“Um jogo muito táctico”

“(…) dói ver equipas que não se «ligam», que não têm uma aquisição de uns nos outros, porque o jogo é isso! Ou deve ser! Não se trata de jogar bem ou mal, trata-se de JOGAR! Ou seja, haver uma emergência que SENTIMOS COLECTIVA…”

(Marisa Gomes, 2011)

É infindável o número de vezes que ouvimos a expressão “foi um jogo muito táctico”. Desde o mais comum espectador até ao treinador da equipa de primeira liga. Na maioria das vezes a sentença carrega uma grande negatividade, pois identifica um jogo pouco entusiasmante, enfadonho, com poucas oportunidades de finalização e até mal jogado. Provavelmente entre duas equipas que, estratégicamente, aparentaram dar prioridade aos seus momentos defensivos, e não raras as vezes, a expressão avalia um jogo que terminou 0-0. Mas será este o verdadeiro sentido de “táctico”? Algo acessório no jogo, e desligado de quem joga?

Olhando para a realidade do jogo de Futebol, rapidamente compreendemos que é um jogo repleto de intencionalidades e decisões. Se num outro extremo, jogos simples, como o atirar uma moeda ao ar, ou lançar dados retiram ao jogador praticamente toda a decisão sobre o resultado que obtém, por outro lado, jogos complexos como são o caso dos desportos colectivos, remetem quem joga, para um plano em que a sua acção torna-se decisiva no desfecho dos mesmos. Esta acção, ou comportamentos, manifestam-se em campo através de posicionamentos, movimentos e execuções, que resultam das decisões dos jogadores, influenciados por uma intenção colectiva definida pelo treinador. O disruptivo trabalho de Friedrich Mahlo no início da década de 60, publicado na sua obra “O acto táctico no jogo”, veio, pela primeira vez de forma mais profunda, provocar a reflexão sobre estas questões e colocar em causa o que é verdadeiramente nuclear nos jogos desportivos coletivos: a decisão. Decisão esta, que emerge muitas vezes da esfera do subconsciente, mas em muitos outros momentos é tomada de forma consciente, e resultante de uma cultura adquirida em vivências anteriores. O treinador português (Paulo Fonseca, 2016) confessa mesmo que “com toda a honestidade, a exigência de Jorge Jesus fez-me pensar no que eu nunca tinha pensado. Até esse momento eu raramente pensava o jogo, apenas o executava. E eu comecei a pensá-lo. Até esse momento eu pouco sabia o que era a minha tarefa enquanto Defesa-Central e comecei-me a apaixonar pelo treino, pelas questões tácticas”.

Estas ideias são hoje comumente aceites e difundidas, no entanto não o eram “ainda” há cerca de 15 anos atrás, principalmente no contexto específico do Futebol. Actualmente, o processo de decisão, ou seja o táctico, tornou-se vital na cabeça dos melhores treinadores. Um processo intencional de resolução de problemas, uma manifestação de inteligência específica do jogo de futebol. Que perante um jogo que é colectivo, se torna na larga maioria das situações, um processo colectivo. Este é o nosso entendimento de táctica. De acordo com a (Wikipédia, 2018), a “inteligência em sido definida popularmente e ao longo da história de muitas formas diferentes, tais como em termos da capacidade de alguém/algo para lógica, abstração, memorização, compreensão, autoconhecimento, comunicação, aprendizagem, controlo emocional, planeamento e resolução de problemas”. O website (Dreamfeel, 2012) expõe ainda que para o investigador Howard Gardner a inteligência é a capacidade de resolver problemas ou de elaborar produtos que sejam valorizados em um ou mais ambientes culturais ou comunitários”. Por outro lado, a autora (Sofia, 2010) explica que a inteligência manifesta-se na “capacidade de adaptação a situações novas e resolução de problemas, capacidade de pensar abstractamente e capacidade aprender. Estas três capacidades são indissociáveis, complementares, nenhuma delas pode ser analisada de forma independente. Estão interligadas, constituindo diferentes tipos de inteligência. A inteligência é um sistema complexo“.

Deste modo, o contexto específico dos desportos colectivos, solicitará igualmente uma complexa, mas específica manifestação de inteligência. Sendo complexa, ela envolverá outras formas de inteligência, sendo a inteligência emocional um excelente exemplo. Mas tendo em conta o contexto altamente decisional do jogo, faz então sentido falar-se em inteligência táctica. O autor (Garganta, 1997), citado por (Cardoso, 2006), refere que “o Futebol deverá ter como núcleo director a dimensão Táctica do jogo porque é nela e através dela que se consubstanciam os comportamentos que ocorrem durante uma partida”. Cardoso complementa ainda, sustentando que “a dimensão Táctica é causadora de comportamentos e é por estes que o jogo se desenvolve. Nesse sentido, a dimensão Táctica condiciona de uma forma importante a prestação dos jogadores e das equipas. Ainda como salienta (Guilherme Oliveira, 2004) devemos entender por dimensão Táctica o resultado da interacção entre as diferentes dimensões. Se para corresponder tacticamente tenho de estar no sítio certo, no momento certo (implica movimento), com a capacidade para responder (tecnicamente) dentro de uma intenção colectiva então a dimensão Táctica por si só não existe. Ela existe pela interacção das outras dimensões”. O autor (Guilherme Oliveira, 2004), citado por (Cardoso, 2006), explica também que o Táctico “é o elo de ligação que dá sentido e sentimento ao jogo, promovendo uma Especificidade de jogo, uma vez que o jogo é muito mais que um somatório de ocorrências, é um enredo que se pretende criado dessas ocorrências, que, em consequência, promove a criação e o desenvolvimento de conhecimentos colectivos e individuais que lhe são próprios e que vão permitir a melhoria qualitativa de jogo, colectiva e individual”. O professor (Frade, 1998), citado por (Cardoso, 2006) explica que “o táctico não é físico, não é técnico, não é psicológico, não é estratégico, mas precisa dos quatro para se manifestar, ou seja, quando se diz que não se divide tem-se consciência de que o crescimento táctico, tendo em conta a proposta de jogo a que se aspira, ao realizar-se ao operacionalizar-se, vai implicar alterações ao nível técnico, isto é, há que ter consciência que o táctico tem a ver com a proposta de jogo que se pretende, mas não é um táctico abstracto”.

A Supradimensão Táctica surge da interacção entre as diferentes dimensões do rendimento.

 

Este entendimento… complexo… de táctica, leva-nos então a rejeitar novos dualismos, resultantes, uma vez mais, do pensamento analítico enraizado na nossa cultura. São exemplos, do mais sintético para o mais real, a táctica apenas como a estrutura posicional da equipa em jogo, ou como referimos atrás, a táctica como um projecto de um jogo defensivo e fechado, por outro lado, a táctica como um conjunto de regras e condicionantes comportamentais que amarram o jogador e lhe retiram liberdade, individualidade, criatividade e inteligência no jogo, ou ainda, a táctica separada do homem, consubstanciada no “homem está antes da tática” como o professor (Manuel Sérgio, 2014) defendeu. Neste último caso, não é a fundamentação que está em causa. É a conclusão. Não nos restam dúvidas que o homem é a condição máxima em qualquer uma das suas actividades. Concordando com Manuel Sérgio, “se não compreender as mulheres e os homens que saltam e chutam e fintam, não compreenderei forçosamente os saltos, os chutos e as fintas”. Acrescentamos que se também não compreendermos o que é de facto o Táctico, também não compreenderemos as mulheres e homens que… jogam. Foi o que sustentámos recentemente pela perspectiva dos valores humanos: o “jogar” expõe e cultiva valores. Na visão complexa de táctica que Vítor Frade sustenta, se a “supradimensão” táctica não existe só, emergindo da interacção das demais dimensões e criando simultaneamente expressões e adaptações nas mesmas, então… o táctico é o todo comportamental do homem em jogo. Portanto… o táctico é o homem que joga. O táctico não existe sem o homem que joga, como o homem, a partir do momento que joga, se torna… táctico. Recordando o nosso entendimento… o táctico é um processo intencional de resolução de problemas, uma manifestação de inteligência específica do jogo de futebol.

Portanto, não há jogos muito ou pouco tácticos. Se é jogo… o táctico… a decisão… o comportamento, estarão sempre lá. E se a expressão táctica de uma equipa, envolverá “uma proposta de jogo a que se aspira”, o que poderá estar em discussão será a qualidade de cada proposta, tendo em conta as características do jogo que se disputa. O que nos remete para o decisivo trinómio estética-eficácia-eficiência. Expressão táctica que pode ainda ser entusiasmante ou não, se tentarmos isolar a perspectiva estética, porém, neste caso temos que também ter em conta a relatividade desta avaliação perante a cultura e o sentido estético de cada indivíduo que observa o jogo.

Portanto, o táctico por si só é neutro. Pode ser bom ou mau tendo em conta as ideias dão “forma” aos comportamentos da equipa em jogo. Como (Amieiro, 2009) refere, o Táctico é o fio invisível que faz emergir aquilo que reconhecemos como traços marcantes do jogar de uma equipa“.

O Futebol, deve ser entendido como aquilo que realmente é: um sistema complexo. Nesta perspectiva, segundo (Tobar, 2018), “Bertrand & Guillemet (1994) para além de apontarem um sistema como um todo dinâmico constituído por elementos que se relacionam e interagem entre si e com o meio envolvente; são contundentes ao afirmarem que os sistemas revelam um conjunto de pressupostos que os caracterizam, que são: abertura, complexidade, finalidade, tratamento, totalidade, organização, fluxo e equilíbrio”. Destas características, os mesmos autores explicam que a totalidade “significa que um sistema é mais do que a soma das suas partes (sinergia), e isso também implica que os sistemas tenham as suas próprias propriedades, que em virtude das interações, são diferentes das dos seus componentes vistos de maneira isolada”. Assim, o táctico emerge como o tal “mais do que a soma das partes” e a expressão da especificidade do Futebol. Nesta lógica, conceitos como forma… táctica, velocidade… táctica, intensidade… táctica, volume… táctico, etc., irão também, consequentemente emergir a partir daí.

Deste modo a questão não está entre uma eventual dicotomia entre um jogo táctico e outro “bonito”. A questão estará… o que será um jogo mau e outro bom. Ou mais precisamente, um jogo tacticamente mau, e um jogo tacticamente bom.

“Táctica para mim sem talento, sem beleza, não existe. O táctico para mim não tem que ser aquele táctico fechado, aquela coisa automatizada.”

(Vítor Pereira, 2016)

Criatividade

“(…) ao tentar desmistificar o conceito de criatividade apenas como um malabarismo ou um lance descontextualizado, não se pretendeu desvalorizar tais situações. É notório que a magia do Futebol às vezes encontra-se nessas ocasiões, mas para tal ficar esplêndida, é necessário uma criatividade colectiva, em que todos (jogadores) estejam ligados ao mesmo cerne. Se conseguir-se interligar a criatividade individual com a coletiva e entender a interação entre ambas, certamente conseguirá se entender a complexidade inerente à expressão criatividade.”

(Vítor Frade, 2007), citado por (Casarin, 2011)

Dimensão Técnica II

“Quanto melhor for tecnicamente o jogador, melhor compreende tacticamente o jogo.”

(Jorge Jesus, 2013)

A natureza do jogo: o caos a desordem e incerteza

“É do inesperado
é do espanto
no jogo quando jogado
que levados somos p’ro encanto.”

(Frade, 2014)

 

Valores humanos – Capítulo VII – A transmissão de valores [Subscrição Anual]

Finalizamos o tema Valores humanos, com o seu sétimo capítulo – “A transmissão de valores“. Como referimos na publicação anterior, voltaremos ao tema no futuro, principalmente para aprofundar os valores que entendemos ser fundamentais. Não só na dimensão colectiva, mas também na individual. Não só no papel de treinador mas primeiramente enquanto seres integrados numa sociedade. Perante esta ideia, voltamos a sentir a teia complexa em que nos movemos e a interdependência de todas as dimensões humanas. Nesta linha de pensamento, se podemos analisar, teoricamente, os valores humanos do ponto de vista abstracto, por outro lado, no “terreno”, se nos orientamos pelo tal Supraprincípio da Especificidade, para que a comunicação seja coerente e específica do Futebol, os valores terão que se manifestar em em todas as atitudes e ideias transmitidas pelo treinador. A tal noção de teia complexa, de interdependência e de interactividade leva-nos a este rumo. Portanto… em última, ou em primeira instância dependendo da perspectiva da observação, o jogo da equipa tem para nós, obrigatoriamente de manifestar estes valores.

O tema Valores Humanos encontra-se enquadrado em:

Por outro lado este tema será constituído pelos seguintes captítulos:

  1. Os alicerces do homem… e consequentemente do seu desempenho
  2. Uma sociedade em mudança
  3. Treinador e… educador
  4. O “jogar” expõe e cultiva valores
  5. Priorizar os (bons) valores humanos
  6. Que valores?
  7. A transmissão de valores

Deixamos um excerto do sétimo capítulo publicado, “A transmissão de valores“.

“No Futebol, portanto, o jogador deve desenvolver-se em equipa, sem ser reduzido à equipa. E assim o treinador, nos seus momentos de reflexão, poderá levantar, no mais íntimo de si mesmo, esta questão: qual o tipo de pessoa que eu quero que nasça dos jogadores que lidero? Reside aqui, no meu modesto entender, o momento essencial do treino.”

(Sérgio, 2011), citado por (Esteves, 2011)

(…)

Segundo (Gonçalves, 2012), “os valores… os princípios… as atitudes e comportamentos não são transmissíveis de pais para filhos, de acordo com as leis genéticas… o que implica a obrigatoriedade o seu ENSINO e fundamentalmente a sua prática”. O autor (Rosado) é claro quando aponta que “os valores devem ser reconhecidos e tornados explícitos através do treinador. Os atletas deverão ser ajudados a clarificar os seus valores pessoais e a determinar as suas posições relativamente ao que é defendido por outras pessoas ou grupos”. António Rosado expõe ainda que o treinador deve permitir aos jogadores que “identifiquem, revejam e avaliem os seus próprios valores e os da sociedade e reconheçam os que afectam os seus pensamentos e acções”. 

(…)

Nós vamos um pouco mais longe, nesse mesmo sentido de especificidade. Acreditamos que, seguindo uma metodologia que elege o “jogar”, ou seja, os comportamentos tácticos como centrais no processo, então, à imagem das especificidade que esse jogar cria ao nível da dimensão física, técnica e psicológica… o mesmo deve criar uma especificidade sócio-moral, fruto dos princípios e ideias que sustentam essa forma escolhida de ver e jogar Futebol. Dando exemplos práticos, se é eleita e trabalhada uma organização defensiva sustentada por princípios colectivos e não individuais, como será exemplo a Defesa Zona, onde a solidariedade e o respeito pela equipa enquanto um todo tem de imperar, será então, nesse contexto prático muito mais fácil e coerente ao líder, exigir um pensamento colectivo em detrimento de um individual em todos os aspectos que envolvam a equipa. O autor (Amieiro, 2004) explica que “no fundo, ao manifestar-se, a «zona» expressa:

  • Um «padrão defensivo colectivo»;
  • Complexo, é verdade;
  • Mas também dinâmico e adaptativo;
  • Compacto, homogéneo e solidário.

Serão estas «propriedades», emergentes da coordenação colectiva, a dar verdadeira coesão defensiva à equipa. Esta forma de organização defensiva revela-se, como tal, não só a mais eficaz defensivamente, mas também a que, de longe, melhor responde à «inteireza inquebrantável do jogo». Revela-se, assim, uma necessidade face à «inteireza inquebrantável» que o «jogar» deve manifestar. Não é de estranhar, portanto, que este seja o «padrão defensivo» das equipas de top”. O treinador alemão (Klopp, 2013), a propósito da influência de Wolfgang Frank, que treinou Klopp no Mainz e era um admirador dos métodos de Arrigo Sacchi no Milan descreve que então “apesar de estarmos II Divisão, fomos o primeiro clube alemão a jogar em 4x4x2 sem libero. Vimos um vídeo muito chato, mais de 500 vezes, com o Sacchi a treinar a defesa, sem bola, com o Maldini, Baresi e Albertini. Pensávamos que se os outros fossem melhores tínhamos de perder. Depois aprendemos que tudo é possível, podemos bater os melhores usando táticas“.

(…)

“O carácter não é um dom, é uma vitória.”

Ivor Griffith citado por (Cubeiro, et al., 2010)

A dimensão “física” II

“(…) no futebol, ao contrário de muitos desportos, não há um estereótipo de “atleta”. Como exemplo, na prova de 100 metros do atletismo, é normal vermos atletas altos e musculados; na maratona é normal os atletas serem muito magros; no futebol não é assim, o jogador de futebol não é um atleta, simplesmente é jogador de futebol. Alguém pode dizer que Pirlo, Xavi, Aimar, Messi, David Silva, etc., são atletas? Eu não acho que sejam, simplesmente são jogadores de futebol. Como diz Klopp, a característica mais importante é mesmo a qualidade técnica e logo a seguir vem a inteligência de jogo.”

(Sampaio, 2013)

Esqueçam «tudo» o que aprenderam sobre o «Físico»

“Em primeiro lugar, esqueçam tudo o que aprenderam na escola sobre Matemática. Quase tudo o que vos disseram é mentira. Não é Matemática. Imaginem uma disciplina de Arte em que apenas se ensina como pintar paredes e onde nunca se fala dos grandes mestres como Picasso, nem se incentivam os alunos a ir ver museus.”

O matemático Edward Frenkel, citado por (Bastos, 2015)

https://www.facebook.com/SaberSobreOSaberTreinar/videos/1863521343769808/

Valores humanos – Capítulo VI – Que valores? [Subscrição Anual]

Publicamos a continuação do tema Valores humanos, e o seu sexto capítulo – “Que valores?“. Desta vez, procuramos, de uma forma geral, compreender que valores devem guiar o jogador e a equipa. Em futuras publicações, iremos aprofundar cada um dos valores que defendemos como fundamentais. Na nossa opinião, não só no desporto, como em todas as dimensões da nossa vida.

O tema Valores Humanos encontra-se enquadrado em:

Por outro lado este tema será constituído pelos seguintes captítulos:

  1. Os alicerces do homem… e consequentemente do seu desempenho
  2. Uma sociedade em mudança
  3. Treinador e… educador
  4. O “jogar” expõe e cultiva valores
  5. Priorizar os (bons) valores humanos
  6. Que valores?
  7. A transmissão de valores

Deixamos um excerto do sexto capítulo publicado, “Que valores?“.

“Um dos valores que ensinamos é que temos de ter espírito de superação. Muitos madridistas choraram ontem, mas hoje levantaram-se e é essa a grandeza.”

(Butragueño, 2004) citado por (Lemos, 2005)

(…)

O autor (Rosado) descreve que “existe um grande consenso em torno de valores sociais e morais tais como honestidade, justiça, cuidado, consideração e respeito pelos outros”. Na obra institucional, publicada por (Rosa, 2014) dedicada à Ética no Desporto, o autor identifica “os seguintes princípios como estruturantes dos valores do desporto:

  • Performance e realização: o desempenho deve ser sempre associado ao esforço utilizado para a concretização dos objetivos.
  • Cumprimento de Regras: o desempenho é meritório se efetuado no cumprimento das regras.
  • Igualdade de oportunidades: todos sem exceção têm acesso à prática desportiva, usufruindo nesta dos mesmos direitos e dos mesmos deveres. As condições de prática (e competição) devem também ser as mesmas para os diferentes praticantes, não devendo haver benefício prévio de uns sobre os outros.
  • Respeito: necessidade de manifestação de tolerância e aceitação em relação a todos os envolvidos no desporto e fora dele.
  • Saúde: a prática desportiva e os comportamentos a ela associados nunca devem colocar em causa a saúde e o bem-estar dos praticantes e seus companheiros/adversários.
  • Satisfação pelo esforço: desenvolvimento de habilidades
  • físicas e mentais através do permanente desafio a si próprio e aos outros.
  • Fair-play: desenvolvimento do fair-play nas diferentes dimensões da vida através da aprendizagem deste no contexto desportivo.
  • Respeito pelos outros: desenvolvimento da tolerância relativamente à diferença e à diversidade.
  • Busca pela excelência: desenvolvimento de cultura de excelência associada ao bem-fazer.
  • Equilíbrio entre corpo, mente e espírito: promoção de competências intelectuais e éticas através do desenvolvimento da literacia motora.”

(…)

O autor (Neto, 2012) sustenta que “a prática desportiva, que se define, primeiro que tudo, pela combinação entre a dimensão genuinamente lúdica e a dimensão agonística, isto é, a componente intersubjectiva no âmbito da qual duas vontades se confrontam em busca da vitória (Manuel Sérgio, 2001), constitui, por via disso e pelo facto de promover, acessória mas significativamente, o respeito pelas normas, a solidariedade, a festa e o convívio humano, perfila-se como instrumento privilegiado de socialização e de recreação (no duplo sentido: recreio e reestruturação interior)”. Desta forma, podemos então compreender os valores de cada pessoa como o seu carácter”. Também (Lemos, 2005) salienta que “segundo Sá, são três os principais valores fomentados ao longo do processo de formação: “o jogador tem de possuir espírito colectivo muito forte disponibilizando-se para as tarefas que o treinador lhe pede e que lhe solicite; que seja leal, que tenha espírito desportivo; e, que tenha uma grande capacidade de superação“.

(…)

 

Um contra-ataque 3×2+GR

“A sorte está nos detalhes.”

(Jorge Maciel, 2017)

Entre as muitas situações de jogo que se passaram no passado fim-de-semana, destacamos esta, que ocorreu no jogo entre Wolverhampton e Newcastle. Trata-se de uma situação de contra-ataque 3×2+GR, portanto, na nossa sistematização do jogo, situa-se no momento Transição Ofensiva, sub-momento Contra-Ataque. A pertinência da mesma prende-se com a elevada taxa de insucesso com que esta situação é resolvida no jogo, e simultâneamente, com o potencial que possui para que a equipa crie uma extremamente favorável oportunidade de finalização.

Trazendo a realidade do Futsal, na generalidade, o contra-ataque 3×2+GR, é uma situação que é resolvida de forma muito mais eficiente, e consequentemente, mais eficazmente. A explicação parece-nos simples: há conhecimento para a resolver e é-lhe dada muita relevância no treino. E provavelmente, é-lhe dada essa importância porque existe uma consciência dos treinadores que a situação se repete muitas vezes ao longo do jogo. No Futebol, ao invés, não é uma situação frequente. Porém, se por norma, nos jogos de Futsal sucedem mais golos que nos de Futebol, então, no caso do Futebol, uma boa resolução de apenas uma situação, pode-se tornar decisiva no desfecho de um jogo. Foi muito provavelmente, o que se passou neste jogo.

Este é mais um exemplo da enorme complexidade do jogo de Futebol. Mais número (jogadores), mais espaço, mais tempo, tornam-no rico em diferentes situações de jogo, que elevam o caos, e consequentemente a sua aleatoriedade. Pegando no exemplo da situação de contra-ataque que trazemos neste artigo, se num jogo de Futsal de GR+4×4+GR, o contra-ataque já assume muitas configurações diferentes, um jogo de GR+10×10+GR irá exponenciar a variabilidade desta situação. Assim sendo, o seu treino torna-se também muitíssimo mais complexo. No entanto, e pensando de forma geral, a capacidade de adaptabilidade e o limite ao desgaste são similares para ambos os desportos, porque o homem que o joga é o mesmo. Torna-se portanto decisivo para o treinador, não só o conhecimento do jogo e do treino, mas também a selecção de conteúdos e a sua dose, para que de facto se crie a adaptação mais favorável ao melhor desempenho.

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  1. No primeiro momento em que o vídeo pára, identificamos oportunidade para Diogo Jota acelerar a condução e fixar um dos dois defensores. Optando pelo mais próximo do eixo central do campo, permitiria mais espaço e melhor enquadramento de finalização ao companheiro de equipa à sua esquerda. Fixando este defensor, Jota deveria, simulando um drible, a finalização ou a condução de penetração entre os dois defensores, provocar o defensor de forma a que este trocasse os apoios e assim surgisse a oportunidade para realizar o último passe para as suas costas, deixando-o em enormes dificuldades para recuperar e garantir contenção ao segundo atacante. Este ficaria assim, numa condição privilegiada para finalizar com sucesso.
  2. Precipitando o passe para o companheiro à sua esquerda, possibilidade que o defensor trocasse facilmente a contenção para Dendoncker, Diogo Jota toma depois uma segunda decisão muito boa, que acabaria por corrigir a primeira, através de uma desmarcação circular pelas costas do companheiro, garantindo-lhe assim, uma solução de último passe fácil que colocaria Jota num enquadramento muito favorável de finalização. “Bastava” que para isso, Dendoncker temporizasse, permitindo que o companheiro completasse o movimento, e ao mesmo tempo que fixasse o defensor. Ao contrário, o belga optou por um passe longo para Raúl Jiménez, de mais difícil execução e recepção, e que simultaneamente permitiria tempo, não só para que os dois defensores ajustassem a contenção / cobertura, como por outro lado, para que mais defensores recuperassem defensivamente, perdendo-se assim uma situação, de número e espaço, altamente favorável.

O treinador português Paulo Fonseca, entrevistado por (Rosmaninho, 2015) descreve o seu antigo treinador Jorge Jesus como extremamente exigente e preocupado com o detalhe, sendo as desmarcações um bom exemplo. Paulo Fonseca refere que Jesus faz o jogador pensar, o quando, o como e onde é que tem de receber a bola, para onde é que se tem de movimentar, em que momento, em que timing, e isso faz toda a diferença em certos momentos do jogo. Eu acho que a identificação deste detalhe não está ao alcance de todos”. Está patente que o conhecimento do jogo evoluiu abruptamente nos últimos anos. O autor (Romano, 2007), aludindo-se a um pensamento com mais de 15 anos, refere que “Queiroz (2003a) indica que, nos níveis de maior exigência, o treino evolui ao nível da complexidade e da especificidade do detalhe”. Na mesma linha de pensamento surge (Esteves, 2010), descrevendo que “quanto maior o nível de exigência, menor é a diferenciação qualitativa, e mais importância assume o elemento «detalhe»”. Também (Mourinho, 2010), descreve que “quando estamos a trabalhar algum exercício, estamos a trabalhar todas as vertentes. O mínimo detalhe entra no mínimo exercício, mesmo que possa parecer um exercício simples”. Porém, o autor (Campos, 2008) ressalva que a riqueza que deve surgir no detalhe deve ter sempre como pano de fundo os princípios de jogo“. Torna-se, portanto, cada vez mais importante dominar o detalhe, no enquadramento específico de um Modelo de Jogo, e fazê-lo emergir no treino, rentabilizando ao máximo cada sessão.

“O jogo de qualidade tem demasiado jogo (detalhe, imprevisibilidade) para ser ciência mas é demasiado científico (organizado) para ser só jogo.”

(Frade, 2003) citado por (Romano, 2007)

Corredor central

“As senhoras da limpeza também fazem o corredor todo e nem por isso jogam Futebol!”

Vítor Frade, citado por (Jorge D., 2012)

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Organização Ofensiva | Construção + Criação + Finalização | Construção pela primeira linha + Jogo entre-linhas + Passe vertical + Apoio frontal + Finalização à distância | Manchester City 2019

A estratégia os meios e a identidade

 

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“Os exércitos não têm identidade, têm é meios. O futebol tem é que ter meios. Se a identidade for isso, muito bem. Se a identidade não for isso eu discordo completamente.”

(Silveira Ramos, 2019)

 

“Se nós formos fazer um estudo da quantidade de golos que ocorrem nos últimos 2 anos em Portugal, com a quantidade de bolas que saíram do Guarda-Redes para os Defesas-Centrais, se calhar é… 3000% a mais do que era nos anos anteriores. Porque agora identidade é toda a gente querer sair com os Guarda-Redes a jogar com os Defesas-Centrais, e às vezes não há condições para isso.”

(Silveira Ramos, 2019)

 

“O Barcelona tem sido muito copiado e eu acho que as pessoas às vezes só copiam metade, só percebem metade do que se lá passa, e portanto, ou copiam tudo ou não copiam nada, portanto acho que é melhor não copiarem nada e cada um procurar os seus meios.”

(Silveira Ramos, 2019)

Valores humanos – Capítulo V – Priorizar os (bons) valores humanos [Subscrição Anual]

Publicamos a continuação do tema Valores humanos, e o seu quinto capítulo – “Priorizar os (bons) valores humanos“. Porque numa interpretação lata, podemos considerar um conjunto de valores que vai sendo expresso pelo ser humano, constituído por bons e maus, interessa-nos então compreender aqueles que nos permitem viver em sociedade, quer no geral, quer no jogo, aqueles que nos fazem evoluir enquanto espécie, mas no fundo, os que nos tornam humanos.

O tema Valores Humanos encontra-se enquadrado em:

Por outro lado este tema será constituído pelos seguintes captítulos:

  1. Os alicerces do homem… e consequentemente do seu desempenho
  2. Uma sociedade em mudança
  3. Treinador e… educador
  4. O “jogar” expõe e cultiva valores
  5. Priorizar os (bons) valores humanos
  6. Que valores?
  7. A transmissão de valores

Deixamos um excerto do quinto capítulo publicado, “Priorizar os (bons) valores humanos“.

“A acção humana caracteriza-se pelo seu aspecto acontecimental. Ela é função dos valores, das crenças, das finalidades e da racionalidade daqueles que agem e caracteriza-se também pela situação concreta e complexa na qual se desenvolve.”

Susman & Evered (1978), citados por (Garganta, 1997)

Compreendendo a condição humana, o autor (Carvalho, 2006) expõe, através do neurocientista português António Damásio, que os seres humanos são guiados por mecanismos reguladores que “asseguram a sobrevivência ao accionarem uma disposição para excitar alguns padrões de alteração do corpo (um impulso), o qual pode ser um estado do corpo (fome) ou uma emoção (medo) ou uma combinação de ambos. Estes mecanismos pré-organizados não precisam de uma instalação especial, estando apenas sintonizados para o meio ambiente que nos rodeia. A sua importância não se limita à regulação biológica. O organismo possui um conjunto básico de preferências, também designadas de critérios ou valores. Sob a influência destas preferências e da experiência, o repertório de coisas categorizadas como boas ou más cresce rapidamente, assim, como a capacidade de detectar novas coisasDeste modo, é fundamental “regular” que coisas são apontadas como “boas” “más”E mais importante ainda, quando o contexto é o de crianças e jovens. Assim, neste cenário, (Goleman, 1995) acredita que as escolas “desempenham um papel essencial no cultivo do caráter, ensinando a autodisciplina e a empatia, o que, por sua vez, possibilita o compromisso autêntico com valores cívicos e morais. Mas, para isso, não basta doutrinar as crianças sobre os valores, é absolutamente necessário praticá-los, algo que só ocorre quando a criança está a consolidar as habilidades emocionais e sociais fundamentais. Nesse sentido, a alfabetização emocional anda de mãos dadas com a educação de carácter, desenvolvimento moral e civismo”.

Segundo o autor (Lourenço, 2007), lembrando Shein (2004), a cultura de uma organização, ou de um grupo, constitui-se pelos seus valores básicos, a sua ideologia, a razão de ser de quem está ali, da forma como está e como é“. Deste modo, o autor (Goleman, 1998) descreve que na empresa Egon Zehnder International antes de um trabalhador ser contratado, o próprio Zehnder realiza uma entrevista de cerca de duas horas com o candidato. Zehnder pretende saber “quais são seus hobbies, se ele gosta de ópera, que livros ele lê, quais são seus valores e se é ou não capaz de defendê-los”. Portanto, de acordo com (Santos, 2012), os valores constituem a essência de qualquer cultura (Pinto, 2002), assim como a enorme importância que tal variável assume no processo de gestão e, logo, no processo de liderança de qualquer organização (Schein, 1992; Hofstede, 1997)”. Pedro Santos acrescenta ainda que “o respeito por esses mesmos valores e pelos códigos éticos que a sociedade, onde se encontra inserida a organização, requer e exige, na consecução dos objetivos que persegue, é um ponto a favor das instituições pela imagem que deixa transparecer. A imagem de uma pessoa coletiva séria, honesta, que joga limpo e não trapaceia”. No entanto, o autor (Santos, 2008) explica que estamos perante um excelente exemplo do que pode ser, no sentido metafórico, uma faca de dois gumes“. Segundo o autor, “tal como se podem promover estes valores que serão os mais correctos, também se poderão incentivar os jovens atletas a adoptar valores incorrectos”. Artur Santos explica que “a socialização no desporto implica a adopção de atitudes, normas e comportamentos que distinguem a identidade dos grupos, levando o indivíduo a assumir a particular subcultura da sua equipa, do clube ou da sua, especialmente quando maior for a influência na formatação da identidade grupal exercida pelos pares e pelos treinadores“.

(…)

“A maneira como o indivíduo apreende e interpreta a informação depende da sua experiência, dos seus valores, das suas aptidões, das suas necessidades e das suas expectativas. Temos tendência para reter os dados que são compatíveis com as nossas convicções e as nossas ideologias, e que nos convêm.”

(Abravanel, 1986), citado por (Gomes, 2006)