Flexibilidade e adaptabilidade do Programa de Treino

“Os exercícios apenas são potencialmente específicos”

Guilherme Oliveira, citado por (Esteves, 2010)

Continuamos a explorar o Programa de Treino que temos vindo a desenvolver, aprofundando a flexibilidade do mesmo.

Sublinhamos que o Programa não é dirigido a nenhuma Ideia de Jogo Específica. Porém, será ele exequível para todas as Ideias? Essa foi uma das nossas preocupações e intenções, mas lançamos um verdadeiro desafio à criatividade. Será possível criar uma Ideia de Jogo que não seja operacionalizável desta forma? Caso afirmativo, por outro lado, será um óptimo tónico à evolução do trabalho realizado.

À imagem de um Microciclo ou Morfociclo padrão, no qual a preocupação seja transmitir uma Ideia de Jogo à equipa, enquadrando uma série pressupostos para que a “óptima” aquisição deva acontecer, por sua vez o Programa enquadra um ciclo mais alargado (quatro semanas), nas quais são abordadas todas as dimensões da Ideia de Jogo da equipa.

Se a Ideia de Jogo (o projecto do treinador) é o ponto de partida e o Modelo de Jogo (o jogar propriamente dito da equipa) o ponto de chegada, o Programa será um dos veículos, através dos quais podemos fazer esse trajecto. Cremos nós, e esse foi o principal objectivo na sua elaboração, com grande eficiência e eficácia.

No passado texto escrevemos o seguinte sobre o tema:

“Também procurámos que o Programa fosse, por um lado, suficientemente fechado para se conseguir um razoável controlo do processo de aquisição e repetição num plano macro, por outro, que também fosse suficientemente aberto para poder ser implementado com diferentes Ideias de Jogo, diferentes níveis competitivos e ainda diferentes escalões etários.”

Para tal, usámos a Sistematização do Jogo que desenvolvemos no passado, para definir diferentes escalas de actuação. Os momentos, os sub-momentos, os princípios, os sub-princípios e as acções individuais.

Relativamente aos momentos, temos uma sessão por semana direccionada para cada um deles. Quanto aos sub-momentos, procurámos dar maior volume aos que surgem mais vezes no jogo. Por exemplo, em relação à Transição Defensiva é facilmente perceptível que as equipas passam mais tempo na Reação à perda e menos na Defesa do contra-ataque, logo, será lógico dar maior propensão a um sub-momento que pode até evitar que a equipa não tenha que defender um contra-ataque adversário.

Em relação aos princípios, tratam-se de ideias comuns a todas as equipas. No mesmo enquadramento, Transição Defensiva, sub-momento de Reação à perda, damos o exemplo da “Pressão imediata na bola”. É algo que todas as equipas procuram. Se é para procurar recuperar imediatamente a bola ou apenas para conter, não permitindo o contra-ataque adversário e procurar garantir a reorganização defensiva da equipa, isso será território específico da Ideia de Jogo de cada treinador. Como exemplo de sub-princípio, “Referências de pressão”, ou seja, em que circunstâncias a equipa passa da contenção à pressão para recuperar a bola, ou se simplesmente não o faz nunca. Importa referir que os sub-princípios são comuns a diferentes princípios. O exemplo que acabámos de dar confere isso, pois “Referências de pressão” estará também presente noutros sub-momentos do jogo, nomeadamente nos de Organização Defensiva.

O mesmo sucede com as Acções Individuais. Neste caso, defensivas, e damos o exemplo da “Posição de base”, através da qual o defensor procura orientar-se, posicionar-se, adoptar determinada postura corporal, etc., para, da forma mais eficiente possível, passar da contenção à eventual pressão com objectivo de recuperar a bola.

Ora bem, nesta lógica, o Programa define o quando (momentos e sub-momentos do jogo) e o quê (princípios, sub-princípios e acções individuais). Contudo, não define o como e porquê, ficando esse domínio contemplado na Ideia de Jogo Específica de cada treinador.

Deste modo, o Programa também se torna ajustável a cada nível de jogo. Se, por exemplo, o nível é o da Etapa de Iniciação do Futebol de Formação, a Ideia (extremamente simples, reduzida, necessariamente aberta e ampla) e a intervenção do treinador deverão ter determinado carácter. O que não implica que não hajam conteúdos programados, tal como sucede nos programas nacionais do ensino básico. De uma forma geral, abordados de forma mais elementar e muitas vezes apenas usando um exercício / jogo simples como estímulo ao conteúdo desejado, e sem grande intervenção do treinador. Noutro exemplo, se o Programa é aplicado no Futebol de Rendimento Profissional, o detalhe, a exigência, o plano estratégico, etc., deverão estar contemplados através da Ideia de Jogo, conteúdos e da actuação do treinador em cada exercício. Mesmo que não haja intervenção do treinador no exercício. Isso deve ser deliberado e fruto de um pensamento estratégico e operativo naquele contexto específico. Não porque o nível de intervenção pressupõe isso.

Haverá sempre uma questão pertinente no nível de Rendimento. Se o Programa engloba quatro semanas, dado que uma não será suficiente para se atingir todas as dimensões do jogo da equipa na propensão desejada, então, atendendo à eventual necessidade de investimento na dimensão estratégica em função do próximo jogo, essa semana do Programa poderá não atingir em volume de forma satisfatória determinado sub-momento do jogo e / ou da forma desejada (espaço do campo onde determinados princípios se desejam trabalhar). Neste caso, a manipulação do exercício, nomeadamente na sua operacionalização, torna-se decisiva.

Não modificando conteúdos, ao longo da semana o treinador vai encontrar momentos e sub-momentos contrários aos objectivos estratégicos que persegue. Nesses momentos, pode usar o contra-exercício, ou seja, os objectivos inversos aos do Programa em determinado exercício para intervir e tornar-se o protagonista maior no foco e, possivelmente feedback, que pretende. Por exemplo, na semana C do Programa, no exercício C-3OO2B:

Os objectivos, sub-momentos da Organização Ofensiva, são a Criação e Finalização, e ainda com ligação à Reacção à perda na Transição Defensiva. O exercício é passado no meio-campo adversário.

Se, em função do próximo adversário, o treinador tem a preocupação de preparar determinado(s) princípio(s) da Organização Defensiva, sub-momento, Impedir a Criação em bloco médio ou baixo, poderá escolher este e eventualmente outro(s) exercício(s) para garantir essa intervenção. Nesta semana do programa, para além deste, surgem mais 5 exercícios em que pode atingir, ou no objectivo principal, ou no contra-exercício, este propósito. Assim, no enquadramento da equipa técnica e definição de tarefas no treino, poderá trocar o seu papel, inicialmente no objectivo principal, com outro treinador responsável pela equipa / grupo de jogadores que se encontram no objectivo inverso. Ou seja, trocar a sua intervenção para a equipa que, com maior propensão no exercício em causa, defende e transita ofensivamente no exercício. Deste modo, o programa não perde os objectivos iniciais e a estimulação sistemática de determinadas ideias. Simultaneamente o treinador encontra o espaço e o momento para dar mais ênfase a determinada preocupação e objectivo estratégico.

Estamos, e não nos cansamos de repetir, perante um processo altamente complexo. O Programa de Treino, torna-se para nós um caminho muito interessante para o treinador ter um satisfatório controlo sobre o jogo da sua equipa. No caso particular do Futebol de Rendimento, controlo sobre a dimensão da sua Ideia de Jogo e também sobre a dimensão estratégica.

“Treinar deve implicar

que a percepção cumpra sua função

não é a de memorizar, mas de percepcionar

a complexidade do jogo na complexificação.

Resultante…

De cada instante

duma e outra equipa na acção.”

(Vítor Frade, 2014)

Uma validação da proposta de análise qualitativa e o todo… sempre diferente da soma das partes. O exemplo do Benfica com Di María, Neres e… Rafa.

“Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todos são parte do continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa ficará diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do género humano. E por isso não pergunte por quem os sinos dobram; eles dobram por vós”.

(John Donne)

No passado mês de Agosto decidimos finalmente publicar uma proposta de análise qualitativa ao jogo de Futebol, que já vínhamos a desenvolver há alguns anos. Como descrito nesse momento, a mesma pode ser efectuada ao todo (equipa) ou a uma das “partes” (jogadores). Sendo qualitativa, também contemplará a relação infra-equipa e a interação com os adversários, e sendo assim, o termo “partes” acaba por se revelar desadequado. Mas não vamos por aí. No entanto, só procurando compreender essas relações e interações conseguiremos nos aproximar de uma ideia mais real de algo tão complexo como o comportamento táctico em jogo. E relembramos… não o táctico como mais um “factor” do jogo. O verdadeiro táctico enquanto supra-dimensão e que se manifesta pelos comportamentos em jogo da equipa e dos seus jogadores, emergindo da interacção da dimensão técnica, da física-energética, da psicológica-mental e das complementares.

Como exemplo abordámos os jogos que Ángel di María realizou nos jogos de preparação do Benfica. Pelos momentos do jogo chegámos a taxas de eficácia de:

  • Organização Ofensiva: 61%
  • Transição Defensiva: 58%
  • Organização Defensiva: 75%
  • Transição Ofensiva: 78%

Ampliando a escala da análise aos sub-momentos do jogo, o argentino registou as seguintes taxas de eficácia:

  • Construção: 73%
  • Criação: 44%
  • Finalização: 23%
  • Reacção à perda: 75%
  • Recuperação defensiva: 15%
  • Defesa do contra-ataque: Não foram registadas acções neste sub-momento
  • Impedir a construção: 75%
  • Impedir a criação: Não foram registadas acções neste sub-momento
  • Impedir a finalização: Não foram registadas acções neste sub-momento
  • Reacção ao ganho: 82%
  • Contra-ataque: 80%
  • Valorização da posse de bola: Não foram registadas acções neste sub-momento

No intencionalmente breve comentário à análise, procurando abstermo-nos de explicar estes números, escrevemos que “as principais qualidades do Argentino estão intactas. Quer ao nível dos recursos que evidencia, quer em Transição e Organização Ofensiva, mostrando-se ainda particularmente preparado para a Ideia de Jogo de Roger Schmidt e nomeadamente ao papel ofensivo que terá, que poderá potenciar as suas qualidades pelos corredores laterais e central. Parece-nos factual que a análise vai ao encontro do que Di María tem apresentado em competição. Como também nos parece factual que as debilidades que mostra e que têm afectado a equipa e as decisões de Roger Schmidt na escolha do onze também estejam relacionadas com a grande debilidade que apresentou: o momento de Transição Defensiva, em particular, o sub-momento de Recuperação Defensiva. Tal sub-momento apresentou uma taxa de 15% de eficácia nos jogos de treino analisados…

Se um jogador apresentar esta debilidade numa equipa, tal já se torna um problema nos momentos de Transição e Organização Defensiva, contudo, não decisivo e escamoteável na organização geral da equipa. Se em vez que um forem dois ou mesmo três jogadores com debilidades idênticas, já terão efeitos nefastos na mesma perante adversários que as explorem. David Neres, à imagem de Di María, independentemente da sua fenomenal qualidade ofensiva, apresenta os mesmos problemas em Recuperação Defensiva que o argentino. Tal também foi referido noutro artigo sobre as escolhas de Schmidt em determinado momento da época passada. Se bem que estando a jogar noutra função, podemos ainda acrescentar Rafa…

No programa Futebol Total no Canal 11 da passada Terça-Feira, numa brilhante análise, o Pedro não só chegou às mesmas conclusões como explicou tacticamente os porquês destas consequências negativas na equipa. Se uma equipa defender sistematicamente em GR+7 já se torna muito perigoso, que é o que sucede regularmente no Benfica quando João Mário ou Aursnes actuam como “Médios-Laterais”, defendendo em GR+6 torna-se negativamente decisivo contra adversários que atraiam os médios a um dos corredores (nomeadamente aos laterais) para depois explorarem os desequilíbrios criados nos outros corredores.

Se naquele momento, não nos precipitámos em conclusões e deixámos espaço para que Di María actuasse de forma diferente em competições oficiais, a realidade é que isso não aconteceu. Vamos ser sinceros… como seria expectável. Criou-se a ideia no trabalho com as equipas que “o jogo é o espelho do treino”. Se nos parece lógico o conceito, podemos acrescentar que também a competição poderá ser o espelho dos jogos de treino. Os hábitos, o entrosamento e o jogo de qualidade também se criam aí, pois caso contrário não faria sentido serem realizados. Uma vez mais… estamos perante um fenómeno complexo de extrema sensibilidade às condições iniciais. Os jogos de treino, como os treinos no período preparatório, são condições iniciais absolutamente decisivas para o que a equipa e os jogadores irão realizar semanas mais tarde em competição.

Será que mostrar estas análises, em vídeo e depois as taxas de eficácia iria ajudar jogadores como Di María e Neres a crescerem nas suas debilidades? Não temos resposta para isto pois, como o professor Silveira Ramos transmitia nas suas aulas, “cada ser humano é um universo de estudo”. Desta forma, não existindo receitas, pode ser sempre uma ferramenta e um recurso, tal como escrevemos atrás. 

“(…) este modelo também pode ser aplicado a cada jogador à luz da sua actuação individual, tendo por base exactamente as mesmas acções e lógica estrutural de análise. Isto permitirá que a equipa técnica potencie o desenvolvimento individual, ou noutro contexto, que o jogador se consciencialize dos seus erros, lacunas e qualidades, e partir daí, preferencialmente no contexto do clube, mas caso o nível de rendimento em que actua não lhe permita essa possibilidade, que recorra a auxilio de técnicos especializados tendo por objectivo o seu crescimento individual.”

Ainda sobre o todo complexo que é o jogo, a informação resultante da análise qualitativa e a análise do Pedro Bouças mostram também, uma vez mais, que o todo não é a soma das partes. O todo é sempre diferente da soma das partes. Para melhor ou para pior. Por muita qualidade individual que Di María e Neres tenham na grande maioria dos sub-momentos do jogo, as suas enormes debilidades actuais em apenas num deles provoca um “efeito borboleta” com grande potencialidade corrosiva no todo. Como foi referido, a equipa até ficará mais fraca nos momentos ofensivos porque, potencialmente, terá menos tempo a bola pois ao defender com menos jogadores, irá recuperá-la menos vezes. A excepção poderá ser uma fenomenal eficiência e eficácia nos sub-momentos de Transição Ofensiva. Deste modo, quando os dois, mais Rafa, coabitam no mesmo onze, esse todo será mesmo… potencialmente inferior à soma das partes…

“É da problemática da complexidade

a natureza do que é nela interacção,

esfacelar tal realidade

é o que promove a mono explicação.”

(Vítor Frade, 2014)

Uma proposta de análise qualitativa. Como exemplo, e na dimensão individual, os jogos de preparação de Di Maria.

“The dumb ones go for quantity

The wise ones go for quality

I’ve got the answer now

It’s not how much is how”

(Shirley Horn, 1963)

Há muito que é questionada a validade, mas principalmente a objectividade das análises de jogo quantitativas. Nomeadamente as construídas com base em dados estatísticos muito centrados em acções técnicas, mas por vezes também tácticas, contudo, descontextualizadas e interpretadas isoladamente do jogo da equipa. Deste modo, na maioria das equipas, hoje é usual que a análise de desempenho colectivo seja realizada em video, através de uma avaliação qualitativa tendo por referência a Ideia de Jogo a que a equipa técnica aponta. Depois, nalguns casos, são somadas à mesma avaliações individuais na mesma lógica. E nesse caso estas, ainda hoje, são muitas vezes reforçadas com dados estatísticos resultantes de dados quantitativos descontextualizados do todo… jogo da equipa e da sua interacção com os seus adversários. 

“Por muito que nos vendam estatísticas que queiram quantificar performances individuais, o jogo, o bom jogo, está completamente longe de poder ser interpretado ou quantificado por números que queiram trazer avaliações qualitativas.”

(Pedro Bouças, 2017)

Importa então clarificar já a nossa visão. Também questionamos as análises quantitativas que partem dessa base. No entanto, em 2018 desenvolvemos um modelo de análise que parte de uma análise em video, portanto de uma interpretação qualitativa do jogo e dos comportamentos da equipa ou jogador em função de uma Ideia de Jogo. Partindo daí podemos depois chegar a dados estatísticos quantitativos. Deste modo teremos quantidades e taxas de eficácia de acções qualitativas. Claro que será em função da nossa Ideia, da nossa interpretação do jogo, mas dessa forma será também altamente específica e útil ao trabalho a desenvolver posteriormente.

Exemplificando, se a equipa, por exemplo, em 10 acções de criação pelo corredor central conseguiu colocar 3 vezes jogadores em condições de finalização, chegamos a uma eficácia desse comportamento / princípio de 30%. Fazendo ele parte do sub-momento de criação, irá, numa escala superior ligar-se a outros números de acções de criação, totalizando determinado valor para esse sub-momento do jogo. Juntando esse valor aos obtidos em Construção e Finalização, chegaremos a outro número de escala ainda maior relativo ao total de comportamentos em Organização Ofensiva. Juntando os 4 momentos do jogo, teremos ainda uma eficácia decisional global.

Paralelamente podemos também avaliar o jogo na escala mais reduzida observável: ao nível da execução. Pegando no mesmo exemplo, se dessas 10 acções de criação pelo corredor central, as 3 bem sucedidas resultaram de 3 passes de qualidade, porém, se das 7 mal sucedidas, por exemplo, 2 delas foram bons passes mas foi o jogador que se desmarcou que falhou a desmarcação de ruptura ou noutro exemplo, foi-lhe assinalado fora-de-jogo claramente por erro desse jogador, teremos então no total 5 últimos passes de qualidade. Se das restantes 5 acções mal sucedidas, apenas 3 foram consequência de últimos passes falhamos, teremos então 5 passes de sucesso em 8 tentativas, resultando numa eficácia de 63%. Só para esse comportamento, porque ao mesmo se juntarão todas as acções de passe.

“Um dos processos utilizados na vertente táctica da análise de desempenho é a análise de jogo, que segundo Garganta (2001) é o termo mais utilizado para se referir ao estudo do jogo a partir da observação do comportamento dos jogadores, por englobar diferentes fases dos processos. De acordo com Carling, Williams e Reilly (2005) o processo de observação e análise do jogo deve possibilitar uma descrição do desempenho realizado em contexto de jogo, codificando acções individuais, grupais ou colectivas, de forma que sintetize informações relevantes e transforme, de maneira positiva, o processo de aprendizagem / treino. Geralmente, a informação é transmitida sob forma de feedback e utilizada para preparar para novas competições. A utilização de vídeos tem aparecido como uma ferramenta importante para fornecer feedback e modificar o comportamento dos atletas (GROOM & CUSHION, 2004). A análise de desempenho ganha uma grande importância uma vez que norteia a equipa técnica sobre os caminhos a serem seguidos após uma partida, ou seja, trazendo informações importantes para o planeamento dos treinos subsequentes ao jogo analisado.”

(Kaio Fonseca, 2018)

Tudo isto é naturalmente subjectivo à luz dos critérios de avaliação, relativos à especificidade da Ideia de Jogo adoptada e às orientações de análise do Treinador Principal. Depois, para além disso, subjectivo ao conhecimento do jogo, experiência, precisão e sensibilidade do analista. Mas tendo em conta a complexidade e imensidão de comportamentos no jogo não pode ser de outro modo. Claro que perante isto também não teremos como resultado uma análise limpa de erros, contudo acreditamos que se aproximará, não só da especificidade do jogo, mas principalmente da Especificidade do jogo de determinada equipa. Mas acima de tudo, às reais necessidades da equipa técnica e do trabalho a desenvolver. Desta forma, este trabalho permitirá formas de actuação e gestão também elas mais precisas.

Nesta lógica, o produto final são de facto, números, mas sobre a eficácia da equipa nos 4 momentos do jogo. De forma mais específica, nos 12 sub-momentos do jogo, e a partir daí nos diferentes comportamentos / princípios que categorizamos para cada sub-momento do jogo. Recordamos que na base desta metodologia de análise está a sistematização do jogo que propusemos no passado. A partir daí, se os recursos nos permitirem, podemos reduzir ainda mais a escala de análise. Não só em sub-princípios, requerendo para isso um ainda maior conhecimento do jogo do analista, mas como vimos atrás, avaliando paralelamente as acções ao  nível da execução sem procurar descontextualizá-las da sua lógica acontecimental na Ideia de Jogo, para eventualmente a partir daí poderem ser trabalhadas em fases específicas das sessões de treino ao longo do ciclo semanal. Isto naturalmente numa lógica de programação semanal e não anual, ou numa metodologia que permita esse ajuste de conteúdos em função de avaliação semanal. Porém, num processo que se baliza num plano mais macro, por exemplo, anual, uma avaliação continuada do desempenho de jogadores e equipas permitirá realizar ajustes no planeamento e programação do ciclo anual seguinte. Este processo, sentimos que tem sido um upgrade decisivo à nossa actuação no crescimento de uma equipa.

Referir-mo-nos até aqui, essencialmente à análise colectiva da equipa. Contudo, este modelo também pode ser aplicado a cada jogador à luz da sua actuação individual, tendo por base exactamente as mesmas acções e lógica estrutural de análise. Isto permitirá que a equipa técnica potencie o desenvolvimento individual, ou noutro contexto, que o jogador se consciencialize dos seus erros, lacunas e qualidades, e partir daí, preferencialmente no contexto do clube, mas caso o nível de rendimento em que actua não lhe permita essa possibilidade, que recorra a auxilio de técnicos especializados tendo por objectivo o seu crescimento individual.

Como exemplo, trazemos os jogos de preparação de Ángel Di María no seu regresso ao Benfica. Claro que sendo um período de preparação, os resultados deverão ser contextualizados e entendidos nesse enquadramento. Por outro lado, não estando dentro do processo e não possuindo um conhecimento maior desse mesmo enquadramento facilmente podemos cometer erros de análise por situações fora desse conhecimento, contudo, decisivas. Deste modo, abstemo-nos de tecer grandes conclusões ao desempenho do Argentino. Este trabalho serve principalmente como exemplo do potencial que esta ferramenta apresenta, nomeadamente utilizada no seio de uma equipa técnica ou como recurso extra solicitado pela mesma.

Mas nalguns breves pontos, identificámos os momentos de Transição Defensiva, nos quais Di María apresentou grandes dificuldades, nomeadamente no Sub-Momento de Recuperação Defensiva. Como referido, sendo o argentino um jogador que tem apresentado compromisso nos momentos defensivos das suas equipas, poderá ser o desgaste do actual período da época a principal razão para tal. Tanto que no plano colectivo foi também notória fadiga em toda a equipa, reflectindo-se a mesma na lucidez das decisões, velocidade de execução, criatividade e disponibilidade nos momentos de transição. Depois haverá também a necessidade de enquadrar a qualidade, as características e o nível de preparação de cada adversário. Regressando a Di María, as principais qualidades do Argentino estão intactas. Quer ao nível dos recursos que evidencia, quer em Transição e Organização Ofensiva, mostrando-se ainda particularmente preparado para a Ideia de Jogo de Roger Schmidt e nomeadamente ao papel ofensivo que terá, que poderá potenciar as suas qualidades pelos corredores laterais e central.

Importa referir que expomos apenas os dados decisionais globais, dos momentos e sub-momentos do jogo. E ainda os dados ao nível execução nas Acções Ofensivas e Defensivas. Os princípios, reservamos para técnicos ou clubes que demonstrem um interesse superior por este modelo de análise. Esta análise não contempla sub-princípios. Esse nível de detalhe remetemos para uma análise altamente específica de determinado(s) comportamento(s) de um jogador ou equipa. Por outro lado, para além da enorme utilidade à equipa técnica, este modelo também poderá ser adoptado pelos departamentos de Scouting, caso desejem dotar de um maior rigor e exactidão às análises individuais realizadas e eventuais jogadores alvos de contratação pelo clube. Os potenciais interessados nesta processo poderão contactar ricardo.ferreira.1978@gmail.com.

“É, portanto, nas tomadas de decisão e na interação com companheiros e adversários que se deve avaliar o desempenho individual e coletivo. A estatística ajuda a explicar alguma coisa, mas repito, não traduz o essencial. Hoje, é nisto que eu acredito. Amanhã, ficará o futebol nas mãos da inteligência artificial? Será o treinador, no futuro, substituído por um avatar? Um Cyber treinador, inteiramente cientifico-tecnológico? Tem a palavra a ciência e a tecnologia. E o homem. Recordando Thomas Huxley (biólogo, filósofo e um dos principais cientistas britânicos do século XIX), segundo o qual «a ciência é apenas senso comum treinado e organizado», talvez haja alguma esperança para os treinadores se prepararem para o avanço das máquinas!”

(Miguel Quaresma, 2021)

O erro de Descartes e de… Ricardo Araújo Pereira. O entrosamento, a forma, o flow e a necessidade do pensamento complexo. O caso do Benfica 22/23 de Roger Schmidt.

“(…) é na complexidade humana que se encontra o radical fundamento do futebol, para além da técnica, da táctica e da condição física.”

Manuel Sérgio em (José Neto, 2014)

Ricardo Araújo Pereira atinge a genialidade na sua área, mas também em diversos outros temas. No entanto, naturalmente influenciado culturalmente pelo paradigma de pensamento vigente, e à imagem da maioria de nós onde também se incluem outras figuras que atingiram um elevado nível de conhecimento e cultura geral, o humorista português aparenta ter dificuldades em observar os fenómenos de uma perspectiva complexa. Eventualmente ajudará, tendo em conta a própria sátira que faz de si mesmo, que nos momentos em que fala de Futebol e mais especificamente do Benfica, tornar-se, segundo o próprio, aborrecidamente sério perdendo por vezes até a racionalidade. De qualquer das formas, durante a apresentação do livro Schmidtologia de Luís Mateus, apontou que a direcção do clube devia ter antecipado o que sucedeu no PSV Eindhoven e agido. Que alguém deveria ter aconselhado Roger Schmidt a não dar folgas tão prolongadas. E que todos sabem, porque “está cientificamente comprovado” que tal período de paragem é nefasto para as equipas.

Ora bem… isto coloca-nos logo uma questão prévia. Um treinador de futebol não é o responsável técnico pelo processo da sua equipa? Não é contratado como especialista para o planear e operacionalizar? Para tomar as decisões que achará adequadas em benefício do rendimento da equipa? Não será o mais capaz no clube, pela sua formação, experiência, pela sua proximidade e conhecimento da equipa para o fazer? E se alguém participar nesse processo, ou se tomar as decisões pelo treinador, também será despedido se as mesmas resultarem em insucesso?

Através da forma como a equipa joga ligada nos quatro momentos do jogo, Schmidt mostra, no mínimo, uma sensibilidade para o todo complexo que é o ser humano e consequentemente, o jogo de Futebol. Nessa linha de pensamento, o técnico alemão, como os treinadores que subsistem nos mais altos patamares de rendimento (Ruben Amorim e Sérgio Conceição são outros exemplos por cá), dada a sua relação conhecimento / experiência / sucesso, terão necessariamente, nesta fase de desenvolvimento do jogo e do treino que perspectivar o rendimento de forma complexa. Seja de forma consciente ou inconsciente. O que é que isso significa? Que não separam o “físico” do “mental”, que acreditarão que esse rendimento, tal como a fadiga / desgaste serão alcançados por um todo, que na realidade não pode ser desconstruído em partes, apesar de algumas pistas e indicadores que se poderão obter no processo de forma a possibilitar uma intervenção mais precisa.

Portanto, nada disto, nomeadamente o referido – a tal semana de folga, está realmente “comprovado cientificamente” de que será algo prejudicará a equipa. Porque essa “cientificidade” com que o fenómeno é analisado é mutiladora, e como tal, desfasada da realidade. Deste modo, procurando isolar “partes” e as suas relações de um fenómeno complexo, tem tudo para estar errada. O ser humano não é só físico… Aliás, como já dissemos tantas vezes, o físico é só uma forma simplista e redutora de observar o comportamento humano.

“ (…) de acordo com Gaiteiro (2006) podemos afirmar que aquilo a que chamamos “parte” é apenas um padrão numa teia inseparável de relações, não existindo portanto, partes em absoluto.”

(Joaquim Pedro Azevedo, 2011)

Deste modo, a experiência e sensibilidade de Schmidt face ao contexto, leva-o a decidir, naturalmente pesando os prós e contras, que essa tal folga beneficiará mais do que prejudicará a equipa. Tantas pessoas nas mais diversas profissões, mais ou menos desgastantes, não dizem precisar, ou não fazem mesmo um período de férias a meio do ano para se “desligarem” da rotina e stress acumulado? Claro que que todas as actividades são diferentes. Claro que muitas delas não têm a exigência físico-energética que o Futebol contempla. Claro que a decisão tem riscos. Claro que se realizarmos o exercício teórico de isolarmos esses efeitos físico-enérgicos sobre a adaptação até aí alcançada haverá alguma perda. Mas todas as decisões perante um fenómeno complexo têm riscos. A função do treinador é gerir tudo isso, equacionar as oportunidades e ameaças e procurar a optimização do todo. Focando-se, obrigatoriamente no processo. E não no do PSV Eindhoven. No do Benfica. No “aqui e agora” porque os contextos são todos diferentes.

Não há qualquer linearidade ou receita para se obter sucesso desportivo. No máximo haverão ideias e experiências que levaram a tal, mas sublinhamos… sempre em contextos diferentes. Nem sequer, a paixão, o compromisso e o empenho, unanimemente defendidos, são suficientes por si sós para o alcançar.

Falou-se em “bizarria” perante as decisões de Schmidt. Perguntamos se na altura também não foi bizarro quando os treinadores deixaram de ir correr para o pinhal e para a praia e começaram a trabalhar sempre no campo através do jogo ou de fatias do mesmo? Também não foi bizarro quando Pitágoras anunciou a esfericidade da Terra, ou Copérnico que afinal o Sol não girava à volta do nosso planeta? Por outro lado, autores como Peter Tschiene ainda na década de 80, muitos outros depois disso, e por cá, os professores Monge da Silva, Francisco Silveira Ramos, Jorge Castelo entre outros, defendiam de facto esses períodos, a que chamavam “profilácticos”, nas pausas das competições, ao invés do reforço da “carga” que pressupunha o então paradigma instalado, encabeçado por Lev Matveyev.

“(…) o autor (Peter Tschiene, 1985) defende a manutenção de um alto nível de intensidade durante todo o processo de treino, utilizando fundamentalmente os exercícios especiais de competição, realizando um grande número de competições, tendo como objectivo o aumento da intensidade específica do treino. (…) por outra, a introdução de intervalos específicos “intervalos profilácticos” antes do período de treino, para que o atleta se encontre plenamente descansado para o início de um novo período competitivo.”

(Rui Afonso, et al., 2011)

O próprio (Roger Schmidt, 2023) explicou a decisão pelas mesmas razões, ao defender “que é crucial dar dias de folga aos jogadores neste tipo de calendário competitivo, com mais jogos, mais intensos, com intervalos mais curtos. Se conseguirmos dar algumas folgas aos jogadores, isso é essencial”. Também o treinador, professor e metodólogo (Jorge Castelo, 2022) a propósito do mesmo assunto também apresentou concordância com o treinador alemão. Castelo, formador de treinadores, com vasta experiência e obra no treino de Futebol defendeu ser “absolutamente oportuno, porque começaram a época mais cedo. Naturalmente que é uma situação compreensível, pode ser equacionado o tempo de cinco dias, mas é um tempo que parece ajustado, principalmente para os jogadores mais utilizados. Devem ser monitorizados no sentido do cuidado com o que comem e bebem. São profissionais, há sempre um bichinho de treino que poderão fazer algo durante os dias”.

Por outro lado, Peter Tschiene entre outros autores, também abordam o conceito intensidade, porém, não na perspectiva tradicional ilustrada pelas declarações de Ricardo Araújo Pereira. Elevar a intensidade através de exercícios específicos significa preservar nos mesmos a complexidade do jogo. Como o professor Vítor Frade refere… “reduzir sem empobrecer”. Portanto, estamos no âmbito de uma dimensão que não se circunscreve apenas ao físico-energético. Então… se o jogo é complexo, o treino também tem de o ser. E a tal “forma”? Também não o será? Obviamente que sim. A mesma não passa apenas por “estar bem fisicamente”. Recuperemos ideias de José Mourinho nos “longínquos” anos de 2001 e 2005:

“(…) no “flash interview” ouvi falar de quebras físicas e logo dei por mim a pensar que a minha cruzada vai ser mesmo difícil. É que não consigo mesmo que se perceba que isso não existe. A forma não é física. A forma é muito mais que isso. O físico é o menos importante na abrangência da forma desportiva. Sem organização e talento na exploração de um modelo de jogo, as deficiências são explícitas, mas pouco têm a ver com a forma física.”

(José Mourinho, 2005)

“(…) a forma desportiva é “o jogador estar fisicamente bem, inserido num modelo de jogo que ele domina na perfeição. Quanto ao aspecto psicológico, que é fundamental para poder jogar ao mais alto nível, o jogador em forma sente-se confiante e é solidário e cooperante com os seus companheiros e acredita neles. Ora tudo isto junto significa estar em forma e traduz-se em jogar bem.”

(José Mourinho, 2001)

Assim, nesta perspectiva complexa de forma desportiva, será que fará sentido chegar à conclusão que as quebras de rendimento do Benfica de Roger Schmidt sucederam por um eventual ligeiro declínio de rendimento físico-enérgico, ignorando por outro lado os efeitos positivos que as folgas terão trazido a todos? Sim, a todos. Porque equipa técnica e staff também necessitam de estar “frescos” e mentalmente bem para tomarem decisões e actuar. A equipa e o seu rendimento, também são… o todo. Ou seja… todos os que no processo influem.

E neste domínio, não terá, a saída de Enzo Fernandez também contribuído significativamente para a quebra de desempenho? Até à pausa competitiva para o Campeonato do Mundo, o argentino assumia-se como um jogador que claramente acrescentava outro desempenho à equipa. Tanto que, também por isso, acabou por sair por um valor incrível para o Chelsea. E já que estamos a falar do Mundial, na folga de 10 dias dada em Dezembro (a maior de todas), os jogadores com mais tempo de jogo ao momento até estavam ao serviço das suas selecções, portanto, nem sequer usufruíram desse prolongado período de folga. Tal como na folga de 5 dias no final de Setembro e na de uma semana em Março.

São portando diversas as hipóteses e é por isso que estamos perante um fenómeno complexo. Certezas nunca teremos em relação a nenhuma formulação. Nada na verdadeira especificidade do jogo pode estar “cientificamente comprovado” porque não há uma linearidade no processo. Pelo menos através do actual conhecimento científico. E na situação em causa, que decidindo uma semana de folga, irá, com certeza, implicar uma quebra de rendimento. Diferentes contextos, seres humanos diferentes, equipas diferentes, lideranças diferentes, trabalho diferente, formas de jogar diferentes, etc., etc.,… resultados diferentes.

Posto isto, chegamos à principal motivação deste artigo. Sublinhamos que certezas sobre causas para determinados resultados, quer antes quer à posteriori, num processo / sistema complexo como é o caso do treino e rendimento de um equipa de Futebol, não existirão. Contudo, poderemos procurar explicações mais prováveis. Neste sentido, naturalmente acrescentando o mérito adversário (porque as equipas nunca jogam sozinhas e os jogos que protagonizaram a perda de rendimento do Benfica eram de dificuldade elevada para o Benfica), e também a saída de Enzo Fernández, no fundo até suspeitamos que terão sido de facto as pausas competitivas para as selecções que terão estado por trás dos três momentos de menor rendimento do Benfica. Porém… por razões diferentes.

Assim, tendo em conta o que José Mourinho sustentava, se o entendimento de forma no contexto do Futebol, nos planos colectivo e individual é estar a jogar bem no âmbito de determinado Modelo de Jogo, com os jogadores manifestando grande confiança em si e nos companheiros, recordamos os momentos em que o Benfica, nomeadamente até Dezembro, transparecia essa confiança, cooperação, solidariedade, criatividade, proximidade com o sucesso e até, felicidade. No fundo… o nosso entendimento de qualidade de jogo. Uma qualidade que parecia transparecer “invencibilidade” e que nem grandes clubes europeus, repletos de qualidade individual, conseguiram contrariar.

O autor (Pedro Bouças, 2011) descreve que “(…) não há diversão igual aquela que se retira quando se consegue jogar de olhos fechados. Aquela que sentimos quando as coisas saem com um entrosamento tal que deixamos o adversário só a cheirar a bola (…)”. Também (Antonio Gagliardi, 2023), num artigo recente em que aborda uma eventual nova tendência evolutiva do jogo, chamada de “relacionismo”, vai ao encontro deste pensamento explicando que tais ideias de jogo, que como o próprio nome indica têm por base os jogadores e as suas relações, portanto, o seu entrosamento, realçam “as qualidades, características e emoções dos jogadores, especialmente os mais técnicos, também porque ao ligar os jogadores entre si, torna todos um pouco mais felizes”.

Neste enquadramento, a forma, será, do ponto de vista colectivo a equipa, e individualmente cada um dos jogadores, manifestar qualidade ou entrosamento, conduzindo a desempenho e rendimento, tendo sempre em conta o contexto competitivo / adversários que defrontam. Passa por um entendimento ou “linguagem” comum, que simultaneamente os jogadores apresentam em relação ao jogo, antecipando até o comportamento de colegas e adversários. E não conseguimos deixar de relacionar este fenómeno, a uma escala incrivelmente mais diminuta, com o entrelaçamento quântico, o qual, segundo a (Wikipédia, 2023), “permite que dois ou mais objectos estejam de alguma forma tão ligados que um objecto não possa ser corretamente descrito sem que a sua contra-parte seja mencionada – mesmo que os objetos possam estar espacialmente separados por milhões de anos-luz”.

“É sobre esta representação que os Jogadores retiram do contexto que fundamenta o quesito comunicação, dado que é desenvolvido e elevado posteriormente a um carácter de Linguagem quando aplicado sobre condições mais complexas e inteligíveis (Capra, 1996). Esta linguagem se tornará na Linguagem da Equipa [Específica] que é um tanto mais «fluente» quando os Jogadores se apresentam entrosados. Tendo em conta as diferentes línguas da linguagem específica do Jogo de Futebol, esta Linguagem Específica da Equipa se torna um dialecto, específico a esta microsociedade (Teodorescu, 2003), fortalecendo que um aumento exponencial [quando em condições cada vez mais complexas] de códigos, e por sua vez informações deste «dialecto» a ponto de se tornar incompreensível para outras Equipas da mesma linguagem específica. A pegar nos exemplos do Brasil e Espanha ambos países com uma diversidade cultural muito grande, esta compreensão do dialecto colectivo Específico é a mesma maneira que a permanência e valoração que os Cearenses ou Gaúchos [respectivamente dos Estados do Ceará e Rio Grande do Sul] atribuem ao seu dialecto Específico e os Bascos sua língua basca, sendo ambas atribuídas à língua portuguesa e espanhola mas, um tanto Específica que os próprios brasileiros e espanhóis em momentos não a compreendem tão bem quando falado.”

(Rodrigo Almeida, 2009)

Como (José Neto, 2014) descreve, estar em forma é então “despertar para uma inteligência colectiva, subjacente a uma exigente adaptação às múltiplas situações, tão rigorosas quão simples, que a prática deste belo jogo impõe”. No entanto, se visamos o máximo rendimento, este articulação relacional não poderá inibir as qualidades individuais dos jogadores, mas sim  ponteciá-las, como também não deverá levar, colectivamente, a equipa a se tornar pouco criativa, mecânica e incapaz de se adaptar a novos problemas. Deste modo, o autor (Rodrigo Almeida, 2009), acrescenta que o entrosamento implica que a equipa consiga jogar em “condições Longe-do-Equilibrio e em níveis de complexidade cada vez maiores” e que a leve “a transcender o seu jogar por um grande nível de acções complexas disponíveis, numa forte relação entre os elementos”.

No fundo, a forma e o entrosamento, significam atingir uma fluidez ou estado de flow em que do caos natural do jogo, entre outras qualidades, emergem ordem, organização, cooperação, solidariedade, ambição, inteligência, criatividade, imprevisibilidade, naturalidade, sucesso e felicidade. Como (Óscar Cano, 2022) sustenta, “os jogadores começam a admirar-se entre eles, começam a ver a correspondência que há entre as capacidades de uns e as de outros. Começam a ver quão necessários são os outros para que eu possa fazer o que sei fazer”. Perante esta perspectiva emocional / sentimental, podemos então estar perante a possível justificação para a tal relação… “quântica”.

O treinador e autor (Jorge Maciel, 2012) refere que “quando tais desempenhos se verificam o que se observa é uma fusão intencional e funcional entre os vários Eus (especificidades) que compõem a equipa e que se concretiza pela fluidez e harmonia com que o todo (Especificidade), o jogar da equipa, se expressa”, concluindo que se trata de um processo “no qual partes e todo se harmonizam engrandecendo-se mutuamente”. É então nesse momento que o todo se torna maior que a soma das partes. E uma equipa entrosada, manifesta as partes (jogadores) no todo (equipa), e o todo (equipa / valores e inteligência colectiva) nas suas partes (jogadores / valores / inteligências individuais).

 

“O entrosamento

É ao acontecer

o acontecimento,

o fazer…

Cada um dos entrosados

faz-se útil no instante,

e mais do que é aqui chegados…

Se o colectivo é dominante.”

(Vítor Frade, 2014)

Nesta linha de pensamento a aquisição de entrosamento implica tempo e trabalho, para além de qualidade individual, se bem que mesmo dispondo de pouca, a equipa que atinge tal qualidade colectiva, irá esconder alguma das suas eventuais debilidades individuais.

Voltando ao exemplo do Benfica de Schmidt, a qualidade e fluidez que a equipa foi manifestando não foi excepção. Necessitou de trabalho de qualidade, quer no período preparatório, quer no competitivo e tempo de consolidação. Importa clarificar que este trabalho não é algo que se realiza apenas no campo de treino. Naturalmente que o sucesso e as vitórias catalisaram o processo, mas estas também surgiram pelo trabalho realizado. A relação é naturalmente recíproca.

Perante tudo isto… perguntamos: o que sucede objectivamente nas paragens para os jogos das selecções? A integração, normalmente dos jogadores mais utilizados noutros contextos e processos colectivos diferentes, com outras ideias de jogo, com outros líderes, com outros companheiros, com outros objectivos competitivos, noutro contexto de treino, operacional e organizativo. Já para não referirmos as viagens, estágios e desgaste daí decorrente, que são de facto extremamente influentes em todo o processo.

E se essa integração, numa selecção que treine com qualidade, que apresente sucesso e na qual o contexto individual seja favorável ao jogador logicamente já implicará influências e mudanças individuais relativas ao seu contexto no clube, ou seja, uma perda do entrosamento que os jogadores apresentavam antes desse momento no seu clube, imagine-se então nos casos em que o contexto é desfavorável ou de insucesso.

“A minha resposta foi que os jogadores, às vezes, vão para a seleção e alguns não jogam, estão 10 ou 12 dias no hotel, praticamente não treinam e por isso perdem alguma forma e intensidade. O problema não é só nosso, é de todos os treinadores, e mesmo assim ganham jogos. Não uso isso como desculpa.”

(Roger Schmidt, 2023)

Portanto, Roger Schmidt até partilha a mesma opinião. Como seria expectável de um treinador deste patamar competitivo. Os que atingem este contexto, como referido atrás, possuirão uma sensibilidade tal para o processo que compreendem-no enquanto sistema complexo, no qual qualquer micro mudança poderá resultar num macro impacto. E neste caso nem estamos perante pequenas mudanças. As diferenças entre o que os jogadores fazem nos clubes e nas selecções são na maior parte das vezes, enormes. Deste modo, a perda de entrosamento tem que ser previsível. No caso do Benfica, perante a qualidade de jogo manifestada até às paragens, ainda mais.

Estar em forma, o emergir de entrosamento, ou o flow é como uma relação de duas pessoas apaixonadas. Os problemas tornam-se desafios, os envolvidos conhecem-se de “olhos fechados” e antecipam os comportamentos um do outro. Emanam cumplicidade, fluidez e o bem mais precioso que o ser humano pode alcançar… felicidade. E nesse contexto, se as partes e todo “não se harmonizarem engrandecendo-se mutuamente” não haverá “rendimento”, ou seja… não haverá amor e felicidade. E é principalmente por isso, ao reproduzir no seu contexto específico o comportamento humano em geral, que este jogo é tão especial.

“Devemos redefinir o que é ordem e organização. O intercâmbio de posições que vimos outro dia no Real Madrid-Sevilha é de jogadores que não olham para o banco, que não olham para o treinador, estão a fluir, a jogar. Tenho um filho de 17 anos e já sabes que têm um vocabulário distinto do nosso, mas há uma palavra que me fascina: flow. Aí está o futebol, no flow. Quando vês uma equipa a fluir, que não se detém, que ninguém pensa onde tem de estar, que ninguém está a pensar, mas sim a sentir, estão a jogar… isso é imparável. Isso é ordem. O caos, ou o aparente caos, é uma forma sublime de ordem. O que acontece é que se reduziu a ordem ao que podemos controlar, e isso é distinto: isso não é ordem, é controlo. Uma coisa é a organização de um conjunto de jogadores, que é uma organização em si; a ordem está sempre, sempre marcada por algo que não se pode medir, que não se pode atestar, que se intui, que se sente. É algo que a ciência não pode definir, é o flow. Quando estou a treinar, a minha grande preocupação é misturar os jogadores até encontrar esse flow que me permite ser menos treinador, não dar tantas instruções, não ser tão invasivo no dia a dia. Afinal, o treinador converteu-se, infelizmente, numa pessoa que oferece e emite informação. E o treino não é isso, não é isso o futebol. Estamos a comunicar: eu através da palavra, porque não posso jogar, e eles através da conduta e comportamento.”

(Óscar Cano, 2022)

40’s e 50’s [Subscrição Anual]

Publicamos um subtema da História do treino do futebol, Trata-se do segundo capítulo denominado 40’s e 50’s.

O tema 40’s e 50’s no nosso trabalho, situa-se em:

Deixamos excertos do tema 40’s e 50’s:

“não é possível falar de Periodização do treino, com clareza, até ao surgimento de um artigo de Letunov, em 1959 “Sobre o Sistema de Planeamento do Treino”. O referido autor apresenta críticas aos modelos de planeamento, sobretudo, pela falta de bases fisiológicas e individualização do processo, apresentando neste artigo, a sua proposta que incorporava conhecimentos sobre a adaptação biológica aos modelos de treino e uma divisão da temporada em períodos de treino geral e específico, destinados à aquisição da forma, período competitivo e um outro destinado à diminuição do nível de treino (Silva, 1998; López et al., 2000)”

(Jorge Braz, 2006)

(…)

O treinador e no momento seleccionador nacional de Futsal (Jorge Braz, 2006) identifica na sua tese que “em 1940 surge G. Dyson a defender ideias sobre treino anual ininterrupto e propõe a divisão da temporada de preparação em cinco períodos”. Posteriormente, em 1949, de acordo com (Gonçalo Carvalho, 2019), “Ozolin propõe uma divisão do período preparatório em dois momentos: preparação geral e específica e período competitivo. Este último era dividido em seis momentos, nomeadamente competitivo inicial, competitivo propriamente dito, descarga, preparação imediata, conclusiva e competição principal. Deste modo, Ozolin defendia a inexistência de um descanso total e uma duração semelhante de todas as etapas, divergindo os conteúdos de desporto para desporto”. Os autores (Juan Bordonau & José Villanueva, 2018) acrescentam que Ozolin “também defendeu que o descanso completo seja limitado a casos especiais por um tempo limitado (5 a 7 dias), dizendo que as etapas da temporada devem ter a mesma duração para todos os desportos, mas com distribuição de conteúdo diferente”. O espanhol (Francisco Seirul·lo Vargas, 1987) corroborado por (Rui Faria, 1999) e (Jorge Braz, 2006), reforça que “o mesmo autor, juntamente com N. Ozolin, desenvolve, nos anos 50, modelos aplicados ao atletismo cuja base assenta numa preparação multilateral que culmina numa especialização no momento da competição”.

(…)

Outros destaques que (Forteza de La Rosa, 2000) identifica nesta fase da evolução do treino, surgiram “na segunda metade do nosso século”, denominando este período como o período científico no treino desportivo, sendo decisivo para este desenvolvimento os resultados alcançados entre 1945-1965″. Então, o autor expõe que Woldemar Gerschler, um investigador dedicado ao método prático de Zatopek, em conjunto com Reindell e outros colaboradores, fundamentou cientificamente o Interval Training e fez algumas modificações ao método original de treino de Zatopek. Os médicos cardiologistas Reindell, Roskman e Keull chegaram à conclusão de que o verdadeiro efeito do treino de intervalos no sistema ocorria durante as pausas, e não durante o esforço. Por essa razão, essas pausas foram denominadas como pausas ativas ou benéficas”. Paralelamente, “na Austrália, o treinador Percy Ceruty adotou o método dos suecos, ou seja, treino em contato com a natureza, banhos, descanso, saunas, entre outros. Na Nova Zelândia, Arthur Lidiard foi influenciado pela leitura de materiais ingleses sobre treino e extraiu o que havia de melhor nos sistemas de resistência. O atleta mais destacado que ele treinou foi Peter Snell. No Reino Unido, Morgan e Adamson criaram o Treino em Circuito, baseado no Body Building americano. O método é fundamentado no uso de pesos, cordas e outros elementos em forma de “estações”, onde os participantes mudam de uma para outra e trabalham em vários grupos musculares de forma alternada, com alta intensidade. Esse método permite o treino de vários atletas ao mesmo tempo, com o objetivo de melhorar principalmente a potência muscular e a resistência anaeróbia. Nos Estados Unidos, destacam-se os treinadores James Counsilman na natação e William O’Conor no atletismo, entre outros. Nesse país, desenvolve-se o método do Power Training ou treino com sobrecarga progressiva para o desenvolvimento da força e potência. Além disso, o Dr. Kenneth Cooper desenvolveu o programa de exercícios aeróbios denominado Aerobismo, baseado em exercícios que estimulam a atividade cardíaca e pulmonar por um período prolongado, com baixa intensidade. Ele estudou o consumo de oxigénio e, após várias pesquisas, criou o Teste de Cooper”. Deste modo, o autor sublinha que “este período científico resultou em um grande número de concepções científicas em diferentes partes do mundo, levando a quatro escolas distintas que possuem estilos diferentes de abordar o processo de treino esportivo, devido a fatores como regiões geográficas, condições sociopolíticas, eventos históricos, religiões, modos de vida, entre outros”. Essas escolas foram as seguintes:

ESCOLAS PAÍSES CENTRO DE INVESTIGAÇÃO AUTORES
Saxónica Nova Zelândia. Austrália. Canadá. África do Sul. Estados Unidos da América Harvard. Indiana. Quebec. Ohio Curenton. Cousilman. Mathews. Morehause. Cooper. Ceruty. Lidyard. Bompa
Socialista R.D.A. Cuba. Polónia. Hungria. Bulgária. Checoslováquia. U.R.S.S. Leipzig. Moscovo. Varsóvia. Bucareste. Sofia. Bratislava. Havana. Simkim. Matveyev. Ozolin. Harre. Yeremin. Platonov. Volkov. Verchoshanskij
Europa Ocidental R.F.A. Inglaterra. França. Itália. Espanha. Suécia. Bélgica. Colónia. Friburgo. Paris. Estocolmo. Bruxelas. Roma. Madrid. Gerschller. Reindell. Nett. Hollman. Astrand. Morgan
Asiática Japão. Coreia. China. Tokio. Pequim. Matsusawa. Ikai. Fukunaga. Hirata. Matsudaika

(…)

20’s e 30’s [Subscrição Anual]

Publicamos um subtema da História do treino do futebol, Trata-se do segundo capítulo denominado 20’s e 30’s.

O tema 20’s e 30’s no nosso trabalho, situa-se em:

Deixamos excertos do tema 20’s e 30’s:

“Até à década de 40, o futebol era visto como um malefício, físico e mental. A ginástica, obrigatória na altura, era vista como uma forma de compensar os problemas que o futebol trazia. Desse modo, surgia nas equipas técnicas a figura do professor de ginástica.”

(Monge da Silva, 2017)

(…)

Segundo (Jorge Gomes, 2004), baseando-se em Raposo (2002), “este conjunto de leis, que visa melhorar a participação nas competições, em alguns aspectos mantém uma certa actualidade, tendo a divulgação das mesmas permitido o aumento da frequência semanal de treinos e a diferenciação das tarefas segundo o índice de especificidade e intensidade”. Assim, (Jorge Braz, 2006) defende que “começam, assim, a surgir alguns princípios da periodização do treino. Em 1922 Gorinovski escreveu o primeiro livro com o título “Bases fundamentais do treino”. Em 1928, L. Mang, é pioneiro na história do treino ao formular o desenvolvimento paralelo do treino físico orgânico, técnico e táctico, coordenando diversas variáveis de preparação“. Pelo exposto, ao longo da história do treino existiram sempre mentes disruptivas que pensavam para além dos paradigmas e influências culturais vigentes.

(…)

Novamente (Jorge Braz, 2006), descreve que “em 1939, K. Grantyn publica em Moscovo um estudo que se intitula “Conteúdos e princípios gerais da preparação do treino desportivo“, onde tenta enunciar as características essenciais que deve ter a periodização do treino em todos os desportos”. Também (Jorge Gomes, 2004) aponta que Grantyn também alertou “para a manutenção da união entre especialização desportiva e formação geral e polidesportiva (Gomes, 2002)”. De acordo com (Rui Faria, 1999), o autor russo apresenta pela primeira vez “um ciclo anual de treino sem interrupção”, divide-o em “três grandes períodos”, aponta “conteúdos precisos para cada período” e “tem como objectivo encarar a competição no melhor estado de forma”. Especificando, o autor (Filipe Martins, 2003) acrescenta ainda que Grantyn “lança as bases de uma teoria geral do treino, propondo a divisão do ciclo anual em três etapas (de preparação, principal e de transição), com durações e objectivos determinados pelas características das modalidades”. Também (Francisco Seirul·lo Vargas, 1987) confirma estas ideias, reforçando que deste modo, com conteúdos precisos em função da modalidade permitiria “enfrentar a competição no melhor estado de forma”.

(…)

Exercício A-5TO3A [Subscrição Anual]

Publicamos um primeiro elemento do Programa de Treino. O exercício A-5TO3A. Lembramos que não se trata de um exercício concreto, mas de um tema numa perspectiva micro do Programa, que obedece a determinada lógica da respectiva sessão, do ciclo semanal e do programa ao nível da distribuição de conteúdos. Porém, associado a ele, publicamos também 6 propostas de exercícios concretos. Deixamos uma amostra do que ficará disponível na subscrição anual.

Deixamos alguns excertos da página do exercício A-5TO3A:

(…)

Ainda abordando a duração na sua relação com a pausa, mais concretamente, a densidade, torna-se fundamental que o(s) treinador(es) responsáveis pela operacionalização dos exercícios A-5TO3A e A-5TO3B, num ciclo semanal que sucede à competição, promovam pausas óptimas entre repetições e entre exercícios, para que os objectivos se mantenham em aquisição ou consolidação e paralelamente ajudem na recuperação e não resultem em significativo aumento de fadiga acumulada. Para tal, é fundamental a sensibilidade dos treinadores aos indicadores subjectivos de fadiga e engenho, criatividade e comunicação de forma a manipular a competitividade dos exercícios e os “quandos” e formas de os pausar. Neste contexto, de acordo com a treinadora (Marisa Gomes, 2011), jogadores em estado de fadiga, apresentam-se “contraídos, lentos e com uma enorme incapacidade para jogar com sucesso, com passes errados, com más decisões e com uma execução (drible, remate, desmarcação, etc)”. Segundo Paco Seirul·lo em (Zona Mister, 2016) um jogador fatigado apresenta “músculos tensos, menor tempo de reacção, e menor destreza mental”. Carlos Queiroz citado por (João Romano, 2007), partilha a mesma opinião ao referir “que quando uma equipa tem de enfrentar um jogo sem conseguir uma regeneração completa, do ponto de vista fisiológico e emocional, se ressente, através de menor concentração, menor entusiasmo, menor alegria, menor disponibilidade e menor eficiência. Assim, o surgimento da fadiga reflecte-se, em suma, numa diminuição da intensidade das acções”. Jogadores e outros autores, entre outras qualidades, referem também uma perda substancial de criatividade quando o jogador está sob fadiga, o que se torna facilmente explicável pela menor disponibilidade nervosa para a tarefa, levando o jogador a procurar se concentrar no essencial e no que apresenta padrão e conforto.

(…)

““como” tirar da zona de pressão para manter a posse de bola poderá estar no “proteger, rodar, passar”. Mas, tão importante como os “comos” são os “porquês”. Partindo do princípio que a equipa pretende ter a bola, quando não a tem deve ter o objectivo de a recuperar. Por sua vez, quando a recupera deve ter o objectivo… de a manter! Manter, com a consciência do que se pretende com essa manutenção. Não a posse pela posse, que fique claro. O que se pretende é desequilibrar a equipa adversária.”

(Mauro Santos, 2010)

 

Deixamos algumas ideias para o desenvolvimento deste exercício:

Exercício 166 | A-5TO3A-1 | Impedir a criação + Reação ao ganho + Valorização da posse de bola | Garantir imediatos apoios ao portador + Garantir imediata cobertura ofensiva + Tirar a bola da pressão + Aproveitar os espaços livres + Reorganização ofensiva + Critério na posse

Exercício 167 | A-5TO3A-2 | Impedir a criação + Reação ao ganho + Valorização da posse de bola | Garantir imediatos apoios ao portador + Garantir imediata cobertura ofensiva + Tirar a bola da pressão + Aproveitar os espaços livres + Reorganização ofensiva + Critério na posse

Exercício 168 | A-5TO3A-3 | Impedir a criação + Reação ao ganho + Valorização da posse de bola | Garantir imediatos apoios ao portador + Garantir imediata cobertura ofensiva + Tirar a bola da pressão + Aproveitar os espaços livres + Reorganização ofensiva + Critério na posse

Exercício 169 | A-5TO3A-4 | Impedir a criação + Reação ao ganho + Valorização da posse de bola | Garantir imediatos apoios ao portador + Garantir imediata cobertura ofensiva + Tirar a bola da pressão + Aproveitar os espaços livres + Reorganização ofensiva + Critério na posse

Exercício 170 | A-5TO3A-5 | Impedir a criação + Reação ao ganho + Valorização da posse de bola | Garantir imediatos apoios ao portador + Garantir imediata cobertura ofensiva + Tirar a bola da pressão + Aproveitar os espaços livres + Reorganização ofensiva + Critério na posse

Exercício 171 | A-5TO3A-6 | Impedir a criação + Reação ao ganho + Valorização da posse de bola | Garantir imediatos apoios ao portador + Garantir imediata cobertura ofensiva + Tirar a bola da pressão + Aproveitar os espaços livres + Reorganização ofensiva + Critério na posse

O início do século XX [Subscrição Anual]

Publicamos um subtema da História do treino do futebol, Trata-se do segundo capítulo denominado O início do século XX.

O tema O início do século XX, no nosso trabalho, situa-se em:

Deixamos excertos do tema O início do século XX:

 

“A evolução do Homem passa, necessariamente, pela busca do conhecimento.”

Sun Tzu

Após tentarmos compreender as origens e evolução do treino desportivo ao longo da história da humanidade aproximámo-nos rapidamente do presente. Alguns relatos descrevem que a meio do século XIX, as práticas desportivas apresentavam-se focadas no espectáculo e nas apostas sobre o resultado competitivo, concretamente através do Hipismo, Boxe e corridas pedestres. Neste enquadramento, dada a pressão para obtenção de resultados, tornou-se expectável um crescente investimento no treino desportivo. Contudo, como vimos atrás, foram os Jogos Olímpicos da era moderna que imprimiram outra evolução ao Treino Desportivo.

(…)

O autor (Filipe Martins, 2003) aponta que “tal como nos refere Silva (1998), as primeiras noções sobre a periodização do treino foram elaboradas por Murphy e Kotov (anos 10-20) que, pela primeira vez, evidenciaram a preocupação em organizar as actividades de treino com o intuito de melhorar o rendimento desportivo. Assim, agruparam os conteúdos e tarefas do treino em fases, visando uma progressão que permitisse obter um estado de forma no momento desejado da competição“. Segundo (Gonçalo Carvalho, 2019), “Murphy, em 1913, já considerava necessário um programa mínimo de 8 / 10 semanas para que o atleta pudesse competir ao seu mais alto nível”. Já (Francisco Seirul·lo Vargas 1987), acrescenta que “Murphy (1913) e Kotov (1916) que, se bem que não apresentavam ciclos de treino claramente definidos, agrupavam os conteúdos e as tarefas de treino em fases, que pretendiam uma progressão para obter o estado de forma no momento da competição“.

(…)

Exercício A-5TO2A [Subscrição Anual]

Publicamos um primeiro elemento do Programa de Treino. O exercício A-5TO2A. Lembramos que não se trata de um exercício concreto, mas de um tema numa perspectiva micro do Programa, que obedece a determinada lógica da respectiva sessão, do ciclo semanal e do programa ao nível da distribuição de conteúdos. Porém, associado a ele, publicamos também 6 ideias para exercícios concretos. Deixamos uma amostra do que ficará disponível na subscrição anual.

Deixamos alguns excertos da página do exercício A-5TO2A:

(…)

O fundamental passará por garantir a propensão desses princípios do Sub-Momento Reação ao Ganho e alguma variabilidade comportamental na concretização dos mesmos. Isso passará muito pelas regras de pontuação. Se por exemplo, o ponto for alcançado no momento de transição ofensiva garantirá esse maior foco dos jogadores, por outro lado, se é alcançado, por exemplo, saindo de da área de jogo em condução, passe ou finalizando em mini-balizas irá dessa forma promover outra riqueza comportamental preparando os jogadores para diferentes problemas. Deste modo, as variantes do exercício e a repetição do mesmo em ciclos posteriores deverá ter em conta esta preocupação.

Ao nível estrutural das equipas o exercício estimula uma dimensão grupal, não elevando nesta perspectiva a sua complexidade. Ou seja, não é imposta uma estrutura ou sub-estrutura posicional, deixando aos jogadores a auto-organização, nomeadamente ao nível posicional dentro de cada equipa. Contudo, se assim o entender como necessidade, e também dependendo do nível etário do contexto em questão, o treinador poderá solicitar a determinados jogadores, por exemplo, Médios-Centro, que estejam mais tempo na zona central das áreas de jogo, colocando-os assim mais próximos das circunstâncias que irão encontrar em jogo formal.

(…)

Assim, salvo alguma excepção estratégica para determinado treino ou para preparação de determinado jogo em contextos de rendimento, como defendemos que no início da semana os grupos / equipas na sessão deverão ser heterogéneos na perspectiva dos mais ou menos utilizados ou do rendimento que apresentam no momento, o treinador deverá promover constante variabilidade dos mesmos grupos / equipas ou mesmo manipulá-los em função de um eventual equilíbrio ao nível do rendimento colectivo. Indo mais longe nesta ideia, registando o trabalho realizado, a equipa técnica poderá identificar que jogadores estarão mais desnivelados neste trabalho, e perante isso a organização dos grupos / equipas poderá até potenciar sucesso ou insucesso levando a maior ou menor volume de trabalho de reforço para determinados jogadores. É um exemplo de preocupação ao nível do detalhe. Por outro lado, a realização deste trabalho entre exercícios promoverá também uma importante descontinuidade na intensidade e variabilidade do estímulo na sessão em causa, que como já vimos, torna-se muito importante neste dia do ciclo semanal.

(…)

“na crucial fase de transição (posse-perda-posse), os jogadores têm de saber «fazer a melhor escolha», e como elucida Rui Faria (2002): “evitando o passe de primeira estação, procurando que o passe não permita que a pressão que estava próxima, se transfira rapidamente para o colega que recebeu a bola” [exemplo de um subprincípio], e «adoptar a melhor posição» [que pode implicar troca de posições específicas], mais eficaz e possível, quando os jogadores estão identificados com os comportamentos e acções de uma outra posição (Rui Faria, 2002)

(Abílio Ramos, 2005)

(…)

Deixamos algumas ideias para o desenvolvimento deste exercício:

Exercício 160 | A-5TO2A-1 | Reação ao ganho + Reação à perda | Garantir imediatos apoios ao portador + Tirar a bola da pressão + Aproveitar os espaços livres

Exercício 161 | A-5TO2A-2 | Reação ao ganho + Reação à perda | Garantir imediatos apoios ao portador + Tirar a bola da pressão + Aproveitar os espaços livres

Exercício 162 | A-5TO2A-3 | Reação ao ganho + Reação à perda | Garantir imediatos apoios ao portador + Tirar a bola da pressão + Aproveitar os espaços livres

Exercício 163 | A-5TO2A-4 | Reação ao ganho + Reação à perda | Garantir imediatos apoios ao portador + Tirar a bola da pressão + Aproveitar os espaços livres

Exercício 164 | A-5TO2A-5 | Reação ao ganho + Reação à perda | Garantir imediatos apoios ao portador + Tirar a bola da pressão + Aproveitar os espaços livres

Exercício 165 | A-5TO2A-6 | Reação ao ganho + Reação à perda | Garantir imediatos apoios ao portador + Tirar a bola da pressão + Aproveitar os espaços livres

Os primórdios do Treino Desportivo [Subscrição Anual]

Publicamos um subtema da História do treino do futebol, Trata-se do primeiro capítulo desta história milenar denominado Os primórdios do Treino Desportivo.

O tema Os primórdios do Treino Desportivo, no nosso trabalho, situa-se em:

Este tema é constituído pelos seguintes capítulos:

  1. Uma questão de sobrevivência natural
  2. Uma questão de sobrevivência contra o próprio
  3. A emergência de propósitos mais elevados
  4. O início da cientificidade do treino
  5. O contexto particular do Futebol
  6. As bases do “desvio”

Deixamos alguns excertos do tema Os primórdios do Treino Desportivo.

 

“Não devemos exercitar o corpo sem a assistência conjunta da mente, nem exercitar a mente sem a assistência conjunta do corpo.”

Platão

(…)

O autor (Filipe Martins, 2003) desceve que de facto “o treino não é uma descoberta recente (Bompa, 1999). Segundo Sampedro (1999), já na antiguidade, o seu planeamento era uma prática muito habitual“. O autor (Fernando Alves, 2010), confirma que o mesmo “não faz parte apenas da sociedade moderna, já na antiguidade se treinava quer militarmente quer para as olimpíadas”. Deste modo, no plano geral, diversos autores apontam que os princípios do treino desportivo remontam ao Egipto e Grécia Antiga. O autor (Nick Bourne, 2016) confirma a ideia referindo que “as origens da periodização do treino remontam à Grécia Antiga, onde foram registadas as primeiras histórias de atletas”. Também (Fernando Mesquita, 2013) expõe que “a periodização teve a sua origem no Egipto e na Grécia antiga onde se realizava uma preparação, primeiramente para as batalhas e posteriormente com o surgimento dos Jogos Olímpicos, foi utilizada esta mesma periodização de forma a melhorar a performance dos atletas, tal como foi citado por Braz (2006), citando Dantas (2003), “de início utilizado apenas para fins militares e depois passou a ser utilizada com o objectivo de aumentar a performance na prática desportiva””.

(…)

Segundo a (Universidade do Futebol, 2008), nesta “fase, começou a surgir a necessidade de se estruturar o treino e compreender os resultados que se obtinha através desse treino“. O autor (Fernando Mesquita, 2013) relata ainda que “o desenvolvimento da Ciência do Treino Desportivo acompanhou a humanidade desde as civilizações primitivas, abrangendo o chamado período empírico, passando pelo renascimento e a idade moderna (período de improvisação). Contudo, foi somente no final do século XIX e início do XX que surgiu na Alemanha e na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) o conceito sobre o planeamento do treino desportivo (período da sistematização)“.

(…)

Estávamos perante uma fase em que se podia mesmo questionar a palavra treino, dado se tratar de um processo não intencional, organizado e orientado. No entanto, como também se treina, evolui e involui através da prática, na perspectiva da evolução geral do treino e do jogo, esta fase não se torna menos interessante e importante que as seguintes.

(…)

Neste enquadramento, o treinador (Jorge Braz, 2006) sustenta que o “processo de treino e, principalmente, as concepções de planeamento têm sofrido várias alterações ao longo dos tempos. Como refere Verchoshanskij (1990) o planeamento do treino que os treinadores utilizavam tinha como base a experiência pessoal, o método de ensaio-erro, a intuição e alguns princípios lógicos mas a evolução trouxe motivações e pressupostos mais objectivos”. Mesmo que desviados da realidade específica de cada desporto. Também (Silveira Ramos, 2003) expõe que “a evolução das práticas de treino no futebol seguiu, ao longo dos tempos, em termos gerais, um percurso que dependeu de duas influências: por um lado da própria dinâmica da modalidade e das necessidades de dar respostas às situações da competição e, por outro, das ideias gerais da actividade desportiva, nomeadamente no âmbito do treino desportivo”.

 

“Ninguém está tão sujeito ao erro como os que só fazem reflexões. A prática é o que afina o que pensamos.”

(Vítor Frade, 2017)

Exercício A-5TO1A [Subscrição Anual]

Publicamos um primeiro elemento do Programa de Treino. O exercício A-5TO1A. Esclarecemos que não se trata de um exercício concreto, mas de um tema numa perspectiva micro do Programa, que obedece a determinada lógica da respectiva sessão, do ciclo semanal e do programa ao nível da distribuição de conteúdos. Porém, associado a ele, publicamos também 6 ideias para exercícios concretos. Deixamos uma amostra do que ficará disponível na subscrição anual.

Deixamos alguns excertos da página do exercício A-5TO1A:

(…)

Lembrando o objetivo de base ser a recuperação, então o feedback sobre posicionamentos, decisões ou execuções deve ser nulo. Será uma potencial fonte de fadiga o que se torna o oposto do pretendido. Excepções podem ser a promoção de um clima alegre, positivo e de descontração, ou obviamente a intervenção sobre situações desviantes. Parece-nos também interessante um ou mais técnicos, em determinados momentos, integrarem esta parte do treino de forma a potenciar a coesão entre jogadores e equipa técnica. Por outro lado, a competição inerente proporcionará a necessária concentração.

“O problema não é se é lúdico. Você pode fazer os 3×3 de maneira lúdica, basta dizer «quem perder depois paga um Sumol aos outros, ou leva os outros às cavalitas, ou vai buscar as bolas …» tem que ter sempre esse lado lúdico, empenhado emocionalmente. Porque uma coisa que me transtorna é ver os jogos, sobretudo dos putos, e eu lembrar-me que vou a alguns funerais e vejo gente mais alegre que os putos a jogar, e é isso que o futebol não deve ser. O Valdano é que diz, “se a cara não ri, como podem os pés rir? !’’ É preciso sentir prazer e alegria a jogar. O facto de estar a fazer recuperação para eles deve ter sempre um carácter lúdico.”

Vítor Frade em entrevista a (Xavier Tamarit, 2013)

Cabe a cada Treinador criar de raiz, ou inspirar-se em exercícios já existentes e criar os que melhor se adequem às necessidades da sua equipa e do momento. Com sentido e articulação, integrados numa lógica horizontal e vertical de planeamento, uma impactante liderança será posteriormente decisiva na sua operacionalização para que os mesmos tenham de facto valor. Trazemos algumas ideias para este exercício. É certo que no futuro surgirão mais.

 

Exercício 154 | A-5TO1A-1 | Team-Building + Acções Individuais Ofensivas | Passe + Recepção + Cabeceamento

Exercício 155 | A-5TO1A-2 | Team-Building + Acções Individuais Ofensivas | Passe + Recepção + Cabeceamento

Exercício 156 | A-5TO1A-3 | Team-Building + Acções Individuais Ofensivas | Passe + Recepção + Cabeceamento

Exercício 157 | A-5TO1A-4 | Team-Building + Acções Individuais Ofensivas | Passe + Recepção + Cabeceamento

Exercício 158 | A-5TO1A-5 | Team-Building + Acções Individuais Ofensivas | Passe + Recepção + Cabeceamento

Exercício 159 | A-5TO1A-6 | Team-Building + Acções Individuais Ofensivas | Passe + Recepção + Cabeceamento

Dawn of the Dead

“A única forma de construir uma equipa é reunir jogadores que falem a mesma língua e que saibam jogar em equipa. Não se consegue atingir nada sozinho e, se o fizer, isso não dura muito tempo. Costumo citar o que Michelangelo disse: ‘O espírito guia a mão’.”

(Arrigo Sacchi)

Tal como o filme Dawn of the Dead de 1978 foi alvo de um remake por Zack Snyder em 2004, hoje assistimos no Futebol a um remake do método defensivo individual. E tal como nos filmes, estamos perante um fenómeno “morto-vivo” e os momentos de “terror” vão-se acumulando dentro do campo.

“Quem marca ao homem corre por onde o adversário quer. Essa caçada tem por fim capturar o inimigo, mas o meio usado converte o caçador em prisioneiro.”

(Jorge Valdano, 2002)

Vários treinadores e analistas defendem o regresso da defesa individual com argumentos que favorecem uma maior agressividade e capacidade pressionante das equipas e de pressão sobre jogadores considerados fundamentais na Construção e Criação adversária. Este último também ele um argumento clássico, como a responsabilização individual de quem defende, entre outros mais. Ora, jogadores e equipas que individual e colectivamente tenham essa predisposição e maior agressividade no momento defensivo podem esconder em alguns jogos ou momentos as razões para a falência da ideia. Tal como sucedeu no passado. Na actualidade, a recuperação do método também apresenta sucesso, a espaços, por ser algo diferente e inovador do que se tornou norma. Consequentemente muitas equipas não se apresentam preparadas para defrontar adversários que defendam dessa forma.

Seja na preparação de uma equipa de Rendimento, mas também em debilidades identificadas do processo formativo dos jogadores, que julgando a Defesa Individual totalmente ineficaz e mesmo, morta, determinadas decisões técnicas não confrontam os jogadores com esse género de problemas. Mas evidentemente, de forma mais basilar, este fenómeno também revela lacunas ofensivas no processo formativo não só nos princípios específicos da Mobilidade e Espaço, mas também na própria Progressão / Penetração. Por outro lado há que reconhecer que tudo o que é novidade e pensamento divergente (neste caso apenas aparentemente), trará problemas e desafios. Mesmo algo que se considerava menos eficiente e mesmo em vias de extinção.

Hoje, determinados Modelos, assentes numa Ideia de jogo posicional muito rígida e cristalizada, gerando pouca mobilidade e permutas entre jogadores apresentam natural dificuldade contra equipas que defendam individualmente adversários directos, cortando assim todas as soluções de passe, ou pelo menos as mais próximas e seguras. Naturalmente nos casos onde, individualmente, a qualidade dos jogadores é similar. Nos outros casos, potenciar duelos de 1×1, será natural que o jogador de maior qualidade impere. Um dos melhores jogadores de todos os tempos, Diego Armando Maradona citado por (Tobar, 2010), vai ao encontro desta ideia e explica que “com os anos, compreendi que eu gostava mais que me marcassem homem a homem porque me livrava facilmente deles e ficava livre. Ao contrário da marcação a zona que era muito mais complicado”. É muito provável que estivesse aí a incluir o AC Milan de Arrigo Sacchi, equipa que defrontou em Itália. Noutro exemplo, porém colectivo, a Holanda de 74, de Rinus Michels, fez verdadeiramente diferente da norma naquele momento da evolução do jogo, e entre outras qualidades, e uma das razões para o seu reconhecido sucesso, perante a enorme mobilidade com que os seus jogadores actuavam, acabou por criar grandes problemas e mesmo colocar em causa o método individual.

Segundo o autor (Jorge D., 2011) e reforçado pelas situações retratadas do AC Milan actual, quem defende com referências individuais, “em vez de se preocupar em cortar espaço ao portador da bola, condicionando assim a sua decisão e roubar a profundidade da desmarcação, decide acompanhar as desmarcações que se aproximam da baliza, pelas quais foram arrastados, originando assim o alargamento do espaço entre linhas assim como dos indivíduos da própria linha (Defesas-Centrais e Defesas-Laterais)”. Também de acordo com (Pedro Bouças, 2010), “equipa que marca homem a homem, torna-se na presa, quando o adversário abusa do princípio da mobilidade. Move-se por onde o adversário quer”.

Porém, apesar de casos de pontual sucesso, isso não quer dizer, numa visão macro do fenómeno, que métodos individuais tragam igual ou mais rendimento que métodos colectivos. Existe por vezes a tendência de afirmar que não há coisas melhores nem piores no Futebol. Tal como na vida. Mas se a realidade é complexa e não linear, e tudo tem pelo menos um limiar mínimo de diferença, então, coisas, acontecimentos, fenómenos, decisões, etc… diferentes, irão produzir resultados… diferentes. Por vezes até, e trazendo o clássico exemplo da borboleta da Teoria do Caos, produzindo resultados muito díspares perante acontecimentos aparentemente apenas ligeiramente diferentes. Se reconhecidamente estamos no âmbito de um sistema complexo e dinâmico, então estamos perante extrema sensibilidade às condições iniciais. Portanto, nos Desportos… Colectivos, tal qual vemos a sociedade em geral, um método de jogo, seja defensivo ou ofensivo, Individual e não… Colectivo, irá trazer problemas, ineficiência e ineficácia, dado o desfasamento das necessidades da realidade em causa. Tal como na sociedade. Até podemos ter sucesso pontual individual, mas não iremos subsistir a prazo enquanto espécie. Deixamos também a questão no âmbito da Ciência Militar. Será que algum General alguma vez definiu uma estratégia para um confronto assente no individualismo? Mesmo ao nível mais elementar dos exércitos, do ponto de vista estratégico ou táctico, se possível, o pensamento é no mínimo, grupal…

Nesta linha de pensamento, recuperando ideias ainda actuais, na opinião de (Pedro Bouças, 2011), “DEFENDER O QUÊ? deve ser a primeira pergunta que se deve colocar, quando se pretende definir o método defensivo. Se não há certo ou errado, garantidamente que há melhor e pior”. O autor sustenta que “a melhor resposta é seguramente, a que afirmar que se deve defender a baliza. Não o adversário. A baliza. O posicionamento defensivo que se centra no tapar o caminho para a sua baliza, é francamente melhor que aquele que pretende defender os adversários”. Johan Cruyff reconhecido pelas suas ideias ofensivas, torna expressa a interdependência dos momentos ofensivos e defensivos, ao defender que a qualidade defensiva é directamente influenciada pela quantidade de espaço que um jogador tem que defender. Deste modo, o lendário jogador e treinador holandês descreve que se um jogador tem de defender o campo todo, será potencialmente um terrível defensor, porém se defender um espaço reduzido poderá ser um bom defensor, sustando assim ser tudo uma questão de espaço! Também o treinador português (Carlos Carvalhal, 2010) reforça a ideia através da sua experiência como jogador: “fui defesa central e percebo muito bem esta posição! Mais importante que perseguir adversários e fazer carrinhos nas laterais do campo, é absolutamente necessário saber guardar o seu espaço e não permitir que qualquer adversário (não só os avançados) possa entrar nesse espaço para fazer golo.

“No segundo ano de iniciado no Braga, começámos a experimentar esta nova solução porque, tanto eu como o meu novo colega de equipa (Boticas), não éramos o protótipo do libero e possuíamos características idênticas. As vantagens eram muitas porque dividíamos o espaço: se o avançado viesse para a esquerda, eu marcava e ele fazia cobertura; se fosse para a direita, ele marcava e eu fazia cobertura. Sentíamo-nos confortáveis a jogar assim, corríamos menos e tínhamos a convicção de que era mais complicado para o avançado contrário, porque tinha os espaços bloqueados. No fundo, a grande diferença era que não andávamos atrás do avançado, ele vinha ter connosco. Começámos também a entender que, embora exigisse mais concentração no fechar dos espaços, criava muitas dificuldades às equipas que pretendiam que outros jogadores fizessem desmarcações de rutura em função da mobilidade do avançado. Era o início do entendimento do que era “Jogar à zona”. Nessa altura, comecei a perceber a importância de “fechar espaço” para quem está a defender e “criar espaço” para quem está a atacar. A relação com os laterais era também importante para fechar os espaços. Pelo facto de sofrermos alguns golos, porque o defesa do lado contrário marcava em cima o adversário e existia um grande espaço entre o defesa central e este, fui tentando ajudar a organizar as minhas defesas. (A preocupação dos treinadores com a defesa não era uma prioridade, na altura! Se cada um marcasse o seu, a defesa estava organizada — não estava ainda desenvolvido o conceito de zona). Assim, ia sugerindo aos defesas laterais que fechassem o espaço interior, quando a bola estava do lado contrário, e tentava explicar as vantagens de fechar esse espaço. Umas vezes, era entendido. Mas, muitas vezes, o receio de deixar o extremo sozinho sem marcação era tal que esta tarefa era impossível. Até porque, na altura, existia muita responsabilização individual por falta de marcação ao adversário direto. Recordo-me, uma vez, de insistir com o defesa esquerdo para fechar o espaço entre mim e ele, quando a bola estava no lado contrário. Ele ia-me dizendo, “Carlos eu fecho e, depois, o extremo fica sozinho! Se ele marca golo ou cruza, o treinador vai-me dar cabo da cabeça!” Eu lá lhe ia explicando que era mais importante fechar os espaços interiores, porque tinha sempre tempo para pressionar o seu adversário direto enquanto a bola viajava de um lado para o outro.”

(Carlos Carvalhal, 2014)

O relato de Carlos Carvalhal torna-se precioso, mas não novidade. Se nos recordarmos do Futebol que jogávamos na “rua”, sem treinadores, em regime de auto-descoberta, na interacção que estabelecíamos com os nossos companheiros e adversários, o próprio jogo ensináva-nos que o melhor caminho para defender era de forma… colectiva. E dificilmente nos ensinava outro. Havia sempre alguém que tinha assistido, ao vivo ou na televisão, a um grande desempenho de um jogador em marcação individual, ou ouvido adultos a comentar algo desse género, e como bom imitador de ídolos tal qual todos éramos, informava… “hoje marco o João que é o melhor jogador deles!”. Perante a falta de liberdade, desgaste, e condicionamento que a missão lhe proporcionava nos seus momentos ofensivos, ao fim de 5 minutos de jogo, desistia do “João” e empenhava-se em realmente… jogar. O jogo ensinava-nos então, aquando da bola na posse do adversário, que as prioridades deviam ser a nossa baliza, a bola, os espaços, as linhas de passe mais próximas, a posição dos nossos companheiros e finalmente a dos nossos adversários. Jogando sem fora-de-jogo como usualmente sucedia na “rua” e no Futsal, a única excepção seria o adversário esperto que se colocava entre o nosso último defensor e o nosso Guarda-Redes. Nesse caso esse precisava de maior vigilância.

Analisando o Futebol de uma perspectiva macro, e mesmo a evolução científica e filosófica em geral, somos levados a acreditar, que na sociedade dos adultos, impregnada pelo pensamento cartesiano, analítico, mecânico, e pelo reducionismo e atomismo clássicos, tal qual muitas outras ideias como também se torna exemplo a evolução dos métodos de treino, a defesa individual foi algo que o treinador trouxe para o jogo, numa tentativa de simplificar o complexo, de dividir o indivisível, de controlar o incontrolável, de reduzir empobrecendo… Neste enquadramento, ao contrário do que o próprio jogo nos ensinava, o treinador passou a última prioridade: os adversários, para o topo da lista. Indo mais longe, influenciado também pela clássica visão egocêntrica da realidade, na qual o homem tem que estar sempre no centro de tudo.

Mas na verdadeira realidade, a… complexa, temos como consequência a também não linearidade da evolução. Deste modo, também num contexto de esquecimento de uma história assim não tão antiga, mas fundamentalmente como vimos atrás, pela renovidade que a ideia traz ao jogo e sucesso pontual que promove, também não é de espantar estarmos, na nossa opinião, a dar um passo atrás. Esperando sempre que, à boa imagem do que tem sido até agora a história evolutiva da nossa espécie, seja para posteriormente darmos dois à frente.

O autor (Nuno Amieiro, 2004), na sua tese e livro sobre a Defesa Zona, expunha que “no seu livro, Jorge Valdano falava apaixonadamente sobre a «zona», parafraseava Menotti (“A zona é liberdade”), Maturana (“A zona faz da defesa a arte de atacar”) e deliciava-me com as descrições da «zona» inteligente, agressiva e harmoniosa do Milan de Sacchi. A «zona» de que Valdano falava aproxima-se da «zona» com que tive, pela primeira vez, contacto, aquela a que, superficial e esporadicamente, o professor Vitor Frade fazia referência nas aulas”. Neste sentido, trazemos outra ideia. A Defesa Zona, induz muitas vezes as pessoas em erro, pela interpretação literal que dela fazem. Defender Zona não implica defender só zonas ou espaços, como vimos atrás. Implica uma preocupação até maior com outras referências do jogo como a nossa baliza e a bola, e ainda outras como as linhas de passe mais próximas, companheiros e adversários. Mas acima de tudo uma preocupação pelo sistema dinâmico que o jogo representa, e dessa forma pela implicitude da interacção. Como Vítor Frade sustentou no seu projecto de Doutoramento em 1990: A interacção, invariante estrutural da estrutura do rendimento do Futebol. A Defesa Zona implica então um pensamento… colectivo. Logo, também em contra-ponto à Defesa Individual, não será mais apropriado lhe chamarmos… Defesa Colectiva?

Novamente (Nuno Amieiro, 2004), parece concordar e apresentar argumentos reforçando essa ideia ao descrever que “são três pressupostos tácticos fundamentais desta forma de organização defensiva. São estas referências defensivas colectivas que, quando correctamente perspectivadas, nos permitem obter superioridade posicional, temporal e numérica na defesa. No fundo, ao manifestar-se, a «zona» expressa:

  • Um «padrão defensivo colectivo»;
  • Complexo, é verdade;
  • Mas também dinâmico e adaptativo;
  • Compacto, homogéneo e solidário.

Serão estas «propriedades», emergentes da coordenação colectiva, a dar verdadeira coesão defensiva à equipa. Esta forma de organização defensiva revela-se, como tal, não só a mais eficaz defensivamente, mas também a que, de longe, melhor responde à «inteireza inquebrantável do jogo». Revela-se, assim, uma necessidade face à «inteireza inquebrantável» que o «jogar» deve manifestar. Não é de estranhar, portanto, que este seja o «padrão defensivo» das equipas de top”.

Arrigo Sacchi, a propósito do seu AC Milan, relata que conseguiu “convencer Gullit e Van Basten dizendo-lhes que cinco jogadores organizados seriam capaz de vencer dez jogadores desorganizados. E eu também consegui provar isto. Peguei em cinco jogadores, Galli na baliza e depois Tassoti, Maldini, Costacurta e Baresi. Do outro lado, coloquei 10, Gullit, Van Basten, Rijkaard, Virdis, Evani, Ancelotti, Colombo, Donadoni, Lantignotti e Massaro. O grupo composto por 10 elementos tinha 15 minutos para marcar contra os meus organizados. Só havia uma única regra, se nós recuperamos a bola, a outra equipa tinha de começar desde trás novamente, 10 metros antes do meio campo. Continuei a fazer. A equipa com 10 elementos nunca conseguiu marcar, nem uma vez”. Não queremos imaginar Sacchi, e mesmo Capello, a assistirem à “organização defensiva” do actual AC Milan…

“Apesar de estarmos na II Divisão, fomos o primeiro clube alemão a jogar em 4x4x2 sem libero. Vimos um vídeo muito chato, mais de 500 vezes, com o Sacchi a treinar a defesa, sem bola, com o Maldini, Baresi e Albertini. Pensávamos que se os outros fossem melhores tínhamos de perder. Depois aprendemos que tudo é possível, podemos bater os melhores usando táticas.”

(Jürgen Klopp, 2013) sobre a influência de Wolfgang Frank, que treinou Klopp no Mainz e era um admirador dos métodos de Arrigo Sacchi no AC Milan