Tag Archive for: inteligência emocional

O Celtic de Jock Stein e a histórica vitória do Jamor

A primeira Taça dos Clubes Campeões Europeus ganha por um clube Britânico aconteceu em Lisboa, mais precisamente no Estádio do Jamor, a 25 de maio de 1967. No Diário de Notícias podia-se ler: “Uma das mais belas tardes do Jamor: o “duche escocês” apagou o Inter… Um jacto que durou 90 minutos e deslumbrou milhões de espectadores”.

O Celtic enfrentou a então poderosa equipa italiana do Inter de Milão, liderada pelo revolucionário Helenio Herrera, treinador argentino-italiano conhecido pela sua abordagem táctica inovadora, descrita como “catenaccio”. Herrera foi uma figura icónica no futebol, tendo conquistado vários títulos importantes durante a sua carreira de treinador. No entanto defrontavam-se dois treinadores lendários. O Celtic, liderado por Jock Stein, conquistou a vitória por 2-1, tornando-se então o primeiro clube britânico a vencer a competição. Este foi um momento histórico não só para o futebol escocês, mas para toda a Grã-Bretanha. Mas perante tal confronto de culturas, a vitória do Celtic foi celebrada em toda a Europa.

Isto porque o Celtic era visto como um clube representante do “futebol dos homens comuns”, uma vez que sua equipa era principalmente composta por jogadores da própria Escócia e de outras partes das Ilhas Britânicas, em contraste com o Inter de Milão, que contava com uma equipa de jogadores icónicos internacionais. Além disso, a vitória do Celtic quebrou a hegemonia dos clubes italianos, espanhóis e portugueses, que vinham a dominar a competição até então. Isso trouxe uma sensação de renovação e esperança para os fãs do futebol de outras partes da Europa e culturas, que se viram representados por um clube menos tradicional nestes contextos e menos poderoso.

Deste modo, a disparidade cultural e táctica refletiu-se no estilo de jogo apresentado pelas equipas. O Celtic apresentava uma abordagem mais ofensiva e apaixonada, enquanto o Inter de Milão jogava numa estratégia mais cautelosa e defensiva. Portanto, o confronto não foi apenas sobre futebol, mas também sobre diferentes filosofias e ideologias que cada clube representava. Deste modo, a vitória do Celtic, derrotando na final uma equipa tão forte como o Inter de Milão com uma exibição apaixonada, emocionante e determinada, contribuiu para que a sua vitória transcendesse fronteiras e rivalidades clubísticas.

“Se algum dia vão ganhar a Taça dos Clubes Campeões Europeus, então este é o dia e este é o lugar. Mas não queremos apenas ganhar esta taça, queremos fazê-lo a jogar bom futebol – para fazer os neutrais contentes por termos ganho, contentes por se lembrarem como o fizemos.”

(Jock Stein em discurso à equipa antes do jogo)

“procurar emocionar os jogadores para que se comprometam”

A Inteligência Artificial é uma ameaça ao treinador? Ao jogador? Ao Futebol? À humanidade?

“A IA é potencialmente mais perigosa do que armas nucleares. As pessoas que são chamadas para criar IA precisam aceitar a responsabilidade de que podem estar a criar a nova vida na Terra.”

Demis Hassabis

O tema é extenso e profundo. Mas extremamente actual e importante. Como defende Demis Hassabis CEO da DeepMind, empresa que estuda a Inteligência Artificial à 12 anos, e entretanto comprada pela Google, talvez estejamos perante a invenção mais importante que a humanidade irá vivenciar até à data. Deste modo, pode parecer que pensar nas suas implicações no âmbito do Futebol seja redutor, ou até um pouco ofensivo tendo em conta a tremenda evolução, ou, ao contrário, a tremenda ameaça, que poderemos ter pela frente enquanto espécie. Ameaça, porque no cenário mais pessimista, tal tecnologia poderá ditar o princípio do fim dos seres humanos. Porém, apesar disto, e até ver, o jogo que tanto amamos não pára e interessa-nos também reflectir sobre as consequências da Inteligência Artificial no seu contexto.

Procurámos a perspectiva da própria Inteligência Artificial em relação ao tema, através ChatGPT e Bard, a nova ferramenta de Inteligência Artificial da Google. Ambos defendem que a IA está a revolucionar o futebol de várias formas, e o papel do treinador de futebol não será exceção. Segundo o ChatCPT “a IA pode ajudar os treinadores a tomar decisões mais informadas sobre uma ampla gama de questões, desde a seleção de jogadores até à estratégia de jogo”. A ferramenta destaca ainda a importância crescente da IA na análise do imenso volume de dados associado a uma equipa, como forma de identificar padrões e tendências colectivas ou grupais, mas também na análise do desempenho individual, na prevenção de lesões, identificação de pontos fortes e fracos de cada jogador e consequente prescrição de treino individualizado na procura de maximizar a eficiência individual. No plano da preparação estratégica, também é descrita como uma ajuda preciosa para analisar adversários e desenvolver planos de jogo com o intuito de superar determinada oposição. Mesmo durante os jogos e em tempo real. Até o Scouting é contemplado, “ajudando a identificar jovens talentos com base em características específicas. Algoritmos podem analisar dados de várias fontes para prever o potencial de um jogador antes mesmo de ele atingir o nível profissional”. As possibilidades tornam-se então, imensas. 

Em forma de conclusão, é referido que “em última análise, a IA tem o potencial de transformar o papel do treinador de futebol. Os treinadores que estão dispostos a abraçar a IA e aprender a usá-la terão uma vantagem competitiva significativa”. Por outro lado, “embora a IA continue a desempenhar um papel crescente no desporto, muitos acreditam que a presença humana será sempre essencial no papel de treinador de futebol. A integração bem-sucedida da IA no treino dependerá de como as tecnologias evoluem e de como são incorporadas de maneira eficaz, mantendo o equilíbrio entre as capacidades analíticas da IA e as habilidades humanas únicas”. É praticamente factual que os mais bem sucedidos treinadores da história do jogo tinham em comum enormes qualidades humanas, de liderança, empatia e inteligência emocional. Aparentemente a Inteligência Artificial reconhece isso.

Mas a procura deste equilíbrio não é novidade no futebol. Já no final da década de 70, um dos mais notáveis treinadores da história do jogo, o ucraniano Valeriy Lobanovskyi, que acumulou jogos, vitórias e títulos, principalmente ao serviço do Dínamo de Kiev e selecção da antiga União Soviética, vivia semelhante dilema. De acordo com (Jonathan Wilson, 2016), “Lobanovskyi, enquanto jogador, era um diletante que se opunha aos limites impostos por Viktor Maslov. Ainda assim, o seu racionalismo perfeccionista, a sua ambição e a sua inteligência analítica estavam presentes desde o início. Tratam-se de qualidades que não deveriam surpreender se considerarmos que ele demonstrara talento suficiente como matemático para ganhar uma medalha de ouro ao se formar no ensino médio e, além disso, crescera numa era em que se nutria verdadeira obsessão pelo progresso científico. Nascido em 1939, Lobanovskyi era um adolescente quando a URSS inaugurou sua primeira central eléctrica nuclear e enviou a Sputnik ao espaço, e Kiev era o centro da indústria de computação soviética. O primeiro instituto cibernético da URSS foi aberto em 1957 e rapidamente ficou conhecido como referência mundial em sistemas de controle automatizados, inteligência artificial e modelos matemáticos. Foi lá que um protótipo do computador pessoal da atualidade foi desenvolvido, em 1963. Na época em que Lobanovskyi estava estudando engenharia de aquecimento no Instituto Politécnico de Kiev, o potencial dos computadores e de suas possíveis aplicações em quase todas as esferas sociais tornava-se cada vez mais claro. Eram tempos excitantes, de muita novidade, e não é surpreendente que Lobanovskyi tenha sido contagiado pela onda de optimismo tecnológico. Dentro dele, desenrolava-se o grande conflito entre individualidade e sistema: a sua parte de jogador queria driblar, carregar a bola, inventar truques que deixassem os rivais envergonhados, mas, mesmo assim, como ele admitiria mais tarde, o treino que recebia no Instituto Politécnico impulsionava-o a uma abordagem sistemática, cuja meta seria dividir o futebol entre as tarefas que o compunham”.

Voltando à actualidade, tendo em conta a imberbidade das ferramentas, mas por outro lado demonstrando maior sensibilidade humana que alguns humanos, ChatGPT e Bard sublinham, neste momento, que apesar da crescente importância e papel da Inteligência Artificial no Futebol, torna-se “crucial que a componente humana, como a intuição e a compreensão emocional dos jogadores, continue a desempenhar um papel fundamental no processo de treino e gestão de equipas”. Ora, assistimos sistematicamente, nas televisões, jornais, blogs, etc., a análises desprovidas da tal sensibilidade emocional, ou seja, desprovidas de sensibilidade humana, que interpretam jogadores e treinadores como máquinas. “Analistas” esses, que por vezes, também por não estarem presentes no processo de treino, até ignoram o papel decisivo do mesmo na evolução das equipas e jogadores, na construção de decisões e execuções de qualidade, no desenvolvimento do entrosamento, da coesão, na criação de uma emocionalidade e sentimentalidade decisiva à equipa de qualidade e que se deseja de sucesso. Assim, são “analistas” que tratam então os humanos que jogam de forma mais artificial que a própria inteligência artificial. Não será isto, desde logo um sintoma de que podemos estar em risco de ser ultrapassados?

Entramos então num domínio de ainda maior complexidade. Emoções, intuição, inteligência colectiva. Assim… a “consciência” para o todo complexo que estrutura a nossa realidade é precisamente um dos sintomas de… inteligência. Esta preocupação pela própria complexidade surge da própria IA, referindo que “o futebol é um desporto altamente complexo que envolve não apenas a estratégia tática, mas também a gestão de personalidades, motivação, tomada de decisões rápidas e adaptação a situações imprevisíveis. A componente humana do treino, que inclui compreensão emocional, liderança e comunicação, é difícil de replicar totalmente por meio de algoritmos”. A isto a ferramenta soma o desafio que a intuição e criatividade se constituem à IA, supostamente ainda longe do que os humanos conseguem fazer. E ainda a liderança e as relações complexas, emocionais e inter-pessoais, e por outro lado em garantir um pensamento evolutivo que eleve o jogo a outros patamares. É mesmo referido que “a capacidade de adaptação e inovação é uma característica humana que pode ser desafiadora de replicar por completo em sistemas de IA”. Em tom mais descontraído, parece que tivemos de investir milhões e algumas das melhores mentes humanas para chegarmos à conclusão que afinal, no Futebol, “nem tudo está inventado”…

Esta fusão que a própria Inteligência Artificial propõe seria o cenário perfeito. Numa visão mais profunda, o equilíbrio entre razão e emoção. Como o neurocientista (António Damásio, 2018) aponta, referindo-o como um “vislumbre de esperança”, tendo em conta a “grande diferença entre esforços passados e tentativas futuras, está no vasto conhecimento sobre a natureza humana que agora temos à disposição e na possibilidade de planear uma estratégia mais humanamente inteligente do que no passado. Essa abordagem consideraria a ideia de que a razão deve estar no comando como pura tolice, um mero resíduo dos piores excessos do racionalismo, mas também rejeitaria a ideia de que devemos simplesmente obedecer às recomendações das emoções — sermos gentis, compassivos, raivosos, sentir nojo — sem passá-las pelo filtro do conhecimento e da razão. Promoveria uma parceria produtiva entre sentimentos e razão, enfatizando as emoções salutares e suprimindo as negativas. Por fim, ela rejeitaria a noção da mente humana como um equivalente das criações da inteligência artificial”. Isto, partindo do pressuposto que a Inteligência Artificial poderá apenas replicar com alguma semelhança a grande função do hemisfério esquerdo do nosso cérebro e que não o conseguirá fazer em relação às qualidades emergentes do direito. Mas será essa a evolução da IA? E será o equilíbrio que Damásio refere possível no ser humano? Será a relação entre humano e IA sustentável a prazo? Será que a própria IA não irá desenvolver uma dimensão mais intuitiva, holística, emocional, sentimental (uma espécie de hemisfério direito), atingindo esse equilíbrio e tornando o humano dispensável? São as questões mais importantes. No futebol, mas derradeiramente, para a espécie humana.

No entanto, algo que à maioria parecia impossível, parece estar a concretizar-se. Em regimes de auto-aprendizagem, a Inteligência Artificial está a fazer emergir propriedades não expectáveis. Curiosamente, a Google utiliza o jogo de futebol como forma de a desenvolver. No plano teórico, ao nível do software, mas também aplicando o mesmo à robótica. O programa Toda a Verdade, mostra-nos isso e chamamos atenção para a parte em que Raia Hadsell, vice-presidente da DeepMind, explica que a IA, através de robôs, aprendeu o jogo sozinha. Os investigadores não os programaram para jogar, apenas para moverem-se como os seres humanos. E disseram-lhes que o objectivo do jogo era marcar golo. Tendo isso em conta, a IA aprendeu então a decidir e a executar e, função do mesmo. E segundo a investigadora, está inclusive a chegar a “diferentes e interessantes estratégias, formas diferentes de se deslocar, formas diferentes de receber a bola”.

É incrível quando é demonstrado um rasgo de criatividade. Ou melhor, dois. E em apenas alguns segundos de video. Se a criatividade, segundo o ChatGPT, é a qualidade de pensar de forma original, gerar ideias inovadoras e encontrar soluções únicas para problemas, envolvendo a habilidade de conectar informações aparentemente desconexas, pensar fora das normas convencionais e produzir algo novo e valioso, então, quando no programa, o atacante sem bola simula que vai receber a bola iludindo o seu defensor mais próximo, mas acaba por realizar um espécie de tabela parando a bola de calcanhar para o companheiro, para depois, ainda dar um inesperado passo à sua esquerda que só se pode entender como uma finta de corpo para esconder a posterior desmarcação pela direita, criando uma situação de 2×1, tal mostra-nos criatividade emergente. E… entrosamento. Ou como Hadsell descreveu, coordenação emergente, tal como as crianças vivenciam na sua relação evolutiva com o jogo. Importa sublinhar… tudo isto fruto da Inteligência Artificial… Então, se a coordenação e criatividade se tornam possíveis, porque não será a leitura emocional, a sua interpretação e a inteligência emocional igualmente passíveis de serem aprendidas? Até porque como reconhecido atrás pela máquina, a razão não vive sem a emoção e vice-versa. E sendo assim, fica aberta a “caixa de Pandora”.

O neurocientista (António Damásio, 2020) aponta que “pode parecer paradoxal, porque quando se pensa na inteligência artificial o que vem à ideia é que são criaturas absolutamente invulneráveis, feitas de aço e de plástico em vez da nossa pobre carne humana. À primeira vista pode parecer uma asneira introduzir vulnerabilidade numa coisa que é robusta, no entanto, só a introduzindo teremos a possibilidade de fazer qualquer coisa de mais rico em matéria das reações que esse “organismo” poderá tomar”. Será que a própria Inteligência Artificial não irá então antecipar isso? Ou até já antecipou? Regressando ao exemplo da DeepMind, sem mais informação será um exercício de especulação da nossa parte. Porém, quando o defensor fica na situação de 2×1, não seria expectável que algo estritamente racional e eficiente como uma máquina em auto-aprendizagem, não decidisse que a contenção seria o melhor caminho naquela situação para minimizar as probabilidades de golo adversário? Não decidia, até por definição, esse comportamento, aguardando… “friamente”… o erro adversário para o desarme ou intercepção? Num jogo de 2×2, com certeza que não foi a primeira situação dessas que a máquina experimentou. Se a sua principal função é aprender, o que aconteceu ali? Porque terá o defensor “ido à queima”? Terá sido uma decisão emocional? Noutro exemplo, será que a Inteligência Artificial irá reconhecer que a competência de Jürgen Klopp está imbuída de emoções e sentimentos e sendo assim, não encontrará forma de a reproduzir? Se a resposta for sim a tudo isto, será então a máquina a reconhecer… razão… a Damásio. Quer o tenha lido, ou não…

Há pouco mais de dois anos atrás, o treinador (Miguel Quaresma, 2021) escreveu um artigo em que questionava: “Amanhã, ficará o futebol nas mãos da inteligência artificial? Será o treinador, no futuro, substituído por um avatar? Um Cyber treinador, inteiramente cientifico-tecnológico?” Tal como acreditamos ter sido a posição de Quaresma, se naquele momento defendíamos acerrimamente a importância do humano no processo, hoje não temos a mesma certeza.

Em sentido figurado mas com idênticos potenciais efeitos devastadores à nossa espécie, estamos perante a descoberta de um asteróide que pode estar em rota de colisão com a Terra, e portanto, que pode extinguir os seres humanos. Resta-nos decidir o que podemos e vamos fazer para evitar isso. E se formos bem sucedidos nessa missão, se ainda for possível, procurar extrair os seus eventuais raros e extraordinários recursos naturais.

“Raúl Rojas, especialista em Inteligência Artificial da Universidade Livre de Berlim, participou das primeiras experiências: “Desenvolvemos robôs futebolistas que jogam tão bem futebol que não há maneira de ganhar-lhes”. Em 2013 fez-se uma experiência na qual os jogadores deviam marcar penaltis a um Guarda-Redes robot. Com a exceção de Messi, nenhum futebolista conseguiu marcar mais de um golo ao Guarda-Redes robot.

Em 1997 realizou-se o primeiro Mundial de Futebol de robots. No futuro enfrentar robots humanoides nos treinos gerará mais oposição e se obterão melhores resultados e um maior nível competitivo do que nos treinos e jogos amigáveis atuais. 

Espera-se que em 2050 a equipa de robots humanoides ganhador da Robocup seja capaz de vencer a equipa campeã do mundo dos torneios da FIFA. Esta data coincide com a predição do momento no qual a inteligência artificial superará a humana (singularidade tecnológica). Para o ano de 2075 existe 90% de probabilidades de que as máquinas alcancem a inteligência humana, segundo os resultados combinados de quatro sondagens realizadas por Nick Bostrom, diretor do Future Humanity Institute da Universidade de Oxford.

Esta perspetiva do triunfo dos robots não parece absurda se tivermos como exemplo que em 1997 o supercomputador Deep Blue (desenvolvido pela IBM) venceu Gary Kasparov, campeão mundial de xadrez. O acontecimento repetiu-se em 2006, quando o campeão do mundo Vladimir Kramnik caiu derrotado frente à Deep Fritz. Estes antecedentes são superados pelo ocorrido em 2016, quando um programa informático (desenhado pela filial da Google DeepMind para jogar o jogo de Go) derrotou o melhor jogador do mundo: o sul-coreano Lee Se-dol. Os especialistas afirmam que é muito mais complexo para um computador aprender do Go do que do xadrez.

Os computadores podem inovar? Faz já um tempo que entramos numa era na qual as máquinas estão programadas para aprender de si mesmas. O futurólogo e tecnólogo Santiago Bilinkis o explica com precisão: “Atrás destes mecanismos de ensino conhecidos como Deep Learning escondem-se redes artificiais, inspiradas no funcionamento do cérebro humano. Muitas propriedades destes computadores mostram analogias com as capacidades humanas pelo seu engenho e criatividade”.

(Gérman Castaños, 2018)

Inteligência Emocional

“Ter um quociente de inteligência acima da média (entre 90 e 109 segundo a escala de Davis Wechsler) serve de pouco se não se consegue reconhecer e gerir as próprias emoções e a dos outros. Segundo estudos realizados pelo psicólogo norte-americano, Travis Bradberry, autor do bestseller Emotional intelligence 2.0, noventa por cento das pessoas com melhor desempenho no local de trabalho têm uma elevada inteligência emocional.”
(Susana Lúcio, 2016)

Só podem jogar… onze

“Eu tinha sido suplente, e como a equipa não tinha respondido, tinha alguma esperança de alcançar a titularidade. O discurso do treinador foi apocalíptico para toda a equipa, e muito especificamente para o jogador que ocupava a minha posição, a quem ele acusou de não ter atitude, de ser pouco aplicado com as instruções que tinha recebido e de ter realizado uma exibição lamentável. Nessa altura, já me imaginava com a camisola de titular no jogo seguinte, mas o treinador encerrou o discurso de uma forma desconcertante. “O que se passa é que sabes que és a minha debilidade, e que jogues bem ou mal, no jogo seguinte vais ser sempre titular!”. Como é fácil de perceber, deixei cair de imediato a camisola de titular que já imaginava. A minha sensação foi de que estaria de fora para sempre. Uma declaração de incondicionalidade é sempre uma má ideia. Se de facto se tratava de uma debilidade e pretendia declará-la para fortalecer a confiança no seu melhor avançado, deveria fazê-la em privado. Porque a partir do momento em que a fez de forma pública, os que lutávamos pela mesma posição perdemos toda a esperança de tornar útil o nosso esforço. Não me considero uma pessoa rancorosa, mas já lá vão várias décadas desde esse episódio, e como podem comprovar, não o esqueci. A razão é simples, temos muito boa memória para os actos de injustiça…”

Jorge Valdano citado por (Castro, 2017)

Parece-nos, que a cada dia que passa, uma maior irracionalidade toma conta do futebol, e de outras coisas bem mais importantes nas nossas vidas. Tem sido crescente o número de vezes que se opinia e mesmo se questionam treinadores em conferências de imprensa a propósito de jogadores que não jogam, e que problema terão os mesmos. Naturalmente existirão os casos em que a situação será realmente essa e que determinado jogador, independentemente das causas, não esteja a atravessar um bom momento e isso torna-se causalidade para a decisão do treinador sobre quem joga. Mas até nesse quadro, nem sempre é assim. Na grande maioria das situações, existem jogadores com menor tempo de jogo porque existem companheiros que ou são melhores, ou estão melhores, ou simplesmente apresentam um perfil ou características que provocam uma interacção com os companheiros mais favorável ao contexto geral da equipa. E tudo isto, como Jorge Valdano testemunha, avaliado e decidido pela eterna subjectividade da equipa ténica, que ainda assim, estará anos de luz mais apta para o fazer que qualquer adepto ou jornalista. A este propósito, dando um exemplo, o ex-jogador português Vítor Paneira citado por (Pereira, 2016) descreve que o seu antigo treinador no Benfica, Toni, tinha uma preocupação: “havia jogadores que ficavam muito inibidos quando jogavam na Luz e ele tinha a preocupação de os proteger para a carreira deles no Benfica não ficar comprometida”. Segundo Paneira, ele achava que poderiam não estar preparados para jogar perante oitenta ou noventa mil, na Luz, e desse modo lançava-os nos jogos fora…

Para o autor (Pereira, 2015), “na cabeça de qualquer treinador, de qualquer nível competitivo, e de qualquer escalão, está presente a ideia de que o ideal seria todos terem oportunidades de jogar, todos andarem contentes e super motivados porque a qualquer momento podem estar “lá dentro”. Mas quanto mais nos aproximamos do TOP, menos vezes isso acontece. Os melhores vão sempre jogar mais, aqueles que fazem a diferença estão mais tempo e mais vezes em campo. Portanto, quem está a jogar menos, não significa que esteja a atravessar um mau momento, que tenha sido uma má aposta, ou muito menos que não tenha qualidade.

Trazemos um exemplo recorrente para justificar este pensamento. Num campeonato com, reconhecidamente várias boas equipas, apenas uma será campeã. Poucas outras se apurarão para competições europeias, ou, noutros enquadramentos, irão subir de divisão. Significará isto que as outras, que não alcançaram igual sucesso, passaram a ser más equipas? Será o rendimento, que se calhar até acaba por se demonstrar pontual, tudo? Na nossa perspectiva, não. Algumas equipas apenas não foram tão boas, ou não se adaptaram tão bem àquele contexto competitivo. Temos vários exemplos desses todos os anos, nos mais diferentes contextos culturais. O mesmo se passa com os jogadores numa equipa. Só podem jogar… onze. E potencialmente, mais três alguns minutos. Uma vez mais… surge o pensamento analítico, que aqui, separa a equipa, ditando que apenas os que jogam são importantes, ou… bons. O ex-jogador argentino (Saviola, 2010) transmite-nos que no Futebol nunca ninguém consegue nada sozinho, tudo é fruto do trabalho da equipa e eu não esqueço isso“. Na mesma linha de pensamento, o ex-seleccionador nacional de Rugby (Tomás Morais, 2006), defende que uma equipa é uma “espécie de tribo organizada em torno de um líder que motiva, elogia, ouve, repreende, exemplifica, cultiva a ideia que o todo tem que ser sempre superior à soma das partes e assume que o seu desígnio é encontrar “o combustível certo” para os “diferentes automóveis”.

Porém, um papel mal entendido na equipa, juntando as consequências da pressão externa, poderão sim, levar o jogador a um estado emocional desfavorável para si e consequentemente para a equipa, e aí sim, empurrá-lo para um mau momento, digamos, de forma… táctica, e isso ser decisivo nas escolhas da equipa técnica. Forma Táctica, porque sendo, para nós, a táctica, uma dimensão complexa que surge da interacção de todas as outras, portanto, a que expressa efectivamente o rendimento do jogador, então estar em má forma, significará estar mal tacticamente, significa acima de tudo, estar a jogar mal. O que isso nos mostra na prática… é que um jogador, no contexto de uma ideia colectiva, não se posiciona ou se movimenta correctamente, não decide e executa bem o jogo. Questões psicológicas, emocionais e físicas, poderão existir, mas não sendo visíveis, e não conhecendo exactamente a realidade, nunca passarão de conjecturas, muitas vezes, despropositadas. Tal como afirmarmos, que um jogador que não vemos treinar e jogar, esteja em má forma, ou pior ainda, que não tenha qualidade.

Procurar compreender isto, sem estar dentro do contexto de determinada equipa, na mente de um jogador, ou pior ainda, ignorar que a realidade não se explica de forma… simples… é fomentar essa irracionalidade que nos faz caminhar para uma sociedade cada vez mais perigosa. E cada jogador, mais do que titular, deve procurar sentir-se útil à equipa. Tal como de uma forma geral, cada um de nós, mais do que desejarmos, nos sentirmos socialmente protagonistas, talvez seja mais profícuo procurarmos, nos sentir úteis. Como apontou (Luís Castro, 2017), o que devemos procurar é sentirmo-nos felizes e bem com nós mesmos.

“(…) partimos da importância dos jogadores se sentirem uns nos outros em vez de se sentirem uns aos outros. Pela capacidade que isso promove: jogar colectivamente. O que distingue os fenómenos colectivos é a forma como as EQUIPAS se desenvolvem e se fazem como identidade diferente da junção dos seus jogadores. A ligação que estabelecem faz com que funcionem de determinada forma e portanto, temos equipas em que os jogadores são equipa e temos equipas com jogadores da equipa. Parece a mesma coisa mas não é porque se SENTEM COISAS DIFERENTES! Segundo as neurociências existem um conjunto de neurónios responsáveis por esta função, os neurónios-espelhos. De acordo com recentes descobertas, a evolução humana fez com que tivéssemos um conjunto de neurónios que nos permitem reconhecer as situações vivenciadas pelos outros como se fossemos nós. O que nos permite ser humanos. O que nos possibilita conseguir uma emotividade colectiva.”

(Marisa Gomes, 2011)

O “espectáculo” e o jogar bem. Novamente o trinómio Estética-Eficácia-Eficiência.

“O Desporto enquanto fenómeno cultural” é o título do segundo capítulo da introdução do projecto Saber Sobre o Saber Treinar. Não é uma opinião é um facto. Idealizado e produzido por homens, o desporto manifesta de forma clara as tendências culturais da sociedade na qual se enquadra. O autor (Neto, 2014) descreve que “na dinâmica do jogo de futebol encontramos uma magia inigualável. Na sua prática é possível condensar várias histórias e reproduzir muitas graças e desgraças da vida. Daí um dos seus principais encantos, uma magnífica construção cultural, uma obra de arte cuja magnitude social ainda não foi entendida por muitos pseudo intelectuais”. Deste modo, a emocionalidade com que é vivido é também fruto do contexto cultural onde se insere. Ao explicar que “o futebol, o jogo e o treino expressam de forma muito clara o modo como o sentimos e consequentemente, como nos enquadramos no que acontece”, (Frade, 2014), confirma precisamente esta ideia.

O treinador Juan Manuel Lillo, citado por (Cabral, 2016) sustenta que “o problema não é só do futebol, mas de uma sociedade em constante mudança, fruto de uma evolução tecnológica que promoveu o imediatismo como norma. A essência pela qual as coisas se faziam perdeu-se. No meu tempo tinha de passar por muitíssimo para ter dinheiro para comprar uma caderneta de futebol. Hoje, compram-se os cromos todos da caderneta de uma vez só, para despachar. Queremos tudo para ontem, sem percorrer o trajecto. A sociedade actual criou outro tipo de homem, e creio que somos actualmente mais filhos da sociedade do que dos nossos pais”. A cultura do instantâneo apoderou-se das nossas decisões e emoções, promove-se a impaciência, mesmo quando o caminho para resolver um problema, está fechado, ou não é evidente. Ir contra o “muro” é preferível do que parar, pensar e procurar outra solução. Castra-se a inteligência e o critério, aplaude-se a emocionalidade e irracionalidade enquanto espectáculo. O Xadrês perde entusiastas, ao contrário dos Shoot ’em up” das consolas que atraem massas. O Barcelona de Guardiola era aborrecido, a Premier League nesse mesmo tempo, em geral, entusiasmante.

Escrevíamos noutro artigo que não só o espectador comum, mas também “muitos treinadores, associam o “jogar bem” como uma preferência por um determinado estilo de jogo, portanto remetendo o jogo para a sua dimensão estética. Da mesma forma que este pensamento separa eficiência de eficácia, a estética surge assim também isolada, como algo que se pode optar por ter ou não, de forma a agradar os espectadores e tornar o jogo um bom ou mau espectáculo. Esta interpretação do jogo como arte, torna-se então subjectiva e relativa à individualidade, cultura e preferência pessoal de cada indivíduo que observa o fenómeno. Nesta perspectiva, o “jogar bem” não é discutível. Torna-se uma preferência pessoal, como alguém que prefere uma pintura impressionista ao invés de outra expressionista. Não é esta a nossa abordagem ao jogo, portanto para nós jogar bem tem um significado muito mais objectivo: o jogo de qualidade, sendo esta qualidade a que aproxime a equipa dos objectivos do jogo: marcar golo e não sofrer. Portanto, remete-nos para a eficiência. Se depois essa qualidade agrada o espectador, será então uma consequência”.

Assim, um jogo que agrade, estéticamente, a todos os espectadores, é uma utopia. Um jogo que agrade à maioria torna-se cada vez mais difícil, tendo em conta a cultura que vivemos. Isto se desejamos paralelamente à estética… eficiência e eficácia, tendo naturalmente em conta as regras e características do jogo de Futebol. Caso contrário, a nossa equipa cai por falta de rendimento. O Futebol está então perante uma potencial “crise existencial”.

A situação é clara. Equipa em vantagem, perde a bola, recupera, sai da pressão, não identifica condições para contra-atacar porque há pouco espaço para muitos adversários, decide então valorizar a posse de bola e tão bem o faz que provoca o adversário e leva-o á falta e ao cartão amarelo. A decisão não agradou ao público pois desejava uma decisão mais vertical e que a equipa procurasse a baliza adversária.

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/2329695470585063/

Depois, a equipa em construção, variação longa de corredor lateral, “os adeptos pedem que a equipa carrege… acelere”, o jogador cede à pressão vinda das bancadas, procura o ataque rápido em situação de inferioridade numérica e acaba por perder a bola.

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/702016630199296/

A bola chega novamente ao corredor lateral. Os adeptos exigem pressa e velocidade a atacar. A equipa, ao contrário, lê que a situação no corredor lateral não é favorável, temporiza, procura solução no corredor central, descobre espaço entre-linhas e solução de finalização.

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/1296731340478989/

Finalmente, antes das três situações anteriores, a construção que permitiu a vantagem no resultado.Circulação curta e apoiada… corredor central… fechado. Circulação curta e apoiada… corredor esquerdo… fechado. Circulação curta e apoiada… corredor direito… fechado. Circulação curta e apoiada… espaço entre-linhas no corredor central, apoio frontal, passe vertical, recepção orientada, novo apoio frontal, fixa, temporiza e espera a superioridade numérica, último passe e… sucesso.

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/1974763439484365/

A estética que envolveu este golo pode ser discutível. Afirmar que alguém tem que ser mais feliz assistindo a isto do que a um pontapé longo do Defesa-Central na profundidade, que é ganho pelo Avançado em velocidade aos adversários que não controlaram bem a sua profundidade… não é uma atitude democrática. Mas não compreender que a eficiência resultante do jogar manifestado nesta situação conduz muitas vezes à eficácia… também não é uma atitude racional. E por fim… como consequência, esta eficiência-eficácia gera “sentimento comum”, gera “sorrisos”, gera um… “namoro”. Produz-se cultura. Produz-se uma estética… apreciada.

“A proximidade

entre cada um

possibilitanto equidade

gera sentimento comum,

permitindo

apoios fáceis, curtos e viáveis

e sorrindo…

Se bem treinados

deles ficam enamorados

sentindo-os facilmente realizáveis.”

(Frade, 2014)

Saber sobre o saber treinar II

Reforçamos que este espaço não procura avaliar competências, sejam elas individuais ou colectivas, mas consolidar e construir conhecimento. Inevitavelmente que para isso procuramos compreender como os melhores jogam ou trabalham. Ser melhor será para muitos, relativo, pois dependerá do conhecimento e perspectiva com que se analisa. No entanto, quando se trabalha melhor, está-se sempre mais próximo do rendimento. Sendo o Futebol um jogo, o rendimento, portanto, vencer, será sempre o destino. Aqui, uma vez mais, procuramos o(s) caminho(s) para atingir esse destino.

Jorge Jesus é um bom exemplo para nós, principalmente pelas suas ideias e consequente desempenho das suas equipas, mas também porque já passou por diferentes clubes. No passado, trabalhando noutro clube, trouxemos uma sua palestra na Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa sobre as suas ideias e trabalho. Pareceu-nos pertinente, pelas ideias, mas também pela contínua qualidade do seu trabalho, agora noutro clube, trazer algumas declarações em entrevistas recentes.

Jornalista: Tem noção também que tudo isto é um pouco contingente até aquele minuto 92. Se calhar o desfecho da história era diferente. Ou seja todo um trabalho bem feito poderia ter ido por água abaixo?

Vítor Pereira: Mas o trabalho estava lá. O que é que isso mudaria? Mudaria o titulo, mas o trabalho estava lá.”

(Vítor Pereira, 2014)

“Mais vale dizer coisas certas com as palavras erradas do que que dizer coisas erradas com as palavras certas”.

(Manuel Sérgio, 2013)

[wpdevart_youtube]SjiEw8jFygA[/wpdevart_youtube]

“Não há um bom treinador sem bons jogadores e não há uma boa equipa sem um bom treinador.”

(Jesus, 2015)

“Os treinadores portugueses, são actualmente os melhores treinadores do mundo, são os que têm mais conhecimento em todas as áreas que definem o crescimento de uma equipa de Futebol, e portanto se tiveres a possibilidade de trabalhar numa equipa que tem condições financeiras para teres isto tudo, eles têm muito mais facilidade de ganhar esses títulos que qualquer outro treinador do mundo. Tirando o Pep Guardiola porque também penso que é um pouco parecido com os treinadores portugueses”.

(Jesus, 2015)

“Óbvio que ganhar títulos é importante, mas não é tudo. O que me interessa é que, a certa altura, os meus jogadores me digam: “Treinador, você ajudou-nos e tornou-nos melhores jogadores. Aprendemos muito consigo””

(Guardiola, 2013)