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O “ginásio” ou a execução?

 

O tema desta breve reflexão não é o “trabalho no ginásio”, autónomo, seus eventuais benefícios e / ou malefícios. Esse será certamente um tema a ser abordado no futuro com outra profundidade. Até porque, mesmo aí, existem ínfimas possibilidades do que se pode aí fazer. Começamos por aí, porque para ser trabalho, seja ele aquisitivo, seja de consolidação, precisará de tempo, investimento e de um “volume” de desgaste por parte do jogador. Dessa forma, realizá-lo, fazer outra coisa em alternativa, ou não fazer nada, torna-se uma inevitável decisão.

Se neste momento estamos definitivamente convencidos que a especificidade em volume torna-se decisiva para o sucesso, então não deverá ser esta a prioridade da decisão anterior? Não é esta uma das razões do emergência do talento? Tal como, por exemplo, sucedeu num grande tenista ou pianista? 

Deste modo, será uma razoável decisão de cada jogador, perante um limitado trabalho extra que poderá realizar, investi-lo fora do âmbito do jogo? É claro que a cultura do “físico” não passa só pelo paradigma que se instalou sobre determinada visão do rendimento no Futebol, ele também surge pela imagem que o corpo tem ao nível social e todo o marketing que gravita nessa esfera.

Quando sozinhas, as crianças em casa ou na rua, se é o Futebol que as atrai e que desejam verdadeiramente, dedicam-se à sua relação com a bola e às acções individuais ofensivas. No fundo, aprofundam a sua qualidade na execução com bola. Tal como os miúdos, Bruno Fernandes mostra-nos o mesmo caminho e as razões pelas quais, para uns, se tornou um “predestinado”, “dotado” ou “tocado pela divindade”. Mas no fundo, uma enorme paixão pelo jogo, ambição, motivação em se superar, métodos e feedback de qualidade e muitas horas de prática deliberada.

“Se conversares com estas pessoas extraordinárias, perceberás que todas elas entendem isto a um nível ou outro. Podem não estar familiarizadas com o conceito de adaptabilidade cognitiva, mas raramente aceitam a ideia de que atingiram o pico nos seus campos por serem os sortudos vencedores de alguma lotaria genética. Elas sabem o que é necessário para desenvolver as habilidades extraordinárias que possuem porque experienciaram isso em primeira mão.”

(Anders Ericsson & Robert Pool, 2016)

Acções Elementares [Subscrição Anual]

Publicamos o primeiro sub-tema de Ideia de Jogo. Ideia de Jogo, irá organizar-se pelos quatro momentos do jogo e pelas Acções Elementares, que por sua vez irão subdividir-se em Acções Elementares Ofensivas e Acções Elementares Defensivas. Justificamos a escolha de Elementares ao invés de Individuais no excerto que publicamos aqui. Mas resumindo, não conseguimos ver acções individuais num jogo que é… colectivo. Conseguimos, sim, ver acções mais ou menos complexas. E mesmo aí, como também justificamos, não é uma fácil e dependerá sempre do contexto.

Nesta organização teórica, as Acções Elementares encontram-se, separadas dos momentos do jogo por representarem acções, em geral de menor complexidade, que darão suporte a outras acções ou comportamentos mais complexos da equipa nesses momentos. Assim, as mesmas poderão ser identificadas como recursos que poderão / deverão ser utilizados quer em comportamentos de transição ou de organização.

Sistematização do jogo de Futebol.

O tema Acções Elementares encontra-se enquadrado em:

Por outro lado este tema será constituído pelos seguintes capítulos:

  1. Acções Individuais, Acções Elementares e a Técnica
  2. Um contexto micro sempre subordinado ao macro
  3. Um sistema… noutro sistema
  4. A operacionalização do individual
  5. Tendências futuras

Como excerto, deixamos o primeiro capítulo de “Acções Elementares“, com o título de Acções Individuais, Acções Elementares e a Técnica.

“São a escolha e execução (…), por parte dos jogadores, tanto no ataque como na defesa, do complexo de procedimentos técnico-tácticos com o objectivo de resolução das situações parciais do jogo.”

(Teodorescu, 1984)

 

Acções Individuais, Acções Elementares e a Técnica

“A acção (comportamento, procedimento) técnica individual, não é um objectivo em si, mas um meio para atingir uma capacidade, que deve ser dimensionada e equacionada com a constante mutação das situações (movimentações dos companheiros e adversários) de jogo e intenção táctica. Por outras palavras, a intenção táctica é o fim, enquanto que a técnica é um meio, não se podendo conceber um meio independentemente do fim a que se destina.”

(Castelo, 1996)

Numa fase inicial do projecto, considerávamos as acções menos complexas do ponto de vista do critério táctico Número, como Acções Individuais, que depois se subdividiam em Ofensivas e Defensivas. Porém, desde logo, identificá-las como simples, mesmo que apenas da perspectiva numérica, sentimos ser logo um erro de partida. Isto porque em tudo está presente a interacção, e sendo assim, uma acção pode ser simples na perspectiva numérica, mas depois, outros critérios, como o Espaço, Tempo e Qualidade tornam-na complexa. E em muitos casos, para além de complexa, a interacção entres estas dimensões da acção táctica, tornam a acção, inclusivamente difícil, para quem a realiza. Dando um exemplo, é comum dizer-se que uma situação de 1×1 é mais simples que uma de 2×2. Seja na perspectiva de quem ataca ou de quem defende, o 1×1 pode ser mais difícil que o 2×2, porque a qualidade do adversário é superior e porque a presença de um companheiro, potencialmente, faz aumentar o número de soluções tácticas, e desta forma o jogador pode não estar restringido a acções em que poderá não ser melhor que o adversário. Deste modo, a situação torna-se mais complexa, mas simultaneamente pode tornar-se mais fácil para determinado jogador.

Por outro lado, sentimos também não ser totalmente correcto identificar estas acções como individuais. É certo que, por exemplo o Drible, a Condução, a Protecção de Bola, a Intercepção, o Desarme a Carga, numa perspectiva de avaliação da qualidade da acção, estarão muito mais dependentes do jogador, e portanto, do individual, do que da sua relação com outro companheiro ou com a equipa. Mas mesmo nestes casos, tal não é completamente preciso. Por exemplo, a intercepção de um passe, pode ter sido realizada com sucesso, porque a pressão de um companheiro sobre o adversário com bola, levou-o a menos tempo e espaço para realizar o passe, o que fez com que essa intercepção fosse alcançada com mais sucesso. O autor (Sá, 2001) confirma esta ideia referindo no seu estudo sobre os exercícios de treino que “quanto menor for o espaço menor será o tempo para os jogadores percepcionarem, decidirem e executarem as acções individuais e colectivas que a situação exige (Queirós, 1986, p.54; Mombaerts, 1996:62)”. Uma vez mais… nada é linear no Futebol… tudo é complexo, mesmo ao nível das acções mais… elementares. Mas um dos melhores exemplos é mesmo, na perspectiva ofensiva, o Passe. Constantemente considerado como uma acção Individual, ele pode ser considerado, ao invés, a acção “colectiva” mais básica do jogo. No fundo a forma mais específica de comunicação no jogo e como tal, exigirá sempre, pelo menos, dois jogadores. O que o realiza, e o que o recebe. E da qualidade das acções dos dois, resultará o seu sucesso. Naturalmente podemos e vamos identificar a Recepção como outra acção elementar. No entanto, o que queremos explicar, é que para a eficiência e eficácia… de cada uma delas, cada uma das acções estará sempre dependente da outra, assim, de outro jogador. Ou seja, a avaliação da qualidade de um passe, estará sempre dependente da forma como um segundo jogador se disponibiliza para receber a bola e depois, pela forma como a executa.

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/857444197943438/

Assim, sentimos ser mais adequado designar estas acções, que sucedem a um nível mais micro do jogo, como Elementares. Mas temos que ser claros. Elementares, não do ponto de vista da sua complexidade, dado esta ser sempre relativa a diversos critérios, mas do ponto de vista da estrutura do jogo. Acções elementares porque envolvem um número mínimo de jogadores para a sua realização. Um, ou no máximo, dois jogadores.

Por outro lado, existem ainda fronteiras muito ténues, entre o conceito de acções individual ou elementar, e o conceito de técnica. Partindo da perspectiva de Teodoresco, desenvolvida por (Silveira Ramos, 2003), “o Futebol pode ser decomposto nas suas partes constituintes – técnica, táctica, física, psíquica, social, das leis de jogo, etc.; ou então pode ser decomposto em – acções individuais e colectivas – considerando que cada uma delas é constituída em termos técnicos, tácticos, físicos, psíquicos, sociais, etc.”Porém o autor português defende que o futebol é um todo indivisível que, por razões metodológicas, pode ser considerado pelas partes que o constituem – os factores – ou pelas acções individuais e colectivas, desenvolvidas no decurso dos processos ofensivo e defensivo. O que se pretende é conciliar estas duas posições diferentes, num caminho integrador que, partindo das referidas acções, as relacione com os factores que lhes dão expressão”. No mesmo sentido posiciona-se (Pacheco, 2002), defendendo que independentemente de qualquer uma das técnicas que se pretenda utilizar, estas são fortemente determinadas do ponto de vista estratégico-táctico (Castelo, 1994; Garganta, 1997a) o que se fica a dever ao sistema de referências utilizado, que apresenta várias componentes: companheiros, adversários, bola, objectivos (baliza) e terreno de jogo, onde todos os jogadores têm de se integrar, e com as quais se devem confrontar activa e constantemente (Konzag, 1991). Também Araújo (1992) sustenta que a acção de jogo está muito para além dos processos motores contidos na dimensão gestual da técnica, já que um jogador que recorre a uma dada técnica, no decurso de um jogo, fá-lo sempre em função de um contexto (Moreno, 1989). Neste sentido, as acções técnicas estão estreitamente associadas à componente táctica, condicionando-se e influenciando-se reciprocamente (Castelo, 1994 e Teodorescu,1984) pelo que qualquer elemento técnico só adquire sentido se for qualificado e avaliado em função da natureza específica do confronto desportivo (Garganta, 1997a). A dominante técnica está de tal modo associada dominante estratégico-táctica que, no entender de Teodorescu (1984), a técnica deve ser perspectivada como parte integrante da táctica individual, entendida como o conjunto de acções individuais utilizadas conscientemente por um jogador nas suas interacções com os seus colegas e adversários.”

” (…) a acção de jogo está muito para além dos processos motores contidos na dimensão gestual da técnica, já que um jogador que recorre a uma dada técnica, no decurso de um jogo, fá-lo sempre em função de um contexto.”

(Moreno, 1989) citado por (Pacheco, 2002)

Deste modo, e concordando com esta ideia, a Acção de Jogo, é algo que inclui Técnica, mas é muito mais do que isso. O autor (Garganta, 1997), refere que “na tentativa de ultrapassar alguns equívocos, Teodorescu (1975) preconiza que a técnica nos jogos desportivos deve ser perspectivada como parte integrante da táctica individual, entendida como o conjunto de acções individuais utilizadas conscientemente por um jogador nas suas interacções com os seus colegas e adversários. Na medida em que o jogador não executa isoladamente os procedimentos técnicos, mas acções de ataque e de defesa, as acções técnicas devem integram-se nos saber-fazer tácticos“. Assim, independentemente de elementar, ela, tal como uma fractal que representa o rendimento no jogo, é constituída, numa escala mais micro, por um complexo de qualidades cognitivas, técnicas, físicas, psicológicas, etc.. Portanto, usando a expressão do Professor Vítor Frade no Futebol, reduzir em empobrecer, este pensamento leva-nos ao estudo da acção e não apenas da sua técnica ou da sua execução.

“A sorte está nos detalhes.”

(Jorge Maciel, 2017)

(…)

Dimensão Técnica II

“Quanto melhor for tecnicamente o jogador, melhor compreende tacticamente o jogo.”

(Jorge Jesus, 2013)

Dimensão Técnica

“Os impérios da táctica e da preparação física imposeram-se ao da técnica, mas como disse Picasso e nos demonstraram Maradona e Messi: “Não há génio sem técnica”.

(Valdano, 2013)