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O quinto momento do jogo? Quantidade não significa qualidade. E ainda… o exemplo do Futsal.

“(…) não será o instante após os lances de bola parada o momento de maior desorganização e instabilidade táctica nos jogos?”

(Filipe de Sá, 2012)

Diferentes visões e formas de pensar levam a diferentes interpretações da realidade, e consequentemente… do jogo de Futebol. Nada de novo. Perfeitamente normal e saudável porque potencialmente são colocadas questões e o debate surge. No “final do dia”, uma das melhores formas de promover evolução.

Deste modo, diferentes formas de entender o jogo conceberam diferentes modelos e sistematizações do mesmo. Uma das questões emergentes surge sobre o enquadramento das situações de bola parada. Nos respectivos quatro Momentos do Jogo? Ou serão elas, por si só, um quinto momento?

Em 2017 publicámos uma proposta que as integravam nos quatro Momentos do Jogo. Não por mero gosto pessoal, mas por coerência com determinada linha de pensamento. Um livre ofensivo, por exemplo, pode ser marcado rapidamente ainda em Transição Ofensiva quando o adversário ainda não recuperou a sua Organização Defensiva possibilitando a equipa que dele beneficia, contra-atacar. Mas pode também ser executado em Organização Ofensiva, caso a equipa defensora tenha recuperado a sua Organização Defensiva. Aprofundando este caso, o mesmo pode ainda estar enquadrado num sub-momento de Construção caso a situação não permita um último passe ou cruzamento para outro atacante (com interessante potencial de sucesso), num sub-momento de Criação caso exista essa possibilidade, ou de Finalização quando a situação permita o remate à baliza. No entanto, este enquadramento parece não ser justificação suficiente para integrar as situações de bola parada nos quatro Momentos do Jogo. Pode-se argumentar , por exemplo, que um quinto momento também possa ser subdividido dessa forma. Torna a perspectiva mais confusa e complicada (não confundir com complexa), mas pode.

A grande justificação para as situações de bola parada fazerem parte dos quatro Momentos do Jogo está na realidade, essa sim… complexa, do jogo. Ora, se um dos princípios basilares do pensamento complexo passa por uma visão holística do objecto de estudo, e que ao invés, a sua separação em partes fá-lo perder propriedades, então, se as situações de bola parada são na mesma… jogo, separá-las do restante jogo levará a disfunções, desarticulações e potenciais erros por desenquadramento do jogar da equipa nas necessidades reais desses momentos. Maior quantidade de Momentos do Jogo não significa maior qualidade da ideia que dele se tem.

“À medida que você tem o domínio da “totalidade” das coisas, passam todas essas coisas a ser preocupação para si!”

Vítor Frade citado por (Xavier Tamarit, 2013)

Por diversas vezes trouxemos o Princípio da Articulação de Sentido que se manifesta de múltiplas perspectivas no jogo e no seu treino. Neste caso referimo-nos à articulação de sentido entre os diferentes Momentos do Jogo. Hoje é praticamente unânime entre treinadores a fundamental importância da articulação entre os momentos ofensivos e defensivos, ou seja, a importância de se preparar a perda da bola quando se está a atacar e preparar o ganho da mesma enquanto se defende. Então será que as situações de bola parada também não devem contemplar esse provável futuro imediato? Certamente que sim e hoje, praticamente todos os treinadores, têm essa preocupação.

Sendo assim, deverão fazer parte de um dos quatro Momentos do Jogo, porque por exemplo, no caso de perda ou ganho da bola, a equipa tem seguidamente outro momento diferente do jogo para resolver. Desse modo, pode e deve, começar a resolvê-lo durante a bola parada. Por exemplo, através de determinados posicionamentos de alguns jogadores. A visão do quinto momento, é no fundo outra visão segmentada, analítica e artificial do jogo que se distancia da natureza do todo que o mesmo contempla.

“E estes equilíbrios passam por quando nós estamos a atacar num lance de bola parada, deixamos um ou dois jogadores fora da área para tentar criar superioridade numérica em função dos jogadores que estão na frente, isto significa que a equipa quer estar equilibrada, não só dos jogadores que estão dentro mas também nos espaços a preencher, porque nós quando temos a bola e quando vamos marcar um canto, podem acontecer algumas coisas… Pode acontecer golo evidentemente, mas também podemos perder a posse de bola, e nós temos que estar preparados para essa perda da bola. E esses equilíbrios, neste caso no processo ofensivo e no equilíbrio de transição defensiva são fundamentais.”

Carlos Carvalhal citado por (Pedro Bessa, 2009)

O segundo golo da República da Coreia contra Portugal começa precisamente na falta de consciência para esta articulação entre um momento de Organização Ofensiva, especificamente um canto ofensivo, com o momento seguinte de Transição Defensiva. Não temos acesso à Ideia nem ao Plano de Jogo, especialmente às bolas paradas, portanto não podemos nem é nosso objectivo apurar responsabilidades, muito menos individuais. Mas sim reforçar a fundamental importância de uma visão macro e pensamento complexo sobre o jogo, neste caso, quer ao nível da articulação de princípios / comportamentos, mas por outro lado, também ao nível do seu detalhe.

Num momento inicial, havia na nossa opinião, um equilíbrio defensivo razoável para defender uma eventual perda ou segunda bola proveniente do cruzamento. Cancelo mais perto da bola, William ao meio e Dalot mais atrás junto ao grande círculo, podendo-se questionar o seu afastamento dos companheiros por não haver na sua zona nenhum coreano e por assim perder a relação de cobertura aos companheiros mais próximos da bola. E havia ainda Bernardo, do lado contrário também fora da grande-área. Todos para apenas dois coreanos, muito baixos até. Son perto da bola e Hwang Hee-chan, que viria a marcar o golo, perto da marca de grande penalidade. Mas como não nos cansamos de repetir, a quantidade não significa qualidade. Neste situação, qualidade comportamental, mais especificamente, posicional.

Equilíbrio defensivo no canto para Portugal.

O problema é que Cancelo deslocou-se para junto da bola para possibilitar a marcação de um canto curto e os companheiros não ajustaram o seu posicionamento para rectificarem o equilíbrio defensivo e garantirem não só cobertura ofensiva / defensiva à zona da bola, como ocupar o espaço fora da grande área onde uma segunda bola proveniente de uma intercepção dos defensores teria mais probabilidade de surgir dada a orientação corporal dos mesmos na defesa do pontapé de canto. William ter-se deslocado para a zona onde anteriormente se encontrava Cancelo seria a solução mais lógica, com Bernardo a aproximar-se mais do eixo central do campo. Arriscando mais, outra alternativa seria aproximar Dalot, ocupando o espaço deixado livre por Cancelo.

Nenhuma das soluções, ou outra, sucedeu para garantir o equilíbrio defensivo. Surgiu a tal segunda bola naquele espaço e Son teve a possibilidade de receber enquadrado e conduzir o contra-ataque. Ou seja, por erros posicionais, não tivemos comportamentos fundamentais do primeiro sub-momento da transição defensiva, como pressionar imediatamente a bola, garantir contenção ao adversário com bola e cobertura defensiva à eventual contenção.

Depois, e evitando ir ao plano do detalhe, após a Recuperação Defensiva, podemos analisar um terceiro momento da Transição Defensiva. A Defesa do Contra-Ataque adversário. Ainda na Recuperação Defensiva, com Son em condução numa situação de 1×1 contra Dalot, o português, bem, recuou em contenção e temporizou, possibilitando a recuperação defensiva de mais companheiros. E desta forma permitiria também assegurar a cobertura defensiva do seu Guarda-Redes. No geral, neste Sub-Momento, o objectivo passa por conquistar uma relação numérica mais confortável para posteriormente resolver a situação. E tal objectivo foi conseguido. O problema, novamente, é que a quantidade não significa qualidade. E se o entrosamento e as relações comportamentais no campo não estiverem bem claras, mais jogadores em determinada situação, podem mesmo significar menos qualidade dada a relação / interferência que as partes fazem entre si, nesse todo circunstancial. O todo não é sempre mais que a soma das partes. O todo, é sim, diferente da soma das partes.

No Sub-Momento da Defesa do Contra-Ataque, em que os defensores devem travar e obrigar o atacante com bola a uma decisão, gerou-se confusão. Dalot, Palhinha (que podia ter decidido falta táctica antes) e William procuram garantir a contenção e eventual desarme. Tal gerou indefinição entre os três permitindo espaço e consequente, tempo, para Son, no timing certo, realizar o último passe para Hwang, que, perseguido por Bernardo, entretanto se juntou ao contra-ataque garantindo uma solução de ruptura para beneficiar do espaço entre os defensores e o Guarda-Redes português. O qual, perante a condição de Son, a sua linguagem corporal e a eminência de desmarcação de ruptura de Hwang, parece-nos muito distante dos companheiros.

Situação de 2×4+GR bem resolvida pelos coreanos, mas evidentemente mal pelos portugueses. Dada a natureza de oposição / cooperação do jogo será sempre assim em todas as situações? Provavelmente. Porém, sempre em doses diferentes de responsabilidade entre atacantes e defensores, tendo em conta o conhecimento do jogo que detêm e o entrosamento que manifestam.

Em situações similares, aumentar a probabilidade de êxito defensivo seria manter o mesmo jogador em contenção para não permitir o tal espaço e tempo ao atacante com bola. E os restantes defensores que consigam recuperar defensivamente garantirem uma linha de cobertura ao companheiro. Neste caso, com a bola mais próxima do corredor lateral, Palhinha, William e posteriormente Bernardo deviam estar em linha de cobertura por dentro. Caso o adversário com bola se situasse mais perto do eixo central do campo, a linha de cobertura deveria garantir cobertura a ambos os lados do defensor em contenção. Outros comportamentos adicionais a assegurar passariam pela linha de cobertura / última linha travar na linha limite da grande-área com a contenção à sua frente para forçar a decisão do atacante com bola, e não no melhor timing para si. Por outro lado, o Guarda-Redes assegurando uma maior agressividade sobre o espaço à sua frente, garantiria assim uma segunda cobertura defensiva, neste caso à última linha, de forma a antecipar o potencial último passe adversário. E mesmo que não conseguisse a intercepção, reduziria em muito o espaço e tempo de decisão e finalização ao atacante em ruptura. No plano do detalhe poderíamos falar em apoios, distâncias, indicadores de pressão para desarme, etc., mas ficamo-nos pelo plano dos grandes princípios.

Naturalmente, este conhecimento e entrosamento é alcançado mais rapidamente com treino. Treino, que escasseia num contexto de Selecção Nacional. Mas perguntamos, generalizando… mesmo no contexto dos clubes treina-se o suficiente ou sequer se treinam estas situações? No Futsal são comportamentos que se treinam ao detalhe e até à “exaustão”. É factual que nesse jogo são situações que sucedem em muito maior volume do que no Futebol, porém, os resultados são também mais dilatados. É possível que no Futebol, uma equipa seja apenas submetida uma única vez ao Sub-Momento de Defesa do Contra-Ataque ao longo de um jogo inteiro, e sem qualquer previsão da relação numérica aí encontrada. Porém, se a conseguir resolver com sucesso, poderá fazer toda a diferença no resultado final como sucedeu no República da Coreia x Portugal. Uma vez mais… quantidade não significa qualidade.

“Defender com poucos é uma arte, implica treino, coordenação e princípios, mas fundamentalmente todos perceberem o que deve ser feito, de forma a que quem chega mais rápido, seja ou não “defesa”, saiba o que está a fazer e o posicionamento correto a ocupar, consoante a bola, o colega e o adversário!”

(Ricardo Galeiras, 2018)

Criatividade

“(…) ao tentar desmistificar o conceito de criatividade apenas como um malabarismo ou um lance descontextualizado, não se pretendeu desvalorizar tais situações. É notório que a magia do Futebol às vezes encontra-se nessas ocasiões, mas para tal ficar esplêndida, é necessário uma criatividade colectiva, em que todos (jogadores) estejam ligados ao mesmo cerne. Se conseguir-se interligar a criatividade individual com a coletiva e entender a interação entre ambas, certamente conseguirá se entender a complexidade inerente à expressão criatividade.”

(Vítor Frade, 2007), citado por (Casarin, 2011)

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