o processo de adaptação e a consequentemente fadiga, é um todo complexo do qual se torna muito difícil distinguir a maior ou menor influência a suas diferentes dimensões.

Estamos alinhados com os autores que defendem a importância desse padrão no ciclo semanal em função, por um lado, das competições e do desgaste decorrente das mesmas, mas também pelas necessidades decorrentes do próprio processo aquisitivo. Isto, principalmente no caso dos contextos de rendimento. E concordamos também com a visão de Vítor Frade que se materializou no Morfociclo. No entanto sentimos idêntica necessidade de encontrar outro ciclo a maior prazo, que além de salvaguardar as necessidades referidas, também promova uma repetição sistemática de temas tendo em conta a complexidade do jogo, a sua especificidade, a sua lógica acontecimental e determinada cultura que se pretende alcançar, que por sua vez deverá estar alinhada com os princípios fundamentais e específicos do próprio jogo.

Neste enquadramento, pegando no ciclo semanal que vínhamos a desenvolver, o qual já garantia em cada Sessão de Treino protagonismo a um Momento do Jogo diferente, sendo que, como vimos atrás, em cada Exercício esse Momento estaria pelo menos ligado ao Momento imediatamente antes ou imediatamente seguinte de forma a cumprir o Princípio da Articulação de Sentido, chegámos a uma proposta programática de um ciclo de 4 semanas. Deste modo, procuramos promover uma diferenciada densidade de temas em função da sua importância no jogo, mas também que permita uma repetição e consolidação ao longo da época, a qual poderá ser gerida de forma progressiva ou regressiva tendo em conta a avaliação que se vai fazendo do processo. E para tal, como também vimos atrás, o Exercício é o principal meio que o treinador possui, neste e em qualquer outro processo, para garantir essa operacionalidade. No entanto, como Frade defende, por si só o exercício tem pouco valor. Para além da sua eficácia relativamente ao seu propósito e em função disto, da sua lógica interna, torna-se também fundamental que interaja com o “ecossistema” em que actua, por exemplo, com os exercícios da restante Sessão de Treino, com o Ciclo Semanal, com o Ciclo Programático das 4 semanas e com o Ciclo Anual. E no caso do Futebol de Formação, também com os Ciclos Anuais anteriores e seguintes, ou seja, o Ciclo Plurianual.

Assim, na perspectiva do ciclo semanal de um momento competitivo, defendemos os dias de dominância dos Momentos de Transição no início da semana e os de Organização nos treinos -3 e -2, ou seja um ciclo semanal com competição ao Domingo, as Transições seriam Terça e Quarta e as Organizações Quinta e Sexta. Esta lógica foi encontrada pela observação e experiência sobre o género de exercícios que defendemos dedicados a cada um destes Momentos, tendo em conta os regimes que exacerbavam, a complexidade dos mesmos, portanto, a fadiga promovida e os dias subsequentes de possível recuperação. Sendo verdade que podemos manipular a grande maioria dos exercícios de forma a atingir tais regimes a determinado dia da semana, por outro lado, estaremos desse modo, novamente a trabalhar na lógica de periodização física, dado que será essa a prioridade que estamos a dar ao nosso processo de planeamento. Desse modo, esse género de manipulação também tenderá a afastar o exercício do seu contexto e especificidade ideal, podendo daí resultar menos impacto naquilo que é realmente importante para nós: o comportamento desejado, seja ele de objectivo dominante de posicionamento, decisão ou execução.

Continuando a explicação, os dias dedicados às Transições serão alternados a cada semana, ou seja, na Semana A a Sessão -5 será dedicada à Transição Ofensiva enquanto a Sessão -4 à Transição Defensiva. Na semana seguinte é invertida a sequência de forma a possibilitar, a ambos os Momentos, diferentes níveis de complexidade e diferentes géneros de exercícios e consequentemente outro nível de desgaste. O mesmo se passa com as Organizações. Se na primeira semana, na Sessão -3 o tema dominante é a Organização Ofensiva, no -2 é a Organização Defensiva. Na semana seguinte, o inverso. Deste modo, no Programa, ou seja, no ciclo das 4 semanas, teremos sempre 2 treinos no mesmo dia para cada Momento.

O treino -1, para as equipas que o contemplam na sua estrutura semanal (níveis de rendimento semi-profissional e profissional, e pré-rendimento de clube profissional), será para nós dedicado a questões emocionais, de plano micro, estratégicas e de possível reforço às situações de bola parada.

Sublinhando que este Programa surgiu por necessidade prática, estamos convictos que pode ser um upgrade ao processo metodológico. Não só do ponto de vista da eficiência do mesmo, como da sua eficácia. Para os treinadores que estão à procura de uma orientação, mas também para colocar questões aos que já têm o seu processo definido. Acreditamos então que este pode ser um passo decisivo na evolução da intervenção do treinador.

“Agir local, pensar global.”

(Silveira Ramos, 2004)

Planeamento [Subscrição Anual]

Publicamos o tema Planeamento. Trata-se de uma abordagem geral partindo do entendimento do conceito no plano teórico, para que mais tarde publiquemos ideias mais práticas, relativas ao plano operacional. Porém, como referido, “constatamos que a importância das ideias sobre o processo de Planeamento não se resumem ao domínio teórico e conceptual. A ideia com que se parte deste plano irá influenciar de forma decisiva, entre outros aspectos, as decisões na definição dos objectivos, conteúdos, operacionalização do trabalho e avaliação”.

O tema “Planeamento” encontra-se enquadrado em:

Por outro lado este tema será constituído pelos seguintes capítulos:

  1. Enquadramento
  2. Um destino e o caminho para o alcançar
  3. Antecipar o caminho

Deixamos alguns excertos do tema “Planeamento“:

“(…) o planeamento parte sempre de uma ideia de futuro, e é, antes de tudo, a consequência dessa ideia.”

(Pires, 1995) citado por (Pedro Silva, 2006)

(…)

Também de acordo com Sérgio Figueiredo em (Carlos Filipe Mendonça, 2006), uma das condições de sucesso é a “perspectiva de médio prazo, a sustentabilidade do projecto”. É fundamental compreendermos o passado, fazermos “bem” no presente, mas torna-se igualmente decisivo pensar no futuro. O mesmo autor sublinha que “é um a frase feita, mas conserva a utilidade: mais difícil que chegar ao topo é manter o nível“. Para (Ângela Mendes, 2009), “num Desporto cada vez mais desenvolvido e profissionalizante o treinador deve então ser um agente embrenhado e consciente das suas tarefas: que concebe (planeia), orienta a acção (comanda os treinos e jogos) e faz o enquadramento geral das acções executadas (avalia o processo) pois tal como diz Bento (1993) “a prática (treino e competição) do treinador é um campo de realização de decisões tomadas e consciencializadas anteriormente pelos momentos da reflexão, da análise, da avaliação, do planeamento, de preparação“”. Neste contexto, (Filipe Cândido, 2012) descreve que o metodólogo “Bompa (1999) concebe o treino desportivo como uma atividade sistemática de longa duração, a qual é progressivamente e individualmente nivelada. Depreendemos que esta situação requer um planeamento refletido e só assim será possível estruturar a atividade de treino, de modo a ajustá-la as suas necessidades e ao que condiciona a realidade envolvente”. Consequentemente, (Jorge Gomes, 2004) aponta que “do ponto de vista da metodologia do treino, parece ser fundamental planear e organizar racionalmente o processo de preparação desportiva para um atleta / equipa alcançar resultados de elevado nível. Nesta perspectiva, o planeamento do treino é nuclear para o treinador (Bompa, 2002), na medida em que, contribui para um maior controlo do processo e para a rentabilização do tempo, do espaço e das condições materiais (Garganta, 1991; 1993). Contudo, entendemos também, que o papel do treinador na determinação dos princípios e características do planeamento do treino é igualmente relevante, apesar de se revelar uma área que urge aprofundar“.

(…)

Torna-se importante definir o nosso entendimento dos conceitos, uma vez que tal irá condicionar todo o trabalho. Assim, a organização do processo de uma forma global, entendemo-lo como planeamento. Os autores incluem no mesmo, o programa, as actividades, tarefas, estratégias, objectivos, e a sua organização temporal. Desta forma, a programação constituir-se-á como um aspecto específico do planeamento. Aquele que apontará o que treinar, definindo com precisão os conteúdos a adquirir e consolidar, do ponto de vista colectivo e individual. Finalmente, a periodização apresentar-se-á como outra especificidade do planeamento que contemplará, de forma precisa, o como e o quando treinar. Deste modo, os métodos para que a operacionalização do trabalho obtenha eficiência e eficácia. Assim, como o autor Tudor Bompa refere, a Periodização dependerá do Planeamento e da Programação, pois será da inteligibilidade dos conteúdos e da relação destes com o tempo disponível para os desenvolver que emergirá o método. Porém, algumas decisões de Planeamento e Programação também dependerão da Periodização. O método e os timings que a Periodização propõe influenciarão a selecção, hierarquização e organização dos conteúdos. Se por exemplo, o objecto do método escolhido for a dimensão física do atleta / jogador, então as actividades, os meios, as estratégias e os conteúdos deverão respeitar esse objecto. Concluindo, a consciência sobre a relação entre os três é decisiva para o sucesso do processo.

Planeamento, Programação e Periodização.

(…)

Também (José Santos, 2010) defende que “planear é uma das tarefas fundamentais no Processo de Treino. No entender de Garganta (1991), planear implica descrever e organizar previamente, as condições em que o treino irá decorrer, os objectivos a atingir, bem como a metodologia a aplicar. Ou seja, o treinador tem que saber o que pretende, traçando um rumo para si e para a equipa. Por outro lado, tem que reflectir sobre a prática, no sentido de conferir qualidade ao Processo de Treino. A partir do planeamento percebe-se que os aspectos estão interligados. O Treinador planeia, conduz o que planeia e avalia o que conduz e planeia. O Treinador planeia no sentido de melhorar o estado inicial, comparando posteriormente esse estado com um estado final. No entanto, a reflexão (avaliação) não tem necessariamente que se tratar de um período final. Pode e deve ser levada a cabo de modo permanente durante todo o Processo de Treino nas mais diversas escalas. Reflectir sobre o treino, sobre os desempenhos dos jogadores de modo individual e colectivo, sobre os desempenhos da equipa nos jogos, sobre a evolução da forma de jogar, sobre as informações que emanam do contexto. A reflexão vai permitir ajustar ou reajustar a condução do Processo de Treino“.

(…)

O autor (Figueiredo, 2015), conclui então também que ser treinador implica possuir conhecimento em várias áreas para depois ter a capacidade de planear. O treinador deve ser versado em domínios de organização, área administrativa, financeira e de comunicação. O treinador é um gestor de recursos e estratégias, ao contrário da representação social que lhe é atribuída, isto é, não é apenas uma pessoa que orienta o processo de treino e lidera somente os jogadores do plantel. Assim, a multidisciplinariedade dos treinadores nos clubes evidencia o reducionismo da ideia de que o treinador apenas se limita a operacionalizar o processo de treino. Liderar, neste contexto de elevada exigência, trata-se de uma tarefa árdua que não se esgota nas competências inerentes ao planeamento e operacionalização do treino, mas antes transforma a liderança numa forma de gestão de recursos humanos e põe em perspetiva o conhecimento em acção do treinador. A natureza multidisciplinar, bem como estas necessidades de gestão, tornam a aquisição de competências para se “Ser Treinador” bastante morosa. Obriga a uma aprendizagem constante, onde a dúvida tem lugar-chave e o pensamento crítico é instrumento determinante“.

(…)

Também (Ribeiro, 2008) vai ao encontro disto mesmo referindo que “a modelação do jogo de Futebol de uma equipa, irá condicionar e orientar o processo de planeamento e de periodização (Santos, 2006) no caminho da construção de um “Jogo” para essa equipa. Neste caso, quanto maior for o grau de correspondência entre os modelos utilizados e o “Jogo”, melhores e mais eficazes serão os seus efeitos (Queiroz, 1986)”. Nesta lógica (Almeida, 2016) acrescenta que “para desenvolverem um processo de treino em que esteja de acordo com a lógica interna do jogo, o foco dos treinadores tem sido em planeamentos e programações fortemente influenciadas pelo: modelo de jogo, modelo de treino e modelo de jogador (Garganta & Pinto, 1998)”. Deste modo, o mesmo autor defende que uma reciprocidade em elevado grau do modelo de treino, através de metodologias a disposição do treinador, e o modelo de jogo idealizado pelo mesmo, aumentará as possibilidades de superação por parte da equipa e seus integrantes. Sendo assim, é de extrema importância que o modelo de jogo seja reproduzido sistematicamente através do modelo de treino no planeamento (sessões de treino) (Castelo, 2014)”.

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Reforçado a importância do tempo no processo de planeamento, o autor (Rui Almeida, 2014) explica que “se por um lado existe a imprescindibilidade de se proceder a um criterioso e adequado processo de planeamento para o treino de futebol, pelo outro temos igualmente de considerar que este processo carece de tempo de elaboração devido à multiplicidade de competições existentes nos dias de hoje no contexto do futebol profissional. É por isso que segundo Meinberg (2002), o treinador deve evidenciar a “competência do tempo” permitindo o seu uso através de uma gestão eficiente. Neste sentido importa portanto escolher e adotar os meios e métodos mais eficazes e mais estimulantes que correspondam ás necessidades específicas da equipa e dos seus praticantes dentro do seu contexto de atuação, sabendo-se que são diversos e diversificados os fatores que determinam o sucesso desportivo”. Ainda sobre o processo de periodização, o mesmo autor reforça que “Garganta, (1993), diz-nos que esta divisão ajuda a organizar o processo de treino, tornando mais efetivo o conteúdo da preparação, face aos objetivos e o tempo a gerir”.

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“Ninguém está tão sujeito ao erro como os que só fazem reflexões. A prática é o que afina o que pensamos.”

(Vítor Frade, 2017)