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A natureza do jogo: o caos a desordem e incerteza III

“Para o detalhe não existe equação.”
(Vítor Frade, 2013)

A natureza do jogo: o caos a desordem e incerteza II

“(…) se o comportamento fosse determinado previamente a nível cognitivo, a adaptabilidade ao contexto seria impossível, uma vez que o contexto está em constante mudança.”
(Araújo, 2003), citado por (Campos, 2008)

A natureza do jogo: o caos a desordem e incerteza

“É do inesperado
é do espanto
no jogo quando jogado
que levados somos p’ro encanto.”

(Frade, 2014)

 

A “carne toda no assador”

A frase do genial Quinito, recentemente também usada por Carlos Carvalhal na Premier League, tornou-se uma das marcas do Futebol Português. Apesar de no sentido lato percebermos o seu contexto, se pensarmos na interpretação e conhecimento do jogo de cada um, no sentido restrito a mesma pode conhecer diferentes expressões. Muito provavelmente, a que mais se generalizou, foi a substituição, de jogadores de outras funções por “avançados”. Outra ideia, directamente associada a esta, é a mudança, na forma de jogar da equipa, de um jogo paciente, criterioso e curto, para um mais vertical, aleatório e directo. Sublinhamos a palavra aleatório, uma vez que um jogo mais vertical e directo, quando treinado, quando crença, e em determinados cenários, também pode ser bem sucedido. A questão aqui residirá… que ideias poderão ter maior probabilidade de sucesso perante o jogo que o futebol é, consequência daquilo que o ser humano também é, nomeadamente em “sociedade”.

Apesar de não encontrarmos notícias sobre razões, que não táctico-estratégicas, para a substituição de Emil Forsberg por Martin Olsson na selecção Sueca no jogo dos quartos de final do Campeonato do Mundo contra a Inglaterra, não conhecendo com exactidão o contexto e não possuindo a real justificação para a substituição, correremos sempre o risco, de errarmos logo à partida na interpretação da decisão. No entanto, para nós o interessante não é a análise desta decisão concreta, mas o que ela pode significar numa perspectiva mais ampla. Precisamente, essa ideia que se generalizou no jogo, que perante um resultado adverso e dificuldades nos sub-momentos ofensivos de Construção e Criação, trocar o tal critério, paciência e criatividade, por aleatoriedade, inquietação, pressa e um jogo desprovido de imaginação, seria a eterna principal solução nesse cenário. Mas mais do que aquilo que a substituição em causa significava, mais importante no fundo foi a forma como influenciou o jogar da Suécia, que defrontava um adversário que manifestava conforto na sua última linha durante o momento defensivo, quer pelo número de jogadores que na situação colocava, como pela significativa qualidade dos seus comportamentos.

Todas as acções ofensivas de Emil Forsberg no Suécia x Inglaterra do Campeonato do Mundo de 2018.

Todas as acções ofensivas de Martin Olsson no Suécia x Inglaterra do Campeonato do Mundo de 2018.

O número de perdas de bola de Olsson foi muito superior ao de Forsberg, ainda por cima tendo em conta que o último esteve mais tempo em jogo e envolvido em bastantes mais acções com bola. Mas se este pode não ser um dado relevante ao nível individual, uma vez que se torna fundamental compreender o contexto de cada acção e as suas relações com os companheiros e adversários nesses momentos. Um problema tradicional das análises quantitativas. Porém, a quantidade de perdas tem, habitualmente, reflexos mentais e fisiológicos negativos… no todo, que é o desempenho – a qualidade do jogo da equipa e consequentemente do jogador. Aqui nem se trata do bater de asas da borboleta, mas de acontecimentos mais significativos que perturbam os momentos seguintes do jogar da equipa.

Transportar a equipa para um maior caos… será eficaz e a resposta na maioria das situações? No fundo estaremos a trocar a racionalidade pela emocionalidade… a zona de conforto, o trabalho e o entrosamento… por potencial desconforto, improvisação e desorganização.

Porém… “a carne toda no assador”, à imagem da nossa perspectiva do conceito intensidade, pode não passar por fazer mais, de forma mais agressiva, mais directa, se isso significar… fazer pior tendo em conta o jogar da equipa. Deste modo, no contexto de uma cultura que privilegie o critério, “a carne toda no assador” poderá significar, por exemplo, garantir maior velocidade à circulação de bola, maior número de jogadores no interior do bloco adversário, combinações a menos toques e consequentemente mais rápidas, mais soluções de ruptura, decisões de último passe de maior risco de perda da bola e decisões de finalização em condições mais difíceis, excluindo destas as que se incluem nas más decisões. Do ponto de vista individual, poderá não significar a troca de um jogador de uma função por outro de outra, mas sim a aposta em jogadores de maior criatividade, de cariz mais desequilibrador, mas que em contrapartida também fazem crescer o risco de maior acumulação de perdas de bola. Foi, por exemplo, o caso da entrada de Ricardo Quaresma no jogo Portugal x Uruguai.

Se perguntássemos a Quinito o sentido que dava à sua expressão… Quinito o homem que se tivesse dinheiro comprava Pedro Barbosa para o ver a jogar no seu quintal e que se declarava “um amante da arte, da magia e beleza estética”, apostamos que responderia… “é colocar lá dentro os mais talentosos, ofensivos e criativos”.

“É de estética vazia

e o Futebol assim jaz…

Jogo directo nada cria

correm, correm, mas nenhum sabe o que faz.”

(Frade, 2014)

Tudo tem um fim… ou um novo princípio. Rui Faria enquanto sistema complexo.

“«Muito obrigado por me teres dado este contrato, muito obrigado por me teres trazido para Barcelona, muito obrigado por teres mudado a minha vida». O meu trabalho e a minha dedicação são a minha forma de gratidão. Eu nunca senti, em nenhum momento, que lhes devia alguma coisa. Quando decidi ser treinador principal e vir embora, nunca pensei que estava a ser incorrecto. Não lhes devo nada, paguei-lhes tudo, e por isso senti-me sempre livre para decidir. Se sentisse que não tinham pernas para andar sem mim, se calhar hipotecava um ano ou dois da minha independência. Era capaz de o fazer. Mas eles não precisavam de mim para nada. Tanto um como outro disseram: «Tu estás preparado».”

(José Mourinho, 2003) a propósito do seu percurso como treinador assistente de Bobby Robson e Van Gaal no Barcelona

Tornou-se uma curiosidade na equipa técnica liderada por José Mourinho. Iria Rui Faria acompanhar Mourinho até ao fim? Em vários momentos afirmou a sua felicidade e satisfação na função de treinador assistente e consequentemente a indisponibilidade em abandonar a equipa técnica e iniciar um percurso como treinador principal. Pouco crível para muitos, mas legítimo. Neste contexto, em 2012, (Miguel P., 2012) questionava se “Rui Faria não pode simplesmente… gostar de ser treinador adjunto? Há algum mal nisso? Nem toda gente que “vai para treinador”, quer ser treinador principal. Se ele se revê na metodologia de treino e na liderança do Mourinho, se sente que é útil, se o próprio Mourinho faz questão de dizer várias vezes que o Rui Faria é fundamental. Ele pode muito bem querer continuar com as funções que tem”. Durante muito tempo partilhámos esta opinião e que as pessoas, independentemente do contexto, perante a felicidade, procurarão eternizá-la.

Porém, à luz do pensamento complexo, a autora (Ana K R, 2009), sustenta que “há a convivência da ordem, desordem e organização, sem uma anular a existência da outra”. Rui Faria conviveu e foi feliz com essa “ordem” resultante do trabalho e convivência na equipa técnica de José Mourinho. Porém, como ser complexo que é, mesmo vivenciando uma sensação de equilíbrio, a sua natureza solicita-lhe um novo estímulo, neste caso, um novo desafio. É no fundo, o que exactamente se passa no processo de treino e a sua interacção com os jogadores. Portanto, e reforçado a ideia pela teoria do caos, o ser humano nunca está verdadeiramente em equilíbrio. Pequenas perturbações estão sempre a afectá-lo e podem mudar por completo o estado geral do sistema, podendo levá-lo ao desequilíbrio ou à sua necessidade. Ilya Prigogine, citado por (Esteves, 2010), refere que os sistemas complexos não podem evoluir (gerar novos padrões) em estados de equilíbrio ou próximos do equilíbrio”. Por isso, para (Manuel Sérgio, 2012), “o ser humano é imprevisível, é por isso que ele é complexo, o que significa ser complexo? No fundo é porque dentro dele também há ordem e desordem, também há certeza e incerteza, é por isso que ele é complexo”. Rui Faria, estará portanto, à procura de um nível superior de complexidade, ou na perspectiva do treino, de adaptação.

“Se o sistema permanecer em equilíbrio, ele morrerá. O “longe do equilíbrio” ilustra como sistemas que são forçados a explorar seu espaço de possibilidades vão criar diferentes estruturas e novos padrões de relacionamento.”

(Nicolis e Prigogine, 1989)

“17 anos… Leiria, Porto, Londres, Milão, Londres de novo e Manchester. Treinar, viajar, viajar, estudar, rir e também algumas lágrimas de alegria. 17 anos e agora a criança já é um homem. O estudante inteligente é um especialista de futebol, pronto para uma carreira bem sucedida enquanto treinador. (…) Vou sentir a falta do meu amigo e essa é a parte mais difícil para mim, mas a sua felicidade é mais importante e, claro, respeito a sua decisão, especialmente porque sei que vamos estar sempre juntos. Sê feliz, irmão.”

(José Mourinho, 2018) sobre Rui Faria