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Exercício 139 [Subscrição Anual]

“(…) existe na mente de muitos treinadores a presunção, que qualquer exercício de treino independentemente do seu nível de especialização (que reproduza de forma mais ou menos aproximada a natureza – lógica do Jogo de Futebol) transfere sempre algo de positivo para a capacidade objectiva do jogador ou da equipa. Todavia, é preciso ter presente que a transferibilidade, isto é, a influência de um exercício sobre outro que é realizado num ambiente contextualmente diferente ou na aquisição de uma outra competência não é um fenómeno positivo por natureza.”

(Jorge Castelo, 2003)

Publicamos o exercício 139, denominado como Saída do GR após atraso em metade lateral. Este exercício encontra-se no nosso arquivo e estará disponível para subscritores.

Podendo ser um exercício realizado por vagas, possibilitando a integração de mais jogadores e assim apresentar tempos de pausa maiores e um desgaste menor, pode então, ser realizado numa fase introdutória do treino, logo após uma breve mobilização inicial. Mas não será apenas pelo desgaste que promoverá, o seu carácter introdutório. Na dimensão táctica, a menor complexidade que proporciona na acção de Saída do Jogo do Guarda-Redes em espaço e número, leva-o também a um género de experienciação da situação. Nos casos em que apenas estará disponível meio-campo para o treino nessa fase do treino, por utilização da metade contrária por outra equipa ou pelo treino específico de Guarda-Redes, se o exercício for realizado na estrita metade do campo, ele pode ainda ser realizado em duplicado na metade contrária, multiplicando-se assim o número de repetições e de experiências realizadas.

Contudo, como todos os exercícios, apresenta contras, ou desvios do jogo que poderão ser perigosos. Como referimos no passado, será sempre assim a partir do momento em que a realidade do jogo é manipulada e tudo residirá na sensibilidade do treinador para avaliar a evolução das aquisições. Neste caso, algo que nos parece logo muito importante, é a impossibilidade da equipa poder jogar nos três corredores de jogo, promovendo assim um jogo um pouco mais vertical. No entanto parece-nos interessante para compreender contextos mais micro e algumas acções individuais. A forma como é iniciado, também prevê um contexto particular, porém esse também pode ser recriado numa situação de complexidade maior.

Como abordámos num recente artigo, o exercício não obriga o Guarda-Redes a decidir pela saída curta. Obriga sim, neste caso, a equipa a uma saída aberta. Depois, tendo em conta o posicionamento e as decisões adversárias, o Guarda-Redes pode optar por realizar um primeiro passe curto, ou pela realização de um mais longo,  ou melhor, de média distância, que no caso, estará simbolizado pelo passe nas mini-balizas.

Tendo também em conta o seu carácter e organização, o exercício pode em simultâneo promover a experienciação de todas as funções envolvidas, por todos os jogadores da equipa, desenvolvendo assim a sensibilidade para o posicionamento, decisão e execução do companheiro, o que poderá levar ao desenvolvimento de comportamentos micro, mas que poderão ser decisivos na eficiência e eficácia global da acção. Isto poderá ser importante num contexto de Rendimento, mas será fundamental num de Formação. E esta é uma forma de manifestação da multilateralidade do Futebol. Ou seja, num contexto específico como o Futebol, existirá sempre, nesse universo de se potenciar a sua multilateralidade. Para muitos conhecida, ainda que de forma parcial, pela “polivalência”. Por outro lado, regressando ao contexto do Futebol de Rendimento, as restrições de tempo de treino e desgaste, levarão a que a aposta nas especialização das funções envolvidas no exercício seja uma decisão mais lógica.

Desta forma, isto leva-nos a pensar que um exercício não é destinado ao Futebol de Formação ou ao de Sénior tendo apenas em conta a sua complexidade. Essa deverá ser definida tendo em conta o nível de jogo, e para isso a idade é um indicador, mas não é decisiva. Existem equipas de Infantis a jogar um jogo mais complexo e qualitativo do que muitas equipas de séniores. O escalão para o qual um exercício se destina, deve sim, por exemplo, equacionar a sua multilateralidade ou especialização como exemplificámos com o presente exercício, no parágrafo anterior.

Exercício 139 | Saída do GR após atraso em metade lateral

Exercício 138 [Subscrição Anual]

Publicamos o exercício 138, denominado como Meinho em duplas com baliza e Guarda-Redes. Este exercício encontra-se no nosso arquivo e estará disponível para subscritores.

A identificação meinho, pode sugerir que estamos na presença de um exercício de dimensão mais lúdica, ou de um exercício de complexidade reduzida, no qual no momento da recuperação da bola, o mesmo é interrompido para que os jogadores troquem de função. Não é o caso. Utilizamos a palavra meinho como forma mais fácil e prática de explicar a generalidade do exercício. No fundo trata-se de um exercício de posse de bola que se inicia e se joga em condições muito específicas e que traz características interessantes, não só do jogo, como também do ponto de vista da especificidade de uma determinada ideia de jogo. Aqui destacamos também a oportunidade para uma possível adaptação às novas regras do Pontapé de Baliza.

Dada a sua estrutura mais micro, quer em número, quer em espaço, será apropriado como um exercício introdutório ou complementar durante a Sessão de Treino. Dada a continuidade do jogo, garante ainda a Articulação de Sentido do ponto de vista dos momentos do jogo, pois para quem ataca vivencia, pelo menos, Organização Ofensiva e Transição Defensiva, e quem defende, pelo menos, Organização Defensiva e Transição Ofensiva.

Neste domínio, o exercício também apresenta no seu contra-exercício um estímulo de qualidade, ou seja, para a equipa que se encontra em oposição aos objectivos prioritários, nomeadamente no seu momento de recuperação da bola e consequente decisão sobre o Contra-ataque ou a Valorização da posse de bola. Desta forma, do ponto de vista do planeamento, o exercício poderá então, também servir esses propósitos opostos.

Exercício 138 | Meinho em duplas com baliza e Guarda-Redes

Intensidade VII

“(…) você só consegue ter os gajos em intensidade máxima relativa, ou seja, a fazer frescos, se eles estiverem frescos!”
(Vítor Frade, 2013)

Três ideias (exercícios) para desenvolver a circulação de bola em largura [Subscrição Anual]

Voltamos a publicar ideias, sob forma de exercícios de treino, que têm por objectivo o desenvolvimento do momento de organização ofensiva do jogo. Desta vez, em alternância à profundidade, estaremos à procura de desenvolver a largura no jogo da equipa. Não só ao nível posicional, mas neste caso concreto, pela circulação da bola entre dois ou os três corredores de jogo.

Como temos vindo a referir, a posse e circulação da bola, salvo raras excepções, não pode ser um fim em si mesmo. É no fundo um meio para atingir outros objectivos, quer ofensivos, quer mesmo defensivos. É fundamentalmente por essa razão que Guardiola declarou “odiar o tiki-taka”. É também por essa razão que (Luís Castro, 2017), também afirmou que “a posse de bola não é um objectivo, é uma consequência… do meu jogo”. Do ponto de vista ofensivo, (Pedro Bouças, 2017) dá um exemplo, explicando que “fazer desmoronar um adversário de qualidade tem também muito a ver com o tempo que o fazes correr”, sendo que para tal, é mais fácil consegui-lo pela circulação à largura do que na profundidade. Na sequência do mesmo exemplo, (Azevedo, 2011), explica: imagine-se que um treinador quer implementar na sua equipa a posse e circulação de bola como um comportamento/princípio no momento de organização ofensiva. Ele pretende que essa circulação de bola seja feita em toda a largura do campo, jogando de uma forma apoiada com passe curto e seguro, à procura de espaços para desorganizar a equipa adversária”. Mas o autor vai mais longe e explica que a partir de uma ideia, o jogo da equipa e as características dos jogadores devem permitir que a ideia inicial, ou seja, o Princípio, seja aberto a eventuais novas formas de o atingir. Na mesma linha de pensamento surge a treinadora (Gomes, 2011), sustentando que “com Organizações (entenda-se princípios) diferentes temos equipas diferentes. Contudo, todos percebemos que as características dos jogadores são decisivas na configuração dos princípios de jogo. Não nos princípios mas no modo como esses princípios se desenvolvem e expressam“.

Também o autor (Maciel, 2011) defende que a um nível mais micro, o qual denomina de SubSubPrincípios, surgem “aspectos mais micro, aspectos de pormenor à priori desconhecidos, uma vez que surgem pela dinâmica do processo e emergem sobredeterminados pelos níveis de maior complexidade, ainda que sem perda de identidade ou singularidade. Por serem desconhecidos à priori eu não os posso, nem devo estabelecer previamente, são particularidades que vão surgindo e que eu tenho de saber aproveitar para alimentar e exponenciar o crescimento do meu jogar, que não perdendo as formas do esboço inicial, vai assumindo uma configuração ao nível do pormenor que é única. Tem de haver muita sensibilidade e receptividade da parte do treinador, no sentido de aproveitar estas emergências de pormenor. Quando refiro receptividade quero dizer abertura, pois só isso permite que eu aproveite e tenha disposição, para partindo das minhas ideias rentabilizar e explorar os acrescentos que o envolvimento me trás a tais ideias“.

Deste modo, a criatividade tem aqui um papel preponderante. Quando o jogador, ou a equipa encontra uma nova solução para resolver o problema, que o treinador não antevia quando definiu o Princípio. Regressando ao exemplo, Azevedo descreve que o treinador transmite a ideia, vai trabalhando e percebe que há um jogador que apresenta uma boa leitura/visão de jogo aliada a uma qualidade e precisão no passe longo. Então, o treinador pode aproveitar essa característica porque através dessa precisão no passe longo, o jogo tornar-se-á mais rápido. Por isso, através da alternância entre passe curto e passe longo, a velocidade da circulação de bola pode ser muito maior. Poderá aproveitar toda a largura do terreno e criar maiores desequilíbrios na estrutura defensiva do adversário”.

Mas (Maciel, 2011) ressalva que ““importa referir que essas emergências de pormenor não são só aspectos a exponenciar, não raras vezes constituem-se como aspectos a recusar, e eu tenho que ter sensibilidade para perceber que em determinados contextos e situações os princípios têm de ser fins. Como tal poderei ter necessidade de fechar, mas só o devo fazer a partir do que depreendo do processo e dos contornos que este vai assumindo no aqui e agora e não à partida. Se o fizer à partida, corro o perigo de cair na vertigem de treinar sobre carris. Parto do pressuposto que os jogadores me podem dar tudo, em termos de detalhe, o que entendo ser necessário para jogar o meu jogar com qualidade, se verifico que há coisas que tenho de ser eu a regular externamente porque eles não o fazem ou ainda não fazem, ok, aí o princípio (subsub) passa a ser fim, mesmo que possa não ser de forma permanente mas temporária e transitória. Cruyff diz que a melhor forma de ensinar não é proibindo, mas sim guiando, eu concordo totalmente mas acrescento que por vezes para guiar se torna necessário proibir. Mas a regulação do trânsito, que é a funcionalidade da equipa vai se fazendo, sabemos o sentido a dar ao caminho e vamos colocando sinalização conforme para que o caminho permita uma boa fluidez, por vezes colocamos sinais proibidos generalistas, outros só a peões, outros só para bicicletas, outros para pesados… e quando percebemos que o trânsito está a ficar regulado à nossa imagem podemos tirar sinalização, porque pelo hábito já se tornou funcional“.

“Adoro a regra
que calibra a emoção,
apaixona-me a emoção que não se nega
a levar a regra à correcção.”
(Frade, 2014)

Os três exercícios apresentam uma lógica progressiva, nomeadamente na sua dimensão estrutural:

Exercício 130 | Circulação de bola aos dois corredores laterais sem oposição (exercício grupal)

Exercício 128 | Pontuar em variação de corredor (exercício grupal ou intersectorial)

Exercício 129 | Jogo colectivo em variação da metade vertical do campo (exercício intersectorial ou colectivo)

História do treino do futebol [Subscrição Anual]

Publicamos um excerto de uma nova publicação de Saber Sobre o Saber Treinar exclusiva a assinantes do projecto, que introduz a evolução do processo de treino do Futebol. Acrescentamos que no futuro irão ser publicadas sub-páginas, descriminando as diferentes grandes etapas da sua evolução.

(…)

“Neste enquadramento, o autor (Ramos, 2003), explica que podemos identificar períodos da evolução do treino desportivo que, “na generalidade, caracterizou a evolução de resultados desportivos nas diversas modalidades e as suas relações com o processo de treino. Evidentemente que estas etapas não se sucederam mecanicamente nem foram sincronizadas entre as diversas modalidades. No entanto, dada a influência recíproca de ideias e de conhecimentos entre as várias especialidades desportivas, estes grandes períodos podem, mais ou menos claramente, ser identificados nas modalidades, situação que se verifica no Futebol”. Assim, segundo (Cardoso, 2006), “a constante procura de elevar o rendimento desportivo das equipas proporcionou ao longo dos tempos o desenvolvimento de diferentes metodologias e por sua vez diferentes concepções de ensino. Como afirma (Pinto, 1996) “o rendimento no Futebol foi ao longo da sua história valorizando factores diferentes: primeiro a «técnica» e posteriormente a «condição física» tiveram pesos muito significativos na eficácia do jogo””. Neste panorama, o professor (Dinis, 2012), relata que quando começou a treinar “o treino era basicamente proveniente do atletismo, era corrida. Depois havia o “conjunto”. Actualmente reformulou-se praticamente tudo“.”

(…)

Continua…

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Sessões de Treino

Sendo que o nosso arquivo já ultrapassa a centena de exercícios de treino, decidimos enriquece-lo com sessões de treino.

Contudo, é importante sublinhar um aspecto, para a nós, fundamental. Se sentimos que a publicação de exercícios a vulso poderá abrir ao treinador / equipa técnica que planeia o treino um caminho de facilitismo, que o afastará do pensamento crítico, especificidade e necessidades do seu contexto, então a publicação de sessões de treino poderá potenciar este problema. Mas tal como os exercícios que publicamos, o nosso objectivo é exclusivamente propor ideias, metodologia e uma linha de pensamento no planeamento e operacionalização das sessões de treino. Copiar uma sessão inteira, não atendendo ao contexto, ao nível e aos objectivos de cada equipa é, quanto a nós, um erro primário. Neste pressuposto, para Manuel Sérgio, na apresentação de (Jesus, 2013), os treinos do treinador português são “modelares e autênticas aulas universitárias”. Para o treinador português, saber operacionalizar, “montar um treino em função da tua ideia de jogo, chama a tua criatividade”.

Segundo a nossa metodologia, geralmente cada sessão de treino encontra-se dedicada principalmente a um momento do jogo. Contudo, tendo em conta a articulação de sentido, os exercícios encontrar-se-ão intimamente ligados ao momento do jogo anterior ou seguinte, e em muitos desses casos, tal estará previsto nos objectivos.

Publicamos, gratuitamente, uma sessão de treino. Neste caso tendo por objectivo principal o momento de Transição Defensiva:

Na opinião de (Mourinho, 2010), o treinador deve ter “uma estrutura e um objectivo no treino. O treinador deve organizar as coisas com progressão, os jogadores devem perceber o objectivo de cada exercício, e eles devem trazer ao jogo, no puro 11×11, o que eles aprenderam, o que treinaram durante o treino, durante a semana, durante os meses, durante os anos da sua formação”. O treinador português acrescenta que “acredito verdadeiramente e a experiência diz-me que com repetição e progressões, os jogadores têm grandes condições para decidirem bem o jogo”.

“(…) o planeamento tem como missão prever ou antecipar, o máximo possível, todo o trabalho a desenvolver no sentido de reduzir ao mínimo a improvisação, o desenrascanço, conferindo mais rigor e maior eficácia ao processo de treino.”

(Costa, et al., 2015)

 

I Congresso Internacional da Periodização Táctica

“O treino e o jogo não são somas. Às vezes confunde-se complexidade com complicação”.

Vítor Frade, 2017

“”Football is not a linear process,” Frade said. “It is not a sum of things: If you do this, plus that, you will achieve this.” Instead, “the coach must consider every aspect, of the individual, of the team. Football is not two-dimensional. It is multidimensional.” It is an imperfect parallel, but the game, as Frade envisages it, is not unlike a Rubik’s Cube: Every thing a manager does, every single turn they make, has a consequence elsewhere. It does not work if they try to fix one side alone; the problem must be considered in its entirety.”

Rory Smith no The New York Times, 2017

Decorreu no passado mês de Junho, o I Congresso Internacional da Periodização Táctica no Porto. Mais do que uma forma de divulgação da corrente metodológica, uma justíssima homenagem a Vítor Frade pela genialidade e resistência na defesa de uma ideia que ultrapassa em muito as ténues fronteiras do futebol. Mas a questão parece teimar em persistir: qual é a essência da revolução de Frade?

Efectivamente, numa visão complexa da realidade, muito díspar da corrente de pensamento tradicional, que devemos dizer, foi poluindo o pensamento humano nos últimos quatro séculos. Isto porque quer queiramos, quer não, quer consigamo-lo compreender ou não, o universo que habitamos é complexo. Como Vítor Frade também referiu no congresso, “não existem as ciências da complexidade. Existe sim, a complexidade”. Não é o homem e a sua ciência que dita que a realidade é complexa. Ela é-o intransigentemente. Frade reforçou também, duas vezes ao longo da sua palestra, que “foram 400 anos de pensamento analítico ou cartesiano” e como consequência vivemos os mais diversos contextos das nossas vidas contaminados por esta forma redutora de pensar. Os números, as quantidades, as partes, as somas, foram castrando as relações, as qualidades, as interacções… no fundo o todo complexo. Vulgarizou-se nos últimos anos que o “todo, é mais que a soma das partes”, porém continua sem se perceber muito bem o que isso significa e como consequência, o homem continua a mutilar a realidade na sua intervenção nas mais diversas áreas.

É verdade que as ideias de Vítor Frade são baseadas no pensamento de ruptura de Ludwig von Bertalanffy, Norbert Wiener, Ross Ashby, Edgar Morín, Manuel Castells, entre tantos outros. É também verdade que outros autores também procuraram aproximar o desporto de uma perspectiva mais globalizante do rendimento, mas foi porém Frade, que surge, ainda na década de 70, com o mais disruptivo pensamento, sob a perspectiva da complexidade, consumado mais tarde na sua Periodização Táctica. Na sua tese de doutoramento – A interacção, invariante estrutural da estrutura de rendimento do Futebol, como objecto de conhecimento cientifico – uma proposta de explicação de causalidade, de 1990, declarou: “O Futebol, apesar de frequentemente encarado como “realidade-inferior”, disciplina de importância menor, desprezada, pouco vocacionada a despertar pessoas para uma carreira académica – como especialidade e investigação consequente, é no entanto, um objecto de estudo complexo, na medida em que uma multiplicidade de factos e de acontecimentos, se dão a ver ao mesmo tempo. Enquanto prática social, o futebol tem uma história, inclusivamente, uma geografia. Daí, que não se tome por único o que é plural, e por plural o que é único. O futebol pré-existe á ideia que dele se tem. O problema está em saber, se as ideias que dele se tem, se lhe ajustam”.

Uma das organizadoras do congresso e ex-aluna de Frade, Mara Vieira, numa entrevista ao jornal Expresso, que procurava antecipar o congresso, referia precisamente isto: “a primeira grande diferença para toda a gente é esta: o professor Vítor Frade faz-nos refletir. O que é um papel que a universidade no seu todo devia ter. “Que treinadores é que nós queremos formar para quando eles saírem da faculdade?” Nós temos de ter conhecimentos sobre futebol e sobre variadíssimas áreas. E o professor Vítor Frade, das primeiras coisas que faz, é explicar que nós para pensarmos o futebol temos de perceber que é algo complexo e temos de refletir muito sobre as coisas. Porque a malta normalmente está à espera de fórmulas: “O professor há-de dizer e nós apanhamos as coisas e vamos para o campo”. O que ele faz é relacionar várias áreas e mostrar como todas elas podem ser importantes para o futebol. Ele é especial porque nos faz a todo o momento querer saber mais e refletir sobre os assuntos, entendendo as coisas na sua dimensão complexa, porque as coisas não são A mais B”.

Recentemente, em entrevista a (Tamarit, 2013), Vítor Frade confessava que hoje lhe dava um certo gozo ler coisas que escreveu “nos anos 70 e princípios de 80, sendo na altura muito contestadas, e ler hoje qualquer coisa assim científica avançada e ver que não estava mal de todo, e até parece que estava bem! Mas pronto, era um paradigma diverso daquele que estava e está institucionalizado!” Na sua tese de 1990, Frade questionava ainda, “por exemplo, quantos não serão os “dados” existentes à cerca da pergunta seguinte: Quais são, os elementos estruturais de todo o jogo de futebol? A estrutura de acção não é mecânica, no entanto, o saber compartimentado do “nosso” futebol segregou já demasiadas previsões especializadas. Deve continuar o “futebol”, a deixar-se cegar pelo erudito reducionismo? Para nós, a formulação de MODELOS DE INTELIGIBILIDADE afastados da FRAGMENTARIDADE DOMINANTE, e ajustados à natureza complexa do objecto empírico, parece-nos de premente necessidade”.

Neste sentido, perante toda a evolução sentida no futebol, a difusão da Periodização Táctica e de muitas novas ideias relacionadas com o jogo e o treino, ao contrário do que poderia ser esperado, Vítor Frade declarou no congresso acreditar que o pensamento analítico e redutor estará mais presente no Futebol do que nunca. A propaganda à medicina, à fisiologia, à nutrição, ao ginásio, à estatística, etc., vai ganhando terreno no jogo. Na verdade, a frase de José Mourinho “quando ganhamos, ganhamos todos… e mais alguns” nunca fez tanto sentido. Perante o sucesso todas estas “partes” e “compartimentos” que foram surgindo no Futebol reclamam para si o mérito. No insucesso, cai sobre o treinador toda a responsabilidade. Recordamos, por exemplo, o recente caso de Claudio Ranieri no Leicester City. Mara Vieira também vai ao encontro desta ideia, defendendo que “as coisas têm de estar enquadradas, senão a certa altura o departamento médico faz o que quer, o nutricionista também, o psicólogo também e depois o processo é de quem? Assim não há um processo único, há bocadinhos”.

“Uma investigação cuidada sobre o fenómeno da “INTERACÇÃO” exige um estudo “desta-em-si” (ou seja, do processo) e não da acção dos jogadores sobre os conteúdos nem dos conteúdos sobre os jogadores.”

Vítor Frade, 1990

O legado de Vítor Frade é grandioso, contudo difícil de compreender. O próprio reconhece, em entrevista a Xavier Tamarit, 2013, que “devemos compreender que estamos colonizados por uma lógica comum, por uns reforçadores culturais que nos influenciam conscientemente e, o que é pior, subconscientemente”. Assim, arriscamos que, levará, no mínimo, mais algumas décadas a compreender a essência da Periodização Táctica. Carlos Carvalhal em entrevista a (Cabral, 2017) concorda, referindo que Vítor Frade “é uma pessoa que pensa diferente, que é muito avançada no tempo. Acho que o devido valor só lhe será dado daqui a 20 ou 30 anos, só aí é que as pessoas o vão entender”. O impacto que este congresso teve em muitas pessoas, reforça essa crença. Ferrán Sarsanedas, a propósito de Johan Cruyff terá dito que “Cruyff é um génio, não há quem saiba mais de futebol que ele. O problema é que já não tem com quem discutir o que criou. Está tão à frente que vive há demasiado tempo num mundo só dele, como os loucos”. Podemos afirmar que Vítor Frade, não só na dimensão metodológica, mas também no entendimento do jogo, terá também atingido um patamar semelhante.

“Em primeiro lugar temos que entender o fenómeno como complexo, e se o é, jamais poderá deixar de ser complexo o modo como intervimos, reflectimos e actuamos sobre ele. (…) Há que estar perante esta realidade, reconhecendo-a como não linear e assim todo o pensamento tem de ter esta base, não linear.”

Vítor Frade em entrevista a Xavier Tamarit, 2013

“A Periodização Táctica procura o “regresso” do homem à sua essência. À sua complexidade.”

 José Tavares, 2017 – I Congresso Internacional de Periodização Táctica

O treino integrado e sintético

Sub-tema de História do treino de Futebol, situado entre Periodização Física no Futebol, e a A ruptura epistemológica, publicamos o O treino integrado e sintético. Referimos que apesar da adição de algumas citações mais recentes, grande parte destes textos sobre a história do treino do futebol foram redigidos há alguns anos. No entanto, na nossa opinião, não só continuam actuais, como trata-se de uma evolução que se estende muito além do futebol, e que ainda não foi compreendida por muitas pessoas.

Estrutura actual de Saber Sobre o Saber Treinar.

Estrutura actual de Saber Sobre o Saber Treinar.

O processo adaptativo

Publicada em Saber Sobre o Saber Treinar a página sobre o O processo adaptativo.

Estrutura actual de Saber Sobre o Saber Treinar.

Estrutura actual de Saber Sobre o Saber Treinar.

Ensino, Individualidade, Criatividade…

Antigamente, sobravam tempo, espaço e oportunidades para as crianças jogarem longe das regras dos adultos. Nesses espaços não havia limite de toques ou caminhos proibidos. Muito menos caminhos obrigatórios.

Paulo Sousa

Animação adaptada de uma palestra dada na RSA por Sir Ken Robinson.

“Jogar de forma destruturada, em espaço livre, com reduzida supervisão é o berço de qualquer criança. Para que a próxima geração cresça saudável, equilibrada e apta para beneficiar da sua educação, devemos assegurar que as crianças vão para a rua jogar”.

Sue Palmer, escritora e especialista em crianças, citada por (Cooper, 2007)

A Descoberta Guiada surge na mesma linha do método psicogenético, um ideal educativo criado por Lauro de Oliveira Lima, estruturado a partir das descobertas científicas de Piaget. Este método defende que “O professor não ensina; ajuda ao aluno a aprender”. Segundo (Bello, 1995), “professor deve deixar de lado sua postura de “professor-informador” para assumir a postura de “professor-orientador“, assim como um “técnico de Futebol”, que organiza a equipa em campo. A discussão entre todos é a didáctica fundamental”, e citando (Lima, 1972), “trabalho, deixando de ser manual para ser intelectual, deixando de ser individual para ser grupal, deixando de ser linha de produção (linear) para ser uma decisão (circular), transformar-se-á em discussão”. Assim sendo, o “indivíduo irá aprender através de actividades planeadas pelo professor como, por exemplo, pesquisas, leituras, passeios, etc., sempre orientados pelo professor. Atentando-se que estas actividades são sempre grupais para que todos possam educar a todos, construindo o conhecimento na interacção entre eles”. Bello fundamenta a necessidade deste método de ensino com a imprevisibilidade que o futuro nos traz, portanto há que preparar o indivíduo para resolver situações-problema. Bello explica através de um exemplo prático, citado pelo professor Lauro de Oliveira Lima: “as criança estavam utilizando o escorrega com perfeição, subindo pela escada e descendo pelo escorrega. O professor Lauro sugeriu que a professora estimulasse o inverso: subir pelo escorrega e descer pela escada. Com esta atitude a professora estará incentivando a criança a se superar, a sair daquele estágio em que se encontra para alcançar um outro nível de complexidade de desenvolvimento. Se as crianças estavam cumprindo a tarefa de subir pela escada e descer pelo escorrega com perfeição, elas estavam acomodadas naquele nível de desenvolvimento. Quando a professora sugere uma tarefa de complexidade superior ela está ajudando as crianças a assimilar um novo nível de equilíbrio”. Com este exemplo, Bello expõe que “a professora poderia “mostrar como se faz” para as crianças, o que não teria nenhum valor no esforço de conquista da nova aprendizagem a ser enfrentada pelos alunos. Portanto, a aula expositiva (conhecida no jargão pedagógico como “aula de salivação”) é incompatível com o esforço para inventar que deveria estar sendo empreendido pelos alunos. Para Lauro de Oliveira Lima todo desenvolvimento requer esforço para que se possa construir estruturas ou estratégias de comportamento cada vez mais complexas”. José Bello vai mais longe e sustenta que “a aula expositiva torna-se então quase um “anti-estímulo” à criatividade ou uma ofensa contra o aluno, já que pressupõe uma incapacidade de interpretação e leitura de mundo por parte dele. O surgimento do livro condenou a aula expositiva à morte”. O treinador (Mourinho, 2009), corroborando a aprendizagem através da dinâmica de grupo ao invés da aula expositiva, explica que, em conversa com ex-colegas universitários, “no outro dia, quando falámos lá no ISEF, chegámos à conclusão que aprendemos muito mais entre nós e nos intervalos entre as aulas”. Num programa televisivo não identificado, o psiquiatra português Daniel Sampaio reforça esta ideia através das mudanças sociais e tecnológicas das últimas décadas. Segundo Sampaio, até aos anos 80/90 as crianças cresciam perante fontes de informação limitadas e essencialmente expositivas como eram por exemplo, os poucos canais de televisão disponíveis. Após a revolução tecnológica que a Internet, os computadores, os tablets, os próprios telefones, a televisão por cabo e a sua enorme oferta trouxeram, as crianças tornaram a descoberta do conhecimento um processo de enorme interactividade. Porém, Daniel Sampaio explica que os métodos de ensino não acompanharam esta evolução e consequentemente tornou-se muito difícil manter crianças concentradas em aulas de uma ou duas horas nas quais o professor debita o conhecimento e o aluno interage e descobre pouco.

“O treinador é importantíssimo por todos os conhecimentos que poderá transmitir. Mas se fizer mal as coisas, será mais interessante juntar as crianças e deixá-las organizar a sua própria actividade. Verá que se dividirão por duas equipas e jogando descobrirão o caminho.”

(Bouças, 2013)

Livro

um saber sobre o saber fazer... - Carlos Carvalhal 2014

um saber sobre o saber fazer… – Carlos Carvalhal 2014

Curiosamente, “um saber sobre o saber fazer…”

Saber sobre o saber treinar

“As pessoas riram-se muito quando Jesus disse que tinha inventado uma ciência, fartaram-se de rir disso, e é uma estupidez porque uma ciência é um corpo organizado de conhecimentos, e portanto o que o Jorge Jesus fez foi isso de facto. Ele tem, provavelmente até tomou apontamentos e armazenou, um conjunto sistematizado de conhecimentos sobre uma determinada matéria e que põe em prática com óptimos resultados, coisa que boa parte dos cientistas não se pode gabar.”

Ricardo Araújo Pereira