Qualidade de execução ou de decisão? E a Intensidade.

Este golo marcado por Nicolás Gaitán levanta uma questão colocada muitas vezes quando se procura identificar e descrever a qualidade de um determinado jogador. Nesta e em situações similares, foi prontamente elogiada a “qualidade técnica” do argentino, portanto a sua qualidade de execução.

Em primeiro lugar é fundamental entender, que tal como noutro qualquer fenómeno complexo a relação entre táctica e técnica, ou seja, entre decisão e execução, é permanente e interactiva. Elas não existem separadas na acção de jogo, e afirmá-lo é incorrer no mesmo erro epistemológico que dividiu o treino nos diferentes “factores”, é no fundo também errar como Descartes, quando postulou o dualismo corpo / mente. Assim, um jogador que apresenta qualidade, deve-a às duas dimensões e sua interacção. Importa ainda acrescentar que são qualidades estruturadas também pelas dimensões físicas e mentais do indivíduo em causa. Porém, em algumas acções é perceptível a prevalência de uma delas no seu sucesso.

Neste caso, é fácil perceber que Nicolás Gaitán não protagonizou nenhuma acção técnica de difícil execução. Recebe de forma orientada para a baliza com um pequeno toque, e perante a oposição de dois defensores e do guarda-redes dá mais quatro pequenos toques, tirando todos do caminho, finalizando no 6º toque, num “passe” para a baliza. Talvez as acções técnicas mais complexas tenham sido a simulação na recepção e uma pequena simulação de finalização no meio da acção. Aqui, o que fez a diferença foi o timing de cada toque na bola e de cada gesto motor, portanto, as sucessivas decisões perante o envolvimento. Segundo (Bouças, 2012), jogadores fortes na tomada de decisão são, por exemplo, “jogadores que não se precipitam” e que sabem definir com exactidão o timing das suas acções, e que percebem os momentos em que devem segurar e esperar, ou progredir e investir”.

Recordando um texto da autora e treinadora Marisa Gomes de 2011, “as relações e interAcções dos jogadores têm lugar num instante que é vital. A passagem contínua e invariável do tempo faz com que cada instante tenha uma singularidade que comporta em si a dinâmica que podemos fazer do tempo. Obviamente que falamos da temporalidade do tempo, aquela que nos permite fazer dele uma arte. O tempo de jogo refere-se ao tempo regulamentar. A temporalidade refere-se àquilo que queremos fazer com o decorrer do mesmo”. Segundo a autora, “ter capacidade para interagir tendo em conta as circunstâncias é que torna os seus intervenientes artistas. Sobretudo se isso convergir para aquilo que se pretende. Adequar as escolhas é aquilo que se reconhece nos melhores jogadores e nas melhores equipas. Aceder a essa capacidade exige um trabalho dirigido, concentrado e objectivo para aquilo que se pretende. Deste modo vamos sentindo que as escolhas se fazem nos instantes apesar de serem projectadas por aquilo que foram as vivências anteriores. Então, jogar é manusear os instantes preenchendo-os com um sentido, através das intencionalidades que se expressam nos movimentos. De forma espontânea, os melhores adoram jogar para o poder fazer. Antecipam, simulam, escondem, provocam e Sobredeterminam o seguimento das circunstâncias. A qualidade do tempo ganha assim UM sentido que não se desenvolve sempre do mesmo modo. Concorrer para a qualidade fundamental dos jogadores é educá-los desde muito cedo para isso. Desde quando? Desde sempre!”.

Johan Cruyff, citado por (Grove, 2015) terá defendido que “técnica não é conseguir dar 1000 toques na bola. Com treino qualquer um consegue fazer isso. Depois poderá trabalhar no circo. Técnica é passar a bola ao primeiro toque, com a velocidade certa, e para o pé certo do companheiro de equipa.” Apenas preferimos qualidade individual” ao invés de “técnica” e trocamos“ao primeiro toque”, por no momento certo“…

Esta reflexão leva-nos a uma segunda questão, a qual está hoje na “moda”: a Intensidade. A mesma foi sempre associada à qualidade das acções, porém tem sido também, insistentemente associada ao rápido deslocamento, à velocidade de execução, ao pressing, à agressividade física, etc., portando uma Intensidade alicerçada na visão física do jogo. Contudo, se o pensamento complexo leva-nos a uma interpretação e visão multidimensional do jogo e do treino, por arrasto, conceitos como a Intensidade necessitam também de uma nova abordagem, igualmente multidimensional.

Na situação aqui ilustrada, impondo a tal “intensidade físico-técnica”, Gaitán precipitaria a sua acção para uma rápida finalização ou drible, não descobrindo, como o fez, a melhor decisão. Decisão essa que incluiu temporizações em que simplesmente não executou, mas que aumentou a probabilidade de êxito na conclusão da acção. Portanto, não ter agido, naquele envolvimento, revelou-se melhor do que fazer muito ou do que fazer rápido. Deste modo, mantendo a Intensidade associada à qualidade das acções, porém enquadrando-a numa visão complexa do rendimento, Intensidade poderá ser nalguns casos, não se deslocar e executar? Sim, se ao contrário de fazer muito e depressa, for entendida como fazer o necessário para fazer bem.

Iremos em breve, abordar de forma mais profunda a Intensidade.

“Temporizar é muito importante. Para mim é funtamental. Decidir bem.”

(Vítor Pereira, 2014)

Cultura de jogo II

“O problema é entender o jogo. Depois de se entender o jogo, é necessário que se entendam os vários jogos (i.e., as várias formas de jogar). Só depois o objecto de preocupação passa a ser o “nosso” jogo”.

(Frade, 2003), citado por (Aroso, 2015)

“(..)quiero crear una conciencia colectiva. No entiendo el fútbol como un deporte de un jugador, sino como un equipo. Para que Messi juegue bien tenemos que crear buen juego. Quiero transmitir que todos se necesitan y que si lo saben eso nos llevará a ganar partidos. No tengo la sensación de que existan dos Barças, uno con Messi y otro sin él. Leo hace cosas diferentes, pero también gracias a que el equipo también hace otra cosas. No quiero que Messi lo resuelva todo. A Messi hay que ayudarlo porque él también nos ayuda. Debe sentirse parte de un grupo y sentir que cuando nos marquen un gol, también sea en parte culpa suya.”

 (Josep Guardiola, 2008) citado por (Manna, 2011)

Valores Humanos II

Hélton Arruda conforma adversário.

“Um gesto vale mais que muitas palavras. A frase está propositadamente adulterada para corresponder às pretensões do nosso artigo, mas foi assim mesmo, fazendo, que Helton provou o porquê de ser tão respeitado em Portugal. Depois de defender uma grande penalidade, e ao invés de ir celebrar com os seus colegas de equipa, o guardião brasileiro perdeu alguns minutos a falar com Douglas Abner. Num abraço, o experiente jogador disse ao jovem compatriota para levantar a cabeça, até porque o futebol é isto mesmo: derrota, vitória, fair-play e aprendizagem.”

in http://www.noticiasaominuto.com/desporto/519711/gesto-de-capitao-helton-valeu-aplauso-em-unissono

“Este tipo de comportamento foi considerado um puzzle por Charles Darwin quando da elaboração da sua teoria de evolução por selecção natural, pois comportamento deste tipo traria prejuízo para quem o produz, mas a selecção natural não elimina estes comportamentos. Uma solução apontada é que o comportamento traria benefício para um grupo de organismos, surgindo o conceito de selecção de parentesco”. (Wikipédia, 2012)

Valores Humanos

Porque na nossa opinião não vale tudo para obter rendimento. E também, porque esse “tudo“, poderá no futuro ser uma causa para o insucesso. No Futebol e na vida.

(…)

Na opinião do treinador português (Carvalhal, 2014), “a sociedade pode evoluir ou (in)evoluir, mas há coisas que nunca passarão de moda e serão sempre importantes no êxito de qualquer atividade: o caráter humano”.

Segundo (Urbea, et al., 2012), “qualquer departamento de uma empresa é o reflexo do seu chefe. Qualquer família é o reflexo dos seus líderes. Se um chefe é caótico, o departamento é caótico. Se os pais são desorganizados, os filhos são desorganizados. Não vale a pena lamentarmo-nos. Somos responsáveis pelo que transmitimos, fazemo-lo querendo ou sem querer”. O autor (Neto, 2012) vai mais longe e descreve que “a expressão de uma prática de futebol é o reflexo e o projecto da sociedade donde nasce. O reflexo, porque nele está a sociedade que o gerou; o projecto, porque também o futebol pode e deve ajudar à transformação da sociedade. Como pode negar-se, atendendo à paixão multitudinária que ainda o vai envolvendo, que o Futebol tenha todas as condições para concorrer à transformação da sociedade?” O autor acrescenta que o “Futebol, para ser um jogo solidário, terá de existir sempre, como dizíamos, uma aliança entre o saber e a vida, porque só sabe quem vive e só a partir deste conhecimento vivido que é possível falar de valores que humanizam o Futebol”. Esta ideia é reforçada pela opinião de René Meulensteen sobre o treinador escocês Alex Ferguson, em (Brackley, 2011), que não considera Ferguson comoa apenas um dos melhores treinadores de sempre, mas também “um dos melhores seres humanos, com elevados normas, elevados valores para as coisas normais que são importantes na vida. Para além de ser um grande treinador é um fantástico “treinador” de vida”.

(…)

O treinador alemão (Klopp, 2009), descreve que através dos seus valores deve “fazer tudo o que está ao meu alcance para mudar o lugar onde estou para melhor. Para mim, em variadíssimas situações, é importante que as pessoas que me rodeiam estejam bem. Eu estou sempre bem. Desejo verdadeiramente fazer um trabalho que torne o Mundo melhor. Infelizmente, esse desejo não significa que seja bem-sucedido na tarefa de aceitar que há coisas – como as doenças ou a dor – que não posso mudar”.

(…)

O treinador português José Mourinho, citado por (Lourenço, 2010), considera que “relativamente ao mundo do futebol, se perguntarmos, hoje, à grande maioria dos jogadores que comigo trabalharam quais os momentos que eles guardam de mim, que momentos os marcaram mais, acredito que, mais do que responderem que foi esta ou aquela substituição no jogo tal, ou que na vitória X foi a decisão Y, mais do que qualquer aspecto técnico das minhas decisões, o que verdadeiramente os marcou, o que mais lhes ficou na memória foram as características da minha personalidade, se quisermos, as características da minha liderança, a forma como liderei o grupo, enfim, a forma como os marquei em termos humanos. É isto que eu acho, sem ter feito nunca esse tipo de pergunta a alguém, nomeadamente, a qualquer jogador com quem já tenha trabalhado no passado.”

“O carácter não é um dom, é uma vitória.”

Ivor Griffith citado por (Cubeiro, et al., 2010)

“No Futebol, portanto, o jogador deve desenvolver-se em equipa, sem ser reduzido à equipa. E assim o treinador, nos seus momentos de reflexão, poderá levantar, no mais íntimo de si mesmo, esta questão: qual o tipo de pessoa que eu quero que nasça dos jogadores que lidero? Reside aqui, no meu modesto entender, o momento essencial do treino.”

(Sérgio, 2011), citado por (Esteves, 2011)

Defesa Individual em situações de bola parada II

Em Março de 2015 publicámos um artigo sobre a Defesa Individual nos pontapés de canto:

http://www.sabersobreosabertreinar.pt/index.php/2015/03/12/defesa-individual-nos-cantos/

Como defendido na altura, é um tema não circunscrito apenas ao domínio dos pontapés de canto, mas também a todas as situações de bola parada defensivas, e num plano ainda ainda maior, a todo o momento de organização defensiva. Porém, vamos novamente partir de uma situação de bola parada, neste caso, de um livre lateral, dada a análise realizada à situação que aqui trazemos:

Não nos interessa discutir esta opinião, ou mesmo apenas uma opinião, mas uma ideia que se repete inúmeras vezes. Revela a incoerência do pensamento sobre a situação em causa e fundamentalmente ilustra as insuficiências da Defesa Individual no jogo de Futebol.

De acordo com (Carvalhal, 2010), “entende-se por marcação Homem a Homem uma marcação de responsabilização individual, isto é, independentemente de onde estiver o meu adversário, eu vou ser o responsável por anular a sua acção ofensiva. Nesta marcação é importante referir que temos que manter o nosso corpo entre o adversário e a baliza que estamos a defender, não perdendo de vista não só a trajectória da bola, mas principalmente a movimentação do adversário! Reforço aqui a posição dos apoios (nunca deverão estar paralelos) de forma a respondermos rapidamente à acção do adversário”.

Defesa Individual em situações de bola parada - 3

Cruzando esta opinião com a análise que o video nos traz, transparece a confusão de objectivos que este método defensivo encerra. O defensor tem de marcar o adversário directo, não lhe permitindo muito espaço, mas tem simultaneamente de manter a bola no seu campo de visão. Se reduzir, como é indicado na análise, o espaço entre si e o atacante, será ainda mais difícil observar simultaneamente a bola. Por outro lado, observar a trajectória da bola, implica no comportamento, uma preocupação final com a bola, de forma a interceptá-la se esta se aproximar do seu adversário directo. Ora, este é o objectivo da Defesa Zona nas situações de bola parada defensivas: interceptar a bola em determinadas zonas fulcrais à finalização adversária. Então no momento final da marcação individual, defende-se o mesmo que a Defesa Zona. O objectivo deixa de ser o adversário e passa a ser a bola! Entre outras justificações, abordadas no artigo anterior, a Defesa Zona, tem as vantagens de poder preencher antecipadamente os espaços fulcrais e de poder permitir aos defensores o foco total na trajectória da bola. Poder, porque observam-se muitos comportamentos diferentes em Defesa Zona e muitos deles sem qualidade.

Há ainda outra perspectiva, mais radical mas também comum, avançada na análise: “se estás a marcar, marcas até ao fim“. A preocupação aqui terá que ser com o atacante até ao final da situação. Se este se prepara para atacar a bola, então nesta lógica terá que ser demovido dessa acção. Neste enquadramento há uma colisão com as leis do jogo, e talvez por esta razão, os defensores em Defesa Individual, dão hoje mais espaço aos seus adversários directos pois procuram evitar a falta dentro da área, uma vez que actualmente cresce a sensibilidade das equipas de arbitragem para estas infracções. De facto o Futebol não é Basquetebol. No Basquetebol os contactos nos comportamentos defensivos são muito penalizados e se isso acontecesse no Futebol, mesmo “apenas” como as Leis do Jogo de Futebol o determinam, as grandes penalidades surgiriam em grande quantidade. Ou então, assistia-se, como eventualmente está a começar a acontecer, a uma menor agressividade no comportamento de marcação, consequentemente mais golos sofridos, consequentemente a mudança de método defensivo nas equipas.

Perante a natural dificuldade em articular estes conceitos e objectivos comportamentais, e em analisar este tipo de situações, a responsabilização individual prevalece e uma explicação generalista, mas tão acessível e fácil, surge: falta de concentração! Se a acção táctica é difusa, a concentração perante a mesma também o é…

“Sem olho no acontecer

desliga-se mesmo a não querer,

antecipar é interpretar

indispensável p’ra bem jogar.”

(Frade, 2014)

Esta visão, leva-nos a pensar que se hoje há uma ideia generalizada, na qual o pensamento analítico no treino, quer através do isolamento do “factor” Físico, quer do “factor” Técnico, quer do “factor” Psicológico, se trataram de erros epistemológicos que o homem introduziu no treino do Futebol, por outro lado, o pensamento analítico transportado para uma visão individual na organização das equipas de um jogo que é colectivo, também o poderá ser.

Saber sobre o saber treinar II

Reforçamos que este espaço não procura avaliar competências, sejam elas individuais ou colectivas, mas consolidar e construir conhecimento. Inevitavelmente que para isso procuramos compreender como os melhores jogam ou trabalham. Ser melhor será para muitos, relativo, pois dependerá do conhecimento e perspectiva com que se analisa. No entanto, quando se trabalha melhor, está-se sempre mais próximo do rendimento. Sendo o Futebol um jogo, o rendimento, portanto, vencer, será sempre o destino. Aqui, uma vez mais, procuramos o(s) caminho(s) para atingir esse destino.

Jorge Jesus é um bom exemplo para nós, principalmente pelas suas ideias e consequente desempenho das suas equipas, mas também porque já passou por diferentes clubes. No passado, trabalhando noutro clube, trouxemos uma sua palestra na Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa sobre as suas ideias e trabalho. Pareceu-nos pertinente, pelas ideias, mas também pela contínua qualidade do seu trabalho, agora noutro clube, trazer algumas declarações em entrevistas recentes.

Jornalista: Tem noção também que tudo isto é um pouco contingente até aquele minuto 92. Se calhar o desfecho da história era diferente. Ou seja todo um trabalho bem feito poderia ter ido por água abaixo?

Vítor Pereira: Mas o trabalho estava lá. O que é que isso mudaria? Mudaria o titulo, mas o trabalho estava lá.”

(Vítor Pereira, 2014)

“Mais vale dizer coisas certas com as palavras erradas do que que dizer coisas erradas com as palavras certas”.

(Manuel Sérgio, 2013)

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“Não há um bom treinador sem bons jogadores e não há uma boa equipa sem um bom treinador.”

(Jesus, 2015)

“Os treinadores portugueses, são actualmente os melhores treinadores do mundo, são os que têm mais conhecimento em todas as áreas que definem o crescimento de uma equipa de Futebol, e portanto se tiveres a possibilidade de trabalhar numa equipa que tem condições financeiras para teres isto tudo, eles têm muito mais facilidade de ganhar esses títulos que qualquer outro treinador do mundo. Tirando o Pep Guardiola porque também penso que é um pouco parecido com os treinadores portugueses”.

(Jesus, 2015)

“Óbvio que ganhar títulos é importante, mas não é tudo. O que me interessa é que, a certa altura, os meus jogadores me digam: “Treinador, você ajudou-nos e tornou-nos melhores jogadores. Aprendemos muito consigo””

(Guardiola, 2013)