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O segundo dado estatístico mais relevante do jogo de Futebol II

Num artigo recente defendemos a extrema importância da decisão, em particular, do critério nas acções com bola na qualidade de jogo colectiva e individual. A sua perda é para nós um momento de extrema sensibilidade no jogo, por conseguinte, a acumulação das mesmas deteora o jogo de uma equipa. Desta forma, do ponto de vista estatístico, a perda de bola é para nós um dado de grande importância. Dado esse, que naturalmente, carecerá depois de maior profundidade na sua análise.

Em entrevista recente o jogador português Stephen Eustáquio vai ao encontro desta ideia:

“Enquanto jogador não me preocupo em fazer uma finta ou um grande golo. Quero sobretudo, que todas as acções que eu tenha sejam bem sucedidas. Em 80 acções tenho que ter mais de 75 bem sucedidas. Porque se em 80 ações, 20 forem erradas e fizer um grande golo, não considero que tenha feito um bom jogo. É um pouco assim como penso.

Passei pelas quatro divisões em Portugal e sempre tive de me adaptar. A única forma de nos adaptarmos e ganharmos a confiança dos nossos companheiros de equipa é jogar simples e termos ações bem sucedidas. Em 90 minutos posso não fazer uma grande jogada, pelo menos aos olhos de um espectador comum, mas as estatísticas vão indicar que as minhas acções foram bem sucedidas. O não errar é o que me dá mais orgulho.”

(Stephen Eustáquio, 2018)

Quantas vezes, nos jogos de Futebol na “rua”, no momento da escolha das equipas, eram preteridos aqueles que, apesar da reconhecida “grande qualidade técnica e habilidade com bola”, fartavam-se de perder a bola porque as suas decisões invariavelmente passavam pelo individualismo e a procura da notoriedade? A “rua” e a auto-descoberta que promovia, eram meios fundamentais não só para aprender a jogar… em equipa, mas igualmente, para lá do futebol, para viver em… “equipa”.

“A vida é um desporto de equipa.”

Jorge Valdano citado por (Urbea, et al., 2012)

A “posse de bola” e os números

O autor desta opinião, e o seu nível de conhecimento, não são importantes para o caso. O conteúdo, como milhões de outros, também poderia não ser. Torna-se relevante, para nós, porque é um género de opinião que tende a generalizar-se, consoante… os resultados. Agora, no passado e com certeza, no futuro.

Se o que influencia este género de opinião são preferências por uma “estética” de jogo diferente, a crença em ideias menos pacientes e mais directas no momento ofensivo, ou até a hostilização das equipas que se tornam dominadoras no jogo e a consequente menor imprevisibilidade e emocionalidade que isso traz ao espectador, não podemos saber. O que sabemos é que defendê-la com premissas, para nós, tão irrelevantes como as apresentadas, são autênticos atestados de ignorância… no mínimo… táctica. É também por isto que é extremamente difícil construir uma equipa que assente a sua qualidade de jogo, não na posse bola… mas na qualidade da sua posse de bola. Pegando no exemplo do Barcelona de Guardiola, a autora (Gomes, 2012) sustenta que a sua qualidade na posse “só é possível quando realmente se gosta muito da bola e faz com que o valor da bola seja superior à precipitação do adepto, à pressa do adversário e à ânsia em fazer a bola andar pelos espaços em disputas”.

Estamos perante mais um bom exemplo, no qual, os números e a estatística na análise do jogo, continuam, como tantas outras áreas, impregnadas pelo pensamento mecânico e analítico. Impregnada, e não completamente irrelevante, porque a estatística, aliada ao conhecimento do jogo, nomeadamente na identificação de regularidades comportamentais, pode ter um papel útil ao treinador, ajudando-o no construção do jogo que idealiza para a equipa. Por exemplo, num artigo anterior, defendemos que a perda de bola será um dado estatístico no jogo, muito interessante.

Não é difícil entender que uma média elevada de posse de bola não é sinal de controlo do jogo, portanto, de qualidade de jogo. O controlo do jogo pode ser obtido de diferentes formas, em função de diferentes ideias, crenças e consequentemente, formas de jogar. Recordamos as equipas italianas, na década de 90, que naquele momento da evolução do jogo, o controlavam os jogos de forma exímia pela sua Organização Defensiva e Transição Ofensiva, e emocionalmente sentiam-se extremamente confortáveis nessas ideias. Portanto, claramente abdicando de possuírem a bola na maior parte do tempo de jogo. Porém, hoje, ter qualidade no momento ofensivo, tornou-se impreterível. Assim, possuir a bola, mas fora do bloco adversário, portanto, estar a maior parte do tempo na Fase I do momento ofensivo, chegando poucas vezes à Fase II e praticamente nunca à Fase III com certeza que não ameaçará o adversário, aumentando-lhe o conforto e a confiança. Uma excepção, poderá ser fazê-lo, perante uma equipa que, precisamente e, devemos dizer, perigosamente, as suas ideias passam apenas pelo momento ofensivo do jogo e assim se desorganiza quando não a tem. No resto dos casos, ter mais posse de bola não significa, por si só, ser-se melhor no jogo. É um dos passos nesse propósito, o segundo é saber… o que fazer com ela. Johan Cruyff, citado por (Amieiro, 2009), explica que “ter a bola não significa tê-la e pronto. Há que saber o que fazer com ela. Quando eu digo que enquanto nós temos a bola o adversário não a tem e, portanto, não pode marcar, o que quero dizer é que nós mandamos e temos a iniciativa do jogo. E como tenho a bola, eles têm que a tentar roubar e, com isso, consigo criar espaço”. Também para o treinador português (Luís Castro, 2017), “a posse de bola não é um objectivo, é uma consequência… do meu jogo”.

Portanto, circular a bola pela primeira linha, mesmo que já no meio-campo adversário, sem ideias, mobilidade, mudanças de velocidade, agressividade e criatividade, é totalmente diferente do que tê-la, com essas qualidades todas, e conseguir ainda penetrar diversas vezes no interior do bloco adversário e / ou ameaçando também, com critério e regularidade, a sua profundidade. Este segundo cenário, consequentemente, levará a equipa a poder criar situações de finalização, não permitindo que a equipa adversária esteja tranquila, confiante, portanto, emocionalmente estável no jogo.

Todavia, num segundo pensamento sobre os dados apresentados, seria para nós muito mais interessante perceber quem é que treinava, num dos maiores clubes desse país, os jogadores mais influentes no jogo da Espanha, campeã do mundo em 2010, e da Alemanha, campeã do mundo em 2014. E perceber, depois disso, o declínio do seu jogo. Por outro lado, podemos também tentar compreender a forma como Pep Guardiola está a influenciar a cultura inglesa. Depois, se pensarmos ainda no papel decisivo que o trabalho de José Mourinho no F. C. do Porto teve, na qualidade de jogo e no rendimento da selecção Portuguesa no Europeu de 2004, e noutros exemplos similares, também podemos questionar que margem de intervenção e que papel terá um seleccionador / treinador nacional.

“Por muito que nos vendam estatísticas que queiram quantificar performances individuais, o jogo, o bom jogo, está completamente longe de poder ser interpretado ou quantificado por números que queiram trazer avaliações qualitativas. Porque não se pode quantificar a qualidade do que mais importa! As decisões!”

Pedro Bouças, 2017

“Odeio o “tiki-taka”. A posse de bola é apenas um método para organizar a equipa e desmontar o adversário…”

Pep Guardiola, 2014

“De Guardiola
p’ro Barcelona e selecção espanhola
do Bayern à selecção d’Alemanha,
e Guardiola sempre ganha
continuando a revolucionar,
o jogar…
Quem gosta de jogar à bola
Quem gosta de ir ver jogar,
Só pode reconhecer em Guardiola
O melhor p’ra tudo isto melhorar.”
(Frade, 2014)

O segundo dado estatístico mais relevante do jogo de Futebol

“O privilegiar o jogo apoiado permite à Espanha não ter que andar sistematicamente em transições por perda de bola e quando isso acontece, encontram-se perto, o que lhes permite fazer uma aproximação (pressão) mais rápida.”

(Marisa Gomes, 2010)

Num artigo publicado recentemente, referia-se que jogar bem é bastante mais que “ter momentos de brilhantismo e criatividade”. Segundo o autor “jogar bem tem tudo a ver com a percentagem de acerto das acções que se realizam. Fazer três golos e perder noventa bolas na mesma partida, não é jogar bem”. Não podemos estar mais de acordo.

O pensamento tradicional e a perspectiva do jogo enquanto espectáculo, empurra-nos a todos para as acções que envolvem a bola, nomeadamente para o centro do jogo, e aí, em particular para as acções, que como o autor referiu, “tenham impacto no resultado”, ou então, que promovam para o espectador, a espectacularidade do jogo, o que é sempre relativo. São muitas vezes esquecidas tantas outras acções, dento e fora do centro do jogo, que embora pareçam mais simples, são cruciais para a estabilidade do jogo de uma equipa. Deste modo são desvalorizadas perdas de bola resultantes de más decisões se o jogador em causa entretanto teve um rasgo de habilidade, criatividade ou marcou um golo. Como o autor sublinhou, não que estas acções não sejam importantes no jogo, mas essencialmente porque as perdas de bola também o são e a maioria dos espectadores, muitos jogadores e até treinadores, não compreendem como as mesmas afectam o jogo de uma equipa.

Pensando o jogo de forma complexa, ou seja, procurando as relações entre os seus acontecimentos, constatamos que a acumulação de perdas de bola, pela equipa, ou por um jogador em particular, aumentam o número de momentos de transição, consequentemente, os momentos de desorganização posicional, a necessidade de deslocamentos e de velocidade na reorganização posicional. Consequência de tudo isto, cresce o desgaste, na sua relação físico-emocional, aumenta a dificuldade da decisão e da execução. O jogo torna-se, portanto, mais difícil. Reforçando, perante jogos com estas características, normalmente assiste-se à acumulação de mais perdas de bola nos próprios momentos de transição e a situações de descontrolo emocional que levam os jogadores a comportamentos desviantes em relação ao próprio jogo.

Se, por outro lado, pensarmos na equipa que perde poucas vezes a bola, podemos extrair daí várias consequências no seu jogo. A equipa permanece mais junta, joga em menos espaço, potencialmente desgastar-se-á menos, mantém-se mais junta nos momentos de perda, empurrará o adversário para junto da sua baliza, potencialmente retira confiança ao mesmo e emocionalmente exercerá um papel dominante no jogo. Neste contexto, (Bouças, 2011) defende que “para qualquer equipa que se pretenda dominadora, jogar com os defesas tão próximos da linha do meio campo, é um risco claramente compensatório, se os restantes jogadores se mantiverem concentrados e capazes de impedir que o adversário tenha demasiado tempo para decidir e executar. Jogar tão alto, retira imensa capacidade para poder ser clarividente ao adversário. Ninguém, particularmente quando a qualidade não abunda, arrisca em zonas demasiado recuadas. Não raras vezes, após a perda de bola, se torna a recuperar rapidamente a sua posse, somente porque o adversário se vê obrigado a jogar longo e sem nexo, por forma a não arriscar perdas em zonas tão recuadas do campo. E esta é indubitavelmente a fórmula correcta para subjugar os adversários. Mesmo em dias menos inspirados, estar sempre tão próximo da meta, poderá revelar-se determinante”. Porém, para garantir este cenário, é fundamental não perder a bola até garantir a invasão do meio-campo adversário. E finalmente, o mais importante. A equipa que perde poucas vezes a bola, obviamente terá mais tempo a bola e deste modo estará mais próxima de cumprir o objectivo máximo do jogo e de não sofrer golos.

É certo que existem equipas fortes nos momentos de transição. Porque são constituídas por jogadores com essas características e / ou, porque treinam o seu jogo nesse sentido. Contudo, se as observarmos a longo prazo, percebemos que são potencialmente fortes em jogos em que não são impelidas a ter iniciativa no momento ofensivo, conseguindo, por vezes, desempenhos interessantes em competições de eliminação. Porém em competições de muitas jornadas, onde a regularidade é fundamental e onde por vezes defrontam adversários com mentalidade de jogo similar, apresentam normalmente dificuldades em obter classificações elevadas. Nos momentos de transição ofensiva, uma equipa pode perder poucas vezes a bola? Pode se nesses momentos a situação terminar em golo ou remate falhado para fora do campo e consequentemente trouxer uma situação de bola parada. O que, naturalmente, é extremamente difícil de acontecer. Caso contrário a bola passa para o adversário e a equipa encontra-se dispersa pelo campo, tendo que recuperar o seu posicionamento defensivo no mínimo tempo possível.

É comumente aceite a negatividade da perda de bola, mas paralelamente sentimos que à mesma não é dada a importância que na realidade tem, pela forma como afecta todo o jogo da equipa e a relação com o adversário. É constantemente desvalorizada em favor de outros comportamentos. Sendo a estatística hoje muito debatida, um dado geral, que depois carecerá de um contexto em relação à forma de jogar da equipa e provavelmente à função ou espaço onde se encontra o jogador que perde a bola, sentimos que a perda de bola, poderá talvez ser, a seguir aos golos marcados e sofridos… o dado estatístico mais importante do jogo.

“Temporizar é muito importante. Para mim é fundamental. Decidir bem. Posso dar um exemplo: muitas vezes nós falamos no designado “contra-ataque”, para mim, para transitar bem para o ataque e rápido, é preciso fazê-lo com boas decisões, porque na maior parte das vezes, o transitar rápido com perda de bola no primeiro ou no segundo passe, tem a consequência de apanhar a equipa a abrir para atacar, e levarmos com golo logo a seguir”.

(Vítor Pereira, 2014)

“Sempre que joga, tem estado em alto nível.(…) Ficará muito tempo. Enquanto aqui estiver, ele não sai. Ficará comigo. (…) Os bons jogadores adaptam-se em qualquer lado e muito rapidamente. Ele tem golo e assistência. E não perde a bola, o que é muito importante para mim.”

(Guardiola, 2017 & 2018) sobre Bernardo Silva