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Etapa de integração na equipa A

“Acho que é com o tempo, com a repetição, com o número de jogo, com o número de estágios, aos poucos… E aquele “uau! estou a jogar com «não sei quem»!” acaba por desaparecer aos poucos. E quando nos sentimos realmente parte da equipa deixamos de olhar para o lado e pensar o “uau!”. Já nos sentimos parte dessa grandeza. Acho que a forma como as pessoas mais velhas recebem e tentam integrar os mais novos é sem dúvida o mais importante.”

(Bernardo Silva, 2024)

Só podem jogar… onze

“Eu tinha sido suplente, e como a equipa não tinha respondido, tinha alguma esperança de alcançar a titularidade. O discurso do treinador foi apocalíptico para toda a equipa, e muito especificamente para o jogador que ocupava a minha posição, a quem ele acusou de não ter atitude, de ser pouco aplicado com as instruções que tinha recebido e de ter realizado uma exibição lamentável. Nessa altura, já me imaginava com a camisola de titular no jogo seguinte, mas o treinador encerrou o discurso de uma forma desconcertante. “O que se passa é que sabes que és a minha debilidade, e que jogues bem ou mal, no jogo seguinte vais ser sempre titular!”. Como é fácil de perceber, deixei cair de imediato a camisola de titular que já imaginava. A minha sensação foi de que estaria de fora para sempre. Uma declaração de incondicionalidade é sempre uma má ideia. Se de facto se tratava de uma debilidade e pretendia declará-la para fortalecer a confiança no seu melhor avançado, deveria fazê-la em privado. Porque a partir do momento em que a fez de forma pública, os que lutávamos pela mesma posição perdemos toda a esperança de tornar útil o nosso esforço. Não me considero uma pessoa rancorosa, mas já lá vão várias décadas desde esse episódio, e como podem comprovar, não o esqueci. A razão é simples, temos muito boa memória para os actos de injustiça…”

Jorge Valdano citado por (Castro, 2017)

Parece-nos, que a cada dia que passa, uma maior irracionalidade toma conta do futebol, e de outras coisas bem mais importantes nas nossas vidas. Tem sido crescente o número de vezes que se opinia e mesmo se questionam treinadores em conferências de imprensa a propósito de jogadores que não jogam, e que problema terão os mesmos. Naturalmente existirão os casos em que a situação será realmente essa e que determinado jogador, independentemente das causas, não esteja a atravessar um bom momento e isso torna-se causalidade para a decisão do treinador sobre quem joga. Mas até nesse quadro, nem sempre é assim. Na grande maioria das situações, existem jogadores com menor tempo de jogo porque existem companheiros que ou são melhores, ou estão melhores, ou simplesmente apresentam um perfil ou características que provocam uma interacção com os companheiros mais favorável ao contexto geral da equipa. E tudo isto, como Jorge Valdano testemunha, avaliado e decidido pela eterna subjectividade da equipa ténica, que ainda assim, estará anos de luz mais apta para o fazer que qualquer adepto ou jornalista. A este propósito, dando um exemplo, o ex-jogador português Vítor Paneira citado por (Pereira, 2016) descreve que o seu antigo treinador no Benfica, Toni, tinha uma preocupação: “havia jogadores que ficavam muito inibidos quando jogavam na Luz e ele tinha a preocupação de os proteger para a carreira deles no Benfica não ficar comprometida”. Segundo Paneira, ele achava que poderiam não estar preparados para jogar perante oitenta ou noventa mil, na Luz, e desse modo lançava-os nos jogos fora…

Para o autor (Pereira, 2015), “na cabeça de qualquer treinador, de qualquer nível competitivo, e de qualquer escalão, está presente a ideia de que o ideal seria todos terem oportunidades de jogar, todos andarem contentes e super motivados porque a qualquer momento podem estar “lá dentro”. Mas quanto mais nos aproximamos do TOP, menos vezes isso acontece. Os melhores vão sempre jogar mais, aqueles que fazem a diferença estão mais tempo e mais vezes em campo. Portanto, quem está a jogar menos, não significa que esteja a atravessar um mau momento, que tenha sido uma má aposta, ou muito menos que não tenha qualidade.

Trazemos um exemplo recorrente para justificar este pensamento. Num campeonato com, reconhecidamente várias boas equipas, apenas uma será campeã. Poucas outras se apurarão para competições europeias, ou, noutros enquadramentos, irão subir de divisão. Significará isto que as outras, que não alcançaram igual sucesso, passaram a ser más equipas? Será o rendimento, que se calhar até acaba por se demonstrar pontual, tudo? Na nossa perspectiva, não. Algumas equipas apenas não foram tão boas, ou não se adaptaram tão bem àquele contexto competitivo. Temos vários exemplos desses todos os anos, nos mais diferentes contextos culturais. O mesmo se passa com os jogadores numa equipa. Só podem jogar… onze. E potencialmente, mais três alguns minutos. Uma vez mais… surge o pensamento analítico, que aqui, separa a equipa, ditando que apenas os que jogam são importantes, ou… bons. O ex-jogador argentino (Saviola, 2010) transmite-nos que no Futebol nunca ninguém consegue nada sozinho, tudo é fruto do trabalho da equipa e eu não esqueço isso“. Na mesma linha de pensamento, o ex-seleccionador nacional de Rugby (Tomás Morais, 2006), defende que uma equipa é uma “espécie de tribo organizada em torno de um líder que motiva, elogia, ouve, repreende, exemplifica, cultiva a ideia que o todo tem que ser sempre superior à soma das partes e assume que o seu desígnio é encontrar “o combustível certo” para os “diferentes automóveis”.

Porém, um papel mal entendido na equipa, juntando as consequências da pressão externa, poderão sim, levar o jogador a um estado emocional desfavorável para si e consequentemente para a equipa, e aí sim, empurrá-lo para um mau momento, digamos, de forma… táctica, e isso ser decisivo nas escolhas da equipa técnica. Forma Táctica, porque sendo, para nós, a táctica, uma dimensão complexa que surge da interacção de todas as outras, portanto, a que expressa efectivamente o rendimento do jogador, então estar em má forma, significará estar mal tacticamente, significa acima de tudo, estar a jogar mal. O que isso nos mostra na prática… é que um jogador, no contexto de uma ideia colectiva, não se posiciona ou se movimenta correctamente, não decide e executa bem o jogo. Questões psicológicas, emocionais e físicas, poderão existir, mas não sendo visíveis, e não conhecendo exactamente a realidade, nunca passarão de conjecturas, muitas vezes, despropositadas. Tal como afirmarmos, que um jogador que não vemos treinar e jogar, esteja em má forma, ou pior ainda, que não tenha qualidade.

Procurar compreender isto, sem estar dentro do contexto de determinada equipa, na mente de um jogador, ou pior ainda, ignorar que a realidade não se explica de forma… simples… é fomentar essa irracionalidade que nos faz caminhar para uma sociedade cada vez mais perigosa. E cada jogador, mais do que titular, deve procurar sentir-se útil à equipa. Tal como de uma forma geral, cada um de nós, mais do que desejarmos, nos sentirmos socialmente protagonistas, talvez seja mais profícuo procurarmos, nos sentir úteis. Como apontou (Luís Castro, 2017), o que devemos procurar é sentirmo-nos felizes e bem com nós mesmos.

“(…) partimos da importância dos jogadores se sentirem uns nos outros em vez de se sentirem uns aos outros. Pela capacidade que isso promove: jogar colectivamente. O que distingue os fenómenos colectivos é a forma como as EQUIPAS se desenvolvem e se fazem como identidade diferente da junção dos seus jogadores. A ligação que estabelecem faz com que funcionem de determinada forma e portanto, temos equipas em que os jogadores são equipa e temos equipas com jogadores da equipa. Parece a mesma coisa mas não é porque se SENTEM COISAS DIFERENTES! Segundo as neurociências existem um conjunto de neurónios responsáveis por esta função, os neurónios-espelhos. De acordo com recentes descobertas, a evolução humana fez com que tivéssemos um conjunto de neurónios que nos permitem reconhecer as situações vivenciadas pelos outros como se fossemos nós. O que nos permite ser humanos. O que nos possibilita conseguir uma emotividade colectiva.”

(Marisa Gomes, 2011)