Etapa de integração na equipa A
“Acho que é com o tempo, com a repetição, com o número de jogo, com o número de estágios, aos poucos… E aquele “uau! estou a jogar com «não sei quem»!” acaba por desaparecer aos poucos. E quando nos sentimos realmente parte da equipa deixamos de olhar para o lado e pensar o “uau!”. Já nos sentimos parte dessa grandeza. Acho que a forma como as pessoas mais velhas recebem e tentam integrar os mais novos é sem dúvida o mais importante.”
(Bernardo Silva, 2024)
A entrevista de Kökçü, mas em… bom. Bruno Fernandes exemplifica.
“As premissas são fundamentais para uma equipa ganhadora: primeiro está a equipa, depois a equipa e só depois… a equipa; nenhum jogador está acima do colectivo; o aproveitamento do talento individual faz todo o sentido, desde que este beneficie o colectivo; os jogadores são todos diferentes, contribuem para o colectivo de forma diferenciada mas esse contributo visa sempre os interesses colectivos; a organização colectiva é o pilar fundamental no sucesso.”
(Carlos Carvalhal, 2010)
Na polémica recente entrevista de Orkun Kökçü, a qual para já lhe valeu por decisão de Roger Schmidt a ausência da convocatória no último jogo, o jogador turco procurava manifestar alguns sentimentos e opiniões sobre as funções que tem desempenhado na actual equipa do Benfica. Muito haveria a reflectir sobre tudo isto, desde a liderança, a coesão e o entrosamento da equipa e a sua involução perante o desempenho que mostrou em grande parte da época passada, a intenção prévia – a Ideia e o que de facto se passa – o Modelo, as reais funções de alguns jogadores, as diferenças culturais entre o campeonato holandês e o português, entre outra infinidade de temas que nos são visíveis. No entanto, haverão muitos mais que ficam para lá do que nos é possível observar, e sendo uma equipa um sistema complexo, qualquer deles pode ter sido decisivo para que o actual contexto e desfecho tenha sido este. Deste modo, uma opinião sólida sobre o problema Kökçü parece-nos muito arriscada e com grande potencial de falibilidade.
Porém, num plano geral, incontornáveis tornam-se o conteúdo e a forma como a entrevista foi dada, uma vez que não nos parece que o problema tenha sido a tradução. E não o timing como várias vezes já foi referido. Até porque damos o exemplo de outra entrevista de timing idêntico, em que toca no contexto de uma equipa que apresenta ainda menor rendimento e simultaneamente maior investimento. No entanto, nesse caso as ideias são passadas de forma clara e respeitosa perante a liderança do seu treinador e clube. Mas a maior coincidência serão mesmo os actuais papéis e características idênticas dos dois jogadores nas respectivas equipas. Pese a relatividade da comparação. Referimo-nos à entrevista de Bruno Fernandes, publicada nestes dias no jornal A Bola.
À pergunta de Luís Mateus sobre o actual papel de Bruno Fernandes como Avançado, por vezes sozinho até, o jogador portugês refere:
“não é a falso 9. Não faço esses movimentos. Os que faço não são de um falso 9 porque não estou muito habituado. Tento ao máximo fazer aqueles movimentos que o treinador quer. Ele também me pede para baixar, porque as minhas qualidades não são de estar ali na última linha e lutar com os centrais, embora possa e tente fazê-lo ao máximo quando é preciso e a equipa necessita. Já joguei, no entanto, sobretudo na época passada com o mister Ten Hag, mais baixo. Inclusive, contra o Everton, joguei a 6 e ainda acho que foi dos jogos mais completos que fiz, a todos os níveis. A nível do passe, da organização de jogo, defensivo, táctico… Tenho um pouco na minha cabeça que vou acabar a carreira mais para trás, porque toda a gente que aí começou e passou para 10 acabou por recuar no campo no final. É uma posição de que gosto, jogar mais baixo, mais de frente para o jogo. Com bola, facilita muito o meu jogo porque tenho uma visão mais ampla do jogo e ideal para aquilo que falámos do último passe… que pode, por vezes, sair de mais baixo no terreno. O jogo com o Everton foi aquele em que mais ocasiões de golo criei mesmo jogando mais baixo e não jogando como 10.”
(Bruno Fernandes, 2024)
Sublinhamos o elogio a Bruno Fernandes. Já no passado, em várias entrevistas, mostrou na esfera do consciente a riqueza do seu conhecimento do jogo. O tal saber sobre o saber jogar, o apetite pelo conhecimento e a importância que dá a tudo isso para se tornar melhor jogador e contribuir para uma melhor equipa. No final da entrevista acaba por referir isso mesmo. E independentemente de abordar o actual jogo do Manchester United, o seu papel e as suas características, fê-lo sem desrespeitar a liderança do seu treinador.
Com a evolução que o jogo e os jogadores manifestaram, actualmente não é admissível esperar e exigir dos jogadores total silêncio sobre a visão dos seus papéis, respectivas equipas, expectativas, ideias e até evolução do jogo. Se no passado eram alvo de crítica pela ausência, precisamente, de pensamento crítico, hoje, a condenação do mesmo não será coerente, nem será esse o caminho para a evolução das equipas e do jogo. Aliás, era precisamente esse o elogio que o selecionador português realizava num excerto de uma entrevista que publicámos há alguns dias atrás relativamente ao que encontrou no jogador português. E tal como Bruno Fernandes o demonstra.
Desta forma, neste momento o desafio é colocado à liderança de treinadores e clubes. Contudo, não no sentido da autocracia e autoritarismo. Mas sim pela construção de uma liderança pela competência, pelo exemplo, integrada, servidora, transformacional, mas claro, justa e assertiva. Até porque, também de acordo com diversos treinadores e autores, cremos que será nesse tipo de relação e contexto que será não só possível retirar o máximo potencial dos jogadores, mas também proporcionar o ambiente ideal para que emerja a criatividade. E que eduque e balize, o conhecimento e a comunicação dos jogadores com o exterior, até porque daí também se podem recolher dividendos. Hoje um jogador também é mais valorizado quando demonstra o conhecimento que por exemplo Bruno Fernandes demonstra. Uma vez mais, estamos perante um sistema complexo, onde em qualquer dimensão podemos acrescentar ou subtrair, tendo em conta a meta que almejamos: o rendimento.
“A geração que está, e quando digo geração estou a pensar nos que têm 17 e 39 anos, é formada por jogadores com cultura táctica tão grande que quando falam é uau! É incrível. Têm uma linguagem, conhecimento e uma mentalidade completamente diferente.”
(Vítor Matos, 2024)
Agora, algo que dificilmente retrocederá será a evolução que, o contexto geral e os jogadores em particular registaram. Não são por acaso as palavras de Roberto Martínez e não será também por acaso o actual sucesso do jogador português no panorama do Futebol Mundial e consequentemente a riqueza de qualidade individual que a nossa selecção neste momento dispõe. E sublinhamos: perante um país pequeno do ponto de vista populacional, dos seus recursos e com vários problemas e desafios sociais pela frente.
“A nossa matéria-prima é aquilo que temos entre as orelhas.”
(Agostinho da Silva)
“Temos um balneário muito forte em que os jogadores foram seleccionados a dedo, mais do que pelas razões futebolísticas, pelo carácter”
“É o homem que se é que triunfa no treinador que se pode ser.”
(Manuel Sérgio, 2009)
O Desporto Escolar enquanto oportunidade para passar valores. A jogadores, treinadores e pais.
“O técnico aponta para o desporto escolar como caminho para criar a cultura desportiva que falta e que poderia gerar interesse e aumentar a presença em estádios e pavilhões para jogos ao vivo, algo ainda em falta num país que já consegue formar atletas incríveis.”
(Vítor Matos, 2024)
O pensamento de Vítor Matos sobre o Desporto Escolar é sem dúvida interessante e importante, sendo fundamental a reflexão sobre o papel do mesmo no desenvolvimento do Desporto associativo.
Se do ponto de vista desportivo, um maior investimento neste contexto propiciaria mais um espaço que procurasse colmatar o desaparecimento das práticas e jogos que se realizavam na “rua”. Simultaneamente permitiria oportunidade de prática e evolução aos jovens que, ou ainda não manifestam o desejo de progredir no seu percurso desportivo, ou que não são seleccionados para o desporto formal (clubes). É sabido que os timings de maturação e desenvolvimento são diferentes para cada um e que muitos, também por essas razões acabam por não encaixar imediatamente nos clubes. Esse é outro problema, outra discussão.
“Está a acontecer uma espécie de fabricação de campeões em laboratório, o que é uma ilusão. Tem de haver um trabalho correto ao nível do clube, da escola, do desporto escolar, da educação física… Porque o trabalho no clube e no desporto escolar é para os que têm mais jeito, mas a educação física é para todos. Mas em todos estes casos há que respeitar as tais etapas de desenvolvimento das crianças e dar-lhes autonomia e liberdade de participação.”
(Carlos Neto, 2017)
Porém, o Desporto Escolar nunca será o verdadeiro substituto da “rua” e o principal meio introdutório da criança ao jogo e ao desporto. Deste modo tudo deverá ser feito para preservar a “rua” e todas as suas qualidades. Desde logo por ser genuinamente prática deliberada, território sagrado da autonomia, da auto-aprendizagem, da criatividade e derradeiramente, da… liberdade. Porque o Desporto Escolar será sempre dirigido por adultos, com tudo o que de bom e mau estes potencialmente podem trazer. Paralelamente, se no mesmo também há assistência, nomeadamente dos pais, isso torna o contexto abissalmente diferente.
E sobre estas duas últimas características, torna-se importante dar dois exemplos negativos, até para percebermos o que urge mudar. No actual Desporto Escolar existem treinadores que o conduzem como se tratasse do desporto de rendimento dos adultos. Existem exemplos de treinadores que, em competição, deixam, sistematicamente, jovens jogadores e jogadoras com pouca ou sem qualquer minuto de utilização. Tudo pelo resultado. Se já seria altamente questionável em treinadores de formação, quando são professores de Educação Física a fazê-lo, se a situação já era grave, torna-se ainda mais perversa. Ou, noutro exemplo, quando o feedback e o estilo de liderança na relação como os jogadores / jogadoras é tão agressivo e autocrático que até com adultos os mesmos seriam questionáveis.
Por outro lado, os maus exemplos também vêm da assistência, propriamente dos pais. Exemplos de palavras agressivas, injuriosa e repletas de ódio, contra árbitros, adversários e os próprios filhos chegam-nos com uma frequência assustadora. Inclusive relatos de agressões entre pais. Futsal, basquetebol, voleibol. Não é o desporto em si e até os maus exemplos que possam vir do desporto de rendimento que são decisivos. O que é decisivo, são a falta de regras, de educação, de valores. Dos adultos. Sendo que a crescente desvalorização dos contextos informais, semi-formais, formais e da própria educação física contribuem decisivamente para sintomas preocupantes que vamos assistindo na nossa sociedade. Porque, quer acreditem, quer não, o desporto e o jogo, são um dos principais veículos de transmissão de… bons… valores.
Assim, concordando com as palavras de Vítor Matos, mas mais do que cresçam em número, preocupa-nos que os espectadores cresçam em qualidade. Será um enorme desafio para o Desporto Escolar, mas também para o federado, a educação desses espectadores. Até porque o cenário alternativo, a proibição de espectadores no Desporto Escolar e mesmo no federado de Formação, colocando a possibilidade de resolver o problema a curto prazo, criará um ambiente hermético que não preparará os jovens desportistas para a pressão que mais tarde irão ser sujeitos na eventualidade de progredirem para o desporto de rendimento. Mas até podemos até acrescentar… em muitas outras vias profissionais. Por outro lado, proibindo espectadores nesses contextos, perder-se-á essa oportunidade preciosa de fazer reflectir e passar valores em quem frequenta a bancada. Porque nunca é tarde para crescer.
“Devemos olhar para os espaços de treino com mais cuidado; devemos olhar para a formação de treinadores com mais cuidado; devemos olhar para o desporto escolar com muitíssimo cuidado e atenção, pois é o desporto escolar que é o início de tudo. Se Espanha, Alemanha e Inglaterra avançaram, esteve tudo muito na base do desporto escolar, na forma como os professores e a dinâmica do ensino despertou os alunos para aquilo que são as necessidades da prática desportiva e despertou os pais para esse fenómeno.”
(Luís Castro, 2018)
A culpa não é sempre dos outros
Kiki Afonso toca num ponto fundamental da relação treinador / jogador. É recorrente um jogador insatisfeito culpar o treinador por não ser opção. De certa parte é humano um sentimento de auto-defesa e de orgulho na sua qualidade. O que se torna excessivo, e muitas vezes impulsionado por pessoas próximas de si como familiares, amigos e empresário, será um sentimento egocêntrico em que os companheiros / concorrência têm sempre menos valor, ou pior ainda, que não é apreciado pelo treinador. A manifestação directa ou indirecta de tais sentimentos, certamente não ajudará na relação, mas o importante aqui é perceber a profundidade de tal ideia / sentimento / atitude.
Deste modo, tal demonstra do ponto de vista individual, ao nível do auto-conhecimento, compromisso, entrega e superação, sérias lacunas. E principalmente… respeito. Referimo-nos, neste caso, ao respeito do jogador por si próprio, pelo talento e qualidade que construiu, fruto de tantos anos de paixão pelo jogo, dedicação e escolhas por vezes difíceis.
Tal como o erro se torna uma oportunidade de aprendizagem, não ser opção torna-se uma oportunidade de alguém creditado para tal, e que com certeza desejará o rendimento máximo do jogador, apontar lacunas, pontos de melhoria e oportunidades de crescimento. No fundo, o caminho para a superação. E tal só será obtido com compromisso. Como o reconhecido treinador de Atletismo, Moniz Pereira dizia, “há treino todos os dias”. Tal atitude ambiciosa só poderá ser valorizada por quem decide a selecção da equipa, como torna a mentalidade do jogador mais forte e saudável, portanto, mais próxima do melhor rendimento.
“Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes.”
Ricardo Reis
“perhaps the most delightful example in the pre-internet era of a manager communicating in this way came from Brian Clough”
“perhaps the most delightful example in the pre-internet era of a manager communicating in this way came from Brian Clough at Nottingham Forest. He had noticed more bad language than ever coming from the home supporters. One day, arriving for a home game, the supporters were greeted by a hand-written sign: ‘Gentlemen. No swearing, please. Brian.’ The swearing is reputed to have stopped almost the same day. In the intense relationship between manager and fans, simple messages can have a massive impact.”
(Mike Carson, 2013)
O Manchester United de Matt Busby… o regresso
Na sequência da primeira publicação sobre a extraordinária história do Manchester United de Matt Busby, publicamos a segunda parte.
O Manchester United de Matt Busby foi um exemplo inspirador de liderança e valores humanos, especialmente perante o terrível acidente aéreo que a equipa, o treinador e o clube sofreram em 1958. O desastre de Munique, como ficou conhecido, foi uma tragédia que abalou todo o universo do futebol, tirando a vida de vários jogadores e membros da equipa técnica, além de deixar muitos outros gravemente feridos. Um deles, o próprio treinador.
Apesar de destroçado, Busby foi um exemplo de enorme coragem. O que se seguiu ao desastre mostrou a resiliência, a solidariedade e a coesão que caracterizavam o Manchester United sob a sua liderança. Apesar da devastação, Busby e o clube recusaram-se a desistir. Com determinação e coragem, reconstruíram a equipa e continuaram a lutar em honra daqueles que perderam as suas vidas. Este período difícil na história do Manchester United demonstrou não apenas a força do carácter de Matt Busby como líder, mas atrás disso, o seu profundo compromisso com os valores humanos. Ele não dirigiu a equipa apenas com competência e visão, mas também cuidou dos seus jogadores como uma família, mostrando empatia, compaixão e apoio inabalável.
O legado deixado por Matt Busby e pelo Manchester United após o desastre de Munique vai muito além do futebol. É um testemunho inspirador de como uma liderança virada para as pessoas pode superar até as adversidades mais terríveis. O Manchester United de Busby permanece um símbolo de esperança e perseverança, lembrando-nos da importância de nunca desistir, mesmo nos momentos mais sombrios.
“O sucesso nunca é permanente, e o fracasso nunca é total. O que importa é o coração que colocamos em cada jogo.”
Matt Busby
O Manchester United de Matt Busby
No passado dia 6 de Fevereiro fizeram-se 66 anos desde o terrível desastre aéreo que a então equipa do Manchester United sofreu, no qual perderam-se 23 vidas, das quais 8 eram jogadores da primeira grande equipa de Matt Busby. Reconhecido como um incrível líder de valores humanos excepcionais, Busby ergueu-se das lesões e tremenda amargura sentida e voltou a reconstruir a equipa levando-a novamente ao sucesso. Sucesso que ficou marcado com a conquista da Taça dos Campeões Europeus frente ao Benfica em Wembley, passados 10 anos do acidente, constituindo o Manchester United como o primeiro clube Inglês a vencer a competição.
O video, extraído do filme The Three Kings, relata uma das grande histórias que o jogo viveu. Aqui publicamos a primeira parte, ficando a promessa de publicarmos a segunda brevemente.
“O desastre aéreo de Munique tornou-se parte da alma do Manchester United. Está lá enraizado com o sonho de Matt Busby quando ele estava nas ruínas bombardeadas de Old Trafford em 1945 e na realização desse sonho com os Busby Babes. No seu cerne há uma paixão e uma determinação inabalável; uma paixão não apenas para vencer, mas para vencer com estilo, para jogar o belo jogo, para atacar e entreter; e uma determinação inabalável para lutar contra todas as probabilidades. Ambos estavam evidentes naquela primeira temporada após Munique, quando, para espanto de grande parte do mundo do futebol, a equipa que eu agora ia ver regularmente com os meus amigos em vez do meu pai terminou como vice-campeã, atrás do Wolves. Estavam lá quase uma década depois, no Bernabéu, quando um Bill Foulkes envelhecido e lesionado saiu a galope da defesa para marcar o dramático golo tardio contra o grande Real Madrid, colocando o United na Final da Taça Europeia; e lá na própria final, em Wembley, quando Bobby Charlton saltou mais alto do que alguma vez o tinha visto saltar para marcar o golo inaugural, e na ala brilhante do jovem John Aston, que desfez a defesa do Benfica e contribuiu muito para selar a vitória que finalmente tornou o United campeão da Europa.”
(David Hall, 2008)