I Congresso Internacional da Periodização Táctica

“O treino e o jogo não são somas. Às vezes confunde-se complexidade com complicação”.

Vítor Frade, 2017

“”Football is not a linear process,” Frade said. “It is not a sum of things: If you do this, plus that, you will achieve this.” Instead, “the coach must consider every aspect, of the individual, of the team. Football is not two-dimensional. It is multidimensional.” It is an imperfect parallel, but the game, as Frade envisages it, is not unlike a Rubik’s Cube: Every thing a manager does, every single turn they make, has a consequence elsewhere. It does not work if they try to fix one side alone; the problem must be considered in its entirety.”

Rory Smith no The New York Times, 2017

Decorreu no passado mês de Junho, o I Congresso Internacional da Periodização Táctica no Porto. Mais do que uma forma de divulgação da corrente metodológica, uma justíssima homenagem a Vítor Frade pela genialidade e resistência na defesa de uma ideia que ultrapassa em muito as ténues fronteiras do futebol. Mas a questão parece teimar em persistir: qual é a essência da revolução de Frade?

Efectivamente, numa visão complexa da realidade, muito díspar da corrente de pensamento tradicional, que devemos dizer, foi poluindo o pensamento humano nos últimos quatro séculos. Isto porque quer queiramos, quer não, quer consigamo-lo compreender ou não, o universo que habitamos é complexo. Como Vítor Frade também referiu no congresso, “não existem as ciências da complexidade. Existe sim, a complexidade”. Não é o homem e a sua ciência que dita que a realidade é complexa. Ela é-o intransigentemente. Frade reforçou também, duas vezes ao longo da sua palestra, que “foram 400 anos de pensamento analítico ou cartesiano” e como consequência vivemos os mais diversos contextos das nossas vidas contaminados por esta forma redutora de pensar. Os números, as quantidades, as partes, as somas, foram castrando as relações, as qualidades, as interacções… no fundo o todo complexo. Vulgarizou-se nos últimos anos que o “todo, é mais que a soma das partes”, porém continua sem se perceber muito bem o que isso significa e como consequência, o homem continua a mutilar a realidade na sua intervenção nas mais diversas áreas.

É verdade que as ideias de Vítor Frade são baseadas no pensamento de ruptura de Ludwig von Bertalanffy, Norbert Wiener, Ross Ashby, Edgar Morín, Manuel Castells, entre tantos outros. É também verdade que outros autores também procuraram aproximar o desporto de uma perspectiva mais globalizante do rendimento, mas foi porém Frade, que surge, ainda na década de 70, com o mais disruptivo pensamento, sob a perspectiva da complexidade, consumado mais tarde na sua Periodização Táctica. Na sua tese de doutoramento – A interacção, invariante estrutural da estrutura de rendimento do Futebol, como objecto de conhecimento cientifico – uma proposta de explicação de causalidade, de 1990, declarou: “O Futebol, apesar de frequentemente encarado como “realidade-inferior”, disciplina de importância menor, desprezada, pouco vocacionada a despertar pessoas para uma carreira académica – como especialidade e investigação consequente, é no entanto, um objecto de estudo complexo, na medida em que uma multiplicidade de factos e de acontecimentos, se dão a ver ao mesmo tempo. Enquanto prática social, o futebol tem uma história, inclusivamente, uma geografia. Daí, que não se tome por único o que é plural, e por plural o que é único. O futebol pré-existe á ideia que dele se tem. O problema está em saber, se as ideias que dele se tem, se lhe ajustam”.

Uma das organizadoras do congresso e ex-aluna de Frade, Mara Vieira, numa entrevista ao jornal Expresso, que procurava antecipar o congresso, referia precisamente isto: “a primeira grande diferença para toda a gente é esta: o professor Vítor Frade faz-nos refletir. O que é um papel que a universidade no seu todo devia ter. “Que treinadores é que nós queremos formar para quando eles saírem da faculdade?” Nós temos de ter conhecimentos sobre futebol e sobre variadíssimas áreas. E o professor Vítor Frade, das primeiras coisas que faz, é explicar que nós para pensarmos o futebol temos de perceber que é algo complexo e temos de refletir muito sobre as coisas. Porque a malta normalmente está à espera de fórmulas: “O professor há-de dizer e nós apanhamos as coisas e vamos para o campo”. O que ele faz é relacionar várias áreas e mostrar como todas elas podem ser importantes para o futebol. Ele é especial porque nos faz a todo o momento querer saber mais e refletir sobre os assuntos, entendendo as coisas na sua dimensão complexa, porque as coisas não são A mais B”.

Recentemente, em entrevista a (Tamarit, 2013), Vítor Frade confessava que hoje lhe dava um certo gozo ler coisas que escreveu “nos anos 70 e princípios de 80, sendo na altura muito contestadas, e ler hoje qualquer coisa assim científica avançada e ver que não estava mal de todo, e até parece que estava bem! Mas pronto, era um paradigma diverso daquele que estava e está institucionalizado!” Na sua tese de 1990, Frade questionava ainda, “por exemplo, quantos não serão os “dados” existentes à cerca da pergunta seguinte: Quais são, os elementos estruturais de todo o jogo de futebol? A estrutura de acção não é mecânica, no entanto, o saber compartimentado do “nosso” futebol segregou já demasiadas previsões especializadas. Deve continuar o “futebol”, a deixar-se cegar pelo erudito reducionismo? Para nós, a formulação de MODELOS DE INTELIGIBILIDADE afastados da FRAGMENTARIDADE DOMINANTE, e ajustados à natureza complexa do objecto empírico, parece-nos de premente necessidade”.

Neste sentido, perante toda a evolução sentida no futebol, a difusão da Periodização Táctica e de muitas novas ideias relacionadas com o jogo e o treino, ao contrário do que poderia ser esperado, Vítor Frade declarou no congresso acreditar que o pensamento analítico e redutor estará mais presente no Futebol do que nunca. A propaganda à medicina, à fisiologia, à nutrição, ao ginásio, à estatística, etc., vai ganhando terreno no jogo. Na verdade, a frase de José Mourinho “quando ganhamos, ganhamos todos… e mais alguns” nunca fez tanto sentido. Perante o sucesso todas estas “partes” e “compartimentos” que foram surgindo no Futebol reclamam para si o mérito. No insucesso, cai sobre o treinador toda a responsabilidade. Recordamos, por exemplo, o recente caso de Claudio Ranieri no Leicester City. Mara Vieira também vai ao encontro desta ideia, defendendo que “as coisas têm de estar enquadradas, senão a certa altura o departamento médico faz o que quer, o nutricionista também, o psicólogo também e depois o processo é de quem? Assim não há um processo único, há bocadinhos”.

“Uma investigação cuidada sobre o fenómeno da “INTERACÇÃO” exige um estudo “desta-em-si” (ou seja, do processo) e não da acção dos jogadores sobre os conteúdos nem dos conteúdos sobre os jogadores.”

Vítor Frade, 1990

O legado de Vítor Frade é grandioso, contudo difícil de compreender. O próprio reconhece, em entrevista a Xavier Tamarit, 2013, que “devemos compreender que estamos colonizados por uma lógica comum, por uns reforçadores culturais que nos influenciam conscientemente e, o que é pior, subconscientemente”. Assim, arriscamos que, levará, no mínimo, mais algumas décadas a compreender a essência da Periodização Táctica. Carlos Carvalhal em entrevista a (Cabral, 2017) concorda, referindo que Vítor Frade “é uma pessoa que pensa diferente, que é muito avançada no tempo. Acho que o devido valor só lhe será dado daqui a 20 ou 30 anos, só aí é que as pessoas o vão entender”. O impacto que este congresso teve em muitas pessoas, reforça essa crença. Ferrán Sarsanedas, a propósito de Johan Cruyff terá dito que “Cruyff é um génio, não há quem saiba mais de futebol que ele. O problema é que já não tem com quem discutir o que criou. Está tão à frente que vive há demasiado tempo num mundo só dele, como os loucos”. Podemos afirmar que Vítor Frade, não só na dimensão metodológica, mas também no entendimento do jogo, terá também atingido um patamar semelhante.

“Em primeiro lugar temos que entender o fenómeno como complexo, e se o é, jamais poderá deixar de ser complexo o modo como intervimos, reflectimos e actuamos sobre ele. (…) Há que estar perante esta realidade, reconhecendo-a como não linear e assim todo o pensamento tem de ter esta base, não linear.”

Vítor Frade em entrevista a Xavier Tamarit, 2013

“A Periodização Táctica procura o “regresso” do homem à sua essência. À sua complexidade.”

 José Tavares, 2017 – I Congresso Internacional de Periodização Táctica

A colonização da Periodização Física

“Temos treinadores que preferem estabelecer logo um tipo de treino para adquirir logo forma física a curto prazo, de forma rápida para o arranque do campeonato, mas depois pode ter custos a nefastos a partir do segundo terço da temporada com o aumento da fadiga e com propensão para lesões, e portanto o que eu acho é que é sobretudo importante nestas primeiras semanas preparatórias da temporada é haver um aumento gradual de intensidade. Não querer já tudo para amanhã, portanto as coisas levam o seu tempo porque vem aí uma temporada extensa, com muitos jogos. 
É muito mais previdente, porque o Sporting, para todos os efeitos, também quer ser campeão nacional e deve salvaguardar-se nessa perspectiva. Passa muito pelo aumento gradual da intensidade. Portanto, na pré-época trabalhar-se mais a resistência com mais volume de treino e menos intensidade, e depois no início da época oficial, ir diminuindo o volume de treino, com isso aumentar a intensidade para reaquirir potência e explosão, para os jogadores estarem mais frescos mais tempo, durante a temporada. Passa um pouco por aí.”
jornalista / comentador, na antevisão do jogo de treino Marselha x Sporting, 2017
“Numa experiência, um grupo de cientistas colocou cinco macacos numa jaula, no centro da jaula colocaram uma escada e sobre ela, um cacho de bananas. Quando um dos macacos subia a escada para alcançar as bananas, os cientistas lançavam um jacto de água fria nos outros que estavam no chão. Depois de algum tempo, quando um macaco ia subir a escada, os outros batiam-lhe intensamente. Passado mais algum tempo, nenhum dos macacos subia mais a escada, apesar da tentação que as bananas apresentavam.
Então, os cientistas substituíram um dos cinco macacos. A primeira coisa que o novo macaco fez foi procurar subir a escada, sendo imediatamente retirado pelos outros, que depois lhe bateram. Depois de algumas tareias, o novo membro do grupo não procurou mais subir a escada. Um segundo membro foi substituído, e repetiram-se os acontecimentos anteriores, tendo o primeiro substituto participado, com entusiasmo, na tareia ao novato. Um terceiro foi trocado, e repetiu-se o sucedido. Um quarto e, finalmente, o último dos veteranos foram substituídos.
Os cientistas ficaram então, com um grupo de cinco macacos que, mesmo nunca tendo tomado um banho frio, continuavam batendo naquele que tentasse chegar às bananas. Se fosse possível perguntar a algum deles porque batiam em quem tentasse subir a escada, com certeza a resposta seria: “Não sei, as coisas sempre foram assim por aqui…”
“É MAIS FÁCIL DESINTEGRAR UM ÁTOMO DO QUE UM PRECONCEITO.”
Albert Einstein