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Francisco Silveira Ramos

Para os menos conhecedores do futebol português e da evolução metodológica vivenciada, o professor Francisco Silveira Ramos é sem dúvida uma figura incontornável do jogo. Durante os anos 90 e princípio do século XXI, momento em que o treino era determinado pela dimensão física, no qual quem pensava “fora da caixa” era hostilizado pelo pensamento vigente, Silveira Ramos foi um dos poucos, que com coragem, assumiu que a preocupação central do treino deveria ser o cérebro e a decisão táctica. Defendendo a “integração dos factores do rendimento”, a sua visão diferia de forma abissal do “treino integrado” muito típico no Futebol Espanhol, mas também com expressões no Futebol Português. Como sustentámos no tema de Saber Sobre o Saber Treinar, “O treino integrado e sintético” tinha na mesma como preocupação central a dimensão física, porém aqui camuflada por exercícios com bola e acções do jogo. Silveira Ramos não só anteviu outro rumo que hoje se concretiza, como formou muitos técnicos em cursos de treinadores e licenciaturas, e ainda ajudou a crescer, nas selecções jovens portuguesas alguns dos maiores talentos do futebol português. Finalmente, revelou ainda grandes preocupações com o Futebol de Formação e o desaparecimento do Futebol de Rua.

Assumimos que o professor Francisco Silveira Ramos foi decisivo na forma como hoje vemos o jogo e o treino e dos que mais nos inspiraram a criar este espaço. Apesar do facto passar despercebido à maioria da comunicação social, Portugal pode-se orgulhar em contar com alguns dos maiores pensadores deste jogo, que contribuíram para a tal ruptura de conhecimento que já descrevemos. E sem dúvida que Silveira Ramos é um deles. Deixamos várias ideias do professor num recente programa televisivo, que dado o conhecimento dos intervenientes e das ideias abordadas, fugiu à norma do panorama televisivo português.

O Treinador Português:

A dimensão estratégica:

O treinador de “formação”:

O jogo mecânico e a música:

A crescente riqueza comportamental de cada função e a repercursão na dimensão física:

A era das dinâmicas:

Jogo curto e apoiado:

Criatividade defensiva:

Individualização do treino:

“Cabe-nos encontrar as metodologias que permitam que o processo de treino se adapte a essa realidade, adaptando os praticantes às exigências da competição.

Francisco Silveira Ramos, 2003

A falência dos sistemas II

Na sequência do artigo  “O importante não são os números, mas sim a dinâmica da equipa.”o treinador português Vítor Pereira, sempre com intervenções ricas em conteúdo, reforça a ideia que temos vindo a explorar:

Contudo, voltamos a colocar a mesma questão. Quando caracterizamos que uma equipa joga num determinado sistema, é através de um ponto de partida de que momento do jogo? E de que sub-momento? E porquê esses?

Este é talvez o maior exemplo da forma como, à imagem da Liderança e da Metodologia de Treino, o pensamento reducionista também atingiu a cultura táctica no Futebol e consequentemente o Modelo de Jogo das equipas. Simplificar uma teia de relações altamente complexa com uma simples distribuição posicional estática da equipa no campo, será como explicar o funcionamento do sistema solar através de um simples mapa tradicional.

“O padrão da estrutura aparente

é p’ro século vinte e dois

a face oculta das interacções não mente

p’ra imaginar o que virá depois.”

(Frade, 2014)

“O importante não são os números, mas sim a dinâmica da equipa.”

Na conferência de imprensa da selecção portuguesa, João Mário foi ao encontro de uma ideia defendida por nós. À luz do seu conhecimento do jogo, o jogador português descreve que cada vez dá menos importância aos “números”, portanto aos sistemas, e que tacticamente, o mais importante é a dinâmica que a equipa manifesta.

Dada a natural evolução táctica que o jogo apresentou, a estrutura posicional da equipa – sistema táctico, ganhou uma importância nuclear, assumindo-se como a principal referência para transmitir e analisar a organização das equipas. Uma das razões para este facto, foram mesmo as diferentes implicações na dinâmica das equipas e consequentemente na cultura de jogo, que as diferentes mudanças estruturais trouxeram.

Contudo, tal como noutras dimensões da intervenção do treinador no jogo, esta “catalogação” estrutural, foi extremamente redutora. É hoje claro, que o mesmo sistema pode absorver diferentes dinâmicas, diferentes princípios, e até mesmo diferentes culturas e formas de compreender o jogo.

Vamos mais longe e levantamos um problema para nós óbvio quando se caracteriza de forma geral uma equipa atribuindo-lhe um determinado sistema. Já excluindo os momentos de transição e os naturais posicionamentos colectivos mais caóticos que deles resultam, questionamos qual foi o momento de jogo, se a organização ofensiva ou organização defensiva da equipa que esteve na base dessa “fotografia” da estrutura posicional do seu jogo. Isto porque nesta fase da evolução táctica do jogo, todas as equipas apresentam determinados posicionamentos no momento defensivo e outros bem diferentes no momento ofensivo. Dando dois exemplos simples, é comum vermos uma equipa atacar numa estrutura de 1:4:3:3 e defender numa estrutura de 1:4:5:1, e aqui sem caracterizar eventuais posicionamentos altos dos defesas laterais no momento ofensivo. Por outro lado, é também cada vez mais comum vermos equipas em organização defensiva num estrutura de 4 jogadores na sua última linha, e que no momento ofensivo se transforma, com a subida dos defesas-laterais e o recuo de um médio-centro, numa estrutura de 3 jogadores. E como a caracterizamos? 1:4:X:X ou 1:3:X:X? Tomando como referência apenas um desses momentos, não será isso redutor? Não serão os dois momentos igualmente importantes na organização geral e qualidade de jogo da equipa? No pontapé de saída? Mas esse até é um momento estático em que nem se está a jogar, e por outro lado cada vez surgem mais equipas a tentar fazer dele uma oportunidade para utilizarem um esquema táctico, ou seja, uma situação mais ou menos fechada trabalhada previamente, em que os jogadores assumem um posicionamento muito específico.

Por outro lado, se analisarmos os diferentes comportamentos das equipas dentro de cada um desses grandes momentos do jogo, também percebemos que as equipas a esse nível de organização, variam muito de estrutura. Por exemplo, uma equipa pode pressionar alto em determinada estrutura, mas apresenta outra quando se encontra a defender junto à sua área.

Vários autores, nomeadamente treinadores portugueses, como são exemplos José Mourinho, Jorge Jesus, Vítor Pereira e André Villas-Boas, atribuem importância ao sistema enquanto ponto de partida, ou seja, como mais um princípio. São porém unânimes em entender como decisiva a dinâmica criada a partir do mesmo. O nosso ponto é que diferentes momentos e sub-momentos do jogo, logo, diferentes princípios, diferentes dinâmicas e consequentemente diferentes… sistemas. Portanto, é redutor e irrelevante identificar determinada equipa através de um sistema.

No exemplo, provavelmente mais contundente, em 1974, um traço que marcou a Holanda de Rinus Michels e Johan Cruyff, foi a permanente troca de funções e também variabilidade posicional dos seus jogadores, nomeadamente no momento ofensivo do jogo. Como resultado, se hoje fizermos uma pesquisa ao sistema táctico da selecção holandesa presente nesse campeonato do mundo, surgem-nos diferentes estruturas com os mesmos jogadores.

Desta forma, sentimos, para a evolução teórica do jogo, e uma vez mais indo ao encontro da sua natureza complexa, ser importante evoluir para outra caracterização das equipas, pois a actual forma, para além de redutora, é consequentemente um problema para os treinadores, analistas, e naturalmente para os jogadores.

Saber sobre o saber treinar II

Reforçamos que este espaço não procura avaliar competências, sejam elas individuais ou colectivas, mas consolidar e construir conhecimento. Inevitavelmente que para isso procuramos compreender como os melhores jogam ou trabalham. Ser melhor será para muitos, relativo, pois dependerá do conhecimento e perspectiva com que se analisa. No entanto, quando se trabalha melhor, está-se sempre mais próximo do rendimento. Sendo o Futebol um jogo, o rendimento, portanto, vencer, será sempre o destino. Aqui, uma vez mais, procuramos o(s) caminho(s) para atingir esse destino.

Jorge Jesus é um bom exemplo para nós, principalmente pelas suas ideias e consequente desempenho das suas equipas, mas também porque já passou por diferentes clubes. No passado, trabalhando noutro clube, trouxemos uma sua palestra na Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa sobre as suas ideias e trabalho. Pareceu-nos pertinente, pelas ideias, mas também pela contínua qualidade do seu trabalho, agora noutro clube, trazer algumas declarações em entrevistas recentes.

Jornalista: Tem noção também que tudo isto é um pouco contingente até aquele minuto 92. Se calhar o desfecho da história era diferente. Ou seja todo um trabalho bem feito poderia ter ido por água abaixo?

Vítor Pereira: Mas o trabalho estava lá. O que é que isso mudaria? Mudaria o titulo, mas o trabalho estava lá.”

(Vítor Pereira, 2014)

“Mais vale dizer coisas certas com as palavras erradas do que que dizer coisas erradas com as palavras certas”.

(Manuel Sérgio, 2013)

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“Não há um bom treinador sem bons jogadores e não há uma boa equipa sem um bom treinador.”

(Jesus, 2015)

“Os treinadores portugueses, são actualmente os melhores treinadores do mundo, são os que têm mais conhecimento em todas as áreas que definem o crescimento de uma equipa de Futebol, e portanto se tiveres a possibilidade de trabalhar numa equipa que tem condições financeiras para teres isto tudo, eles têm muito mais facilidade de ganhar esses títulos que qualquer outro treinador do mundo. Tirando o Pep Guardiola porque também penso que é um pouco parecido com os treinadores portugueses”.

(Jesus, 2015)

“Óbvio que ganhar títulos é importante, mas não é tudo. O que me interessa é que, a certa altura, os meus jogadores me digam: “Treinador, você ajudou-nos e tornou-nos melhores jogadores. Aprendemos muito consigo””

(Guardiola, 2013)