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Como sofrer um ataque rápido de um lançamento defensivo. E como reduzir de forma significativa a probabilidade disso suceder.

“Enquanto a referencia bola nos permite lazer um «varrimento» dos espaços em função da sua importância e, dessa forma, tornar o bloco defensivo compacto, a referência companheiros possibilita-nos o escalonamento permanente das diferentes linhas e, nessa medida, a existência do um «sistema do coberturas sucessivas». É a existência o a permanência deste «jogo do coberturas» no seio da equipa, que torna o bloco defensivo verdadeiramente solidário.”

(Nuno Amieiro, 2004)

A situação passou-se no Manchester United x Fulham de 24 de Fevereiro da presente época. O jogo encontrava-se no período de descontos, aos 97’.

Uma observação menos atenta da situação diria que o Fulham marcou o golo da vitória numa situação de contra-ataque. O que se torna ainda mais grave é que não foi isso que sucedeu. O Fulham encontrava-se em Organização Ofensiva, ainda na fase de Construção e numa situação de bola parada, mais especificamente num lançamento lateral, junto a um dos cantos do seu meio-campo. Será um desafio encontrar uma situação potencialmente menos perigosa para quem defende.

Com tempo para se reorganizar defensivamente (14 segundos), o Manchester United não o fez eficientemente. Se o objectivo era chegar à vitória, não pressionou convenientemente todas as linhas de passe próximas ao lançador e permitiu que o Fulham, no primeiro e segundo passes, saísse a jogar curto. A partir do passe longo, e apesar de ganhar a primeira bola, a equipa não se encontrava suficientemente concentrada espacialmente, ou seja, o seu bloco não estava suficientemente compacto para ganhar a 2ª bola e garantir cobertura defensiva a Maguire que também deveria ter realizado contenção e não tentar o desarme.

Deixamos uma proposta para defender mais eficientemente a situação em causa:

Poderá-se justificar a desorganização defensiva com a vontade de vencer e de assumir maiores riscos. Porém, a equipa estava num momento de organização defensiva e perante uma bola parada, com muito tempo para se reorganizar. Arriscar posicionamentos mais ofensivos e situações de igualdade numérica não fará sentido perante as circunstâncias. Além disso, o Manchester United nem se encontrava a perder. Um ponto é sempre melhor que nenhum…

“Eu vejo mais os nossos centrais a apertarem o espaço à sua frente do que a terem que recuperar, defensivamente, o espaço atrás de si. A equipa pressiona como um todo, pressiona como um bloco, quando há movimentos verticais de pressão a minha linha defensiva faz o mesmo tipo de movimento e, quando assim é, as linhas estão juntas.”

José Mourinho citado por (Nuno Amieiro, 2004)

Dawn of the Dead

“A única forma de construir uma equipa é reunir jogadores que falem a mesma língua e que saibam jogar em equipa. Não se consegue atingir nada sozinho e, se o fizer, isso não dura muito tempo. Costumo citar o que Michelangelo disse: ‘O espírito guia a mão’.”

(Arrigo Sacchi)

Tal como o filme Dawn of the Dead de 1978 foi alvo de um remake por Zack Snyder em 2004, hoje assistimos no Futebol a um remake do método defensivo individual. E tal como nos filmes, estamos perante um fenómeno “morto-vivo” e os momentos de “terror” vão-se acumulando dentro do campo.

“Quem marca ao homem corre por onde o adversário quer. Essa caçada tem por fim capturar o inimigo, mas o meio usado converte o caçador em prisioneiro.”

(Jorge Valdano, 2002)

Vários treinadores e analistas defendem o regresso da defesa individual com argumentos que favorecem uma maior agressividade e capacidade pressionante das equipas e de pressão sobre jogadores considerados fundamentais na Construção e Criação adversária. Este último também ele um argumento clássico, como a responsabilização individual de quem defende, entre outros mais. Ora, jogadores e equipas que individual e colectivamente tenham essa predisposição e maior agressividade no momento defensivo podem esconder em alguns jogos ou momentos as razões para a falência da ideia. Tal como sucedeu no passado. Na actualidade, a recuperação do método também apresenta sucesso, a espaços, por ser algo diferente e inovador do que se tornou norma. Consequentemente muitas equipas não se apresentam preparadas para defrontar adversários que defendam dessa forma.

Seja na preparação de uma equipa de Rendimento, mas também em debilidades identificadas do processo formativo dos jogadores, que julgando a Defesa Individual totalmente ineficaz e mesmo, morta, determinadas decisões técnicas não confrontam os jogadores com esse género de problemas. Mas evidentemente, de forma mais basilar, este fenómeno também revela lacunas ofensivas no processo formativo não só nos princípios específicos da Mobilidade e Espaço, mas também na própria Progressão / Penetração. Por outro lado há que reconhecer que tudo o que é novidade e pensamento divergente (neste caso apenas aparentemente), trará problemas e desafios. Mesmo algo que se considerava menos eficiente e mesmo em vias de extinção.

Hoje, determinados Modelos, assentes numa Ideia de jogo posicional muito rígida e cristalizada, gerando pouca mobilidade e permutas entre jogadores apresentam natural dificuldade contra equipas que defendam individualmente adversários directos, cortando assim todas as soluções de passe, ou pelo menos as mais próximas e seguras. Naturalmente nos casos onde, individualmente, a qualidade dos jogadores é similar. Nos outros casos, potenciar duelos de 1×1, será natural que o jogador de maior qualidade impere. Um dos melhores jogadores de todos os tempos, Diego Armando Maradona citado por (Tobar, 2010), vai ao encontro desta ideia e explica que “com os anos, compreendi que eu gostava mais que me marcassem homem a homem porque me livrava facilmente deles e ficava livre. Ao contrário da marcação a zona que era muito mais complicado”. É muito provável que estivesse aí a incluir o AC Milan de Arrigo Sacchi, equipa que defrontou em Itália. Noutro exemplo, porém colectivo, a Holanda de 74, de Rinus Michels, fez verdadeiramente diferente da norma naquele momento da evolução do jogo, e entre outras qualidades, e uma das razões para o seu reconhecido sucesso, perante a enorme mobilidade com que os seus jogadores actuavam, acabou por criar grandes problemas e mesmo colocar em causa o método individual.

Segundo o autor (Jorge D., 2011) e reforçado pelas situações retratadas do AC Milan actual, quem defende com referências individuais, “em vez de se preocupar em cortar espaço ao portador da bola, condicionando assim a sua decisão e roubar a profundidade da desmarcação, decide acompanhar as desmarcações que se aproximam da baliza, pelas quais foram arrastados, originando assim o alargamento do espaço entre linhas assim como dos indivíduos da própria linha (Defesas-Centrais e Defesas-Laterais)”. Também de acordo com (Pedro Bouças, 2010), “equipa que marca homem a homem, torna-se na presa, quando o adversário abusa do princípio da mobilidade. Move-se por onde o adversário quer”.

Porém, apesar de casos de pontual sucesso, isso não quer dizer, numa visão macro do fenómeno, que métodos individuais tragam igual ou mais rendimento que métodos colectivos. Existe por vezes a tendência de afirmar que não há coisas melhores nem piores no Futebol. Tal como na vida. Mas se a realidade é complexa e não linear, e tudo tem pelo menos um limiar mínimo de diferença, então, coisas, acontecimentos, fenómenos, decisões, etc… diferentes, irão produzir resultados… diferentes. Por vezes até, e trazendo o clássico exemplo da borboleta da Teoria do Caos, produzindo resultados muito díspares perante acontecimentos aparentemente apenas ligeiramente diferentes. Se reconhecidamente estamos no âmbito de um sistema complexo e dinâmico, então estamos perante extrema sensibilidade às condições iniciais. Portanto, nos Desportos… Colectivos, tal qual vemos a sociedade em geral, um método de jogo, seja defensivo ou ofensivo, Individual e não… Colectivo, irá trazer problemas, ineficiência e ineficácia, dado o desfasamento das necessidades da realidade em causa. Tal como na sociedade. Até podemos ter sucesso pontual individual, mas não iremos subsistir a prazo enquanto espécie. Deixamos também a questão no âmbito da Ciência Militar. Será que algum General alguma vez definiu uma estratégia para um confronto assente no individualismo? Mesmo ao nível mais elementar dos exércitos, do ponto de vista estratégico ou táctico, se possível, o pensamento é no mínimo, grupal…

Nesta linha de pensamento, recuperando ideias ainda actuais, na opinião de (Pedro Bouças, 2011), “DEFENDER O QUÊ? deve ser a primeira pergunta que se deve colocar, quando se pretende definir o método defensivo. Se não há certo ou errado, garantidamente que há melhor e pior”. O autor sustenta que “a melhor resposta é seguramente, a que afirmar que se deve defender a baliza. Não o adversário. A baliza. O posicionamento defensivo que se centra no tapar o caminho para a sua baliza, é francamente melhor que aquele que pretende defender os adversários”. Johan Cruyff reconhecido pelas suas ideias ofensivas, torna expressa a interdependência dos momentos ofensivos e defensivos, ao defender que a qualidade defensiva é directamente influenciada pela quantidade de espaço que um jogador tem que defender. Deste modo, o lendário jogador e treinador holandês descreve que se um jogador tem de defender o campo todo, será potencialmente um terrível defensor, porém se defender um espaço reduzido poderá ser um bom defensor, sustando assim ser tudo uma questão de espaço! Também o treinador português (Carlos Carvalhal, 2010) reforça a ideia através da sua experiência como jogador: “fui defesa central e percebo muito bem esta posição! Mais importante que perseguir adversários e fazer carrinhos nas laterais do campo, é absolutamente necessário saber guardar o seu espaço e não permitir que qualquer adversário (não só os avançados) possa entrar nesse espaço para fazer golo.

“No segundo ano de iniciado no Braga, começámos a experimentar esta nova solução porque, tanto eu como o meu novo colega de equipa (Boticas), não éramos o protótipo do libero e possuíamos características idênticas. As vantagens eram muitas porque dividíamos o espaço: se o avançado viesse para a esquerda, eu marcava e ele fazia cobertura; se fosse para a direita, ele marcava e eu fazia cobertura. Sentíamo-nos confortáveis a jogar assim, corríamos menos e tínhamos a convicção de que era mais complicado para o avançado contrário, porque tinha os espaços bloqueados. No fundo, a grande diferença era que não andávamos atrás do avançado, ele vinha ter connosco. Começámos também a entender que, embora exigisse mais concentração no fechar dos espaços, criava muitas dificuldades às equipas que pretendiam que outros jogadores fizessem desmarcações de rutura em função da mobilidade do avançado. Era o início do entendimento do que era “Jogar à zona”. Nessa altura, comecei a perceber a importância de “fechar espaço” para quem está a defender e “criar espaço” para quem está a atacar. A relação com os laterais era também importante para fechar os espaços. Pelo facto de sofrermos alguns golos, porque o defesa do lado contrário marcava em cima o adversário e existia um grande espaço entre o defesa central e este, fui tentando ajudar a organizar as minhas defesas. (A preocupação dos treinadores com a defesa não era uma prioridade, na altura! Se cada um marcasse o seu, a defesa estava organizada — não estava ainda desenvolvido o conceito de zona). Assim, ia sugerindo aos defesas laterais que fechassem o espaço interior, quando a bola estava do lado contrário, e tentava explicar as vantagens de fechar esse espaço. Umas vezes, era entendido. Mas, muitas vezes, o receio de deixar o extremo sozinho sem marcação era tal que esta tarefa era impossível. Até porque, na altura, existia muita responsabilização individual por falta de marcação ao adversário direto. Recordo-me, uma vez, de insistir com o defesa esquerdo para fechar o espaço entre mim e ele, quando a bola estava no lado contrário. Ele ia-me dizendo, “Carlos eu fecho e, depois, o extremo fica sozinho! Se ele marca golo ou cruza, o treinador vai-me dar cabo da cabeça!” Eu lá lhe ia explicando que era mais importante fechar os espaços interiores, porque tinha sempre tempo para pressionar o seu adversário direto enquanto a bola viajava de um lado para o outro.”

(Carlos Carvalhal, 2014)

O relato de Carlos Carvalhal torna-se precioso, mas não novidade. Se nos recordarmos do Futebol que jogávamos na “rua”, sem treinadores, em regime de auto-descoberta, na interacção que estabelecíamos com os nossos companheiros e adversários, o próprio jogo ensináva-nos que o melhor caminho para defender era de forma… colectiva. E dificilmente nos ensinava outro. Havia sempre alguém que tinha assistido, ao vivo ou na televisão, a um grande desempenho de um jogador em marcação individual, ou ouvido adultos a comentar algo desse género, e como bom imitador de ídolos tal qual todos éramos, informava… “hoje marco o João que é o melhor jogador deles!”. Perante a falta de liberdade, desgaste, e condicionamento que a missão lhe proporcionava nos seus momentos ofensivos, ao fim de 5 minutos de jogo, desistia do “João” e empenhava-se em realmente… jogar. O jogo ensinava-nos então, aquando da bola na posse do adversário, que as prioridades deviam ser a nossa baliza, a bola, os espaços, as linhas de passe mais próximas, a posição dos nossos companheiros e finalmente a dos nossos adversários. Jogando sem fora-de-jogo como usualmente sucedia na “rua” e no Futsal, a única excepção seria o adversário esperto que se colocava entre o nosso último defensor e o nosso Guarda-Redes. Nesse caso esse precisava de maior vigilância.

Analisando o Futebol de uma perspectiva macro, e mesmo a evolução científica e filosófica em geral, somos levados a acreditar, que na sociedade dos adultos, impregnada pelo pensamento cartesiano, analítico, mecânico, e pelo reducionismo e atomismo clássicos, tal qual muitas outras ideias como também se torna exemplo a evolução dos métodos de treino, a defesa individual foi algo que o treinador trouxe para o jogo, numa tentativa de simplificar o complexo, de dividir o indivisível, de controlar o incontrolável, de reduzir empobrecendo… Neste enquadramento, ao contrário do que o próprio jogo nos ensinava, o treinador passou a última prioridade: os adversários, para o topo da lista. Indo mais longe, influenciado também pela clássica visão egocêntrica da realidade, na qual o homem tem que estar sempre no centro de tudo.

Mas na verdadeira realidade, a… complexa, temos como consequência a também não linearidade da evolução. Deste modo, também num contexto de esquecimento de uma história assim não tão antiga, mas fundamentalmente como vimos atrás, pela renovidade que a ideia traz ao jogo e sucesso pontual que promove, também não é de espantar estarmos, na nossa opinião, a dar um passo atrás. Esperando sempre que, à boa imagem do que tem sido até agora a história evolutiva da nossa espécie, seja para posteriormente darmos dois à frente.

O autor (Nuno Amieiro, 2004), na sua tese e livro sobre a Defesa Zona, expunha que “no seu livro, Jorge Valdano falava apaixonadamente sobre a «zona», parafraseava Menotti (“A zona é liberdade”), Maturana (“A zona faz da defesa a arte de atacar”) e deliciava-me com as descrições da «zona» inteligente, agressiva e harmoniosa do Milan de Sacchi. A «zona» de que Valdano falava aproxima-se da «zona» com que tive, pela primeira vez, contacto, aquela a que, superficial e esporadicamente, o professor Vitor Frade fazia referência nas aulas”. Neste sentido, trazemos outra ideia. A Defesa Zona, induz muitas vezes as pessoas em erro, pela interpretação literal que dela fazem. Defender Zona não implica defender só zonas ou espaços, como vimos atrás. Implica uma preocupação até maior com outras referências do jogo como a nossa baliza e a bola, e ainda outras como as linhas de passe mais próximas, companheiros e adversários. Mas acima de tudo uma preocupação pelo sistema dinâmico que o jogo representa, e dessa forma pela implicitude da interacção. Como Vítor Frade sustentou no seu projecto de Doutoramento em 1990: A interacção, invariante estrutural da estrutura do rendimento do Futebol. A Defesa Zona implica então um pensamento… colectivo. Logo, também em contra-ponto à Defesa Individual, não será mais apropriado lhe chamarmos… Defesa Colectiva?

Novamente (Nuno Amieiro, 2004), parece concordar e apresentar argumentos reforçando essa ideia ao descrever que “são três pressupostos tácticos fundamentais desta forma de organização defensiva. São estas referências defensivas colectivas que, quando correctamente perspectivadas, nos permitem obter superioridade posicional, temporal e numérica na defesa. No fundo, ao manifestar-se, a «zona» expressa:

  • Um «padrão defensivo colectivo»;
  • Complexo, é verdade;
  • Mas também dinâmico e adaptativo;
  • Compacto, homogéneo e solidário.

Serão estas «propriedades», emergentes da coordenação colectiva, a dar verdadeira coesão defensiva à equipa. Esta forma de organização defensiva revela-se, como tal, não só a mais eficaz defensivamente, mas também a que, de longe, melhor responde à «inteireza inquebrantável do jogo». Revela-se, assim, uma necessidade face à «inteireza inquebrantável» que o «jogar» deve manifestar. Não é de estranhar, portanto, que este seja o «padrão defensivo» das equipas de top”.

Arrigo Sacchi, a propósito do seu AC Milan, relata que conseguiu “convencer Gullit e Van Basten dizendo-lhes que cinco jogadores organizados seriam capaz de vencer dez jogadores desorganizados. E eu também consegui provar isto. Peguei em cinco jogadores, Galli na baliza e depois Tassoti, Maldini, Costacurta e Baresi. Do outro lado, coloquei 10, Gullit, Van Basten, Rijkaard, Virdis, Evani, Ancelotti, Colombo, Donadoni, Lantignotti e Massaro. O grupo composto por 10 elementos tinha 15 minutos para marcar contra os meus organizados. Só havia uma única regra, se nós recuperamos a bola, a outra equipa tinha de começar desde trás novamente, 10 metros antes do meio campo. Continuei a fazer. A equipa com 10 elementos nunca conseguiu marcar, nem uma vez”. Não queremos imaginar Sacchi, e mesmo Capello, a assistirem à “organização defensiva” do actual AC Milan…

“Apesar de estarmos na II Divisão, fomos o primeiro clube alemão a jogar em 4x4x2 sem libero. Vimos um vídeo muito chato, mais de 500 vezes, com o Sacchi a treinar a defesa, sem bola, com o Maldini, Baresi e Albertini. Pensávamos que se os outros fossem melhores tínhamos de perder. Depois aprendemos que tudo é possível, podemos bater os melhores usando táticas.”

(Jürgen Klopp, 2013) sobre a influência de Wolfgang Frank, que treinou Klopp no Mainz e era um admirador dos métodos de Arrigo Sacchi no AC Milan

Defesa Individual em situações de bola parada III

“Com os anos, compreendi que eu gostava mais que me marcassem homem a homem porque me livrava facilmente deles e ficava livre. Ao contrário da marcação à zona que era muito mais complicado.”

Maradona citado por (Tobar, 2010)

Saber jogar e o saber sobre o saber jogar

Nos últimos dias, o ex-jogador Marco Van Basten deu uma entrevista ao jornal alemão Bild na qual defendia algumas ideias que segundo o próprio “revolucionariam o futebol”. O holandês foi um dos melhores que vimos jogar, eternizando momentos geniais, e golos fabulosos. O golo marcado à antiga URSS na final do campeonato da europa de 1988 ficará para sempre na história do jogo como um dos melhores. Mas nós recordamos outro, curiosamente também destacado, ontem, no programa Maisfutebol enquanto estávamos a redigir este artigo, que não tendo o mesmo peso histórico, faz parte do imaginário de qualquer criança apaixonada pelo jogo, reproduzindo aquele momento mágico de Pelé no filme Fuga para a vitóriaMas aqui num contexto real, colocando a bola no melhor sítio possível e ao serviço de um clube que contribuiu de forma evidente para a evolução do jogo.

Van Basten fez também parte de uma das melhores equipas da história do Futebol, o AC Milan de Arrigo Sacchi. Uma equipa de facto marcada pela inovação que trouxe ao momento de organização defensiva, conseguindo, através da mudança de referências defensivas e fazendo uso da regra do fora-de-jogo, encurtar o espaço de jogo aos seus adversários e ser pressionante sobre eles. Porém, ao contrário do que uma visão redutora do jogo fará supor, esta incremento qualitativo da organização defensiva abriu também caminho a uma maior qualidade ofensiva. Como (Amieiro, 2004) descreveu, trata-se de “defender (bem) para atacar (melhor)“. Concretamente, poder ser pressionante, possibilita que uma equipa seja ofensiva quando defende. Possibilita-lhe poder recuperar a bola o mais rapidamente possível. Possibilita-lhe que defenda no meio-campo adversário. No fundo possibilita-lhe a iniciativa no jogo, mesmo no seu momento defensivo, e ser inteligente e colectiva a defender. E nada disto seria possível sem a regra do fora-de-jogo.

Por outro lado, antes disso, a própria cultura holandesa, através do próprio Ajax e selecção holandesa, pela mão de Rinus Michels, tinha também apresentado ideias revolucionárias, algumas das quais alicerçadas na regra do fora-de-jogo. De acordo com (Sá, 2011), o “futebol que então apresentou é um esboço daquilo que fazem hoje as muitas das grandes equipas, e representou um salto de gigante em relação a tudo o que antes se havia visto. Não menos importante do que a mobilidade com bola, eram aspectos como a pressão e a linha defensiva, que permitiam à equipa jogar alto e conseguir um número absurdo de recuperações no meio campo contrário“. Num artigo sobre a escola holandesa do site benefoot.net, refere-se que “o mais revolucionário aspecto da selecção holandesa de 1974 era que o fora-de-jogo era usado como arma para atacar. A última linha subia intempestivamente, limitando o espaço ao oponente recuperando muitas vezes a posse da bola. Para ser claro: jogar com o fora-de-jogo é uma acção atacante” escreveu Cruyff no De Telefraaf. “Porque o fora-de-jogo decide o tamanho do campo””. Noutro artigo sobre o legado de Johan Cruyff de 2016 de Jonathan Wilson no site da Eurosport, é explicado que “os princípios básicos continuaram os mesmos desde então: controlar a posse de forma a não sofrer golos. Pressionar alto quando perdida a posse para fazer o campo o mais pequeno possível para o opositor. Usar o fora-de-jogo de forma pro-activa para forçar o erro adversário“. Este legado foi valorizado pelo Barcelona de Pep Guardiola, que segundo (Manna, 2009), procurava “defender à frente, invadindo o território possível do adversário, provocando o fora-de-jogo a metros da linha de meio-campo, afogando zonalmente o adversário, juntando linhas, acompanhando o ataque por todo o bloco”. Guardiola, citado por (Manna, 2008), lembra que “atacaremos melhor se tivermos uma boa defesa e defenderemos melhor se tivermos um bom ataque”. Lembramos que Rinus Michels treinou Van Basten na sua segunda passagem pelo comando da selecção holandesa…

Portanto, exemplos de ideias revolucionárias, que trouxeram qualidade de jogo, resultando em sucesso competitivo, inclusive a nível continental. Alguém, no seu perfeito juízo, pode afirmar que estas equipas focavam-se exclusivamente na sua organização defensiva, e apenas exploravam o erro do adversário?

Van Basten disse que teria “curiosidade em perceber como funcionaria o futebol sem o fora de jogo. Muita gente vai estar contra mas, cada vez mais, o futebol parece-se com Andebol, com equipas a erguerem muros à frente da baliza”. Mas o holandês esquece-se que de facto, o Andebol, como o Hóquei em Patins e o Futsal, exemplos de desportos com balizas, não têm fora-de-jogo. E dadas as suas regras, as equipas têm duas opções. Ou defendem com o seu bloco junto à sua baliza de forma a não permitirem espaço junto à mesma, ou adoptam a defesa individual no seu mais puro conceito, desprovida de inteligência e sentido colectivo. Ambas as situações, no futebol, seriam corrosivas para a qualidade de jogo. Pensando nos casos do Andebol e Hóquei em Patins, as equipas podem pressionar de imediato no momento da perda da bola, mas o objectivo principal é quase sempre garantir tempo para que o restante bloco recupere um posicionamento defensivo junto à sua baliza… aquilo que Van Basten condena. Por outro lado, no Futsal surgem ideias de pressão no meio-campo adversário, porém, ficando tanto espaço entre a bola pressionada e a sua baliza para tão poucos jogadores, essas equipas acabam por optar pela defesa e responsabilização individual.

Se Van Basten não o consegue, nós imaginamos o que seria um futebol sem fora-de-jogo, no qual as equipas optariam por deixar jogadores nas áreas adversárias. Inclusive junto aos postes da baliza adversária como sucede em muitas situações de bola parada do Futsal. O jogo “partiria-se” como nunca, com alguns jogadores das duas equipas posicionados junto a cada uma das suas balizas e outros a procurarem disputar a posse da bola pelo campo todo. Comparativamente com o jogo que conhecemos, pareceria um jogo de loucos. Como Jurgen Klopp comentou, esse seria outro jogo. No mesmo artigo Christian Gourcuff, técnico do Rennes, descreveu que o fora-de-jogo é uma manifestação de inteligência colectiva. Não haveria mais espírito colectivo se o fora-de-jogo fosse abolido”. Também Arsene Wenger defendeu que o fora-de-jogo é o que dá coesão a uma boa equipa. É também uma regra inteligente.”

“Jogar avançado no terreno

opõe-se ao jogar p’ra frente

é fazer campo grande e pequeno

e nisto não se demite a mente.”

(Frade, 2014)

Como alguém referia nos últimos dias, Van Basten pode estar a revelar uma parte da cultura holandesa, a pior parte. Aquela, que não a de Michels ou Cruyff, mas a que descarta por completo o momento defensivo do jogo e que apenas valoriza o ofensivo. O holandês pode, consciente ou inconscientemente querer obrigar a um retrocesso no jogo, a que as equipas defendam mal, para que a sua cultura saia vitoriosa. Mas isto são suposições. O que Van Basten objectivamente revela é desconhecimento do jogo. Será isto possível em alguém que revelou tanto talento e qualidade como jogador e que inclusive conviveu com tantas ideias de qualidade? Sim. Assistimos a casos similares todos os dias nos meios de comunicação social, porventura não tão graves, de ex-jogadores que não compreendem e não sabem explicar o jogo.

Usando uma expressão simples mas precisa, Van Basten e outros tantos detêm um “saber fazer”, que na especificidade do jogo podemos denominar de “saber jogar”. Não há dúvidas que eles sabiam jogar este jogo. Simultaneamente, alguns deles, e outros que mesmo não jogando num nível profissional, desenvolveram durante o seu percurso como jogador ou mais tarde, um “saber sobre o saber jogar”, ou seja, conhecimento sobre o jogo. O autor (Campos, 2008) explica que o «saber sobre um saber fazer» e o «saber fazer» são duas faces da mesma moeda, mas aquilo que é decisivo é o saber fazer no momento do jogo independentemente de estar conscientemente subordinado a um «saber sobre esse saber fazer»”. Assim, na perspectiva do jogador, (Amieiro, 2005) refere que “segundo Frade (2003a) o hábito é um «saber fazer» que se adquire na acção e “a esfera fundamental do «saber fazer» está no subconsciente”portanto, a qualidade expressa no campo é na maioria dos jogadores… inconsciente. Ainda para (Campos, 2008), existem muitos exemplos de grandes profissionais em diferentes áreas que alcançam desempenhos fantásticos sem conseguirem explicar como o fizeram e porque possuem essas fantásticas qualidades. Assim, segundo o autor “nem tudo que temos em memória é conscientemente identificável e enquanto treinadores devemos privilegiar o “saber fazer” dos nossos jogadores independentemente de eles dominarem melhor ou pior o saber sobre esse “saber fazer” pois a importância deles situa-se no domínio prático da acção“.

Porém, no caso de um treinador, esta importância altera-se. O treinador tem obviamente que estar consciente do processo. Tem de (re)conhecer a qualidade do jogo, compreendê-la e explicá-la. A esfera da sua acção passa obrigatoriamente para o domínio do “saber sobre o saber fazer”. É um dos argumentos que explica o porquê, na história do jogo, do melhor jogador do mundo ainda não ter dado o melhor treinador ou o melhor dirigente desportivo…

Marco Van Basten, não é “apenas” um aposentado grande jogador de futebol. O holandês é o diretor técnico FIFA desde Setembro passado. O próprio presidente, Gianni Infantino, apresentou-o, descrevendo que “tivemos várias discussões com ele nos últimos meses e ouvimos as suas opiniões sobre o jogo, tendo consciência sempre de tudo o que ele fez pelo futebol. Para mim, ficou imediatamente claro que Marco é um reforço fantástico para a FIFA”.

“The offside rule is fundamental – if you do not understand that, you do not understand football.”

Christian Gourcuff

Da euforia à depressão, e o que realmente importa

Já referimos noutros momentos que não tem sido objectivo deste espaço a análise específica a equipas e jogadores. Contudo, por ter gerado variadas opiniões, por se tratar da Selecção Portuguesa que tantos sentimentos agrega, mas acima de tudo pelos diferentes acontecimentos que o jogo nos trouxe, decidimos apresentar uma reflexão sobre o jogo Portugal x Islândia do Euro 2016. Essencialmente procuraremos uma análise colectiva do jogo, porém esta levará eventualmente a leituras individuais.

Emocionalmente, e perante a euforia vivida nas últimas semanas, o desfecho do jogo traz-nos, culturalmente, um regresso antecipado do histórico “fado luso”, que nos transporta da euforia à depressão num ápice. Porém, sem nunca descurar as emoções e os sentimentos que fazem deste jogo um fenómeno mundial, procuramos aqui uma visão mais racional dos acontecimentos, e pese o potencial paradoxo, não racionalista, analítica ou quantitativa, mas complexa e qualitativa.

Seria natural, perante o mediatismo, a grande expectativa criada e também por alguns jogadores que se estreavam em grandes competições de selecções, que a equipa apresentasse alguma ansiedade nos primeiros minutos do jogo. Neste primeiro jogo, e perante um adversário, ao qual se antecipava um comportamento iminentemente defensivo e reactivo, seria uma boa opção estratégica a conservação da bola e a segurança nas acções nesses primeiros momentos do jogo. Mesmo que essa posse não contesse grande agressividade ofensiva, consumada na penetração do bloco adversário. Ultrapassando essa ansiedade inicial, ganhando confiança no jogo e encostando o adversário à sua área, seria então o momento para procurar essa penetração e a chegada a situações de finalização. A este propósito, comentando o jogo, o ex-jogador português Simão Sabrosa explicou que nesses “minutos iniciais, eu lembro-me quando jogava, eram sempre complicados, o mais importante era nós termos contacto com a bola, e aquilo que os jogadores precisam de fazer, é ter contacto com a bola, para poderem ganhar confiança. A confiança vem quando temos a bola no pé, por isso é que os Avançados vêm muitas vezes ao meio-campo só para tocarem na bola.” 

Portugal atrasou essa segurança e a conquista dessa confiança, o que levou a que a posse de bola fosse mais dividida no início do jogo e perante o jogo directo adversário também se jogou em mais espaço. Como consequência, a Islândia aproximou-se mais vezes da baliza Portuguesa, principalmente decorrentes desse jogo directo, no seu momento de transição ofensiva, mas também das suas bolas paradas, e nalguns momentos, no contra-ataque. Num desses contra-ataques conseguiram mesmo uma oportunidade clara de golo que surge de uma recepção falhada de João Mário, resultando numa perda de bola anormal, explicada provavelmente pela ansiedade acima referida. Depois, Pepe, na impetuosidade do seu jogo procura a intercepção em vez da contenção, é ultrapassado, conseguindo a Islândia uma situação de 2×2+GR. Nesta situação Danilo erra na contenção e defesa do espaço, pois dá o espaço interior ao adversário com bola, permitindo-lhe uma finalização mais fácil.

Através do seu jogo directo, a Islândia esteve naturalmente mais forte na discussão do jogo aéreo. Damos exemplos de situações em que a Islândia ganhou consecutivamente essas acções. Problemas evidentes para Portugal na discussão da primeira bola, mas também no ganho da segunda bola, várias vezes por não ser garantida a concentração espacial para essa conquista.

Se numa fase posterior do jogo, Portugal conseguiu mais posse e controlo da bola, portanto um domínio em construção, daqui raramente evoluiu para um domínio em criação, ou seja, pela obtenção de sucessivas entradas no bloco adversário e consequente criação de situações de finalização, preferencialmente mais simples. Desta forma, para chegar à baliza adversária, recorreu iminentemente aos corredores laterais e aos cruzamentos, muitas vezes de espaços anteriores à grande área. Noutra situação conseguiu ainda uma oportunidade num passe longo directo para as costas da última linha aversária. Em todas estas situações, à partida mais fáceis de anular, a Islândia revelou, no entanto, dificuldades em defender os cruzamentos, que apesar de fortes na discussão das primeiras bolas aéreas, revelaram debilidades posicionais fruto das referências individuais que principalmente os seus Defesas-Centrais apresentaram. A sua última linha revelou ainda dificuldades no controlo da profundidade. Tudo isto apesar da Islândia ter conseguido reduzir o espaço de jogo pela proximidade das suas linhas em Organização Defensiva, garantindo assim, pelo menos, o cumprimento do princípio fundamental do jogo nesse momento… “garantir superioridade numérica” (no centro do jogo).

“Tivemos mobilidade e dinâmica, mas faltaram dois aspectos: a aceleração no momento em que ganhávamos o espaço e a definição no cruzamento. No cruzamento, insistimos muitas vezes no cruzamento por alto, é verdade que nesse aspecto conseguimos duas grandes oportunidades, uma pelo Nani e outra pelo Cristiano que não concretizámos.”

Fernando Santos, na conferência de imprensa após o jogo Portugal x Islândia, 14 de Junho de 2016.

“Na minha perspectiva, numa equipa que se quer assumir e quer ganhar o jogo, tivemos muitos jogadores fora da estrutura da equipa da Islândia. Quando eu digo fora da estrutura é jogarmos contra uma equipa montada em 4:4:2, em que fora da estrutura é tudo o que acontece à volta da equipa adversária e nós tivemos muitos jogadores à volta da Islândia. Nós conseguimos circular a bola, mas à volta da sua estrutura, mas raramente conseguimos entrar com muito perigo por dentro da estrutura. E porque é que não entrámos por dentro da estrutura? Porque João Moutinho veio pegar muito no jogo fora dessa estrutura. Fora da estrutura já estava o Danilo que estava entalado no meio dos Avançados adversários. Os dois Defesas-Centrais entraram pouco em condução pela estrutura adversária. E quando assim é, se já estavámos a falar de dois Centrais, de um Médio-Defensivo e mais um Médio, já é muita gente a jogar contra onze adversários que se encontram atrás da linha da bola, e assim torna-se mais difícil. O que poderia ser feito? Creio que João Moutinho poderia ter jogado numa linha mais avançada, ou seja, dentro da estrutura adversária e os Defesas-Centrais podiam ter assumido a construção. Temos que fazer mais isto para nos assumirmos como uma equipa que quer ganhar. E perdemos muito tempo com isto. Quando o conseguimos fazer, como é que o fizémos? Infelizmente fizémo-lo muito espaçadamente. Começámos a confundir aquele alinhamento dos quatro médios da Islândia, fundamentalmente com o avanço do Vieirinha, não tanto do Rafael Guerreiro na primeira parte, mais do Vieirinha, que estava sozinho no corredor, com o Médio, João Mário numa zona mais interior, e a partir daí, desfazendo o alinhamento dos quatro Médios, nós conseguimos começar a criar dificuldades à equipa da Islândia, aliás o nosso golo de Portugal é numa situação deste género”.

Carlos Carvalhal, no programa Euro 2016 de 14 de Junho, RTP3, 2016

Carlos Carvalhal explicou e as situações anteriores assim o demonstram. Entrada no bloco adversário e situações de finalização para os pés no corredor central. Contudo, foram situações raras.

Se a Islândia chegou poucas vezes à baliza Portuguesa, nos momentos em que o fez, foi perigosa, por ter chegado a situações favoráveis de finalização. Isto sucedeu pelas características Islandesas, nomeadamente a sua agressividade ofensiva, mas principalmente derivadas de problemas defensivos patentes na selecção Portuguesa, essencialmente ao nível do posicionamento e da decisão. Isto levou também a problemas de articulação intra-sectoriais, como foi claro no golo da Islândia. Se na nossa forma de pensar este jogo, não há espaço para um jogo prioritáriamente individual assente numa responsabilização individual, quer nos momentos defensivos, quer nos ofensivos, então a Defesa Individual não encontra, para nós, espaço na evolução que o Futebol viveu. A justificação desta posição levaria-nos a um trabalho mais aprofundado, que ficará para outro momento. Deixamos no entanto este pensamento:

“Uma casa estava guardada por dois cães, ao ser assaltada um dos ladrões chamou a atenção dos cães e logo estes “atacaram” o ladrão e perseguiram-no abandonando a casa, o outro ladrão entrou nela sem dificuldade. Numa outra casa que tinha dois cães “guardiões”, os ladrões utilizaram a mesma estratégia, os cães mostraram-se na mesma agressivos mas não largaram a porta da casa…”

César Luis Menotti

Esta situação, mostrou uma vez mais, os problemas e consequentes erros decorrentes desta forma de “pensar” o jogo das equipas. O próximo video descreve a nossa leitura da situação, contudo reforçamos que defender o espaço e não o adversário, é para nós atacar defendendo, jogar em acção e não em reacção, no fundo… é antecipar o futuro. Sobre tudo isto aconselhamos um livro já com 11 anos, revolucionário do ponto de vista teórico, que justifica esta visão do jogo.

Defesa à Zona no Futebol, Nuno Amieiro, 2005.

Defesa à Zona no Futebol, Nuno Amieiro, 2005.

“Há uma marcação individual que origina toda esta descoordenação. Porque se o comportamento fosse zonal, era uma situação facilmente resolvida não só pelo Pepe como pelo Vieirinha. Mas como a opção, não sei se opção, é muito difícil para nós estarmos a dizer que isto é uma opção da própria filosofia de jogo da equipa ou não, porque eu não sei, porque nós não sabemos o que o seleccionador quer, ou o que o treinador quer neste tipo de situações, mas aconselhava-se uma situação zonal.

(…)

Nós vemos aqui, o Pepe com uma referência individual sobre o ponta-de-lança, o Vieirinha sobre o outro, depois há um arrastamento, depois fica o outro sozinho. Se eles tivessem um comportamento zonal de um alinhamento em função da linha da bola, ou da linha do último defesa, esta bola era uma situação facilmente controlável por estes dois jogadores”.
Carlos Carvalhal, no programa Euro 2016 de 14 de Junho, RTP3, 2016
“Não se viram muitos cruzamentos, mas não se viu isto acontecer mais vezes”.
Marco Silva, no programa Euro 2016 de 14 de Junho, RTP3, 2016
“O que estará pensado será um posicionamento zonal, portanto é o Pepe que se acaba por deixar ir muito na ligação directa na marcação ao Sigþórsson, mas só o seleccionador sabe verdadeiramente o que pede aos jogadores para fazerem num momento destes. Teóricamente, se Pepe está já alinhado à frente do Vieirinha, isto não tinha acontecido.  (…) Depois Vieirinha tenta trocar com o Pepe, tenta trocar de homem, mas o Pepe já não percebe.”
Carlos Daniel, no programa Euro 2016 de 14 de Junho, RTP3, 2016

Numa derradeira leitura da situação do golo da Islândia, pode-se dizer que a metade esquerda da Defesa portuguesa defendeu à zona, de forma colectiva, e a metade direita defendeu de forma individual. Na última situação ilustrada no video, onde na prática, independentemente que poder ter acontecido de forma acidental, a Defesa acaba por apresentar um um posicionamento razoável sobre o espaço e sobre a zona mais perigosa para o adversário obter uma finalização de cruzamento, acaba por interceptar essa bola. E isto é o que significa antecipar o futuro.

Com o golo do empate da Islândia, a ansiedade regressou, consequentemente a equipa procurou chegar à baliza adversária de forma mais apressada, recorrendo cada vez mais aos espaços exteriores e aos corredores laterais, às variações longas de corredor, acumulando mais perdas e maior desgaste decorrente dos momentos de transição. As substituições, que procuraram transmitir maior ofensividade à equipa, potenciaram no entanto cada vez mais o jogo exterior e a progressão por fora do bloco adversário, ao serem acrescentados aos Defesas-Laterais dois Extremos praticamente sempre em largura máxima, o que intensificou os cruzamentos, aos quais os Islandeses foram respondendo com cada vez maior confiança. Atacando por fora do bloco Islandês, fez-lhe crecer o conforto e a segurança na sua organização defensiva. Um antigo profissional do Futsal, dizia que nessa modalidade era muito importante que no momento ofensivo, as equipas “tocassem ao meio”, o que significava precisamente que jogadores recebessem entre-linhas, portanto uma procura da construção dentro do bloco adversário. Segundo ele, isso provocaria desconforto e insegurança nos defensores, para além das situações em que essa acção conseguia colocar um atacante enquadrado no corredor central com a baliza, com os companheiros e respectivas soluções de último ou penúltimo passe e o(s) último(s) defensor(es). Dadas as grandes semelhanças entre as duas modalidades, no Futebol passa-se exactamente o mesmo.

“Adversário fechado no seu meio-campo: “Temos que ter muita paciência, como aconteceu ontem no jogo da Espanha, a Espanha manteve sempre a forma de jogar, não mudou em nada, e nós temos muita qualidade e teremos que fazê-lo da mesma maneira. Não nos podemos precipitar.”

Simão Sabrosa, Transmissão Portugal x Islândia, Sporttv, 2016

 Numa derradeira análise global, não esteve tudo errado nos momentos ofensivos da equipa portuguesa, e após o jogo de estreia, sentimos haver espaço para fazer crescer a organização ofensiva da equipa Portuguesa e rectificar estas questões. Como referimos atrás se Portugal foi dominate em construção, necessita agora de se tornar dominante em criação. O problema maior reside mesmo no momento defensivo, pois o que mais uma vez este jogo provou, é que subsistem, em jogadores de equipas de topo no Futebol mundial, referências individuais e consequentemente comportamentos defensivos individuais. E quanto a isto, perante a cultura, idade, estatuto, mentalidade, inexistência de tempo e provavelmente de abertura para desmontar estes hábitos, a selecção apresenta problemas graves nos seus momentos defensivos.

Finalmente, ainda para mais perante os erros cometidos, responder às provocações do treinador adversário, é decididamente algo que realmente NÃO importa, por muitas razões, mas também por retirar concentração ao que realmente importa.

Defesa Individual em situações de bola parada II

Em Março de 2015 publicámos um artigo sobre a Defesa Individual nos pontapés de canto:

http://www.sabersobreosabertreinar.pt/index.php/2015/03/12/defesa-individual-nos-cantos/

Como defendido na altura, é um tema não circunscrito apenas ao domínio dos pontapés de canto, mas também a todas as situações de bola parada defensivas, e num plano ainda ainda maior, a todo o momento de organização defensiva. Porém, vamos novamente partir de uma situação de bola parada, neste caso, de um livre lateral, dada a análise realizada à situação que aqui trazemos:

Não nos interessa discutir esta opinião, ou mesmo apenas uma opinião, mas uma ideia que se repete inúmeras vezes. Revela a incoerência do pensamento sobre a situação em causa e fundamentalmente ilustra as insuficiências da Defesa Individual no jogo de Futebol.

De acordo com (Carvalhal, 2010), “entende-se por marcação Homem a Homem uma marcação de responsabilização individual, isto é, independentemente de onde estiver o meu adversário, eu vou ser o responsável por anular a sua acção ofensiva. Nesta marcação é importante referir que temos que manter o nosso corpo entre o adversário e a baliza que estamos a defender, não perdendo de vista não só a trajectória da bola, mas principalmente a movimentação do adversário! Reforço aqui a posição dos apoios (nunca deverão estar paralelos) de forma a respondermos rapidamente à acção do adversário”.

Defesa Individual em situações de bola parada - 3

Cruzando esta opinião com a análise que o video nos traz, transparece a confusão de objectivos que este método defensivo encerra. O defensor tem de marcar o adversário directo, não lhe permitindo muito espaço, mas tem simultaneamente de manter a bola no seu campo de visão. Se reduzir, como é indicado na análise, o espaço entre si e o atacante, será ainda mais difícil observar simultaneamente a bola. Por outro lado, observar a trajectória da bola, implica no comportamento, uma preocupação final com a bola, de forma a interceptá-la se esta se aproximar do seu adversário directo. Ora, este é o objectivo da Defesa Zona nas situações de bola parada defensivas: interceptar a bola em determinadas zonas fulcrais à finalização adversária. Então no momento final da marcação individual, defende-se o mesmo que a Defesa Zona. O objectivo deixa de ser o adversário e passa a ser a bola! Entre outras justificações, abordadas no artigo anterior, a Defesa Zona, tem as vantagens de poder preencher antecipadamente os espaços fulcrais e de poder permitir aos defensores o foco total na trajectória da bola. Poder, porque observam-se muitos comportamentos diferentes em Defesa Zona e muitos deles sem qualidade.

Há ainda outra perspectiva, mais radical mas também comum, avançada na análise: “se estás a marcar, marcas até ao fim“. A preocupação aqui terá que ser com o atacante até ao final da situação. Se este se prepara para atacar a bola, então nesta lógica terá que ser demovido dessa acção. Neste enquadramento há uma colisão com as leis do jogo, e talvez por esta razão, os defensores em Defesa Individual, dão hoje mais espaço aos seus adversários directos pois procuram evitar a falta dentro da área, uma vez que actualmente cresce a sensibilidade das equipas de arbitragem para estas infracções. De facto o Futebol não é Basquetebol. No Basquetebol os contactos nos comportamentos defensivos são muito penalizados e se isso acontecesse no Futebol, mesmo “apenas” como as Leis do Jogo de Futebol o determinam, as grandes penalidades surgiriam em grande quantidade. Ou então, assistia-se, como eventualmente está a começar a acontecer, a uma menor agressividade no comportamento de marcação, consequentemente mais golos sofridos, consequentemente a mudança de método defensivo nas equipas.

Perante a natural dificuldade em articular estes conceitos e objectivos comportamentais, e em analisar este tipo de situações, a responsabilização individual prevalece e uma explicação generalista, mas tão acessível e fácil, surge: falta de concentração! Se a acção táctica é difusa, a concentração perante a mesma também o é…

“Sem olho no acontecer

desliga-se mesmo a não querer,

antecipar é interpretar

indispensável p’ra bem jogar.”

(Frade, 2014)

Esta visão, leva-nos a pensar que se hoje há uma ideia generalizada, na qual o pensamento analítico no treino, quer através do isolamento do “factor” Físico, quer do “factor” Técnico, quer do “factor” Psicológico, se trataram de erros epistemológicos que o homem introduziu no treino do Futebol, por outro lado, o pensamento analítico transportado para uma visão individual na organização das equipas de um jogo que é colectivo, também o poderá ser.

Defesa Individual em situações de bola parada

Apesar de neste espaço evitarmos a análise a treinadores, equipas e jogadores, há situações que nos parecem incontornáveis, também pelas as ideias que desenvolvemos.

Defesa Individual em situações de bola parada - 1

No Chelsea x PSG dos oitavos de final da Liga dos Campeões em 2015, três dos quatro golos da partida foram obtidos de pontapé de canto. Ambas as equipas apresentaram métodos defensivos individuais nestes sub-momentos do jogo. Se no golo do Chelsea, a defesa individual do PSG desposiciona-se sucessivamente após três disputas de bola, criando possíveis espaços de finalização, sendo que a “quarta bola” dá golo, por outro lado, nos golos do PSG a finalização é directa após o primeiro cruzamento, beneficiando de espaços criados pela confusão de tantos duelos individuais em tão pouco espaço. No segundo golo do PSG, os dois Defesas-Centrais do Chelsea chegam a colidir um com o outro, libertando espaço para o adversário finalizar facilmente. Há assim, espaço no local mais importante… onde a bola vai cair, e a preocupação em interceptá-la passa também ela a secundária.

Defesa Individual em situações de bola parada - 2

“Na opinião de (Bouças, 2011), DEFENDER O QUÊ? “deve ser a primeira pergunta que se deve colocar, quando se pretende definir o método defensivo. Se não há certo ou errado, garantidamente que há melhor e pior.” O autor explica, que “a melhor resposta é seguramente, a que afirmar que se deve defender a baliza. Não o adversário. A baliza. O posicionamento defensivo que se centra no tapar o caminho para a sua baliza, é francamente melhor que aquele que pretende defender os adversários”. O treinador português (Carvalhal, 2010) acrescenta a sua experiência como jogador: “fui defesa central e percebo muito bem esta posição! Mais importante que perseguir adversários e fazer carrinhos nas laterais do campo, é absolutamente necessário saber guardar o seu espaço e não permitir que qualquer adversário (não só os avançados) possa entrar nesse espaço para fazer golo”. Assim, o autor (Lumueno, 2013) defende que “o objectivo da defesa zonal é fechar todos os caminhos mais próximos da minha baliza, através da criação de superioridade numérica na zona da bola e de uma cobertura equilibrada dos espaços em redor dessa zona”.”

“Segundo (Castelo, 1996), citado por (Batista, 2006), falando no conceito de marcação em organização defensiva, “é em função da bola, dos adversários, da baliza e dos companheiros que esses comportamentos se deveriam manifestar”, assim, o autor atribui uma acentuada dimensão colectiva ao sucesso da marcação. Deste modo, (Amieiro, 2004), reforça que “de forma sumária, na defesa à zona a grande preocupação é «fechar como equipa» os espaços de jogo mais valiosos e, deste modo, colocar a equipa adversária sob constante constrangimento espácio-temporal. Procura-se, no fundo, gerir colectivamente o espaço e o tempo no jogo.”

“Quem marca ao homem corre por onde o adversário quer. Essa caçada tem por fim capturar o inimigo, mas o meio usado converte o caçador em prisioneiro.”

(Valdano, 2002)

Defender à Zona, independentemente do sub-momento defensivo do jogo, é colocar a máxima inteligência no momento defensivo, procurando a iniciativa a defender, pensando o jogo de forma colectiva, e também no fundo, procurando antecipar o futuro.