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O segundo dado estatístico mais relevante do jogo de Futebol
“O privilegiar o jogo apoiado permite à Espanha não ter que andar sistematicamente em transições por perda de bola e quando isso acontece, encontram-se perto, o que lhes permite fazer uma aproximação (pressão) mais rápida.”
(Marisa Gomes, 2010)
Num artigo publicado recentemente, referia-se que jogar bem é bastante mais que “ter momentos de brilhantismo e criatividade”. Segundo o autor “jogar bem tem tudo a ver com a percentagem de acerto das acções que se realizam. Fazer três golos e perder noventa bolas na mesma partida, não é jogar bem”. Não podemos estar mais de acordo.
O pensamento tradicional e a perspectiva do jogo enquanto espectáculo, empurra-nos a todos para as acções que envolvem a bola, nomeadamente para o centro do jogo, e aí, em particular para as acções, que como o autor referiu, “tenham impacto no resultado”, ou então, que promovam para o espectador, a espectacularidade do jogo, o que é sempre relativo. São muitas vezes esquecidas tantas outras acções, dento e fora do centro do jogo, que embora pareçam mais simples, são cruciais para a estabilidade do jogo de uma equipa. Deste modo são desvalorizadas perdas de bola resultantes de más decisões se o jogador em causa entretanto teve um rasgo de habilidade, criatividade ou marcou um golo. Como o autor sublinhou, não que estas acções não sejam importantes no jogo, mas essencialmente porque as perdas de bola também o são e a maioria dos espectadores, muitos jogadores e até treinadores, não compreendem como as mesmas afectam o jogo de uma equipa.
Pensando o jogo de forma complexa, ou seja, procurando as relações entre os seus acontecimentos, constatamos que a acumulação de perdas de bola, pela equipa, ou por um jogador em particular, aumentam o número de momentos de transição, consequentemente, os momentos de desorganização posicional, a necessidade de deslocamentos e de velocidade na reorganização posicional. Consequência de tudo isto, cresce o desgaste, na sua relação físico-emocional, aumenta a dificuldade da decisão e da execução. O jogo torna-se, portanto, mais difícil. Reforçando, perante jogos com estas características, normalmente assiste-se à acumulação de mais perdas de bola nos próprios momentos de transição e a situações de descontrolo emocional que levam os jogadores a comportamentos desviantes em relação ao próprio jogo.
Se, por outro lado, pensarmos na equipa que perde poucas vezes a bola, podemos extrair daí várias consequências no seu jogo. A equipa permanece mais junta, joga em menos espaço, potencialmente desgastar-se-á menos, mantém-se mais junta nos momentos de perda, empurrará o adversário para junto da sua baliza, potencialmente retira confiança ao mesmo e emocionalmente exercerá um papel dominante no jogo. Neste contexto, (Bouças, 2011) defende que “para qualquer equipa que se pretenda dominadora, jogar com os defesas tão próximos da linha do meio campo, é um risco claramente compensatório, se os restantes jogadores se mantiverem concentrados e capazes de impedir que o adversário tenha demasiado tempo para decidir e executar. Jogar tão alto, retira imensa capacidade para poder ser clarividente ao adversário. Ninguém, particularmente quando a qualidade não abunda, arrisca em zonas demasiado recuadas. Não raras vezes, após a perda de bola, se torna a recuperar rapidamente a sua posse, somente porque o adversário se vê obrigado a jogar longo e sem nexo, por forma a não arriscar perdas em zonas tão recuadas do campo. E esta é indubitavelmente a fórmula correcta para subjugar os adversários. Mesmo em dias menos inspirados, estar sempre tão próximo da meta, poderá revelar-se determinante”. Porém, para garantir este cenário, é fundamental não perder a bola até garantir a invasão do meio-campo adversário. E finalmente, o mais importante. A equipa que perde poucas vezes a bola, obviamente terá mais tempo a bola e deste modo estará mais próxima de cumprir o objectivo máximo do jogo e de não sofrer golos.
É certo que existem equipas fortes nos momentos de transição. Porque são constituídas por jogadores com essas características e / ou, porque treinam o seu jogo nesse sentido. Contudo, se as observarmos a longo prazo, percebemos que são potencialmente fortes em jogos em que não são impelidas a ter iniciativa no momento ofensivo, conseguindo, por vezes, desempenhos interessantes em competições de eliminação. Porém em competições de muitas jornadas, onde a regularidade é fundamental e onde por vezes defrontam adversários com mentalidade de jogo similar, apresentam normalmente dificuldades em obter classificações elevadas. Nos momentos de transição ofensiva, uma equipa pode perder poucas vezes a bola? Pode se nesses momentos a situação terminar em golo ou remate falhado para fora do campo e consequentemente trouxer uma situação de bola parada. O que, naturalmente, é extremamente difícil de acontecer. Caso contrário a bola passa para o adversário e a equipa encontra-se dispersa pelo campo, tendo que recuperar o seu posicionamento defensivo no mínimo tempo possível.
É comumente aceite a negatividade da perda de bola, mas paralelamente sentimos que à mesma não é dada a importância que na realidade tem, pela forma como afecta todo o jogo da equipa e a relação com o adversário. É constantemente desvalorizada em favor de outros comportamentos. Sendo a estatística hoje muito debatida, um dado geral, que depois carecerá de um contexto em relação à forma de jogar da equipa e provavelmente à função ou espaço onde se encontra o jogador que perde a bola, sentimos que a perda de bola, poderá talvez ser, a seguir aos golos marcados e sofridos… o dado estatístico mais importante do jogo.
“Temporizar é muito importante. Para mim é fundamental. Decidir bem. Posso dar um exemplo: muitas vezes nós falamos no designado “contra-ataque”, para mim, para transitar bem para o ataque e rápido, é preciso fazê-lo com boas decisões, porque na maior parte das vezes, o transitar rápido com perda de bola no primeiro ou no segundo passe, tem a consequência de apanhar a equipa a abrir para atacar, e levarmos com golo logo a seguir”.
(Vítor Pereira, 2014)
“Sempre que joga, tem estado em alto nível.(…) Ficará muito tempo. Enquanto aqui estiver, ele não sai. Ficará comigo. (…) Os bons jogadores adaptam-se em qualquer lado e muito rapidamente. Ele tem golo e assistência. E não perde a bola, o que é muito importante para mim.”
(Guardiola, 2017 & 2018) sobre Bernardo Silva