Organização Defensiva | Impedir a criação | ERRO | Controlo da profundidade

Num jogo fantástico, os golos, a competitividade, as diferentes incidências e a qualidade individual, que tanta atracção geram no espectador, foram o tom dominante. Porém, fica uma vez mais provado que a isto podem estar acopladas boas ideias, organização e consequentemente qualidade colectiva. Não procurando o “copo meio-cheio”, mas num jogo tão rico, as duas equipas também apresentaram debilidades. O controlo da profundidade em Organização Defensiva, foi uma delas.

 

Organização Ofensiva + Transição Defensiva | Reação à perda + Recuperação defensiva + Defesa do contra-ataque | ERRO | Equilíbrio defensivo no ataque + Contenção da progressão adversária + Defesa individual

Esta publicação, como outras futuras do mesmo género, terão o propósito de ilustrar situações de jogo. Na nossa visão do jogo, quer pela positiva, quer pela negativa. Num próximo artigo explicaremos a catalogação, que coincide com o título do artigo.

Exercício gratuito

Publicamos mais um exercício gratuito: Saída de jogo do Guarda-Redes em “quem perde sai”

Desta vez trazemos um exercício cujo objectivo principal é o sub-momento de construção do momento ofensivo do jogo, especificamente a Saída de jogo do Guarda-Redes, a Construção pela primeira linha e a penetração da primeira linha de pressão adversária. Contudo, tem também uma preocupação com a articulação de sentido para o momento da Transição Defensiva e defesa da baliza após a perda da bola. O exercício aproxima-se de uma fase de consolidação, uma vez que tem um carácter competitivo muito acentuado, o que pode desfocalizar a aquisição destes comportamentos numa primeira fase de trabalho.

O exercício garante propensão aos comportamentos identificados, porém não condiciona para uma forma de jogar específica e sua consequente estrutura. É assim aberto ao modelo idealizado por cada treinador, permitindo diferentes formas de saída do Guarda-Redes, através de passe curto e médio, garantindo também espaço para diferentes ideias para ultrapassar a primeira linha de pressão e nesse seguimento chegar ao interior do bloco adversário, neste caso, a finalização nas balizas sobre o meio-campo. Por outro lado, no contra-exercício, a equipa que inicia o exercício a defender, pode, por sua iniciativa ou por determinação estratégica do treinador, posicionar-se num bloco médio junto ao meio-campo ou num bloco mais alto procurando desde logo condicionar o primeiro passe do Guarda-Redes. Desta forma, o exercício pode ser invertido nos seus objectivos, caso a preocupação seja o momento defensivo do jogo e o condicionamento da construção adversária, caso a mesma seja curta.

De acordo com (Manna, 2009), “sair jogando é dar prioridade ao passe desde o início da construção de jogo. O pontapé de baliza ou a participação dos defesas na construção ofensiva torna-se fundamental. Uma perda de bola na zona dos defesas centrais pode ser terrível. Todos evitam realizar o que Pep dá prioridade. Riscos que permitem, facilitar o ciclo de jogo, no qual Pep irá sempre tentar construir desde a sua baliza”. Guardiola sublinha que saindo a jogar bem, podemos chegar ao alvo jogando bem, ao contrário de um mau início de construção que torna tudo mais difícil e aleatório. E lembra que se o primeiro passe é bom, tudo é mais fácil a seguir.

“É de estética vazia

e o Futebol assim jaz…

Jogo directo nada cria

correm, correm, mas nenhum sabe o que faz.”

(Frade, 2014)

Francisco Silveira Ramos

Para os menos conhecedores do futebol português e da evolução metodológica vivenciada, o professor Francisco Silveira Ramos é sem dúvida uma figura incontornável do jogo. Durante os anos 90 e princípio do século XXI, momento em que o treino era determinado pela dimensão física, no qual quem pensava “fora da caixa” era hostilizado pelo pensamento vigente, Silveira Ramos foi um dos poucos, que com coragem, assumiu que a preocupação central do treino deveria ser o cérebro e a decisão táctica. Defendendo a “integração dos factores do rendimento”, a sua visão diferia de forma abissal do “treino integrado” muito típico no Futebol Espanhol, mas também com expressões no Futebol Português. Como sustentámos no tema de Saber Sobre o Saber Treinar, “O treino integrado e sintético” tinha na mesma como preocupação central a dimensão física, porém aqui camuflada por exercícios com bola e acções do jogo. Silveira Ramos não só anteviu outro rumo que hoje se concretiza, como formou muitos técnicos em cursos de treinadores e licenciaturas, e ainda ajudou a crescer, nas selecções jovens portuguesas alguns dos maiores talentos do futebol português. Finalmente, revelou ainda grandes preocupações com o Futebol de Formação e o desaparecimento do Futebol de Rua.

Assumimos que o professor Francisco Silveira Ramos foi decisivo na forma como hoje vemos o jogo e o treino e dos que mais nos inspiraram a criar este espaço. Apesar do facto passar despercebido à maioria da comunicação social, Portugal pode-se orgulhar em contar com alguns dos maiores pensadores deste jogo, que contribuíram para a tal ruptura de conhecimento que já descrevemos. E sem dúvida que Silveira Ramos é um deles. Deixamos várias ideias do professor num recente programa televisivo, que dado o conhecimento dos intervenientes e das ideias abordadas, fugiu à norma do panorama televisivo português.

O Treinador Português:

A dimensão estratégica:

O treinador de “formação”:

O jogo mecânico e a música:

A crescente riqueza comportamental de cada função e a repercursão na dimensão física:

A era das dinâmicas:

Jogo curto e apoiado:

Criatividade defensiva:

Individualização do treino:

“Cabe-nos encontrar as metodologias que permitam que o processo de treino se adapte a essa realidade, adaptando os praticantes às exigências da competição.

Francisco Silveira Ramos, 2003

Intensidade no Futebol IV

Tal é profundidade do pensamento analítico na nossa cultura que é extremamente difícil a compreensão do paradigma da complexidade. A intensidade específica do jogo de Futebol é um bom exemplo, e como tal temos recorrido a este tema com insistência.

Hoje trazemos uma acção individual ofensiva, mais concretamente um drible. Não analisando a decisão de o efectuar, olhamos para acção concreta que acabou por resultar em sucesso, uma vez que provocou uma falta adversária numa situação de 1×2 e posteriormente de 1×3. Na perspectiva tradicional, ser intenso aqui significava acelerar, ininterruptamente, a execução e o deslocamento. A acção que que se mostrou eficaz perante uma situação desfavorável, para além de mudanças de direcção, implicou também temporizar, acelerar, temporizar, e novamente acelerar. No fundo na perspectiva complexa da intensidade, a específica do jogo de futebol, fazer bem, no tempo certo.

O trinómio Estética-Eficácia-Eficiência e novamente…. a intensidade

“Ataque e defesa

é uma coisa unida

separá-los é tristeza

leva a equipa a estar perdida.”

(Frade, 2014)

Mesmo após o extraordinário artigo do Pedro Bouças no website Lateral Esquerdo sobre a relação entre desempenho e rendimento, na sequência de algumas reacções, sentimos que a incompreensão sobre o tema teima em subsistir. Uma vez mais, talvez uma das grandes causas passe pela visão analítica da realidade que paira sobre o jogo. Desta vez separando desempenho de rendimento… eficiência de eficácia.

É verdade que como em grande parte das actividades, um jogador ou uma equipa podem ser eficazes em serem eficientes. No entanto, acreditamos que na nossa concepção de eficiência, ou seja, jogar bem, ou ainda por outras palavras, cumprir determinados comportamentos táctico-técnicos de qualidade de forma regular, conduzirá a uma eficácia também regular e por conseguinte… a um maior rendimento. No fundo, o jogar bem a que nos referimos será aquele que indo ao encontro das regras do jogo e das características da modalidade, aproximará as equipas do sucesso.

O autor (Amado, 2010) revela uma posição similar ao defender “que existem maneiras melhores de jogar do que outras, maneiras que garantam mais vezes o sucesso”. Amado esclarece que pensa “assim por uma razão simples, porque o Futebol é um jogo e, como qualquer jogo, possui um conjunto de regras que lhe limita as possibilidades. O jogo do galo, para dar o exemplo de um jogo simples, cujo conjunto de regras impõe limites óbvios, acaba invariavelmente empatado, sempre que jogado por dois jogadores minimamente conscientes das possibilidades ao seu dispor. Há jogos, obviamente, mais complexos (sendo o Futebol um caso evidente), jogos em que as possibilidades são muito maiores, mas, no limite, passa-se o mesmo. Todo o conjunto de regras fixo, que é aquilo em que consiste, por definição, qualquer jogo, é um “meio” ao qual se adaptam melhor os que possuírem as características mais adequadas ao conjunto de regras com que se define esse “meio”.”

Ainda (Amado, 2010) defende então que “toda a História do Futebol é uma história de evolução neste sentido. Não é lícito afirmar, apenas porque sempre houve, até aqui, maneiras melhores de se jogar o jogo do que maneiras anteriores, que continuem a haver, ad eternum, formas de melhorar que se oponham a formas anteriores. O Futebol constitui-se por um sistema rígido de regras (ao contrário do que acontece, por exemplo, em arte), e a tendência é, por isso, para que a evolução tenha um limite. De resto, nada disto implica, como é óbvio, que formas piores de jogar o jogo não possam vencer, pontualmente, formas melhores. Mas formas melhores ganharão mais vezes: e é esse o ponto de tudo isto”. Deste modo, (Sá, 2011), defende que a qualidade não tem a ver com a preferência por um estilo, ou por uma especialização num momento táctico do jogo. Se o Futebol tem 6 momentos, só se pode aspirar à excelência sendo forte em todos eles”. O autor reforça que “Futebol não se define pelo enfoque que se dá a um estilo, mas sim pela capacidade e coerência que as equipas apresentam em todos os momentos que o jogo tem”. O autor (Azevedo, 2011), baseando-se em Garganta (1997), parece reforçar esta ideia, pois a propósito da modelação do jogo das equipas, descreve que esta “pode ser utilizada para promover a identificação de relações entre os eventos de jogo e os factores que afluem para a efectividade das equipas, isto é, na configuração de padrões de jogo que estejam associados aos factores de sucesso e insucesso nas equipas”.

Desta forma, o autor (Barbosa, 2014) refere que “constatámos a existência de diferentes formas de interpretação do jogo e, como tal, de o jogar”. No entanto o autor coloca a questão: “a percepção entre “o jogar bem e o jogar mal” relaciona-se directamente com o resultado obtido? Assumamos a ambiguidade da questão: o que é jogar bem?” Sentimos assim que não só o espectador comum, como muitos treinadores, associam o “jogar bem” como uma preferência por um determinado estilo de jogo, portanto remetendo o jogo para a sua dimensão estética. Da mesma forma que este pensamento separa eficiência de eficácia, a estética surge assim também isolada, como algo que se pode optar por ter ou não, de forma a agradar os espectadores e tornar o jogo um bom ou mau espectáculo.

Esta interpretação do jogo como arte, torna-se então subjectiva e relativa à individualidade, cultura e preferência pessoal de cada indivíduo que observa o fenómeno. Nesta perspectiva, o “jogar bem” não é discutível. Torna-se uma preferência pessoal, como alguém que prefere uma pintura impressionista ao invés de outra expressionista. Não é esta a nossa abordagem ao jogo, portanto para nós jogar bem tem um significado muito mais objectivo: o jogo de qualidade, sendo esta qualidade a que aproxime a equipa dos objectivos do jogo: marcar golo e não sofrer. Portanto, remete-nos para a eficiência. Se depois essa qualidade agrada o espectador, será então uma consequência.

Ainda noutra perspectiva, recordando (Maciel, 2011), “o Professor Vítor Frade refere-se ao trinómio Estética-Eficácia-Eficiência como o cerne do jogar de qualidade. E de facto assim é, a articulação bem conseguida entre estes três aspectos é determinante, é da melhor ou pior consecução do mesmo que emerge respectivamente um jogar de maior ou menor qualidade. Conforme referi, no Futebol há claramente um objectivo claro, vencer, ser eficaz portanto, mas perseguir esse intento deve despertar em quem joga e em quem vê jogar um determinado impacto e essa é a dimensão estética que o jogar deve contemplar. Além disso todos estes aspectos devem ser alcançados tendo por base uma identidade própria, a dimensão da eficiência tem a ver com esse apego a uma intencionalidade capaz de se manifestar regularmente e de forma a dar resposta satisfatória aos problemas colocados pelo jogo. A concretização deste trinómio é bastante complexa e difícil também, porque por vezes a interferência sobre uma das dimensões poderá ter implicações muito significativas nas demais. E uma vez mais, a calibragem de tudo isso faz parte da mestria do treinador. Não obstante da necessidade de pontualmente o treinador ter de aferir para tornar bem sucedida esta relação, penso que o jogar de qualidade se expressa pela seguinte máxima do Professor Vitor Frade e resulta do equilíbrio, feito nos limites entre “máxima redundância (a nível macro – princípios de jogo) e máxima variabilidade (a nível micro – plano dos detalhes)”. Conseguir isto é aspirar à concretização do Futebol elevado á sublimidade, mas implica um equilíbrio altamente dinâmico entre atacar defender e passar de um para o outro, fazendo-o na fronteira do caos tanto a nível colectivo como individual, pois é isso que me vai permitir não perda de identidade pela “máxima redundância” e não perda de criatividade pela “máxima variabilidade” de manifestação e de concretização ao nível das diferentes escalas que compõem a equipa aquando da tentativa de materializar tal identidade. Se assim for, e não é nada fácil, as equipas serão dominadoras e controladores, e fundamentalmente organizadas, capazes de entusiasmar multidões e de vencer com maior regularidade”.

Esta interpretação estética do jogo vai ao encontro da nossa, do jogar de qualidade, posicionando-se aqui correlacionada com uma cultura táctica de jogo elevada, que compreenda que uma equipa “dominadora e controladora” estará mais perto de ganhar, e que esse jogo de qualidade, será dessa forma potencialmente mais vitorioso. Esta interpretação sugere assim que esta é uma visão transversal no Futebol. No entanto a realidade transmite-nos uma leitura diferente. Parece-nos que o espectador comum mostra-se entediado com o jogo de uma equipa com essas características, que controlando e dominando surge sempre mais próxima de ganhar, provavelmente por retirar alguma imprevisibilidade ao jogo. O Barcelona de Guardiola foi um bom exemplo. O FC Porto de Vítor Pereira era outro exemplo, que inclusive gerou críticas aos próprios adeptos apesar do seu trajecto vitorioso. Em sentido contrário, o campeonato Inglês, no qual as equipas apresentam muitas deficiências tácticas, proporcionando um maior caos nos jogos e consequentemente uma enorme imprevisibilidade, parece ir ao encontro da preferência da maioria dos espectadores.

O autor (Maciel, 2012), defendia que “a gestualidade implicada num jogar de qualidade implica uma grande versatilidade, fluidez e disponibilidade corpórea, o que geralmente não acontece. Por este motivo as equipas além de revelarem baixa rotatividade, independentemente de poderem ter carros de alta cilindrada, jogam também pelas adaptações biomecânicas associadas, com o travão de mão puxado, uma vez que a manifestação e vivenciação (em treino e competição) de um jogar em baixa rotação tem subjacente um padrão gestual contraproducente, robotizado, sem variabilidade de ritmos, de velocidades e de padrão gestual e por isso mesmo torna-se mais previsível, hipotecando assim a interacção bem sucedida da tríade EstéticaEficáciaEficiência“. Hoje contudo, reconhecendo-se o erro e talvez na ânsia de caminhar no sentido inverso, sentimos que se caiu no exagero oposto: excessiva “rotação”, aceleração permanente desses “carros de alta cilindrada”, uso raro do travão, conduzindo igualmente a esse jogar robotizado, sem variabilidade de ritmos, de velocidades e de padrão gestual e por isso mesmo torna-se mais previsível”. Tal como as nossa vidas o jogo tornou-se impaciente, tornou-se precipitado, tornou-se no fundo… pressa.

Sentimos que aqui residirá um futuro potencial problema no jogo. Será que a sua evolução táctica afastará o espectador tradicional do jogo? Porém, pensando em termos antropológicos, a preferência actual por um jogo mais rápido na perspectiva da execução e do deslocamento, tornando a intensidade física uma referência, estará influenciada quer em espectadores quer em muitos treinadores, por influências sociais de semelhantes características exercidas no plano geral das nossas vidas. Mesmo que de forma não linear, supondo que evoluiremos para uma sociedade diferente, que substituirá o fazer em quantidade e depressa pelo fazer com qualidade e no tempo certo, provavelmente a perspectiva sobre o jogo também se alterará. Desta forma, a preferência geral pelo estilo de jogo tenderá também a modificar-se no mesmo sentido. Mas esta é a grande dúvida que se apresenta. Se de facto caminhamos nessa direcção.

Assim, construir um modelo de jogo e por sua vez o “jogar” é, segundo Morcillo, citado por (Moreno, 2009), um tratado de Táctica, “fazendo coincidir a ordem com o caos, a estética com a eficácia, o talento com a responsabilidade”. Nós acrescentamos… e um acto de coragem, pois a opção pela qualidade de jogo implica enfrentar uma mentalidade bem diferente, que neste momento se institucionalizou no jogo.

“Onze sintonizados

p’las mesmas ideias,

com comportamentos diferenciados

se p’los morfociclos planeias,

Redundância e variabilidade

maximizados…

Fazendo emergir a identidade

e jogadores não amestrados.”

(Frade, 2014)

Um jogo tacticamente rico?

Abordando o tema, e independentemente da perspectiva com que o fazemos, devemos em primeiro lugar, parabenizar um clube e a sua equipa, que com menores recursos, conseguiu dentro do campo ser mais eficaz do que os seus adversários. Não é objectivo deste artigo aferir se pela dimensão táctica, estratégica, se pela sua qualidade individual, mas simplesmente realçar que uma vez mais, se materializou um dos muitos encantos que o jogo proporciona: a possibilidade do mais improvável vencer. No fundo de David derrotar Golias. E independentemente da forma como o jogo exerce atracção sobre cada um de nós, a sua dimensão social é incontornável e também merece este destaque.

Porém o tema é outro. Augusto Inácio, técnico vencedor, referiu numa entrevista, pós jogo, que o mesmo foi “tacticamente rico”. É uma opinião amplamente difundida, que equipas que reconhecidamente não “jogam bem”, que apenas conseguem alguma eficácia no momento defensivo do jogo e que como consequência não permitem oportunidades de finalização ao adversário, mas também não as criam, tornam automaticamente o jogo rico… tacticamente.

Confunde-se organização e / ou eficácia no momento defensivo do jogo com riqueza de jogo, e isto tem sido um tema abordado e discutido nos últimos dias, ao qual voltaremos nos próximos.

Augusto Inácio, acaba também por explicar porque é que o jogo não pode ter sido rico tacticamente. Se as equipas não tiveram qualidade em todos os momentos do jogo, sendo os momentos com bola os exemplos referidos pelo treinador português, então não podemos estar perante um jogo tacticamente rico. Uma justificação para este pensamento generalizado, pode passar pela maior facilidade com que se trabalha o momento defensivo do jogo, pensamento esse que assim entrega os momentos ofensivos à qualidade individual dos jogadores. Nesta lógica, a táctica enquanto organização (uma ideia redutora), estará nesta visão apenas dirigida à Organização Defensiva. No entanto o próprio Inácio, acaba por explicar como é que uma equipa pode ser mais rica, e consequentemente ter capacidade de resposta colectiva, portanto competência… táctica, a diferentes contextos no seu momento ofensivo:

Saber jogar e o saber sobre o saber jogar

Nos últimos dias, o ex-jogador Marco Van Basten deu uma entrevista ao jornal alemão Bild na qual defendia algumas ideias que segundo o próprio “revolucionariam o futebol”. O holandês foi um dos melhores que vimos jogar, eternizando momentos geniais, e golos fabulosos. O golo marcado à antiga URSS na final do campeonato da europa de 1988 ficará para sempre na história do jogo como um dos melhores. Mas nós recordamos outro, curiosamente também destacado, ontem, no programa Maisfutebol enquanto estávamos a redigir este artigo, que não tendo o mesmo peso histórico, faz parte do imaginário de qualquer criança apaixonada pelo jogo, reproduzindo aquele momento mágico de Pelé no filme Fuga para a vitóriaMas aqui num contexto real, colocando a bola no melhor sítio possível e ao serviço de um clube que contribuiu de forma evidente para a evolução do jogo.

Van Basten fez também parte de uma das melhores equipas da história do Futebol, o AC Milan de Arrigo Sacchi. Uma equipa de facto marcada pela inovação que trouxe ao momento de organização defensiva, conseguindo, através da mudança de referências defensivas e fazendo uso da regra do fora-de-jogo, encurtar o espaço de jogo aos seus adversários e ser pressionante sobre eles. Porém, ao contrário do que uma visão redutora do jogo fará supor, esta incremento qualitativo da organização defensiva abriu também caminho a uma maior qualidade ofensiva. Como (Amieiro, 2004) descreveu, trata-se de “defender (bem) para atacar (melhor)“. Concretamente, poder ser pressionante, possibilita que uma equipa seja ofensiva quando defende. Possibilita-lhe poder recuperar a bola o mais rapidamente possível. Possibilita-lhe que defenda no meio-campo adversário. No fundo possibilita-lhe a iniciativa no jogo, mesmo no seu momento defensivo, e ser inteligente e colectiva a defender. E nada disto seria possível sem a regra do fora-de-jogo.

Por outro lado, antes disso, a própria cultura holandesa, através do próprio Ajax e selecção holandesa, pela mão de Rinus Michels, tinha também apresentado ideias revolucionárias, algumas das quais alicerçadas na regra do fora-de-jogo. De acordo com (Sá, 2011), o “futebol que então apresentou é um esboço daquilo que fazem hoje as muitas das grandes equipas, e representou um salto de gigante em relação a tudo o que antes se havia visto. Não menos importante do que a mobilidade com bola, eram aspectos como a pressão e a linha defensiva, que permitiam à equipa jogar alto e conseguir um número absurdo de recuperações no meio campo contrário“. Num artigo sobre a escola holandesa do site benefoot.net, refere-se que “o mais revolucionário aspecto da selecção holandesa de 1974 era que o fora-de-jogo era usado como arma para atacar. A última linha subia intempestivamente, limitando o espaço ao oponente recuperando muitas vezes a posse da bola. Para ser claro: jogar com o fora-de-jogo é uma acção atacante” escreveu Cruyff no De Telefraaf. “Porque o fora-de-jogo decide o tamanho do campo””. Noutro artigo sobre o legado de Johan Cruyff de 2016 de Jonathan Wilson no site da Eurosport, é explicado que “os princípios básicos continuaram os mesmos desde então: controlar a posse de forma a não sofrer golos. Pressionar alto quando perdida a posse para fazer o campo o mais pequeno possível para o opositor. Usar o fora-de-jogo de forma pro-activa para forçar o erro adversário“. Este legado foi valorizado pelo Barcelona de Pep Guardiola, que segundo (Manna, 2009), procurava “defender à frente, invadindo o território possível do adversário, provocando o fora-de-jogo a metros da linha de meio-campo, afogando zonalmente o adversário, juntando linhas, acompanhando o ataque por todo o bloco”. Guardiola, citado por (Manna, 2008), lembra que “atacaremos melhor se tivermos uma boa defesa e defenderemos melhor se tivermos um bom ataque”. Lembramos que Rinus Michels treinou Van Basten na sua segunda passagem pelo comando da selecção holandesa…

Portanto, exemplos de ideias revolucionárias, que trouxeram qualidade de jogo, resultando em sucesso competitivo, inclusive a nível continental. Alguém, no seu perfeito juízo, pode afirmar que estas equipas focavam-se exclusivamente na sua organização defensiva, e apenas exploravam o erro do adversário?

Van Basten disse que teria “curiosidade em perceber como funcionaria o futebol sem o fora de jogo. Muita gente vai estar contra mas, cada vez mais, o futebol parece-se com Andebol, com equipas a erguerem muros à frente da baliza”. Mas o holandês esquece-se que de facto, o Andebol, como o Hóquei em Patins e o Futsal, exemplos de desportos com balizas, não têm fora-de-jogo. E dadas as suas regras, as equipas têm duas opções. Ou defendem com o seu bloco junto à sua baliza de forma a não permitirem espaço junto à mesma, ou adoptam a defesa individual no seu mais puro conceito, desprovida de inteligência e sentido colectivo. Ambas as situações, no futebol, seriam corrosivas para a qualidade de jogo. Pensando nos casos do Andebol e Hóquei em Patins, as equipas podem pressionar de imediato no momento da perda da bola, mas o objectivo principal é quase sempre garantir tempo para que o restante bloco recupere um posicionamento defensivo junto à sua baliza… aquilo que Van Basten condena. Por outro lado, no Futsal surgem ideias de pressão no meio-campo adversário, porém, ficando tanto espaço entre a bola pressionada e a sua baliza para tão poucos jogadores, essas equipas acabam por optar pela defesa e responsabilização individual.

Se Van Basten não o consegue, nós imaginamos o que seria um futebol sem fora-de-jogo, no qual as equipas optariam por deixar jogadores nas áreas adversárias. Inclusive junto aos postes da baliza adversária como sucede em muitas situações de bola parada do Futsal. O jogo “partiria-se” como nunca, com alguns jogadores das duas equipas posicionados junto a cada uma das suas balizas e outros a procurarem disputar a posse da bola pelo campo todo. Comparativamente com o jogo que conhecemos, pareceria um jogo de loucos. Como Jurgen Klopp comentou, esse seria outro jogo. No mesmo artigo Christian Gourcuff, técnico do Rennes, descreveu que o fora-de-jogo é uma manifestação de inteligência colectiva. Não haveria mais espírito colectivo se o fora-de-jogo fosse abolido”. Também Arsene Wenger defendeu que o fora-de-jogo é o que dá coesão a uma boa equipa. É também uma regra inteligente.”

“Jogar avançado no terreno

opõe-se ao jogar p’ra frente

é fazer campo grande e pequeno

e nisto não se demite a mente.”

(Frade, 2014)

Como alguém referia nos últimos dias, Van Basten pode estar a revelar uma parte da cultura holandesa, a pior parte. Aquela, que não a de Michels ou Cruyff, mas a que descarta por completo o momento defensivo do jogo e que apenas valoriza o ofensivo. O holandês pode, consciente ou inconscientemente querer obrigar a um retrocesso no jogo, a que as equipas defendam mal, para que a sua cultura saia vitoriosa. Mas isto são suposições. O que Van Basten objectivamente revela é desconhecimento do jogo. Será isto possível em alguém que revelou tanto talento e qualidade como jogador e que inclusive conviveu com tantas ideias de qualidade? Sim. Assistimos a casos similares todos os dias nos meios de comunicação social, porventura não tão graves, de ex-jogadores que não compreendem e não sabem explicar o jogo.

Usando uma expressão simples mas precisa, Van Basten e outros tantos detêm um “saber fazer”, que na especificidade do jogo podemos denominar de “saber jogar”. Não há dúvidas que eles sabiam jogar este jogo. Simultaneamente, alguns deles, e outros que mesmo não jogando num nível profissional, desenvolveram durante o seu percurso como jogador ou mais tarde, um “saber sobre o saber jogar”, ou seja, conhecimento sobre o jogo. O autor (Campos, 2008) explica que o «saber sobre um saber fazer» e o «saber fazer» são duas faces da mesma moeda, mas aquilo que é decisivo é o saber fazer no momento do jogo independentemente de estar conscientemente subordinado a um «saber sobre esse saber fazer»”. Assim, na perspectiva do jogador, (Amieiro, 2005) refere que “segundo Frade (2003a) o hábito é um «saber fazer» que se adquire na acção e “a esfera fundamental do «saber fazer» está no subconsciente”portanto, a qualidade expressa no campo é na maioria dos jogadores… inconsciente. Ainda para (Campos, 2008), existem muitos exemplos de grandes profissionais em diferentes áreas que alcançam desempenhos fantásticos sem conseguirem explicar como o fizeram e porque possuem essas fantásticas qualidades. Assim, segundo o autor “nem tudo que temos em memória é conscientemente identificável e enquanto treinadores devemos privilegiar o “saber fazer” dos nossos jogadores independentemente de eles dominarem melhor ou pior o saber sobre esse “saber fazer” pois a importância deles situa-se no domínio prático da acção“.

Porém, no caso de um treinador, esta importância altera-se. O treinador tem obviamente que estar consciente do processo. Tem de (re)conhecer a qualidade do jogo, compreendê-la e explicá-la. A esfera da sua acção passa obrigatoriamente para o domínio do “saber sobre o saber fazer”. É um dos argumentos que explica o porquê, na história do jogo, do melhor jogador do mundo ainda não ter dado o melhor treinador ou o melhor dirigente desportivo…

Marco Van Basten, não é “apenas” um aposentado grande jogador de futebol. O holandês é o diretor técnico FIFA desde Setembro passado. O próprio presidente, Gianni Infantino, apresentou-o, descrevendo que “tivemos várias discussões com ele nos últimos meses e ouvimos as suas opiniões sobre o jogo, tendo consciência sempre de tudo o que ele fez pelo futebol. Para mim, ficou imediatamente claro que Marco é um reforço fantástico para a FIFA”.

“The offside rule is fundamental – if you do not understand that, you do not understand football.”

Christian Gourcuff

Coragem… Específica II

Deixámos propositadamente o som dos comentários. Jornalistas, adeptos, pais, dirigentes, na sua grande maioria transmitem uma enorme falta de coragem na forma como sentem e pensam o jogo. Isto obviamente tem consequências em quem o treina e em quem o joga, porque o “nadar contra a maré” não é fácil. Neste contexto, devemos aplaudir uma equipa de escalão inferior, que a jogar no campo do campeão nacional e líder da primeira liga, a perder 3-0, procura a qualidade no seu jogo.

Há pouco tempo, num artigo publicado no Lateral Esquerdo, Nuno Amado ia na mesma direcção: “há um género de pessoas que, em dívida para com uma tradição que os ensinou a respeitar certas leis caducas, não conseguiram nunca perceber, não obstante as lições catalãs e bávaras dos últimos anos, as verdadeiras vantagens que há em procurar sair a jogar desde trás. As mesmas pessoas podem até acreditar que sair a jogar compensa de facto o risco quando os defesas conseguem suplantar a primeira zona de pressão adversária, e podem até reconhecer que a equipa que a isso se propõe acaba por beneficiar desse risco depois de superar esse obstáculo inicial. Não obstante, parece-lhes sempre demasiado arriscado.”

De acordo com (Manna, 2009), “sair jogando é dar prioridade ao passe desde o início da construção de jogo. O pontapé de baliza ou a participação dos defesas na construção ofensiva torna-se fundamental. Uma perda de bola na zona dos defesas centrais pode ser terrível. Todos evitam realizar o que Pep dá prioridade. Riscos que permitem, facilitar o ciclo de jogo, no qual Pep irá sempre tentar construir desde a sua baliza”. Guardiola sublinha que saindo a jogar bem, podemos chegar ao alvo jogando bem, ao contrário de um mau início de construção que torna tudo mais difícil e aleatório. E lembra que se o primeiro passe é bom, tudo é mais fácil a seguir.

Exercício gratuito

Publicamos mais um exercício gratuito: Construção em bloco médio e defesa de duas balizas

Trata-se de um exercício que procura dar propensão à organização ofensiva, especificamente num momento de construção mais perto do meio-campo adversário e perante uma equipa que se posiciona, no seu momento defensivo, num espaço médio ou baixo. A propensão ao objectivo é garantida não só pela forma como o exercício é reiniciado, como também pela ausência de pontapés de baliza ou cantos. Anular os lançamentos laterais garantirá uma ainda maior propensão. Por outro lado, ter que defender duas balizas sem Guarda-Redes, isto na progressão máxima do exercício, conduzirá a que a equipa que inicia o exercício em construção, dê maior segurança à sua posse e circulação de bola, de forma a evitar a sua perda e difícil defesa das duas balizas. Porém, quando isso suceder, a equipa terá que reagir colectivamente, com qualidade e determinação à perda da bola, evitando uma imediata finalização do adversário.

Deste modo, ao articular no objectivo dois momentos de jogo diferentes, o exercício cumpre o princípio metodológico da Periodização Táctica – a Articulação de Sentido.

Segundo (Maciel, 2011), a Articulação de Sentido, “trata-se de um conceito que vai precisamente ao encontro do cerne do pensamento sistémico. A ênfase no pensamento sistémico é colocada nas relações, o segredo está nas conexões. Ou seja, o sucesso do processo de treino tem a ver com isto, depende muito do modo como eu articulo as coisas, isto é, como as relaciono e partir daí teço a minha teia dinâmica. A Articulação de Sentido tem precisamente isto subjacente e tem a ver com a conexão coerente que se faz entre as partes implicadas no processo, e vale a nível da operacionalização dos Princípios Metodológicos e a nível da manifestação e vivenciação dos princípios de jogo. Portanto, a matriz conceptual para manifestar fluidez na sua concretização deve revelar internamente uma determinada articulação de sentido, que sendo coerente permite o emergir de uma realidade consistente, um Sentido, o nosso jogar, ou o sentido que queremos dar ao nosso jogar.”

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Barcelona de Pep Guardiola (2008-2012)

Sub-tema de Treinadores e equipas históricas e no âmbito da dimensão Modelo de Jogo, publicamos Barcelona de Pep Guardiola (2008-2012)Um tema já publicado no antigo blog Saber Sobre o Saber Treinar, porém apresenta alguns novos conteúdos.

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